ARTIGO ARTICLE

 

 

 

 

Pedro Coura-Filho1


Participação popular no controle da esquistossomose através do Sistema Único de Saúde (SUS), em Taquaraçu de Minas, (Minas Gerais, Brasil), entre 1985-1995: construção de um modelo alternativo

An alternative model for schistosomiasis control with active participation by the population through the Unified Health System (SUS) in Taquaraçu de Minas (Minas Gerais, Brazil) from 1985 to 1995

 

1 Laboratório de Imunologia Celular e Molecular, Centro de Pesquisas René Rachou, Fundação Oswaldo Cruz. Av. Augusto de Lima 1715, C. P. 1743, Belo Horizonte, MG 30190-002, Brasil.   Abstract This study evaluated the schistosomiasis control program implemented in Taquaraçu de Minas, Minas Gerais, from 1985 to 1995. In 1995, we measured the prevalence and intensity of infection for a retrospective comparison with the data from 1985. The local health team was trained to manage all the program activities. The work involved stool tests (Kato-Katz), selective specific treatment, medical care for patients spontaneously visiting the local Health Center, definition of measures to be adopted, and popular education focusing on information about the endemic disease. The safe drinking water supply covered 97% of the households in the county seat. Prevalence of infection between 1985 and 1995 was reduced 7.0 fold, from 30.9% to 4.3%. Intensity of infection was also reduced significantly, from 91.2 ± 6.1 to 30.7 ± 2.5 by the end of the program. Municipalization of the schistosomiasis control program through the SUS, by using selective treatment, intradomiciliary supply of potable water, medical care for patients spontaneously visiting the local Health Center, and popular education presented lasting results, indicating this model's feasibility for other endemic areas with similar characteristics.
Key words Schistosomiasis; Consumer Participation; Community Participation; Communicable Disease Control  

Resumo Foi avaliado o programa de controle da esquistossomose realizado em Taquaraçu de Minas, MG, entre 1985 e 1995. A medida de controle adotada foi a participação popular nas ações de controle: tratamento seletivo, saneamento e educação popular. A equipe de saúde local foi capacitada para gerenciar o programa, conforme proposta do SUS. O fornecimento de água potável foi oferecido a 97% das residências no núcleo do Município. Em 1995, foi realizada análise para identificação dos fatores de risco responsáveis pela manutenção da transmissão da esquistossomose. A prevalência da infecção entre 1985-1995 apresentou-se sete vezes menor, passando de 30,9% para 4,3%, respectivamente. A intensidade de infecção também sofreu significativa redução, passando de 91,2 ± 6,1 para 30,7 ± 2,5 (p = 0,00) no mesmo período. A municipalização desse programa de controle da esquistossomose através do SUS, usando-se um tratamento seletivo, fornecimento de água potável intradomiciliar com participação popular nas medidas de controle, seguido de atendimento da demanda espontânea, apresentou resultados duradouros, apontando a possibilidade de uso deste modelo para outras áreas endêmicas com características semelhantes.
Palavras-chave Esquistossomose; Participação Comunitária; Controle de Doenças Transmissíveis  

 

 

Introdução

 

Um dos primeiros artigos encontrados na literatura, onde se relata a participação popular nas ações de controle, foi descrito por Barbosa et al. (1971), que, estudando o Município de Pontezinha, PE, ofereceram fossas secas às residências, lavanderias comunitárias e educação popular aos expostos à infecção pelo Schistosoma mansoni. Observaram, ao final de sete anos, que ocorreu queda da prevalência quando comparou às das áreas de controle, nas quais não foram adotadas quaisquer medidas.

O tratamento e o fornecimento de água combinado à educação popular constituem potencialmente as medidas mais eficazes para o controle da esquistossomose. A solução clássica envolvendo fornecimento de água seria, na teoria, o método mais eficaz, contudo é ainda considerado muito difícil e caro em área endêmica tão extensa como a do Brasil (Coura, 1995). Métodos mais simples de saneamento e fornecimento de água podem reduzir a prevalência e a morbidade da esquistossomose, mas somente a longo prazo e se associado com programas permanentes de educação popular (Barbosa, 1995; Dias et al., 1995; Kloetzel, 1992).

O controle da esquistossomose é uma das tarefas mais difíceis dos serviços de saúde pública em razão da ampla difusão dos hospedeiros intermediários, dos mecanismos de escape com relação à existência de métodos de controle, da freqüência do contato humano com a água em atividades de trabalho agrícola, doméstico e/ou por lazer, das dinâmicas diferentes conforme cada microfoco de transmissão, da falta de água potável, das limitações do tratamento individual e em massa e por causa da falta de abordagem preventiva associada à curativa na organização dos serviços.

Os caramujos, vetores intermediários, têm demonstrado ter pelo menos dois mecanismos de escape contra moluscicidas (Paraense et al., 1954; Jubert & Cunha, 1995), conseguindo repovoar o ambiente com a mesma intensidade em três meses (Coura-Filho et al., 1992a). O controle biológico desses hospedeiros com parasitas, predadores e competidores tem muitas vezes dado resultados satisfatórios em laboratório, mas tem falhado no campo.

Dizer que o controle efetivo e permanente da esquistossomose só será possível com mudanças no comportamento humano mediante a educação popular, com o melhoramento das condições básicas sociais e econômicas da comunidade envolvida, como acontece no Japão, Porto Rico e Venezuela, é tão evasivo, quanto colocar as conseqüências da pobreza na mão de Deus. O desafio é tornar esta proposta viável com racionalidade operacional do ponto de vista da prestação de serviços. De fato, o que se observa é a hegemonia clínica nos serviços de saúde em detrimento do desenvolvimento de abordagens preventivistas e, no caso da esquistossomose, de uma abordagem ecológica, visto que sua transmissão é essencialmente definida por uma relação ecológica na sua estrutura epidemiológica de transmissão.

Em estudos de áreas endêmicas no Brasil, tem sido mostrado que quimioterapia específica para esquistossomose, oferecida a indivíduos em campanhas de tratamento seletivo e/ou em massa, reduz a severidade das formas clínicas da doença, e que o tratamento pode reduzir temporariamente a prevalência da infecção.

Estudos recentes no Estado da Bahia, realizados por Carmo & Barreto (1994), buscando conhecer as modificações no padrão de distribuição dessa endemia entre 1950 e 1990, verificaram a eficácia das medidas de controle. Após emprego de análise de correlação ecológica, identificaram a redução da prevalência média em 336 municípios no período em questão, passando de 15,6% para 9,5%. Consideraram que as modificações na ocorrência da endemia no Estado caracterizaram-se por três aspectos fundamentais: a) ocorreu importante redução da prevalência na maior proporção dos municípios em regiões diferentes do Estado; b) o padrão básico de distribuição espacial da prevalência observado para o momento atual é similar ao encontrado em 1950; c) verificou-se o aumento da prevalência em algumas regiões que sofreram maior modificação ambiental de forma desorganizada em razão do desenvolvimento industrial, promovendo o surgimento de novas áreas de transmissão.

Quando se analisou o efeito da utilização da quimioterapia como medida de controle da esquitossomose, não se evidenciou associação entre a quimioterapia (zero a oito tratamentos) e a redução da prevalência no período estudado; ou seja, a utilização da quimioterapia (principal medida de controle adotada pelo Programa Especial de Controle da Esquistossomose - Pece) além de não modificar o padrão de distribuição da esquistossomose, não estava associada à queda da prevalência média no Estado, demonstrando o efeito limitado da quimioterapia na redução da prevalência. Neste estudo, é questionável o uso da prevalência média como indicador para este tipo de análise, já que esta não só não apresenta distribuição normal quando se considera vasta região para análise, como também não contempla o caráter microfocal da transmissão da endemia.

Para esses autores, o efeito da quimioterapia como medida de controle torna-se relativo sob dois aspectos: primeiro, quanto ao período em que persiste a redução da prevalência, pois esta não permanece por longo período e tende a retomar os níveis iniciais na ausência de fatores que diminuam o risco da transmissão; segundo, devido à redução espontânea da prevalência e de morbidade da endemia, que estaria ligada a outros fatores não relacionados às ações sistemáticas de controle.

Este dado aponta para algumas implicações no aperfeiçoamento das estratégias de controle da esquistossomose: para a manutenção de níveis reduzidos de prevalência com a adoção exclusiva da quimioterapia, seria necessária a realização de ciclos sucessivos em períodos de tempo determinados pela dinâmica de transmissão local.

Outros dados obtidos em estudos longitudinais confirmam a redução espontânea de indicadores específicos da endemia, tais como os de Barbosa et al. (1971) e Coura et al. (1984), em áreas endêmicas no Nordeste do País e no Norte do Estado de Minas Gerais.

Esta 'espontaneidade' foi observada por Coura et al. (1984) no Distrito de Capitão Andrade, Município de Itanhomi, Vale do Rio Doce, em Minas Gerais. Nesta área foram realizados dois estudos seccionais, com o objetivo de avaliar a evolução da morbidade da esquistossomose mansoni em um intervalo de dez anos (1973-1983), sem que nenhum tipo de controle fosse implantado. No primeiro estudo foram examinados 83,0% da população residente, e 82,0%, no segundo. Os pacientes foram submetidos ao exame clínico e ao exame de fezes pelo método de Kato-Katz. Uma amostra de 324 pessoas que se encontravam na área desde o primeiro estudo em 1973 foi reexaminada; destas, 58,0% estavam infectados.

A prevalência da esquistossomose na área era de 60,8% em 1973, passando a 36,2% em 1983. Também houve redução de mais de 50,0% da carga parasitária nas fezes de portadores em todas as formas clínicas, sem que houvesse modificação proporcional das mesmas. Nos 134 não infectados inicialmente e reexaminados em 1983, observou-se uma incidência de 40,3% no período, predominante no sexo masculino e na faixa etária de dez a vinte anos. Quanto às formas clínicas, houve incidência de 51,8% do tipo I; 38,9% do tipo II e 9,3% do tipo III. Dos casos anteriores infectados, 75,3% não sofreram modificações evolutivas.

O fato de a prevalência ter baixado quase 50,0% neste intervalo de dez anos, com apenas 7,0% dos pacientes sendo tratados por iniciativa própria, e também o fato de a carga parasitária ter se apresentado menor em mais de 50,0% sem que as formas clínicas se alterassem na mesma proporção, tiveram, por parte dos autores, as seguintes explicações: a intensa migração com substituição de 73,8% da população original, o que pode ter alterado o grau de infecção da área; essa nova população pode ter apresentado outros hábitos de contato com a água e/ou pode ter ocorrido uma redução espontânea do número de caramujos infectados.

Fato é que outro(s) fator(es), que não o tratamento, reduziu(ram) a prevalência e a intensidade da infecção nesta área em um intervalo de dez anos, sem que a população tivesse recebido qualquer influência de ações clínicas individuais diretas visando ao controle da morbidade da endemia.

Como se observa, tanto a prevalência, quanto a intensidade da infecção, podem regredir com, e às vezes sem, o oferecimento do tratamento. Mas certo é que onde ocorre tratamento, há maior chance de redução da forma grave (Barbosa et al., 1995).

Fora do Brasil, em Santa Lúcia, no ano de 1970, um dos primeiros estudos encontrados na literatura usando-se o fornecimento de água como medida foi densenvolvido em cinco colônias (Grande Ravine, Thomazo, Grande Riviere, Morne Panache Debonnaire) (Unrau, 1975).

A intenção desse programa firmou-se no fato de que, com água em casa, o indivíduo não necessita mais se expor ao fator de risco primário: o contato com a água externa. A preocupação maior se dá em evitar que o indivíduo utilize a água infestada para execução de atividades cotidianas, tais como: lavar roupas e utensílios domésticos, banhar-se, entre outras.

Para execução desse estudo, foram coletados dados, como: a distância da fonte de água (rio ou riacho) até cada residência e qual o consumo de água diário. Foi estimado que cada pessoa consumia em média 15 l de água por dia. Realizou-se um exame parasitológico de fezes para determinar a prevalência de esquistossomose, ascaridíase e outras infecções. Feita essa avaliação inicial, foi dado início à implantação de reservatórios, lavanderias e chuveiros públicos em cada local de estudo, considerando-se as características e necessidades de cada um. Tais instalações foram planejadas para evitar ao máximo o desperdício.

Uma vantagem imediata da instalação deste sistema foi o aumento em 35 l do consumo de água por pessoa, ou seja, quando carregava o líquido para casa, cada um se contentava com o consumo diário de 15 l e, após a instalação, o consumo por dia aumentou para 50 l por pessoa. Como neste sistema a água permanece maior tempo em depósito, estes reservatórios reduzem a viabilidade da vida das cercárias de S. mansoni. O autor chamou a atenção para o fato de que, quanto mais sofisticado o equipamento, mais fácil a manutenção e menor o custo. O custo do sistema como um todo pode ser considerado viável quando usados materiais como PVC, que são eficazes e mais baratos. A participação de voluntários para a construção e instalação do sistema foi também um bom redutor de custo do programa.

Para avaliação desse estudo, foi determinada uma região composta por outras seis colônias para servirem como áreas de controle (Jordan et al., 1975; Jordan et al., 1982). Buscou-se primariamente relatar os efeitos do fornecimento de água intradomiciliar, na transmissão de S. mansoni entre crianças de zero a 14 anos de idade, incluídas numa população de aproximadamente dois mil habitantes das colônias em estudo. A área de controle também possuía aproximadamente dois mil habitantes com características semelhantes aos da área de estudo, onde os residentes, até antes de 1969, obtinham água do rio ou riacho mais próximos para execução das atividades cotidianas.

Para execução e implantação do projeto de fornecimento de água intradomiciliar, foram seguidos alguns procedimentos essenciais. Em primeiro lugar, foi feito um censo onde se identificaram todas as casas, o número de residentes, idade, sexo e todos os outros dados necessários. Após identificação de cada indivíduo, separou-se o grupo etário de zero a 14 anos que seria avaliado e realizou-se o exame parasitológico de fezes, pelo método de sedimentação. Os métodos estatísticos foram usados para avaliar a prevalência, incidência e intensidade de infecção antes, durante e após o fornecimento de água.

Os resultados obtidos mostraram que, com relação à área-controle, a prevalência na área de estudo foi mais alta antes e durante a instalação e menor depois da instalação. A incidência se manteve pequena antes e durante a instalação nas duas áreas, porém houve um acréscimo da mesma após a instalação; ainda assim, a área de estudo teve menor incidência que a área de controle. Com relação à intensidade de infecção, pode-se dizer que esta foi maior na área de estudo antes da instalação, ao passo que, durante a instalação, as duas áreas apresentaram intensidade de infecção pouco aumentada e muito próximas, entretanto, após a instalação, a área de estudo respondeu positivamente, apresentando menor intensidade com relação aos anos anteriores.

A redução da incidência e menor número de infecções na área de estudo, quando associadas à redução da intensidade de infecção, conjuntamente com a menor prevalência, levou à redução do Indice Potencial de Contaminação (IPC), segundo Persigan et al. (1958) e Farooq & Mallah (1966). Os autores ressaltaram que tal medida só pode ser considerada viável quando associada a outras medidas alternativas, tais como controle malacológico, quimioterapia e principalmente a participação popular nas ações de controle para garantia de resultados satisfatórios e seguros.

Unrau (1975), nesse estudo, considerou a participação popular como sendo importante na redução dos custos, Costa (1964) entendeu que, diante do desconhecimento da população sobre a doença em área endêmica, a participação da comunidade pode ser uma medida fundamental para alterar o risco da infecção, uma vez que opera produtivamente a consciência do indivíduo exposto para tornar-se elemento ativo na defesa e preservação da vida. Este autor ressaltou que o papel principal de uma campanha de educação sanitária é informar a comunidade sobre a importância geral da doença e o significado particular de cada detalhe no êxito da luta contra essa endemia. Desse modo, torna-se possível conscientizar a população contra o uso indiscriminado de águas provavelmente infestadas, predispondo os doentes à aceitação do tratamento, visto que, nenhuma campanha contra a esquistossomose terá êxito se não houver, na consciência da comunidade afetada, uma opinião adequada sobre o papel da água na saúde individual e coletiva. Essa opinião deve ser firmada no fato de que a água é um bem de que toda comunidade deve usufruir, mas que, por outro lado, constitui um perigo potencial sempre que não houver distribuição adequada de água canalizada nas localidades endêmicas.

Para a realização do estudo de Costa (1964), foram utilizados dados de um inquérito realizado em João Pessoa, PB, para se avaliar o perfil da comunidade estudada quanto aos serviços de água, às instalações sanitárias, ao tipo dessas instalações, às relações entre água e a vida comunitária e principalmente conhecer qual o lugar ocupado pela água no conjunto de aspirações da comunidade.

Os resultados revelaram que não existia serviço de abastecimento de água e que eram utilizados outros tipos de fontes de abastecimento, tais como: cacimba, poços abertos, tanques e rios. Quanto ao contágio, verificou-se que 50,0% das famílias não sabiam como se realizava a infecção pelo S. mansoni, e apenas 8,0% atribuíam aos caramujos o papel de transmissor da verminose. Observou-se ainda que apenas 16,0% das famílias viam a água como fonte de doenças e 4,6% atribuiam aos banhos de rio e lavagem de roupas nos cursos d'água importância causal na esquistossomose. Como se não bastasse, a água situou-se em quinto lugar entre os requisitos da comunidade como algo necessário para um melhor padrão de vida.

Diante dos dados obtidos, foi possível afirmar que a comunidade estudada vivia em desconhecimento extenso do papel da água na transmissão da esquistossomose. A maioria absoluta da população não incluía a água entre suas aspirações básicas de progresso, e uma porcentagem muito pequena da população atribuiu à água, aos banhos de rio e às lavagens de roupas nos rios o papel causal na esquistossomose. Considerou que a falta de informação impede que a população conheça os verdadeiros fatores responsáveis pela transmissão e manutenção da endemia, sendo assim evidente a necessidade de se conscientizarem as pessoas para que elas sejam capazes de reinvindicar seus direitos e, principalmente, modificar o comportamento e hábitos cotidianos que podem colocar em risco a sua própria saúde.

Assim como Costa (1964), ainda hoje encontramos sanitaristas que acreditam na força mágica da informação. Por sua vez, outros, como Morgan (1984) e Valla et al. (1993), já consideram que é tão mais fácil modificar o comportamento e os hábitos de contatos com água, quanto maiores forem as alternativas oferecidas para a população.

Nossos dados obtidos em Peri-Peri (Coura-Filho et al., 1992b) aproximam-se da percepção de Morgan (1984) e da de Valla et al. (1993). Após 13 anos de repetidos tratamentos anuais e aplicações trimestrais de niclosamida, os indivíduos infectados e os não infectados sabiam, entre 31,0 e 93,1% e 11,4 e 86,0%, as respostas certas, respectivamente. A população conhecia o tipo de verme que provoca a doença, estava ciente de que a transmissão se dá por contato com água, quais os sinais e sintomas provocados, a localização do verme no corpo, como se faz o diagnóstico, como se faz o tratamento e como evitar a infecção. Mesmo assim a transmissão na área foi aumentada cinco vezes, passando a prevalência de 4,4 para 19,6% após três anos de interrupção das medidas. A prevalência só voltou a ser reduzida significativamente, de 19,6 para 4,3%, três anos após o fornecimento de água potável intradomiciliar (dados ainda não publicados). Ou seja, "a informação sem oferecer os meios não foi suficiente para se tornar potência de transformar consciência em ação de prevenção e/ou controle da endemia nesta área" (Coura-Filho, 1996:99). Dito de outra forma, parece que a posse da informação sobre a endemia não tem função linear para produzir alteração no comportamento ao lidar com água contaminada por cercárias de S. mansoni.

Em São Paulo, Lima (1993) também observou que ter água potável intradomiciliar não apresenta função linear de prevenção à instalação da endemia. É o tipo de atividade de indivíduos na periferia de São Paulo, com função hortifrutigranjeira, que vem propiciando a instalação da esquistossomose.

Em Ravena, também observamos padrão de transmissão urbana definido pela necessidade de lazer em cursos naturais de água próximos da região metropolitana de Belo Horizonte, mesmo em indivíduos que tinham água potável intradomiciliar (Coura-Filho et al., 1996).

Em outros estudos desenvolvidos para discutir as medidas de controle adotadas para alterar a transmissão da esquistossomose, Dias et al.,(1995), Coura (1995) e Barbosa (1995) verificaram que as principais medidas adotadas em programas de controle, em geral, são a educação popular, saneamento (água potável e esgoto) e o controle malacológico. Mas estes autores colocam que tais medidas, ao serem analisadas separadamente, apresentam uma eficácia que é potencializada quando administradas com participação ativa da população nas ações de controle.

Considerando a associação de medidas, como fornecimento de água potável e tratamento seletivo e educação popular, o presente estudo objetivou avaliar os indicadores específicos da esquistossomose no programa de controle em Taquaraçu de Minas, MG, desenvolvido na rede básica de saúde (SUS) entre 1985-1995, com a participação ativa da população na definição, gerenciamento e execução das ações adotadas.

 

 

Material e métodos

 

Área de estudo

 

O Município de Taquaraçu de Minas está situado a 65 Km de Belo Horizonte, MG; é constituído por uma população de, aproximadamente, 3.500 habitantes, sendo rural o maior contingente populacional. Apresenta altitudes superiores a 800 m, localizando-se as mais elevadas acima de 1.000 m.

A atividade econômica representativa deste município é a agropecuária extensiva, ocupando 76% da população economicamente ativa e caracterizada pela produção leiteira. A rede de drenagem municipal faz parte da bacia do Rio São Francisco. Seu principal curso d'água é o Rio Taquaraçu, tributário do Rio das Velhas, que corta o centro da área municipal, banhando a sede. A área municipal é delimitada por outros cinco municípios: Jaboticatubas, Caeté, Sabará, Santa Luzia e Nova União.

Toda a população tem acesso à assistência médica fornecida por um posto de saúde no núcleo do município, a um posto telefônico, ao servico bancário, ao serviço de postagem, à luz elétrica e ao ensino de 1o grau.

 

Planejamento do programa

 

O programa de controle instalado no município foi elaborado e executado em três fases: a primeira, fase de implantação e definição das medidas a serem adotadas (1985), a segunda, que se iniciou com a execução das ações na rede básica de saúde (1985-1995) e a terceira, que se refere à avaliação dos indicadores específicos da endemia, que é o objeto deste estudo.

Em 1985, foram examinados 757 indivíduos da área urbana, enquanto que, em 1995, examinaram-se 697 indivíduos, representando 87,1% e 70,1% da população total do núcleo urbano, respectivamente.

Na primeira fase, houve a formação e capacitação do Conselho Municipal de Saúde para participar das ações, gerenciar e fazer controle fiscal do programa. Tal comissão era constituída por membros eleitos da própria comunidade (pescador; açogueiro; professora primária e líder dos sem-terra; agentes de saúde e médico), contando com a participação externa da supervisora do Centro Metropolitano de Saúde, de um técnico da Legião Brasileira Assistencial (LBA), de um técnico da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater), de um Pesquisador do Centro de Pesquisas René Rachou (CPqRR) e pelo prefeito que a presidiu. Houve também treinamento de voluntários para realizarem as seguintes atividades: cadastro populacional; coleta de material para exame de fezes da população; marcação de consultas para tratamento; instalação de 28 açudes para criação de patos e peixes predadores de caramujos nas localidades rurais do município.

Foi feito o levantamento malacológico no perímetro urbano, e as três espécies transmissoras (Biomphalaria glabrata; B. tenagophila e B. straminea) foram encontradas, porém apenas um exemplar de B. glabrata foi capturado e estava infectado pelo S. mansoni.

Na segunda fase, deu-se a execução das ações na rede básica de saúde: (a) exame de fezes da população (Katz et al., 1972), tratamento dos 234 infectados pelo S. mansoni em 1985, seguido do atendimento da demanda espontânea (11,2% da população) no centro de saúde local; (b) fornecimento de água pótavel (o fornecimento de água foi oferecido à 97% das residências em 1985, atingindo 100% das mesmas em 1995); (c) instalação de fossas na área rural e (d) informação através de oficinas de trabalhos em escolas e associações de moradores, filmes, vídeos e palestras sobre a endemia dentro e fora do sistema formal de ensino.

Na terceira fase, buscou-se identificar a prevalência e intensidade de infecção em 1995 para posterior comparação com os dados de 1985, considerando apenas a população residente no núcleo urbano do Município. Foi feita a análise dos fatores de risco identificados na tentativa de se explicar a manutenção da transmissão da endemia no núcleo urbano.

 

Análise dos indicadores

 

Para avaliar a eficácia do programa de controle, foram considerados como indicadores específicos a prevalência e a intensidade de infecção, e como indicador epidemiológico fatores de risco.

A prevalência foi obtida considerando-se o número de ovos de Schistosoma mansoni encontrado em duas lâminas preparadas de uma única amostra de fezes por indivíduo (Katz et al., 1972). A intensidade de infecção foi determinada pela média geométrica do número de ovos por grama de fezes (opg) que os indivíduos infectados eliminavam nas fezes. A identificação dos fatores de risco foi obtida mediante o uso de um questionário que qualifica a situação sócio-econômica e comportamental de cada indivíduo. A análise dos fatores de risco foi feita pelo pacote MTLR (Campos-Filho & Franco, 1989). A amostra dos controles (não infectados) foi de 1:2, levando-se em consideração os indivíduos positivos e negativos, escolhidos aleatoriamente.

A análise de tais indicadores foi realizada considerando-se os indivíduos residentes no Município durante o programa e aqueles nascidos na área, juntamente aos que chegaram à cidade durante o estudo.

 

 

Resultados

 

A prevalência entre 1985 e 1995 esteve sete vezes menor, passando de 30,9% para 4,3%, respectivamente. Tal redução pode ser observada em todas as faixas-etárias e independentemente do sexo. É possível verificar que os indivíduos nascidos após o programa evidenciaram a queda da transmissão da endemia na área, visto que há apenas um indivíduo infectado na faixa etária de zero a nove anos, em 1995, o que significa prevalência igual a 0,7%, ao passo que, em 1985, este mesmo grupo etário apresentava prevalência igual a 19,1% (Tabelas 1 e 2).

 

 

 

 

Obteve-se significativa redução na intensidade de infecção, passando de 91,2 ± 6,0 opg (1985), para 30,6 ± 2,4 opg (1995). Em 1995, a redução do número de ovos por grama de fezes esteve presente em todas as faixas etárias, sendo importante ressaltar que, em 1985, os grupos etários de 0-4, 10-14 e 15-19 anos ainda apresentavam média geométrica superior a 100,0 opg (Tabela 3).

 

 

Dentre os fatores de risco analisados, nenhum esteve associado à infecção, não podendo assim explicar a transmissão da endemia no núcleo urbano do município.

Como produtos inespecíficos do programa, a população rural passou a contar com 280 fossas secas instaladas com participação popular em sistema de mutirão e 28 poços de criação de peixes em localidades rurais associados a criação de patos predadores de caramujos.

A prevalência da endemia na área rural, que era, em 1985, de 56,0%, passou a 19,0% em 1995, após dois levantamentos coproparasitológicos em 1992 e 1994, seguidos de tratamento dos infectados, com oxaminiquine. Tais levantamentos foram realizados pela FNS, que adotou no diagnóstico apenas uma lâmina pelo método Kato-Katz.

Do ponto de vista da organização do sistema local de saúde, verificou-se que o programa estimulou o processo de municipalização da assistência terciária, culminando na construção de um ambulatório municipal capaz de atender outras demandas, incluindo pequenas cirurgias.

As formas hepatointestinais que ocorriam em 2,5% da população em 1985 não foram mais detectadas entre os infectados em 1995.

 

 

Discussão e conclusões

 

O presente estudo permitiu verificar que o fornecimento de água potável e o tratamento seletivo dos infectados, desenvolvido na rede básica de saúde com participação ativa da população nas ações de controle, promoveram significativa redução da prevalência e da intensidade de infecção na população de Taquaraçu de Minas, entre 1985 e 1995, sem que estes indicadores voltassem a níveis, como os do início do programa, como ocorre quando é adotado o tratamento seletivo como medida única ou associada a outras que não o saneamento. Tal redução tornou-se ainda mais evidente quando analisamos o grupo de indivíduos nascidos após o programa, que informaram sobre a redução da prevalência no núcleo do Município; passando de 19,1% para 0,7%, respectivamente.

Questionando o fato de que nenhum dos fatores de risco analisados esteve associado à infecção, deve-se considerar que: a) em algumas das variáveis analisadas, o número de indivíduos foi muito pequeno, pouco representativo, para se encaixar no modelo de análise de regressão logística; (b) o pequeno número de indivíduos infectados (20) aumentou a instabilidade da técnica, tornando-a ineficiente pra identificação dos fatores de risco, e c) não foram encontrados focos de transmissão no perímetro do núcleo urbano do município. Talvez, atividades de manejo de animais em açudes construídos para o gado na época da seca possam explicar a transmissão no município, visto que a agropecuária extensiva é a sua principal atividade econômica. Outra possibilidade é considerar que a conscientização da população via educação popular e participação nas ações de controle tenham colaborado na redução dos riscos de transmissão.

Em João Pessoa/PB, Costa (1964) verificou a necessidade de se conscientizar a população sobre o papel da água na saúde individual e coletiva. Por exemplo, quanto à transmissão, 50% das famílias não sabiam como ocorre a infecção pelo S. mansoni, e apenas 8% das famílias atribuem aos caramujos o papel de hospedeiro na transmissão da verminose. Observou-se ainda que 16% das famílias atribuíram aos banhos de rio e lavagem de roupas nos cursos d'água a importância causal da esquistossomose. Como se não bastasse, a água situou-se em quinto lugar entre as aspirações da comunidade como algo necessário para um melhor padrão de vida.

Em um modelo proposto por Barbosa et al. (1993), no Município de Afonso Cláudio, ES, um programa de controle foi desenvolvido juntamente com o serviço de saúde local e com a participação ativa da comunidade. Neste estudo, o tratamento medicamentoso em massa e o uso de moluscicidas foram medidas excluídas do programa. A expectativa era de que o modelo fosse capaz de reduzir os indicadores da endemia na área e que a pesquisa participativa fosse o ponto de partida para os procedimentos de coleta e análise dos dados. Além disso, esperva-se que a participação ativa da população nas ações de controle fosse uma forma de mobilização coletiva em ações de saúde pública.

A participação popular em programas de controle pressupõe considerar o indivíduo como principal foco de atenção, levando em consideração toda a sua bagagem de (des)conhecimento sobre a endemia (causa, prevenção e tratamento), seu comportamento, os modos de contato com água e os fatores sócio-econômicos, que definem o modo de transmissão específico para cada grupo de indivíduos.

Tais procedimentos sugerem que métodos simples de intervenção, como saneamento e quimioterapia, são eficazes no controle da esquistossomose, desde que haja em conjunto uma educação popular de constante atuação. Enfatizando essa idéia, Kloetzel (1992) afirma que o controle da esquistossomose está ao nosso alcance com investimentos modestos, o que pode ser confirmado pelos resultados obtidos em Taquaraçu de Minas. A quimioterapia seletiva associada a medidas de saneamento, acompanhadas de um mínimo de educação sanitária e mobilização da comunidade, podem realizar o controle da esquistossomose, ainda que a longo prazo. Segundo Barbosa (1995), o modelo para controle da esquistossomose, ou de qualquer outra endemia, deve ser desenvolvido com base no paradigma sócio-cultural que seja capaz de explicar os vários processos de produção de doenças endêmicas; o autor acrescenta que o modelo tecnológico e suas estratégias usado em países de primeiro mundo não são aplicáveis aos de terceiro mundo, porque são baseados em uma ideologia conservadora, responsabilizando os indivíduos pela produção de suas próprias doenças.

Um programa como o aqui descrito, que conta efetivamente com a participação da população na definição das medidas a serem adotadas, gerenciamento e execução das mesmas, é específico para a área em estudo, mas torna-se viável para ser aplicado em outras áreas, desde que se leve em consideração a realidade (de tempo e espaço) em que se quer atuar e a decisão política local para o enfrentamento do problema.

De acordo com Dallari (1985), o planejamento e a execução das atividades sanitárias em nível municipal só se adequarão à realidade e às necessidades locais se houver efetiva participação comunitária. Essa participação será favorecida pela criação dos conselhos municipais de saúde, com ampla margem de liberdade de ação.

Em Taquaraçu de Minas a formação do Conselho Municipal de Saúde, que, além de reunir representantes da própria comunidade, contou com a participação de outros setores, tais como de pesquisador e supervisor de saúde pública, favoreceu a implantação e o desenvolvimento do programa, de forma a contribuir para a criação de um modelo alternativo para o controle da esquistossomose, mostrando-se adequado para trabalhar com a realidade local. Faz-se necessário mencionar que tais conselhos podem constituir problema, tornando-se estruturas artificiais para o exercício do poder municipal, quase sempre despreparado para conviver com o controle fiscal popular.

Os resultados da municipalização deste programa de controle sugerem a possibilidade de uso deste modelo em outras áreas endêmicas e apontam para a possibilidade de o Estado de Minas Gerais, por intermédio da Fundação Nacional de Saúde e municípios, realizar excelentes programas municipais de controle da esquistossomose já em andamento nos 380 municípios e obter resultados mais duradouros se for adotado o modelo aqui testado.

 

 

Considerações finais

 

A complexidade da transmissão da esquistossomose vem exigindo alterações de formas de seu controle ao longo do tempo. Estas alterações têm dependido do conhecimento que se tem sobre aspectos clínicos, de transmissão, inter-relações de elementos bio-sócio-culturais na sua determinação, assim como das possíveis associações entre ações, medidas e abordagens no controle da morbidade e da transmissão, quando possível.

Estas alterações vêm sofrendo influências dos produtos biotecnológicos disponíveis no combate ao hospedeiro intermediário e do uso de drogas parasiticidas em tratamentos clínicos. Além disso, acumulou-se conhecimento sobre a epidemiologia da doença obtido em ensaios clínicos em comunidades.

Até a década de 70, observamos a hegemonia da procura da interrupção da transmissão via eliminação do caramujo, por ter sido considerado na época o elo mais frágil da cadeia epidemiológica de transmissão da endemia.

Embora, no Egito, Farooq & Mallah (1966) tivessem obtido bons resultados sobre a eficácia da niclosamida no combate ao caramujo, no Brasil, nossos resultados (Coura-Filho et al. (1992b) apontaram a dificuldade de controlar a esquistossomose por esta via em razão do grande volume de água em grandes criadouros, onde caramujos apresentam eficientes mecanismos de escapes (Paraense et al., 1954; Jubert & Cunha, 1995).

A consagração do oxamniquine e do praziquantel, drogas disponíveis para uso até mesmo em larga escala, administradas por agentes primários de saúde, e os resultados obtidos no seu uso visando ao controle da morbidade em tratamentos clínicos, colocaram o tratamento como eficiente medida de controle, mesmo em áreas de altas taxas de reinfecção.

Apesar de a produção biotecnológica contar com eficientes moluscicidas para eliminar o hospedeiro intermediário em pequenos focos, contar ainda com drogas esquistossomicidas e método prático de diagnóstico coproparasitológico, o controle da transmissão só será possível quando associado ao desenvolvimento econômico com preservação ambiental e social, como no Japão. Na realidade, os enfoques do tratamento químico dos hospedeiros intermediários e definitivos não são suficientes para controlar a transmissão e evitar a expansão territorial da endemia em países do terceiro mundo, como no Brasil. Nestes, observa-se nítida determinação econômica associada à ambiental e comportamental na transmissão da esquistossomose.

A determinação econômica na transmissão do S. mansoni é observada, quando na periferia urbana de grandes centros populacionais, como Belo Horizonte, há transformação desorganizada do espaço, criando receptividade à sua instalação, estando envolvidas condições ambientais desfavoráveis à qualidade de vida, principalmente, no que se refere ao uso da água. A falta de água potável (seja no espaço rural, seja no urbano) e/ou seu uso inadequado promovem o deslocamento de chances diferentes de instalação da transmissão no território.

Paralelamente ao desenvolvimento biotecnológico no diagnóstico e no tratamento químico de hospedeiros, outra área de produção de conhecimento que vem contribuindo muito para a alteração nas abordagens de controle da esquistossomose ao longo do tempo é a da tecnologia resultante da epidemiologia aplicada nos serviços de saúde pública experimentada no Brasil.

A experiência acumulada no Pece (1976) e nos vários estudos longitudinais observados na literatura evidenciam alguns conhecimentos da epidemiologia da esquistossomose que necessariamente podem e devem ser contemplados em um modelo alternativo de controle, principalmente dentro da atual proposta de controle de endemias através do SUS. Apontamos aqui alguns destes conhecimentos: a) o caráter focal na transmissão; b) variação da possibilidade de associação de fatores de risco em cada foco, o que exige validação do enfoque de risco e sua eficácia em predizer medidas eficientes; d) a possibilidade do uso de um modelo conceitual de transmissão com alto valor preditivo positivo na identificação de grupos particulares de risco em uma dada população exposta; e) a possibilidade da autogestão de programas de controle da morbidade da endemia integrados a outras demandas de doenças de veiculação hídrica atendidas na rede básica de saúde; f) o reconhecimento das vantagens da participação ativa dos usuários dos serviços em ações de controle da endemia, tanto no barateamento dos custos, quanto na construção da consciência coletiva no uso adequado da água.

Estes conhecimentos são hoje instrumentalizações epidemiológicas imprescindíveis no controle da esquistossomose e trazem em si a possibilidade de organização dos serviços dentro do SUS.

Mas, embora tenhamos biotecnologia e conhecimentos epidemiológicos suficientes para instrumentalizar o controle da esquistossomose no espaço de microfocos rurais, muito pouco sabemos do processo de produção da endemia no espaço urbano.

A instalação da endemia no espaço periférico de grandes conglomerados populacionais é produto do capital globalizado, acumulado e centralizado. Esta globalização promove o deslocamento da esquistossomose do espaço rural para o urbano, que, além de não apresentar condições ideais no uso da água, força grande contigente populacional a procurar opções de lazer em águas existentes na periferia metropolitana durante longos períodos de folga e/ou desemprego, ou ainda em razão da falta de opções de lazer.

Este padrão urbano de transmissão é novo e nos traz um grande desafio: construir um modelo alternativo de controle da esquistossomose que leve em consideração estes aspectos comportamentais. Este modelo alternativo deve contemplar alguns aspectos deste padrão, tais como: mobilidade dos indivíduos no espaço urbano, maior presença dos serviços de ensino e saúde do Estado na rede básica, crescente exclusão de indivíduos do processo de produção e consumo, entre outros. É cada vez maior o contigente populacional urbano que tem que fazer por si e para si o que era atribuição do Estado brasileiro durante o regime autoritário, para garantir a mínima condição de sobrevivência e reprodução de biomassa, agora quase desnecessária, como mão-de-obra barata diante da crescente tecnologia (Coura-Filho, 1997 a, 1997 b).

Concluindo, o modelo de controle da morbidade da esquistossomose adotado em Taquaraçu de Minas, MG, entre 1985/1995, comparado aos demais aqui analisados, foi capaz de reduzir de forma mais duradoura os indicadores específicos da endemia. A quimioterapia seletiva associada ao fornecimento de água potável intradomiciliar, com fornecimento de informação sobre a doença dentro e fora do sistema formal de ensino, estabelecendo relação causal entre o comportamento e a transmissão da endemia, bem como a mobilização da comunidade para se organizar e buscar formas alternativas de soluções, controlaram a esquistossomose e mativeram baixos os indicadores por um período maior que dez anos, não tendendo a voltar aos níveis iniciais. Estes resultados apontam para a grande oportunidade de se municipalizarem programas de controle da endemia em municípios da área endêmica do Estado de Minas Gerais reduzirem o volume e a intensidade da transmissão no Estado. Porém, nossos resultados apontam para a necessidade de se garantir grande cobertura dos programas, contar com a participação ativa e consciente dos expostos à infecção pelo S. mansoni nas ações de controle e com uma referência técnica sólida com visão transdisciplinar da transmissão da endemia no planejamento e monitoramento epidemiológico.

 

 

Agradecimentos

 

Ao Prefeito Municipal de Taquaraçu de Minas, Sr. Aristeu Eduardo Moreira, pela colaboração e apoio logístico no desenvolvimento deste estudo. À Margarida, líder dos agricultores sem-terra, pela consciente provocação para que este programa fosse levado até a área rural de Taquaraçu de Minas.

 

 

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