EDITORIAL

 

Gênero, sexualidade e saúde reprodutiva: a constituição de um novo campo na Saúde Coletiva

 

 

Estela M. L. AquinoI; Regina M. BarbosaIII; Maria Luiza HeilbornII; Elza BerquóIV

IUniversidade Federal da Bahia, Salvador, Brasil
IIUniversidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil
IIIUniversidade Estadual de Campinas, Campinas, Brasil Universidade Estadual de Campinas, Campinas, Brasil
IVUniversidade Estadual de Campinas, Campinas, Brasil

 

 

Na década de 80, criaram-se condições históricas, políticas e culturais para a constituição de um novo campo temático na Saúde Coletiva. Até então vigorava a perspectiva materno-infantil, onde as mulheres eram estudadas, mas o interesse recaía de fato na saúde das crianças, com ênfase nas teorias biológicas para a explicação dos fenômenos. As diferenças entre os sexos, embora presentes na maioria dos estudos, tendiam a ser naturalizadas, e as desigualdades sociais eram interpretadas, exclusivamente, quanto à dimensão de classe. Com o surgimento dos estudos sobre a mulher e, posteriormente, dos estudos de gênero, passam a ser contempladas as relações sociais fundadas nas diferenças percebidas entre os sexos, contribuindo para ampliar a compreensão do processo saúde-doença-cuidado. A forte queda da fecundidade estimula novos estudos sobre reprodução, incorporando as teorias sócio-culturais na compreensão de suas relações com a saúde. A emergência da AIDS desafia o enfoque epidemiológico tradicional das doenças infecciosas, exigindo abordagens interdisciplinares e conferindo legitimidade aos estudos sobre sexualidade e às interpretações sócio-antropológicas do fenômeno.

Com a democratização do país, os movimentos sociais passam a influir nas políticas públicas, conferindo novos contornos ao debate sobre as desigualdades sociais. Nesse cenário, o movimento de mulheres cumpre papel fundamental no setor saúde ao tornar visíveis as ineqüidades de gênero, defender a integralidade e a humanização da atenção e abrir espaços para a luta contra todas as formas de discriminação e opressão. A luta pela saúde como direito de cidadania incorpora múltiplos atores sociais, que ampliam o debate sobre o tema com a defesa dos direitos reprodutivos e sexuais, o que é legitimado pelo estabelecimento de acordos internacionais resultantes dos grandes fóruns promovidos pela Organização das Nações Unidas nos anos 90.

O aumento da produção científica sobre gênero, sexualidade e saúde reprodutiva passou a exigir a implementação de estratégias para o aprimoramento teórico-metodológico, justificando, em 1996, o surgimento do Programa Interinstitucional de Treinamento em Metodologia de Pesquisa em Gênero, Sexualidade e Saúde Reprodutiva, com o apoio da Fundação Ford. Essa iniciativa envolve o Instituto de Saúde Coletiva (Universidade Federal da Bahia), o Instituto de Medicina Social (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), o Núcleo de Estudos de População (Universidade Estadual de Campinas), a Escola Nacional de Saúde Pública (Fundação Oswaldo Cruz) e o Instituto de Saúde (Secretaria de Estado de Saúde de São Paulo), na realização anual de cursos regionalizados de Introdução à Metodologia de Pesquisa e de programas de bolsas com a duração de 12 meses, encontrando-se em sua décima edição. Além da formação de 188 alunos e 84 bolsistas, seus resultados podem ser conferidos neste suplemento, que reúne artigos selecionados entre os produtos de bolsistas e docentes do Programa. Neles é possível constatar a diversidade temática e disciplinar no tratamento de múltiplas questões de interesse para a Saúde Coletiva.

 


 

Gender, sexuality, and reproductive health: the establishment of a new field in Public Health

 

 

Estela M. L. AquinoI; Maria Luiza HeilbornII; Regina M. BarbosaIII; Elza BerquóIV

IUniversidade Federal da Bahia, Salvador, Brasil Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil
IIUniversidade Estadual de Campinas, Campinas, Brasil Universidade Estadual de Campinas, Campinas, Brasil
IIIUniversidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil
IVUniversidade Estadual de Campinas, Campinas, Brasil

 

 

During the 1980s the historical, political, and cultural conditions were created for establishing a new thematic field in Public Health. The previously prevailing perspective was maternal and child health, in which women were studied, but where the real focus was on children's health, with an emphasis on biological theories for the explanation of phenomena. Differences between sex, although present in most of the studies, tended to be considered as natural, and social inequalities were interpreted exclusively in terms of the class dimension. With the emergence of women's studies and subsequently gender studies, there was a new focus on social relations based on perceived differences between the sexes, thus helping expand the understanding of the health-disease-health care process. The sharp drop in fertility encouraged new studies on reproduction, incorporating socio-cultural theories into the understanding of its relations to health. The emergence of AIDS challenged the traditional epidemiological focus on infectious diseases, requiring interdisciplinary approaches and conferring legitimacy to studies on sexuality and the socio-anthropological interpretation of the phenomenon.

With the democratization of Brazil, social movements began to exert greater influence on public policies, thus reshaping the debate on social inequalities. In this scenario, the women's movement has played a central role in the health sector by making gender inequities visible, defending the comprehensiveness and humanization of health care, and opening spaces for the fight against all forms of discrimination and oppression. The struggle for health in Brazil as the right of citizens has incorporated multiple social actors who expand the debate on the issue with the defense of reproductive and sexual rights, which is legitimated by the establishment of international agreements resulting from the major forums promoted by the United Nations in the 1990s.

The increase in scientific output on gender, sexuality, and reproductive health has demanded the implementation of strategies for theoretical and methodological advances, thereby explaining the emergence, in 1996, of the Inter-Institutional Program for Research Methodology Training in Gender, Sexuality, and Reproductive Health, supported by the Ford Foundation. This initiative involved the Institute for Collective Health (Federal University in Bahia), the Institute of Social Medicine (Rio de Janeiro State University), the Nucleus for Population Studies (State University in Campinas), the National School of Public Health (Oswaldo Cruz Foundation), and the Institute of Health (São Paulo State Health Secretariat) to conduct annual regional courses on the Introduction to Research Methodology and scholarship programs with grants lasting twelve months, currently in its tenth edition. In addition to having trained 188 students and 84 grantees, the Program's results can be seen in this Supplement, which includes selected articles from the output by the Program's students and faculty. This special issue bears witness to the diversity of themes and disciplines in treating relevant issues for Public Health.

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br