NOTA RESEARCH NOTE

Almir de Souza Medeiros 1
Oswaldo José da Cruz 2
Monica Ammon Fernandez 3


Esquistossomose mansônica e distribuição dos moluscos límnicos em criadouros naturais no Município de Niterói, Rio de Janeiro, Brasil

 

Schistosomiasis mansoni and distribution of freshwater mollusks in natural bodies of water in Niterói, Rio de Janeiro State, Brazil

 

1 Centro de Controle de Zoonoses e de Doenças de Transmissão Vetorial, Fundação Municipal de Saúde de Niterói. Rua Gustavo Moreira 200, Niterói, RJ 24140-590, Brasil.
2 Laboratório de Malacologia, Departamento de Ciências Biológicas, Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz. Rua Leopoldo Bulhões 1480, Rio de Janeiro, RJ 21041-210, Brasil.
3 Departamento de Malacologia, Instituto Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz. Av. Brasil 4365, Rio de Janeiro, RJ 21045-900, Brasil.
ammon@ioc.fiocruz.br

 

Abstract The authors report on the distribution of freshwater mollusks in Niterói, Rio de Janeiro State, Brazil, and notification of schistosomiasis cases in this municipality from 1995 to 2000. All breeding sites favorable to freshwater mollusks were surveyed, showing the following species: Antillorbis nordestensis (Lucena, 1954), Biomphalaria straminea (Dunker, 1848), Biomphalaria tenagophila (Orbigny, 1835), Drepanotrema anatinum (Orbigny, 1835), Lymnaea columella Say, 1817, Melanoides tuberculatus (Müller, 1774), Physa cubensis Pfeiffer, 1839, Physa marmorata Guilding, 1828, and Pomacea sordida (Swainson, 1823). Some 3,691 specimens of snail hosts for Schistosoma mansoni Sambon, 1907 were examined by exposure to artificial light and crushing. No S. mansoni cercariae were found, although other types of cercariae were observed.
Key words Schistosomiasis Mansoni; Mollusca; Planorbidae

 

Resumo A distribuição dos moluscos límnicos presentes em Niterói, Estado do Rio de Janeiro, Brasil, bem como dos casos de esquistossomose relatados no período de 1995 a 2000, são apresentados. Foram pesquisadas todas as coleções hídricas favoráveis à ocorrência de moluscos límnicos, sendo encontradas as seguintes espécies: Antillorbis nordestensis (Lucena, 1954), Biomphalaria straminea (Dunker, 1848), Biomphalaria tenagophila (Orbigny, 1835), Drepanotrema anatinum (Orbigny, 1835), Lymnaea columella Say, 1817, Melanoides tuberculatus (Müller, 1774), Physa cubensis Pfeiffer, 1839, Physa marmorata Guilding, 1828 e Pomacea sordida (Swainson, 1823). Foram examinados 3.691 moluscos hospedeiros de Schistosoma mansoni Sambon, 1907 pela exposição à luz artificial e esmagamento e, embora negativos para este parasito, eliminaram outros tipos cercarianos.
Palavras-chave Esquistossomose Mansônica; Moluscos; Planorbidae

 

 

Introdução

 

Os primeiros casos autóctones de esquistossomose em Niterói, foram detectados por Maciel (1929). A presença do molusco hospedeiro, Biomphalaria tenagophila (Orbigny, 1835), foi primeiramente documentada por Martins (1957), que observou sete coleções hídricas com planorbídeos, caracterizando os focos ativos no município, e detectou 92 casos autóctones.

Posteriormente, Coelho (1959), estudando a extensão da esquistossomose no território brasileiro, concluiu ser Niterói e Duas Barras os únicos municípios endêmicos do Estado do Rio de Janeiro. Em 1969, Suassuna & Coura analisaram a procedência dos doentes observados na Clínica de Doenças Tropicais e Infectuosas da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro e, dos 56 casos de esquistossomose encontrados no Estado, somente um correspondia a Niterói (Suassuna & Coura, 1969). Mais tarde, Freitas (1972) registrou nesse município uma prevalência abaixo de 4%, e Claussen & Keim (1972), após observarem 28 casos de esquistossomose, oriundos de localidades próximas de Maria Paula e Mata Paca, caracterizaram o foco e concluíram que não era recente.

Embora os registros de casos de esquistossomose persistissem, os estudos sobre os moluscos hospedeiros foram restritos. Além de Martins (1957), somente Corrêa-Soares & Silva Filho (1985) analisaram a distribuição e densidade de B. tenagophila em uma única horta.

Os dados referidos anteriormente, associados ao crescimento populacional no município e à ausência de um sistema sanitário eficaz, tornaram pertinente o desenvolvimento deste trabalho, cujos objetivos foram: pesquisar os antigos focos de esquistossomose; detectar novos criadouros de Biomphalaria, identificando as espécies transmissoras de S. mansoni e divulgar os casos de esquistossomose relatados nos últimos cinco anos.

 

 

Material e métodos

 

A busca dos criadouros foi realizada em todas as coleções hídricas favoráveis à ocorrência de moluscos límnicos. Foram analisados novos criadouros, bem como os descritos anteriormente (Claussen & Keim, 1972; Corrêa-Soares & Silva Filho, 1985; Maciel,1929; Martins, 1957). As coletas, realizadas durante o primeiro trimestre de 2000, abrangeram rios, riachos, córregos, lagos e valas. Para caracterizar a malacofauna local e identificar possíveis infecções por trematódeos, todos os moluscos observados num período de trinta minutos foram coletados com auxílio de pinça e concha de captura, colocados em pequenos frascos plásticos, com etiquetas de identificação afixadas externamente, e transportados até o laboratório.

No Departamento de Malacologia do Instituto Oswaldo Cruz da Fundação Oswaldo Cruz e no Laboratório de Zoonoses do Centro de Controle de Zoonoses e de Doenças de Transmissão Vetorial da Fundação Municipal de Saúde de Niterói, os moluscos foram mantidos em aquários de vidro, com água desclorada e filtrada, tendo como substrato uma fina camada de argila, acrescida de carbonato de cálcio e farinha de ostra. A alimentação fornecida periodicamente foi alface (Lactuca sativa) fresca e desidratada. Uma amostra de cada biótopo foi destinada à identificação específica. Para verificar a presença de cercárias, os moluscos foram colocados individualmente em pequenos recipientes de vidro com 5ml de água, expostos à iluminação artificial durante 6 horas e examinados sob microscópio estereoscópico. Aqueles que permaneceram negativos foram esmagados entre placas de vidro, para confirmar a ausência de esporocistos ou rédias em seus tecidos.

Para obter o registro dos casos de esquistossomose detectados entre 1995 e 2000 foram utilizadas as fichas de investigação, existentes na Coordenação de Vigilância Epidemiológica de Niterói.

 

 

Resultados

 

O encontro de locais propícios ao desenvolvimento de moluscos límnicos foi relativamente difícil, uma vez que atualmente grande parte do município encontra-se pavimentado. Das 27 coleções hídricas pesquisadas, 16 possuíam moluscos hospedeiros de S. mansoni (Tabela 1), coexistindo ou não com outras espécies, 4 possuíam outros moluscos límnicos (brejo e valas nos seguintes bairros: Badu, Fonseca e Várzea das Moças) e 7 não possuíam moluscos (valas e córregos nos bairros: Cachoeira, Centro, Engenhoca, Ititioca, Pendotiba, São Francisco e Sapê). Foram encontradas as seguintes espécies: Antillorbis nordestensis (Lucena, 1954), Biomphalaria straminea (Dunker, 1848), B. tenagophila, Drepanotrema anatinum (Orbigny, 1835), Lymnaea columella Say, 1817, Melanoides tuberculatus (Müller, 1774), Physa cubensis Pfeiffer, 1839, Physa marmorata Guilding, 1828 e Pomacea sordida (Swainson, 1823) (Figura 1).

 

 

Quanto aos moluscos hospedeiros, foram coletados 3.691 exemplares, sendo 70,9% B. tenagophila e 29,1% B. straminea. Dos 16 criadouros observados, 11 possuíam B. tenagophila, quatro B. straminea e em um essas espécies cohabitavam. Não foram detectados planorbídeos infectados com S. mansoni, porém alguns exemplares de B. tenagophila apresentaram outros tipos cercarianos (Tabela 1). Somente um exemplar de B. tenagophila eliminou furcocercárias, os demais eliminaram leptocercárias, sendo em sua maioria xifidiocercárias.

Dos cinqüenta casos de esquistossomose observados em Niterói nesse período (Tabela 2), 24 pacientes eram do sexo masculino e 26 do feminino. Analisado segundo o local de moradia dos pacientes, o maior número de casos (seis) foi observado no bairro de Maria Paula.

 

 

 

Discussão

 

Considerações são necessárias sobre a busca dos biótopos anteriormente descritos. O primeiro registro de casos de esquistossomose em Niterói (Maciel, 1929) refere-se a dois pacientes que se infectaram no rio Icaraí, que encontra-se hoje extremamente poluído e canalizado, e dos sete focos assinalados por Martins (1957), somente as hortas ainda existem. A presença de moluscos hospedeiros em algumas coleções hídricas existentes em bairros não totalmente urbanizados (Cafubá, Engenho do Mato, Jacaré e Várzea das Moças), reflete uma preocupação quanto à possível ocorrência de novos focos de esquistossomose, uma vez que esses córregos recebem a água de esgotos não tratados.

Os resultados mostraram que a espécie hospedeira predominante em Niterói é B. tenagophila (Figura 1), corroborando observações anteriores (Claussen & Keim, 1972). Esse é o primeiro relato sobre o encontro de B. tenagophila e B. straminea em um mesmo biótopo no Estado do Rio de Janeiro. Em 1997, Silva et al. registraram o encontro de B. tenagophila onde anteriormente só havia sido observado B. straminea, citando diversos fatores que ocasionariam o desaparecimento de uma espécie e a ocorrência da outra (Silva et al., 1997). O inverso, a presença de B. straminea onde havia B. tenagophila, foi documentada recentemente por Fernandez et al. (2001). Os dados do presente trabalho não permitem avaliar se ocorrerá o desaparecimento de B. straminea ou B. tenagophila no biótopo em que elas coexistem em Niterói.

O encontro de B. tenagophila eliminando cercárias de S. mansoni ou portando esporocistos é relativamente difícil. Paes et al. (1970) constataram pelo levantamento coproscópico, altos índices de infecção em escolares e, após examinar 3.711 caramujos, encontraram somente dois moluscos positivos para S. mansoni. Essa dificuldade também foi registrada por Grault et al. (1998), que após detectarem 2% dos escolares positivos para S. mansoni, no distrito de Santa Cruz, Rio de Janeiro, não conseguiram encontrar planorbídeos com formas larvais. Entretanto, a observação de outros tipos cercarianos tem sido registrada (Thiengo et al., 2001).

Analisando os casos de esquistossomose confirmados nesse período (1995-2000), e os locais de moradia, observamos que a maioria (60%) refere-se a indivíduos residentes em bairros totalmente urbanizados, diferindo da investigação realizada por Martins em 1957. Quanto ao sexo dos pacientes, os dados diferiram daqueles obtidos por Martins (1957) e Claussen & Keim (1972), que registraram a predominância de casos em indivíduos do sexo masculino, 98% e 58% respectivamente.

Embora os dados do presente trabalho não apontem para a existência de focos de esquistossomose em Niterói, a presença de indivíduos portando ovos de S. mansoni e a ocorrência de duas espécies hospedeiras naturais, demonstram a necessidade de estudos epidemiológicos periódicos nesse município.

 

 

Referências

 

CLAUSSEN, A. R. & KEIM, L. S., 1972. Um foco de esquistossomose mansoni no município de Niterói, Estado do Rio de Janeiro. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, 4:347-348.         

COELHO, M. V., 1959. Distribuição geográfica da esquistossomose mansônica. Revista Brasileira de Malariologia e Doenças Tropicais, 11:219-246.         

CORRÊA-SOARES, B. E. & SILVA FILHO, M. V., 1985. Distribuição e densidade de Biomphalaria tenagophila (Orbigny, 1835) (Mollusca, Planorbidae) em um criadouro natural na região de Niterói, Rio de Janeiro. In: XII Congresso Brasileiro de Zoologia, Anais, p. 33. Campinas: Sociedade Brasileira de Zoologia.         

FERNANDEZ, M. A.; THIENGO, S. C. & BOAVENTURA, M. F., 2001. Gastrópodes límnicos do Campus de Manguinhos, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, RJ. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, 34:279-282.         

FREITAS, C. A., 1972. Situação atual da esquistossomose no Brasil. Revista Brasileira de Malariologia e Doenças Tropicais, 24:3-63.         

GRAULT, C. E.; MELLO-SILVA, C. C. C.; COSTA, M. J. F. S.; LENZI, M. F.; CRUZ, O. J.; ALMEIDA, A. S.; SILVA, M. Q.; BEZERRA, R. M. P. & COSTA, V., 1998. Potential spread of schistosomiasis in the periphery of greater metropolitan region of Rio de Janeiro. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, 93: 293-294.         

MACIEL, H., 1929. Contribuição ao estudo da distribuição geográfica da eschistosomose intestinal, no Brasil. Sciencia Medica, 7:514-516.         

MARTINS, R. S., 1957. Focos ativos de esquistossomose em Niterói, Estado do Rio de Janeiro. Revista Brasileira de Malariologia e Doenças Tropicais, 9:361-364.         

PAES, R.; MENEZES, Z. B. & CAMARGO, S., 1970. Um foco de esquistossomose na Guanabara, Alto da Boa Vista. Revista Brasileira de Malariologia e Doenças Tropicais, 22:203-230.         

SILVA, C. L. P. A. C.; SOARES, M. S. & BARRETO, M. G. M., 1997. Occurrence of Biomphalaria tenagophila and disappearance of Biomphalaria straminea in Paracambi, RJ, Brazil. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, 92:37-38.         

SUASSUNA, A. & COURA, J. R., 1969. Esquistossomose mansoni no Estado da Guanabara - Aspectos epidemiológicos relacionados às migrações internas. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, 3:59-71.         

THIENGO, S. C.; FERNANDEZ, M. A.; BOAVENTURA, M. F.; GRAULT, C. E.; SILVA, H. F. R.; MATTOS, A. C. & SANTOS, S. B., 2001. Freshwater snails and schistosomiasis mansoni in the State of Rio de Janeiro, Brazil: I - Metropolitan Mesoregion. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, 96(Sup.): 177-184.         

 

 

Recebido em 15 de agosto de 2001
Versão final reapresentada em 13 de dezembro de 2001
Aprovado em 6 de março de 2002

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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