DEBATE DEBATE

 

Debate sobre o artigo de Maria Andréa Loyola

 

Debate on the paper by Maria Andréa Loyola

 

 

Carmita Helena Najjar Abdo

Departamento de Psiquiatria, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo Brasil. E-mail: carmita.abdo@uol.com.br

 

 

Convidada a comentar o instigante e bem estruturado artigo da colega Loyola, flagrei-me, de pronto, bastante motivada à leitura e positivamente surpreendida por seu título.

Título este que se revelou, no entanto, mais abrangente do que o conteúdo do resumo.

Já à primeira frase do referido resumo, a autora explica que o artigo discute aspectos da sexualidade feminina e do processo reprodutivo para a construção de um novo modelo de reprodução. De fato, este acaba sendo um dos focos do texto, mas não é o único. Mesmo porque não se poderia falar em Sexualidade, Medicina e Século XX, sem que os dois gêneros ­ o feminino e o masculino ­ fossem simultaneamente referendados, tendo em vista serem interdependentes, em todas as épocas e civilizações conhecidas. O todo fez, então, jus ao título.

Os subtítulos deste texto ­ Sexualidade e Reprodução, A Sexualidade nas Sociedades Ocidentais Modernas, É Possível Falar em um Novo Sistema de Reprodução?, A Dissolução dos Laços Conjugais Tradicionais, A (Des)Naturalização/Indiferenciação da Sexualidade ­ encadeados e desenvolvidos de forma elegante, ampla e concisa, a um só tempo, confirmam a presença, ainda que coadjuvante, da sexualidade masculina... um contraponto indispensável para a digressão sobre o tema central da pauta.

Ao traçar seus objetivos, a autora enfatiza basear seu ensaio em estudos disponíveis e em dados de pesquisa realizados no Rio de Janeiro, o que realmente se verifica. Tal ocorrência, no entanto, acaba por se traduzir numa realidade parcial que não pode ser considerada uma tendência. Nesse sentido e a título de ilustração, lembramos as palavras da polêmica professora americana, de arte, (Paglia, 1992:31), a qual ­ entre tantos outros autores, médicos ou não ­ discute diversos aspectos dessa reconhecida revolução do século XX: "a natureza ­ violenta, caótica, imprevisível, incontrolável ­ fez o homem diferente da mulher e não há como consertar esta desigualdade por códigos de convivência social ou moral. A igualdade política para as mulheres, ainda que desejável e necessária, não irá remediar a distinção entre os sexos, que começa e acaba no corpo".

Em âmbito nacional ­ e, mais especificamente, carioca ­, estudiosos e pensadores também se pronunciaram no campo teórico ­ conceitual, sobre as "sexualidades periféricas" (para não dizer marginais), tal qual o fizeram os anglo-saxões, sobre os quais se refere a autora. Freire-Costa (1994:131), foi um dos mais enfáticos e céticos, ao admitir: "em que importa saber qual a pretensa singularidade genética de homens e mulheres que sentem atração sexual e amorosa por outros do mesmo sexo biológico? Alguma vez na história, os oprimidos conseguiram a benevolência dos opressores, reclamando igualdade de tratamento humano em nome da naturalidade de suas características físico-morais?!" Esse pronunciamento expõe a fragilidade de uma revolução cujo mote seria a mera curiosidade (dos pesquisadores) e o resultado não mais que a confirmação do preconceito, a mesmice e a inércia das populações.

Tem sido o autopreconceito feminino (se é que ele existe...gostaria de ler Loyola sobre isto) uma força que ajuda a estrangular a alteridade sexual e a acomoda com a questão política da liberdade e da vontade? Os que assim pensam estariam mal-informados, desatualizados ou alienados...?

Sobre essa temática, Domenico de Masi (2000:146-147) escreveu: "o que se atém ao rude, ao prático, ao econômico, ao competitivo e ao racional é reservado aos homens: guerras, trabalhos, esportes, hierarquias eclesiásticas, estados-maiores, conselhos administrativos e estádios. O que se refere à natureza, à beleza, à solidariedade, à emotividade é delegado às mulheres: criação, ensino, sedução, assistência, lar, jardim, escola, bordel, hospício e hospital. As mulheres, por sua vez, tornaram-se cúmplices desta segregação homossexual. Nas palavras de uma estudiosa americana: 'O machismo é como a hemofilia; quem padece da doença são os homens, mas quem a transmite são as mulheres'".

Teria sido essa declaração um deslize ou um "eco" latino, dissonante de seu tempo, reacionário em sua retórica?

Em contrapartida, "o privilégio de ser mulher" tornou-se realidade "legalizada", também no Brasil, no apagar das luzes do século XX. A cirurgia, chamada de "redesignação" do sexo, passou da clandestinidade para os centros acadêmicos. Coube aos transexuais masculinos e femininos expressar a magnitude da busca pela identidade genérica e sexual a que estaremos todos submetidos no próximo (atual) século XXI, como prenuncia a autora, sem ­ todavia ­ fazer menção a esses indivíduos e suas tão precursoras quanto irredutíveis reivindicações por mudanças radicais, mas genuinamente conciliadoras.

 

DE MASI, D., 2000. O Ócio Criativo. Rio de Janeiro: GMT Editores.

FREIRE-COSTA, J., 1994. A Ética e o Espelho da Cultura. Rio de Janeiro: Rocco.

PAGLIA, C., 1992. Personas Sexuais. São Paulo: Companhia das Letras.

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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