EDITORIAL

 

 

Educação em saúde: novas perspectivas

 

A educação em saúde é um campo multifacetado, para o qual convergem diversas concepções, das áreas tanto da educação, quanto da saúde, as quais espelham diferentes compreensões do mundo, demarcadas por distintas posições político-filosóficas sobre o homem e a sociedade.

Formalmente, estabelece-se como área específica na segunda década deste século, nos Estados Unidos, durante uma conferência internacional sobre a infância. No Brasil, instituiu-se no âmbito da saúde pública, orientando novas práticas, e só mais tarde constituiu-se em área de estudo e pesquisa. Verifica-se que, dentre várias, duas dimensões dessa disciplina se destacam e persistem atualmente. Uma primeira envolve a aprendizagem sobre as doenças, como evitá-las, seus efeitos sobre a saúde e como restabelecê-la. A outra tendência, caracterizada como promoção da saúde pela Organização Mundial da Saúde, inclui os fatores sociais que afetam a saúde, abordando os caminhos pelos quais diferentes estados de saúde e bem-estar são construídos socialmente.

Dessa forma, ao conceito de educação em saúde se sobrepõe o conceito de promoção da saúde, como uma definição mais ampla de um processo que abrange a participação de toda a população no contexto de sua vida cotidiana e não apenas das pessoas sob risco de adoecer. Essa noção está baseada em um conceito de saúde ampliado, considerado como um estado positivo e dinâmico de busca de bem-estar, que integra os aspectos físico e mental (ausência de doença), ambiental (ajustamento ao ambiente), pessoal/emocional (auto-realização pessoal e afetiva) e sócio-ecológico (comprometimento com a igualdade social e com a preservação da natureza). Entretanto, a par dessa noção ampliada de saúde, observando-se a prática, verifica-se que atualmente persistem diversos modelos ou diferentes paradigmas de educação em saúde, os quais condicionam diferentes práticas, muitas das quais reducionistas, o que requer questionamentos e o alcance de perspectivas mais integradas e participativas.

Uma educação em saúde ampliada inclui políticas públicas, ambientes apropriados e reorientação dos serviços de saúde para além dos tratamentos clínicos e curativos, assim como propostas pedagógicas libertadoras, comprometidas com o desenvolvimento da solidariedade e da cidadania, orientando-se para ações cuja essência está na melhoria da qualidade de vida e na 'promoção do homem'.

Nas últimas décadas, observa-se uma grande ebulição de programas e pesquisas nessa área, o que motivou a iniciativa de se organizar este número temático, o qual não tem intenção nem espaço para retratar a vasta diversidade das ações e produções em desenvolvimento, sobretudo no Brasil. Por meio de convites a pesquisadores e educadores nacionais e internacionais, o que se buscou foi apresentar um pouco dessa multiplicidade, incluindo aspectos históricos, análises de programas de formação de pessoal desde o nível elementar até a pós-graduação, avaliação de metodologias, estratégias e materiais educativos, assim como algumas considerações teóricas sobre as tendências da atualidade. Esperamos que o conteúdo deste número seja um estímulo ao debate, à reflexão, a propostas e ações para além dos processos de prevenção a doenças e promoção da saúde, ampliando-se na direção da formação de pessoas comprometidas com a luta contra as desigualdades sociais e em busca de encontros humanos mais solidários.

   

Virgínia T. Schall
Instituto Oswaldo Cruz e Centro de Pesquisa René Rachou
Fundação Oswaldo Cruz

Miriam Struchiner
Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde
Centro de Ciências da Saúde

Universidade Federal do Rio de Janeiro

 

 

Health education: new perspectives

 

Health education is a multifaceted field in which numerous concepts converge from the fields of both education and health, reflecting different world views and framed by distinct political and philosophical positions concerning man and society.

Health education was established formally as a specific field in the latter half of the 20th century, during an international conference on childhood held in the United States. In Brazil, it was instituted within the public health sphere, orienting new practices and only later becoming an area of research per se. Two trends have stood out to this day in the overall field of health education. The first concerns learning about diseases, their effects on health, how to prevent them, and how to reestablish a state of health. The other trend, characterized as health promotion by the World Health Organization, includes social factors affecting health, approaching the ways by which different states of health and well-being are socially constructed.

The concept of health promotion thus supersedes that of health education as a broader definition of a process encompassing participation by the entire population in the context of their daily lives, thus including not only those individuals considered at risk of becoming ill. This notion is based on an expanded concept of health, considered a positive, dynamic state, a quest for well-being, including aspects both physical and mental (absence of disease), environmental (adjustment to surroundings), personal/emotional (individual and affective achievement), and psychosocial (a commitment to social equality and preservation of nature). Nevertheless, along with this expanded notion of health, one notes in current practice that there are different health education models or paradigms underlying different practices, many of which are reductionist, thus requiring critical scrutiny and the search for more integrated and participatory perspectives. An expanded health education model includes public policies, appropriate environments, and the reorientation of health services beyond clinical and curative therapies, as well as liberating pedagogical proposals, committed to the development of solidarity and citizenship and oriented towards measures whose essence is improved quality of life and "human promotion".

In recent decades we have seen a great wave of programs and research in this area, hence stimulating the initiative to organize this special thematic issue, the purpose and scope of which are not to portray all the vast diversity of actions and programs under way in health education in Brazil. Rather, by inviting Brazilian and international researchers and educators to participate in this issue, the idea was to provide an overview of this multiplicity, including historical aspects, analyses of training programs ranging from the elementary to the graduate studies levels, evaluation of methodologies, strategies, and educational materials, and some theoretical remarks on current trends. We hope that the content will stimulate debate, reflection, proposals, and actions beyond the disease prevention and health promotion processes, extending in the direction of training individuals committed to the struggle against social inequalities and in search of more solidarity in human encounters.

  

Virgínia T. Schall
Instituto Oswaldo Cruz e Centro de Pesquisa René Rachou
Fundação Oswaldo Cruz

Miriam Struchiner
Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde
Centro de Ciências da Saúde
Universidade Federal do Rio de Janeiro

 

 

"A nosso entender, é necessário pensar a Educação e a Saúde não mais como uma educação sanitarizada (educação sanitária) ou localizada no interior da saúde (educação em saúde) ou ainda educação para a saúde (como se a saúde pudesse ser um estado que se atingisse depois de educado!). É preciso recuperar a dimensão da Educação e da Saúde/doença e estabelecer as articulações entre esses dois campos e os movimentos (organizados) sociais. E mais - como práticas sociais articuladas com as necessidades e possibilidades das classes populares na formulação de políticas sociais e das formas de organização social que lhes interessam".

(Joaquim A. C. Melo, 1987).

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br