NOTA RESEARCH NOTE

 

Ações de prevenção dos acidentes e violências em crianças e adolescentes, desenvolvidas pelo setor público de saúde de Fortaleza, Ceará, Brasil

 

Measures developed by the public health system to prevent accidents and violence in children and adolescents in Fortaleza, Ceará, Brazil

 

 

Augediva Maria Jucá PordeusI, II; Maria de Nazaré de Oliveira FragaIII; Thaís de Paula Pessoa FacóI

INúcleo de Pesquisa, Centro de Ciências da Saúde, Universidade de Fortaleza. Av. Washington Soares 1321, Fortaleza, CE 60811-341, Brasil. E-mail: augediva@unifor.br, thaisnfpp@bol.com.br
IINúcleo de Epidemiologia, Secretaria da Saúde do Estado do Ceará. Av. Almirante Barroso 600, Fortaleza, CE 66060-440, Brasil
IIIDepartamento de Enfermagem, Faculdade de Farmácia, Odontologia e Enfermagem, Universidade Federal do Ceará. Rua Alexandre Baraúna 1115, Fortaleza, CE 60430-116, Brasil. E-mail: mnofraga@ufc.br

 

 


RESUMO

Este artigo trata das ações de prevenção de acidentes e violências, desenvolvidas pelo setor público de saúde de Fortaleza, Estado do Ceará, Brasil. Originou-se da necessidade sentida pelas autoras diante das estatísticas de mortalidade por estas causas na infância e adolescência, que parecia não haver por parte do setor público de saúde ações de prevenção. Realizamos um levantamento junto aos gerentes das Coordenadorias de Saúde das seis Secretarias Executivas Regionais (SER), setores geográficos onde está organizada a rede de saúde de Fortaleza, por meio da aplicação de questionário. O levantamento mostrou que as ações desenvolvidas são pontuais, não existindo como política de saúde, visto que ocorrem na forma de campanhas, têm como foco principal a educação em saúde voltada para a prevenção do uso de álcool e outras drogas ilícitas, violência e acidentes domésticos e delinqüência juvenil. Apenas na SER-I existia parceria com outros setores nas atividades desenvolvidas. Concluímos que o setor público de saúde de Fortaleza, necessita incorporar em sua agenda a prevenção de acidentes e violências na infância e adolescência, utilizando a intersetorialidade e somando esforços para que o conhecimento até agora adquirido sobre a prevenção destes agravos se transforme em realidade.

Palavras-chave: Criança; Adolescente; Prevenção de Acidentes; Violência


ABSTRACT

This article deals with measures developed by the public health system to prevent accidents and violence in children in Fortaleza, Ceará State, Brazil. The program resulted from the need perceived by the authors in light of statistics on mortality from external causes in childhood and adolescence and the fact that there was apparently no preventive action being taken by the public health system. We conducted a questionnaire-based survey of health administrators in the six Regional Executive Secretariats (SERs) corresponding to the geographic districts in which the health system is divided in Fortaleza. According to the survey, existing preventive measures are limited in time and space, and there is no overall policy in this direction; the current measures are organized as health education campaigns focused on prevention of alcohol and drug abuse, violence, household accidents, and juvenile delinquency. SER-I was the only health district that had established partnerships with other sectors in developing such activities. We conclude that the public health system's agenda in Fortaleza needs to incorporate the prevention of childhood and adolescent accidents and violence, taking an inter-sectoral approach and joining efforts in order for the knowledge accumulated on such health problems to be transformed into effective action

Key words: Child; Adolescent; Accident Prevention; Violence


 

 

Introdução

Vários são os fatores citados por estudiosos no assunto e organismos internacionais para a origem dos acidentes e das violências. Dizem que explicar sua etiologia apenas por características individuais, de origem biológica ou psicológica, reduziria sua essência e apagaria os efeitos do processo interativo entre indivíduos e entre estes e seus ambientes sociais (Mello-Jorge & Laurenti, 1997; Minayo & Souza, 1999).

Os acidentes e as violências ou causas externas de morbi-mortalidade, de acordo com a Classificação Internacional de Doenças ­ 10a Revisão (CID-10), são constituídos pelos acidentes de trânsito, homicídios, suicídios, outras violências (intoxicações, acidentes de trabalho, queimaduras, quedas, afogamentos, entre outros) e daquelas causas externas não especificadas se acidentais ou intencionais (OMS, 1993).

No grupo de crianças e adolescentes, os acidentes e as violências são de considerável importância, uma vez que as mortes por estas causas representam em média 20% do total de óbitos anuais por causas externas em Fortaleza, Ceará, Brasil, sendo a primeira causa de morte em crianças a partir dos cinco anos de idade e nas duas fases da adolescência (SES-CE, 2000).

Os acidentes e violências variam em magnitude nas diversas faixas etárias. Nos menores de 1 ano e no grupo etário de 1 a 4 anos, as quedas, os choques elétricos e as intoxicações que compõem o grupo dos demais acidentes, são as principais causas externas de morte, vindo em seguida os acidentes de trânsito, onde se destacam os atropelamentos. Na faixa etária de 5 a 9 anos e nos adolescentes de 10 a 14 anos, as mortes provocadas por acidentes de trânsito, atropelamentos e os demais acidentes também são de maior importância. Já entre os adolescentes de 15 a 19 anos, os óbitos por homicídio são as causas de maior magnitude (SES-CE, 2000).

Mesmo diante das estatísticas acima referidas, na Cidade de Fortaleza, antes da realização da presente pesquisa, não conseguíamos visualizar claramente a existência de uma política dos gestores municipais para a prevenção de tais acidentes.

Os acidentes e violências, por sua magnitude, necessitam ser considerados pelas instâncias que formulam as políticas de saúde pública com a atenção proporcional ao seu significado social.

Assim sendo, tivemos como objetivo: identificar que ações de prevenção voltadas para os acidentes e violências são desenvolvidas pelo setor público de saúde de Fortaleza, e se estas ações priorizam o perfil epidemiológico das mortes por estas causas na infância e adolescência.

 

Metodologia

Foi realizado um levantamento nas seis Secretarias Executivas Regionais (SER) por meio da aplicação de um questionário junto aos gerentes da Coordenadoria de Políticas de Saúde nos meses de outubro e novembro de 2001, para identificar as ações de prevenção dos acidentes e violências realizadas pelo setor público de saúde do Município de Fortaleza.

Inicialmente, fizemos contatos com cada setor de nosso interesse nas SER, apresentando aos gerentes os objetivos da pesquisa; os mesmos assinaram um termo de consentimento e estes assinaram também um termo de consentimento livre esclarecido para participar da pesquisa.

As informações coletadas foram agrupadas em tabela e posteriormente analisadas, tendo em vista o perfil epidemiológico da mortalidade por acidentes e violências registrados em Fortaleza e a literatura especializada sobre a temática.

 

Análise dos resultados

No presente estudo, constatamos que as ações de prevenção aos acidentes e violências não ocorrem de modo rotineiro e sistemático; nas SER onde ocorrem, tais ações dão-se por meio de campanhas. Mesmo assim, identificamos que apenas a SER-VI não executa nenhuma atividade relacionada à prevenção da violência/acidentes em crianças e adolescentes, ou trabalhos junto a grupos de jovens e conselhos comunitários da área de abrangência do serviço de saúde (Tabela 1). Aquelas ações de prevenção que são desenvolvidas nas SER têm como foco principal a educação em saúde voltada para a prevenção do uso de álcool e outras drogas ilícitas, violência e acidentes domésticos e delinqüência juvenil.

 

 

Identificamos, ainda, durante a coleta de dados que apenas na SER-V, por meio de campanhas educativas, as ações de prevenção ocorrem em parcerias com outros setores, como educação e ação social. Portanto, na Cidade de Fortaleza se faz necessária a incorporação pelo setor público de saúde das ações de prevenção e promoção da saúde recomendadas na Portaria GM-737 do Ministério da Saúde (MS, 2001).

Na SER-I desenvolvem-se rotineiramente algumas ações de prevenção em unidades da rede básica de saúde. Ressaltamos, entretanto, que na área de abrangência da SER-I, as ações de prevenção dos acidentes e violências executadas foram de iniciativa de alguns profissionais de saúde lotados em postos ou centros de saúde da rede básica. Fica claro, portanto, que a iniciativa das ações de prevenção surgiu da convivência desses profissionais com a comunidade na qual o serviço de saúde está inserido.

O levantamento das ações de prevenção de acidentes e violências desenvolvidas pelo poder público de saúde deste município, identificadas por meio de pesquisa junto aos gerentes de saúde de cada SER, mostrou que elas são pontuais, não existindo como política de saúde, conforme é possível constatar na Tabela 1.

As principais dificuldades relatadas por esses gerentes de saúde para o desenvolvimento de ações de prevenção de acidentes e violências na infância e adolescência, foram a falta de intersetorialidade e de comunicação entre os setores de saúde, educação e ação social. Nesse sentido, parece que a aproximação geográfica existente entre as várias áreas do conhecimento, agrupadas nos diversos setores das SER, não foi suficiente para transpor as barreiras existentes e promover o trabalho conjunto na prevenção dos acidentes e violências.

Foram ainda citados como problemas pelos gerentes de saúde das SER, a falta de sensibilização dos profissionais de saúde, o excesso de trabalho que leva ao "tarefeísmo", expressão usada por um dos gerentes entrevistados, em detrimento da prevenção. A falta de recursos humanos para assumir o volume de trabalho existente foi outro problema referendado pelos gerentes.

Acreditamos que a implantação da Portaria GM-737 do MS, onde este órgão recomenda entre outras ações, que os gestores estadual e municipal de saúde viabilizem a articulação com os setores de educação, justiça e segurança pública para estabelecer protocolos de cooperação na prevenção de acidentes e violências, somará esforços na prevenção destes agravos (MS, 2001).

Muitas têm sido as iniciativas de prevenção de acidentes e violências relatadas na literatura que se revelaram exitosas, por que não adotá-las?

 

Considerações finais

Dada a complexidade da origem dos acidentes e violências, entendemos que ações conjuntas de profissionais da saúde e de profissionais de outros setores públicos e da sociedade civil devem ser planejadas, trabalhando interdisciplinarmente sua prevenção.

Como apontam os achados, concluímos que o setor público de saúde de Fortaleza não adota como política o desenvolvimento de ações de prevenção relacionadas a acidentes e violências em crianças e adolescentes. Necessitando assim, incorporar em sua agenda tais ações, promovendo também a intersetorialidade e somando esforços para que o conhecimento até agora adquirido sobre a prevenção destes agravos se transforme em realidade.

 

Referências

MELLO-JORGE, M. H. P. & LAURENTI, R., 1997. Acidentes e violência no Brasil. Revista de Saúde Pública, 31(Sup. 4):7-21.        

MINAYO, M. C. S. & SOUZA, E. R., 1999. É possível prevenir a violência? Reflexões a partir do campo de saúde pública. Ciência & Saúde Coletiva, 4:7-32.        

MS (Ministério da Saúde), 2001. Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências. Brasília: MS.        

OMS (Organização Mundial da Saúde), 1993. Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, 10a Revisão. v. 1. São Paulo: Centro Colaborador da OMS para a Classificação de Doenças em Português.        

SES-CE (Secretaria da Saúde do Estado do Ceará), 2001. Relatório Anual, 2000. 30 Maio 2001 <http://www.saúde.ce.gov.br>.        

 

 

Recebido em 6 de agosto de 2002
Versão final reapresentada em 11 de novembro de 2002
Aprovado em 19 de março de 2003

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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