ARTIGO

 

Controle do vetor do dengue e participação da comunidade em Catanduva, São Paulo, Brasil

 

Dengue vector control and community participation in Catanduva, São Paulo State, Brazil

 

 

Francisco Chiaravalloti NetoI,II; Ana M. FiorinI; Danaé T. ConversaniIII; Marisa B. CesarinoI; Angelita A. C. BarbosaI; Margareth R. DiboI; Maria S. MoraisII; Virgínia BagliniIV; Amena A. FerrazV; Ricardo S. RosaVI,VII; Marcos BattigagliaI; Rubens P. Cardoso Jr.I

ISuperintendência de Controle de Endemias. Av. Philadelpho Manoel Gouveia Netto 3101, São José do Rio Preto, SP 15060-040, Brasil. fcneto@famerp.br
IIFaculdade de Medicina de São José do Rio Preto. Av. Brigadeiro Faria Lima 5416, São José do Rio Preto, SP 15090-000, Brasil
IIIInstituto de Saúde. Rua Santo Antônio 590, São Paulo, SP 01314-000, Brasil
IVPontifícia Universidade Católica de São Paulo. Rua Pinheiro Guimarães 830, São Paulo, SP 03141-030, Brasil
VCentro Universitário de Rio Preto. Rua Ivete Gabriel Atique 45, São José do Rio Preto, SP 15025-040, Brasil
VISecretaria Municipal de Saúde de Catanduva. Praça Conde Francisco Matarazzo 1, Catanduva, SP 15800-000, Brasil
VIIFaculdade de Medicina de Catanduva. Av. São Vicente de Paulo 1455, Catanduva, SP 15809-145, Brasil

 

 


RESUMO

O trabalho teve o objetivo de identificar mudanças de conhecimentos e práticas de prevenção do dengue, e desenvolveu-se em duas áreas de Catanduva: Área de Estudo e Área Controle. Realizaram-se, entre 1999 e 2001, levantamentos quantitativo inicial e qualitativo; diagnóstico preliminar, apresentado à comunidade da Área de Estudo, desencadeando discussão para a definição e o direcionamento das ações; o desenvolvimento das ações na Área de Estudo, com a participação da comunidade; continuidade das atividades de rotina na Área Controle; e avaliação final. Na Área de Estudo, as ações realizadas foram: mudança do trabalho dos agentes de controle de vetores que passaram a demonstrar as medidas preventivas, sem a retirada de recipientes e sem utilização de larvicida; utilização de material educativo específico à realidade local; atividades relacionadas às prioridades dos moradores; atividades como música, teatro, gincanas e brincadeiras; demonstração do ciclo do vetor. Como resultado, houve a diminuição significante do número de recipientes por casa; o aumento significante da proporção de casas sem recipientes; e o aumento significante da proporção de pessoas que reconheceram as larvas do vetor na Área de Estudo em relação à de Controle.

Palavras-chave: Dengue; Controle de Vetores; Participação Comunitária


ABSTRACT

This study aimed to identify changes in knowledge and practices learned to prevent dengue fever in two areas of Catanduva, São Paulo State, from 1999 to 2001: a study area and a control area. The study included an initial quantitative survey, qualitative research, a preliminary diagnosis presented to the community to launch a discussion aimed at defining future actions, implementation of the actions in the study area with community participation (but without changes in the control area), and a final comparison of the two areas. Changes in the study area included: vector control workers began demonstrating preventive measures without removing potential breeding places or using larvicide; use of educational aids specific to the local reality; activities related to the residents’ priorities; and activities such as music, theater skits, scavenger hunts, and games to demonstrate the vector cycle. Potential domiciliary breeding sites were significantly reduced; the proportion of houses without breeding sites was significantly increased; and there was an increase in the percentage of individuals who recognized the larval form of the vector in the study area as compared to the control area.

Key words: Dengue; Vector Control; Consumer Participation


 

 

Introdução

O problema da transmissão do dengue no Brasil tem se agravado nos últimos anos. Para Tauil (2001), as razões para tal situação são complexas e não totalmente compreendidas. Uma das possíveis explicações é que, apesar do Plano de Erradicação do Aedes aegypti ter abordado a descentralização e a participação da comunidade, o modelo desenvolvido na prática baseou-se em métodos verticais que buscavam a eliminação do mosquito por meio de inseticidas (MS, 1996).

Nesta perspectiva a comunidade fica, na maioria das vezes, como espectadora e na dependência de ações previamente definidas. Quando solicitada, sua participação se resume ao desenvolvimento de tarefas pontuais, que não exigem envolvimento para que de fato se dê a incorporação de práticas de eliminação dos criadouros, a ponto de evitar ocorrência de dengue.

Os programas de controle atuais proporcionam aumento do conhecimento sobre o dengue, entretanto a infestação do A. aegypti e, por conseqüência, a ocorrência de casos permanecem em níveis elevados, fato já demonstrado em estudos realizados (Chiaravalloti Neto et al., 1998; Dégallier et al., 2000, Donalísio et al., 2001; Rosenbaum et al., 1995). Conclui-se que as formas de intervenção utilizadas não contribuem para aprimorar as práticas preventivas.

Entre os desafios da Educação em Saúde estão a criação e aperfeiçoamento de técnicas de intervenção que contribuam para reverter este quadro (Dias, 1998). Uma maneira é o desenvolvimento de trabalho conjunto entre comunidade e órgãos públicos, elaborando propostas e implementando programas de prevenção (Fajardo et al., 2001; Passos et al., 1998).

Acredita-se que um programa de controle deva apresentar algumas premissas, caso queira produzir redução da infestação do vetor e diminuição do risco de transmissão de dengue: levar em conta a realidade local; oferecer outros serviços além do controle da doença; manter um elo de comunicação entre comunidade e serviço público, aumentar o grau de confiança entre eles; além de estimular a comunidade a exercer seus direitos (Valla, 1998).

Na cidade de Catanduva, local estudado, tem se utilizado uma abordagem padrão para a questão do dengue, com a realização de campanhas nos veículos de comunicação, eliminação de criadouros do A. aegypti e uso de inseticidas. As ações se pautam pelo estabelecimento de um nível de conhecimento ideal e tentativa de repassá-lo à população. Mas, mantém-se a ocorrência de criadouros que garantem níveis de infestação suficientes para a ocorrência da doença.

Diante do controle que se pretende e tendo como base as atividades desenvolvidas nesse município, o objetivo deste trabalho foi avaliar, por meio da identificação de mudanças de conhecimentos e práticas de uma população específica, o impacto de ações de prevenção definidas com base no diagnóstico da realidade local e da discussão com a comunidade.

 

Materiais e métodos

Este trabalho foi realizado entre setembro de 1999 e abril de 2001, em duas áreas da periferia de Catanduva, situadas em locais opostos do município: Área de Estudo (AE), com 1.524 domicílios, e Área Controle (AC), com 1.564 domicílios. A cidade localiza-se na região oeste do Estado de São Paulo e tinha, em 2000, 105.847 habitantes (DATASUS, 2002). As áreas tinham, na época do estudo, níveis sócio-econômicos e estruturas sociais semelhantes.

A infestação pelo A. aegypti foi detectada em 1988 e os primeiros casos autóctones de dengue ocorreram em 1993, com a continuidade da transmissão até os dias atuais. Apesar da ocorrência de casos no município, durante o período de estudo não houve transmissão de dengue na AE e na AC (Superintendência de Controle de Endemias, dados não publicados).

Catanduva dispunha da Equipe Municipal de Controle de Aedes (EMCA), com agentes de controle que realizavam visitas bimestrais aos imóveis do município, com retirada de criadouros, aplicação de larvicida temefós, distribuição de folhetos e orientação dos moradores. Realizavam palestras em escolas, afixação de cartazes e outdoors e divulgação de mensagens na mídia.

Este estudo desenvolveu-se em quatro etapas: levantamento inicial (setembro e outubro de 1999), estudo qualitativo (maio a agosto de 2000), elaboração da proposta e desenvolvimento das ações (setembro de 2000 e março de 2001) e levantamento final (março e abril de 2001).

Levantamento inicial (fase 1)

Realização, nas duas áreas, de estudo quantitativo por amostragem de domicílios, para avaliar os conhecimentos dos moradores sobre prevenção do dengue e conhecer as práticas em relação à manutenção de criadouros do vetor. Utilizaram-se a aplicação de questionários, contagem de recipientes potenciais e com água, medida dos Índices de Breteau (IB – número de recipientes com larvas de A. aegypti por cem casas) (Gomes, 1998).

Após o sorteio da casa, entrevistava-se a mulher moradora responsável pelos cuidados do domicílio, ou pessoa do sexo masculino, no caso de não existir no imóvel mulher responsável por ele. Segundo Winch et al. (1991), as mulheres devem ser as escolhidas por seu maior conhecimento e responsabilidade sobre questões de saúde e sobre o controle doméstico.

Estudo qualitativo

Realização de pesquisa qualitativa, com entrevistas semi-estruturadas aplicadas às moradoras da AE, tendo como subsídios os resultados do levantamento inicial, para aprofundar o entendimento sobre os conhecimentos e práticas das moradoras, relacionando-os à sua realidade e prioridades, e identificar fatores de interferência na sua adesão às práticas preventivas. Os resultados deste estudo já foram analisados e publicados por Chiaravalloti et al. (2002).

Elaboração da proposta e desenvolvimento das ações

Na AE, tendo como base o levantamento inicial e o estudo qualitativo, elaboraram-se diagnóstico da situação e proposta preliminar. Ambos foram apresentados à comunidade, inclusive às lideranças das estruturas sociais do bairro, e amplamente discutidos, o que possibilitou a definição e o direcionamento das ações. Após definidas, as ações foram desenvolvidas na AE, com a participação efetiva dos moradores na sua condução e execução. Em paralelo, as ações rotineiras continuaram a ser desenvolvidas na AC.

Levantamento final (fase 2)

Após o desenvolvimento das ações, conduziu-se levantamento com instrumentos semelhantes aos usados no inicial para avaliação dos resultados.

As pessoas que realizaram as atividades aqui relacionadas foram treinadas e supervisionadas pelos autores deste trabalho. Para a contagem de recipientes utilizou-se um quadro com a definição de cada um dos tipos possíveis. As informações obtidas nos levantamentos foram digitadas em um banco de dados do Microsoft Access e analisadas utilizando-se o Microsoft Excel, Epi Info e Stata.

No tratamento dos dados, realizaram-se duas análises, a primeira para verificar o grau de semelhança entre as duas áreas estudadas antes da intervenção, utilizando-se as informações do levantamento inicial, e a segunda, utilizando-se os levantamentos inicial e final, para comparar os dados obtidos na fase 1 com aqueles após a intervenção, para avaliar a eficácia da estratégia empregada. Neste caso, mudanças ocorridas e não devidas à intervenção foram controladas por meio dos resultados na AC.

As variáveis dicotômicas foram comparadas por intermédio de testes z, tendo como pressuposto a aproximação da distribuição binomial pela normal; as variáveis idade e tempo de moradia foram comparadas utilizando-se testes t e o grau de escolaridade foi comparado utilizando o teste GSK dos mínimos quadrados ponderados. As variáveis obtidas com base em contagens e com característica de taxas (recipientes por domicílio), com distribuição de Poisson, foram transformadas com a aplicação da raiz quadrada, que faz com que se tenha boa aproximação para a normal em grandes amostras, e comparadas utilizando-se testes t.

Para as informações obtidas no levantamento inicial e com o objetivo de verificar o grau de semelhanças entre as áreas, os teste aplicados foram bilaterais com nível de significância de 5%, no sentido de verificar se existiam diferenças entre as áreas antes da intervenção.

No caso das variáveis dicotômicas, para avaliação dos efeitos após a intervenção, calculou-se inicialmente a diferença entre as proporções definida como:

DP = PE2 – PE1 – (PC2 – PC1)

onde: PE2: proporção na AE na fase 2; PE1: proporção na AE na fase 1; PC2: proporção na AC na fase 2 e PC1: proporção na AC na fase 1. Fez-se a diferença entre os resultados da fase 2 em relação à fase 1 porque esperava-se um aumento das proporções na AE, mesmo descontados os efeitos na AC. Para verificar se os aumentos esperados ocorreram, aplicaram-se testes z unilaterais, e consideraram-se resultados significantes (a = 5%) quando z > 1,645.

Em relação às variáveis com característica de taxa, na comparação entre as fases 1 e 2, calcularam-se diferenças Dv definidas como:

onde: = média das raízes da variável na AE na fase 1; = média das raízes da variável na AE na fase 2; = média das raízes da variável na AC na fase 1 e = média das raízes da variável na AC na fase 2.

Fez-se a diferença entre estes resultados da fase 1 em relação à fase 2, pois esperava-se diminuição de seus valores na AE, descontados os efeitos na AC. Para verificar se as diminuições ocorreram, aplicaram-se testes t unilaterais. Dados os grandes tamanhos das amostras, os valores de t se aproximam de z. Consideraram-se resultados significantes (a = 5%) quando t > 1,645.

 

Resultados

Nas avaliações quantitativas as amostras foram, respectivamente, nas fases 1 e 2, de 235 e 273 domicílios na AE, e de 229 e 272 na AC, obtendo-se, no total, 1.009 domicílios, entrevistando-se sempre uma pessoa por casa.

Em relação aos resultados do levantamento inicial, dos entrevistados na AE 7,3% eram analfabetos, 76,8% tinham o primeiro grau e 15,9% o segundo grau ou superior, e na AC os resultados foram respectivamente, 6,6%, 71,2% e 22,1% (teste GSK não significante). Na AE a idade média dos entrevistados foi 39,7 anos e na AC, 41,9 (teste t não significante). Na AE o tempo médio de residência no município foi 19,6 anos e na AC, 22,4 (teste t não significante). Na comparação dos resultados sobre conhecimentos e práticas obtidos nas duas áreas, analisaram-se 74 variáveis e em 64 as diferenças foram não significantes. Os dados da primeira fase do estudo mostraram que as duas áreas eram bastante semelhantes e adequadas ao estudo.

A comparação entre as duas fases mostrou não haver diferenças significantes nas proporções de mulheres entrevistadas e dos que cuidavam da casa. Na fase 1, 95,7% da AE e 96,5% da AC eram mulheres. No levantamento final, as mulheres corresponderam, nas mesmas áreas a 96,7% e 96,3% dos pesquisados. Dos entrevistados, respectivamente nos levantamentos inicial e final, 98,7%, 99,1% cuidavam da casa na AE, e 97,8% e 100,0% cuidavam da casa na AC.

A Tabela 1 apresenta os dados acerca dos conhecimentos dos entrevistados sobre dengue e seus vetores para as fases 1 e 2 e as duas áreas. O único resultado significante foi aumento da proporção de pessoas que reconheciam as larvas do Aedes na AE em relação à AC, entre as duas fases da pesquisa. Na Tabela 2 têm-se os resultados dos conhecimentos sobre as medidas de controle dos vetores, não havendo diferenças significantes entre os levantamentos inicial e final. Os dados das Tabelas 1 e 2 mostraram níveis de conhecimentos satisfatórios como em outros estudos já realizados (Chiaravalloti-Neto et al., 1998; Dégallier et al., 2000; Donalísio et al., 2001).

 

 

 

 

Têm-se nas Tabelas 3 e 4 paras as duas áreas e fases do trabalho, respectivamente, as proporções de domicílios sem recipientes potenciais e os números médios de recipientes potenciais por domicílio. As Tabelas 5 e 6 mostram os mesmos resultados, só que em relação aos recipientes com água. Verificaram-se aumentos significantes das proporções de domicílios sem recipientes, potenciais ou com água, no intra e no peridomicílio, na AE em relação à AC. Os números médios de recipientes, potenciais ou com água, por domicílio tiveram diminuição significante, no intra e no peridomicílio, na AE em relação à AC.

 

 

 

 

 

 

 

 

Em relação à redução de recipientes potenciais, os responsáveis por estes resultados foram pratos de vasos, bebedouros de animais, latas, plásticos, garrafas e vidros. Entre os recipientes com água, os que mais contribuíram para essa redução foram pratos de vasos, bebedouros de animais, outros recipientes não removíveis e vasos com plantas na água.

Os valores dos IB, segundo as fases do estudo, apresentaram variações em função da sazonalidade do indicador, mas mostraram não haver diferenças significantes entre as duas áreas de estudo. Na fase 1, no peridomicílio os valores foram iguais a 0,4 em ambas as áreas e no levantamento final 6,2 e 9,9, respectivamente, nas AE e AC. No intradomicílio os valores foram nulos no primeiro levantamento e iguais a 0,0 e 0,7, respectivamente, nas AE e AC, na fase 2.

Os principais resultados do estudo qualitativo, conforme Chiaravalloti et al. (2002), foram a identificação, pelas moradoras, de contradição entre o discurso e a prática preventiva oficial, a ausência de interação entre a população e o serviço, a desconsideração do saber popular. As mulheres preferiam cuidar elas mesmas dos recipientes, abrindo espaço para o uso de produtos alternativos ao larvicida, ao mesmo tempo que reivindicavam uma abordagem mais particularizada e menos fiscalizadora por parte dos agentes. Para elas, caberia ao serviço uma atuação mais efetiva nos espaços públicos, terrenos baldios, casas e construções abandonadas, o que poderia contribuir para fortalecer a relação de compromisso com o usuário e ampliar a rede de colaboradores.

Inicialmente, houve dificuldades no estabelecimento dos primeiros contatos e relações com a comunidade, as quais foram dissipadas à medida que as reuniões eram realizadas e o trabalho avançava. Muitos dos pontos identificados nos levantamentos foram confirmados, apontando que a doença não era a primeira prioridade dos moradores.

A comunidade apresentou preocupações em relação aos espaços públicos e particulares abandonados ou sem manutenção, já detectada no estudo qualitativo, com a necessidade de áreas de lazer e a falta de água. Sugeriu-se a realização de atividades de lazer aos domingos, que envolvessem crianças e adultos: gincanas, apresentações de grupos de pagode e de teatro, todas abordando dengue.

Com base nos resultados iniciais, no estudo qualitativo e na discussão com a comunidade da AE, elaborou-se e implantou-se a proposta de trabalho dividida em duas frentes: a realização de atividades com os moradores da AE e a mudança do trabalho dos agentes. Na AC mantiveram-se as atividades de rotina desenvolvidas pelos agentes da EMCA.

Com o apoio e a participação da comunidade da AE realizaram-se: solicitação de providências da Prefeitura Municipal, que executou a limpeza dos terrenos baldios, casas e construções abandonadas, de praças e locais públicos; organização da "rua sem dengue", em cinco domingos em diferentes ruas do bairro, com apresentações de teatro e pagode e atividades com crianças, na forma de gincanas, brincadeiras de memória e amarelinha, pintura de mensagens em muros e colocação de placas nos terrenos baldios limpos; montagem, aos domingos, de barraca com a demonstração do ciclo do Aedes; desenvolvimento de atividades com as igrejas, baseando-se nas redes locais para coleta de lixo reciclável e troca de pratos de vasos por pratos justapostos; desenvolvimento e utilização de material educativo específico à realidade local.

Selecionaram-se dois agentes da EMCA para realizar um trabalho diferenciado na AE, os quais receberam treinamento por uma semana. Suas atividades consistiram em visitar os domicílios, acompanhados dos moradores, apontar os recipientes e realizar o controle em um ou mais de cada tipo a título de exemplo e solicitar a realização do controle dos recipientes restantes, deixando sacos de lixo, se necessários. Não aplicaram o larvicida e demonstraram o uso de produtos alternativos, como sal de cozinha e água sanitária, incentivando o uso nos recipientes que não pudessem ser eliminados. Informaram sobre o ciclo do mosquito, usando mostruários de larvas e mosquitos adultos, dengue hemorrágico (DH) e os cuidados gerais com plantas.

Os agentes realizaram dois ciclos de visitas na AE. Trabalharam em quarteirões pré-determinados e retornaram no segundo ciclo nas mesmas residências visitadas no inicial. O trabalho estendeu-se de 30 de outubro de 2000 a 15 de março de 2001. No período, os agentes receberam, semanalmente, supervisões diretas e indiretas. Programaram-se retornos às casas fechadas e recusas, realizados em horários alternativos. Em relação às casas vazias, buscou-se encontrar os donos e solicitar a sua presença para a realização das visitas pelos agentes.

Estas ações levaram em conta o levantamento inicial, que mostrou que os principais recipientes eram as latas, plásticos, garrafas e vidros (materiais descartáveis), pratos de vasos, bebedouros e outros recipientes não removíveis; a grande maioria estava no peridomicílio e a quase totalidade das casas tinha pelo menos um recipiente potencial.

Para os materiais descartáveis priorizaram-se, na AE, a retirada e a eliminação por meio da distribuição de sacos plásticos, realização de gincanas e utilização de uma rede de moradores ligados à Igreja Católica que os recolhiam, vendiam e arrecadavam recursos para a Pastoral da Carceragem. No caso dos pratos, priorizaram-se as orientações para eliminação, colocação de areia, eliminação da água, troca por pratos menores (justapostos) e realização de furos. Para os bebedouros, orientou-se realizar a troca freqüente da água e a lavagem das bordas com buchas. Para os recipientes não removíveis priorizou-se o uso de produtos alternativos como sal e água sanitária.

 

Discussão

O reconhecimento da forma larvária do Aedes e os conhecimentos sobre DH apresentaram níveis insatisfatórios no levantamento inicial. As atividades na AE proporcionaram um aumento significante na proporção de pessoas que reconheciam as formas imaturas, mas não alteraram as noções sobre a forma hemorrágica da doença.

Atividades incluindo o uso de mostruários pelos agentes, incentivo à visualização das formas larvárias pelos moradores quando do encontro de focos nas casas e demonstrações do ciclo do vetor são procedimentos importantes que não são realizados rotineiramente e que podem contribuir para a melhoria das práticas. Em todas as atividades na AE procurou-se divulgar mensagens sobre DH. A falta de resultados relaciona-se ao não encontro de uma forma adequada de explicar para a população o que é esta nova doença e como ela é transmitida (Madeira et al., 2002).

A obtenção do aumento significante das proporções de domicílios sem recipientes, potenciais ou com água, e a diminuição dos seus números médios na AE em relação à AC, mostraram que a estratégia utilizada foi eficaz. O conhecimento prévio dos principais recipientes foi fundamental para a definição das ações responsáveis pelo aprimoramento das práticas da população.

Mesmo com a utilização de estratégia para lidar com os recipientes descartáveis, ocorreram efeitos positivos apenas em relação aos potenciais, e não em relação aos com água. Tanto a proporção de domicílios sem latas, plásticos, garrafas, vidros e outros removíveis, como os números médios destes recipientes com água não tiveram alterações significantes entre a AE e AC.

Uma questão em relação a estes materiais é que nem sempre todos que estão presentes no domicílio são sem utilidade. Muitos deles são ou serão potencialmente utilizáveis em algum momento para venda ou doação. Isto deve ser levado em conta na definição das estratégias a serem utilizadas (Madeira et al., 2002; Mazine et al., 1996). Outro problema é que por mais que sejam eliminados, a velocidade de reposição é alta. Deve-se adotar medidas mais abrangentes como o controle da produção dos descartáveis ou responsabilizar as indústrias pelo destino final.

Os avanços alcançados na redução de recipientes não se refletiram nos IB, que não apresentaram diferenças significantes entre as fases do estudo. Uma hipótese para estes resultados relaciona-se com a invasão da AE por A. aegypti de bairros limítrofes. Mostra também que não é simples o trabalho de controle do vetor, mosquito altamente domiciliado, antropofílico que se cria em recipientes artificiais ou naturais que acumulem água.

A diminuição da quantidade de recipientes nos ambientes é uma medida necessária, mas, dependendo dos ainda existentes, não suficiente para a diminuição dos níveis de infestação do vetor, pois este apresenta grande capacidade de adaptação e na falta de um tipo de recipiente acaba por se desenvolver naqueles disponíveis. Isto pode implicar que um programa de controle centrado unicamente na redução de criadouros potenciais pode não conseguir evitar a transmissão de dengue. Deve-se pensar em outras estratégias complementares, como por exemplo, o uso de armadilhas.

A não obtenção de diminuição dos IB da AE em relação à AC deve também ser analisada positivamente. Ao contrário da AC, onde os agentes orientavam, retiravam, eliminavam ou tratavam os recipientes com larvicida, o trabalho na AE foi o de orientação, demonstração e sem o uso do inseticida, deixando que os moradores executassem as medidas de controle. Portanto, é possível realizar um trabalho menos invasivo, atingindo-se os mesmos resultados do trabalho tradicional.

Deve-se destacar a não utilização do larvicida na AE e o incentivo ao uso de produtos como água sanitária e sal. O uso do larvicida tem como pressuposto a realização do trabalho pelo agente, ficando implícito que é a principal medida para o problema, interferindo negativamente sobre as práticas da população. Além disso, o seu uso rotineiro acelera o processo de resistência do vetor e reduz a sua eficácia nas situações de emergência, quando o controle químico é necessário.

A idéia de se identificar previamente os conhecimentos da comunidade e dirigir as mensagens de acordo com a realidade local mostrou-se adequada. Deve-se levar em consideração os conhecimentos prévios da população, porque ela recebe as informações, faz a interpretação e a adequação à sua realidade e prioridades. Ignorá-los pode significar a simples repetição de mensagens e provocar saturação dos moradores, ou propor soluções sem sustentação no dia-a-dia.

Trabalhos realizados obtiveram resultados em termos de mudanças de conhecimentos sobre dengue ou constataram seus altos níveis, semelhantes aos deste estudo (Chiaravalloti Neto et al., 1998; Dégallier et al., 2000; Donalísio et al., 2001; Rosenbaum et al., 1995). Diante da falsa idéia de que a população não tem o conhecimento e por isso não se previne, sabe-se, ao contrário, que o conhecimento do problema e as informações sobre dengue estão bastante disseminados.

Por outro lado, as suas práticas estão mais relacionadas com as suas experiências prévias: com a visão que tem do serviço público, em geral negativa; com suas prioridades; com as mensagens, às vezes equivocadas, que o serviço divulga; com a proposição pelo serviço de medidas preventivas que ele não é capaz de executar; com a falta de interesse em participar da prevenção; e com a crença no caráter inevitável da doença (Clark, 1995; Nathan, 1993).

Isso reforça o pressuposto de que a Educação em Saúde não depende apenas de orientar as pessoas, mas também do seu envolvimento para que se responsabilizem por ações, executando as que lhes competem e exigindo dos órgãos públicos as medidas necessárias. As campanhas preventivas, na maioria emergenciais, responsabilizam a população pela ausência de participação e de apoio às medidas preventivas, tendo como conseqüência, a transmissão da doença (Valla, 1998).

Na medida em que se substitui a idéia da erradicação pelo controle, a participação da comunidade se torna mais importante, e para que ela ocorra, os programas não podem ser pontuais e devem se basear em estratégias de longo prazo, pois o aprimoramento das práticas depende de uma interação permanente e contínua entre serviço e população (Wang et al., 2000).

Outros pontos importantes são a solicitação aos órgãos de saúde de execução de medidas restritas ao comportamento individual (Oliveira & Valla, 2001) e a falta de tratamento intersetorial dado ao problema. Fala-se da doença e cobra-se um comportamento da população sem levar em conta problemas como a infestação de Culex, terrenos baldios, praças abandonadas, falta d’água e redes de esgoto, coleta de lixo inadequada, além da disseminação de ratos, baratas, etc.

Deve-se romper com a tentativa de alterar as práticas da população somente por meio da divulgação de mensagens. O importante é estruturar trabalhos que respeitem o seu conhecimento, as suas prioridades, a realidade dos criadouros, etc. Por outro lado, convocar a população para atividades de controle do Aedes apenas em momentos de crise ou quando a transmissão já está avançada, também não é uma solução adequada para o problema (Oliveira, 1998).

As práticas relacionadas ao controle do vetor são tanto minuciosas como corriqueiras e devem ser executadas com grande freqüência. Esse tipo de controle muitas vezes não está ao alcance de toda a população, pois as mudanças de hábitos são difíceis e demoradas, e nem todos dispõem do tempo necessário para executar as medidas propostas, já que existem outras prioridades.

Uma questão importante que se coloca é se há ou não colaboração da população para o controle do vetor. Em nosso ponto de vista a população não só conhece o problema como também executa muitas das medidas preconizadas, e seu comportamento vem se alterando ao longo do tempo. Em todos os municípios da região de São José do Rio Preto, da qual Catanduva faz parte, em períodos anteriores, os pneus e vasos com água eram os criadouros mais freqüentes, o que hoje não mais ocorre, e as proporções de criadouros no intradomicílio eram superiores aos valores atuais (Superintendência de Controle de Endemias, dados não divulgados).

A grande dificuldade de controlar o vetor, associada aos problemas urbanos das cidades, principalmente os de saneamento, aponta a necessidade do governo articular o controle de dengue com outras prioridades para que a população sinta-se estimulada a desenvolvê-lo. A relação que se estabelece entre população e serviço público não é de colaboração, e portanto deve ser alterada. Também é importante a realização de investimentos em pesquisas para o aprimoramento das estratégias de controlar o vetor.

 

Conclusões

Os conhecimentos da população da AE sobre dengue apresentaram níveis elevados, porém não ocorreram diferenças significantes entre as fases da pesquisa, com exceção do reconhecimento das formas larvárias do vetor. Os conhecimentos sobre dengue hemorrágico apresentaram-se em níveis baixos e não sofreram alterações. Realizar um trabalho de controle com base no conhecimento da realidade local, discuti-la com a comunidade e relacioná-la às suas prioridades para construir e executar com ela a melhor estratégia de ação resultou no aprimoramento das práticas preventivas, por meio da redução significante na AE dos recipientes potenciais e com água.

Não se verificaram diminuições significantes dos IB, mostrando que a redução de recipientes não foi suficiente para diminuir a infestação. Demonstrou-se, também, que atividades desenvolvidas pelos agentes de controle sem uso de larvicida e sem retirada de recipientes podem ser realizadas sem significar aumento dos IB.

As ações do poder público devem ser alteradas, pois muitas vezes não levam em conta as realidades locais e têm como premissas importantes a aplicação de inseticidas e a erradicação do vetor. Deve-se romper com esta lógica a partir da adoção de estratégias de controle sustentáveis e de maior eficácia, com o pressuposto de que a convivência com o vetor será permanente e que as mudanças pretendidas não ocorrerão sem investimento em educação participativa.

 

Agradecimentos

Os autores agradecem aos moradores de Catanduva; aos funcionários da Secretaria de Saúde de Catanduva; a Beatriz A. C. Belini, Dora B. Defende, Marcelo D. Papa, Marlene C. G. Souza, Neusa F. Adami, Perpétua M. M. Sereno, Carmen M. Glasser, Sirle A. S. Scandar e aos demais funcionários da Superintendência de Controle de Endemias; ao Estatístico José A. Cordeiro; à Organização Pan-Americana da Saúde e Fundação Nacional de Saúde pelo financiamento do projeto.

 

Referências

CHIARAVALLOTI NETO, F.; MORAES, M. S. & FERNANDES, M. A., 1998. Avaliação dos resultados de atividades de incentivo à participação da comunidade no controle da dengue em um bairro periférico do Município de São José do Rio Preto, São Paulo, e da relação entre conhecimentos e práticas desta população. Cadernos de Saúde Pública, 14:101-111.        

CHIARAVALLOTI, V. B.; MORAIS, M. S.; CHIARAVALLOTI NETO, F.; CONVERSANI, D. T.; FIORIN, A. M.; BARBOSA, A. A. C. & FERRAZ, A. A., 2002. Avaliação sobre a adesão às práticas preventivas do dengue: O caso de Catanduva, São Paulo, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, 18:1321-1329.        

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Recebido em 7 de fevereiro de 2003
Versão final reapresentada em 20 de maio de 2003
Aprovado em 1 de agosto de 2003

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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