ARTIGO ARTICLE

 

Armadilhas cognitivas: o caso das omissões na gênese dos acidentes de trabalho

 

Cognitive traps: the case of omission in the genesis of work-related accidents

 

 

Ildeberto Muniz de Almeida; Maria Cecília Pereira Binder

Departamento de Saúde Pública, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista, Botucatu, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Neste artigo discute-se o tema das omissões na gênese de acidentes do trabalho, tendo como referência contribuições de James Reason. Os autores descrevem três acidentes de trabalho ocorridos em atividades de manutenção, e nos quais a omissão de passos na execução da atividade foi apontada como "causa" nas análises efetuadas pelas empresas, acarretando atribuição de culpa aos acidentados. Nos três casos, a análise efetuada pelos autores revelou que, na seqüência de passos da atividade havia presença simultânea de pelo menos quatro das características apontadas por Reason como geradoras de omissões, caracterizando as denominadas armadilhas cognitivas.

Acidentes de Trabalho; Comportamento de Ajuda; Primeiros Socorros


ABSTRACT

This article discusses omissions in work-related accidents. The authors present James Reason's concepts on task characteristics which can increase the chance of operator omission. These ideas were applied to three accidents in which worker omission was given as the "cause" and "proof" of victim's guilt. Analysis of these accidents as a stepwise sequence of activities shows at least four of Reason's omissions characteristics. The expression "cognitive trap" is used to describe their simultaneous presence, and these omissions are highlighted as an organizational aspect requiring consideration in accident-prevention strategies.

Occupational Accidents; Helping Behavior; First Aid


 

 

Introdução

Nos últimos anos, têm surgido críticas às concepções que pressupõem a existência de relações diretas entre falhas, comportamentos inadequados ou erros humanos, e os acidentes do trabalho, enfatizando-se a contribuição dos trabalhadores para a segurança dos sistemas e sua capacidade de constante adaptação, mormente em atividades pouco estruturadas, nas quais os objetivos precisam ser constantemente redefinidos como, por exemplo, na condução de veículos 1,2,3,4.

Embora reconhecendo a participação de ações ou de omissões de operadores nas proximidades de acidentes propriamente ditos, e das lesões deles resultantes, Hale & Glendon 5 e Reason 2 afirmam que atuar sobre comportamentos tem escassa importância para a prevenção de acidentes e de erros, ressaltando que suas origens vão além dos aspectos psicológicos dos indivíduos envolvidos na atividade.

Tomando por base a definição de erro humano: "termo genérico que engloba todas aquelas ocasiões em que uma seqüência planejada de atividades físicas ou mentais falha em conseguir um resultado desejado e quando essas falhas não podem ser atribuídas ao acaso", Reason 2 (p. 9) introduziu as noções de erros ativos e latentes. Os erros ativos referem-se a ações ou omissões dos operadores, e ocorrem nas proximidades do acidente propriamente dito. Os erros latentes referem-se às decisões estratégicas concernentes à organização da atividade no sistema e sua manutenção, sendo cometidos pelos responsáveis por tais decisões.

Essa definição de erro exclui desvios voluntários, chamados por Reason 2 de violações. Enquanto os erros referem-se aos processos cognitivos do indivíduo, as violações referem-se a normas e padrões externos, socialmente definidos. Quando o interesse é a prevenção de acidentes, as violações também devem ser abordadas como tipos especiais de erros, cujas origens precisam ser analisadas visando a identificação de condições latentes que as ensejaram.

A noção de violação é criticada por Dekker 6 que a considera rótulo e julgamento improdutivo. Além disso, em grande número de eventos adversos, é difícil distinguir o que é intencional e o que não é pretendido. Entretanto, a utilização da classificação de erros, proposta por Reason, abriu caminho para numerosos estudos que abordam a existência de mecanismos ou de processos comuns na origem da maioria dos erros, abrindo novas perspectivas em gestão de segurança e saúde no trabalho.

Segundo Reason 1, ainda prevalece o tipo de gestão de segurança e saúde no trabalho centrada na pessoa, denominada gestão do erro por Hollnagel 7. Esse autor descreve duas outras formas de gestão de segurança e saúde no trabalho: desvios do desempenho e variabilidade de desempenhos, baseadas em concepções centradas nas dimensões sistêmica e cognitiva de acidentes. Nessas novas concepções, em especial na gestão dita da variabilidade de desempenhos, a situação de trabalho é descrita como dinâmica e variável. De acordo com Van Eslande, 4 trata-se de situações complexas, que comportam múltiplas variáveis em interação, que possuem uma dinâmica temporal, que apresentam objetivos pouco claros, às vezes, conflituosos e, em certos casos, implicam risco elevado.

Em seus estudos, Reason 1,2,8 e Reason & Hobbs 3 dão ênfase ao tema das omissões, apontadas como o tipo de erro humano mais comum em atividades de manutenção. Para esses autores, os passos a executar numa atividade podem influenciar os processos cognitivos dos operadores e aumentar a probabilidade de omissões. Essa influência pode ocorrer em qualquer etapa da atividade: planejamento, execução ou monitorização da execução.

Reason 1,8 e Reason & Hobbs 3 descreveram, entre outras, as seguintes condições associadas com o aumento da probabilidade da ocorrência de omissões: (a) passos da "tarefa" ou operações que envolvem carga elevada de informações, sobretudo em relação à memória imediata dos operadores; (b) passos pouco visíveis (fora do alcance da visão) ou imprecisos; (c) passos disparados por sinais fracos ou ambíguos; (d) passos funcionalmente isolados dos anteriores; (e) passos que se seguem a obtenção do objetivo principal da "tarefa"; (f) passos que se repetem; (g) mudança em relação à rotina; (h) passos que se seguem a interrupções inesperadas. E mais, trata-se de efeitos que se somam de modo que, quanto maior a presença dessas características na situação de trabalho, maior a probabilidade de omissão. Por essa razão, atividades que incluem mais de uma delas foram chamadas por Reason 8 de "error trap" e, neste estudo, de armadilhas cognitivas.

Na prática, a constatação de omissão durante a análise de um acidente, quase sempre resulta em atribuição de culpa e, ou de responsabilidade ao trabalhador "omisso". Afinal, o que mais seria necessário à prevenção de evento que decorre de "culpa confessa"? Não seria a "confissão espontânea" a "prova" de arrependimento e o estímulo necessário para comportamento mais cuidadoso na próxima vez?

Este estudo tem o objetivo de explorar como omissões de operadores, identificadas por análises de acidentes, foram tratadas pelas empresas, e propor abordagens visando a ampliar o perímetro da análise e esclarecer as origens das omissões verificadas nos casos apresentados.

 

Metodologia

São utilizados resumos de três acidentes de trabalho, analisados pelos autores e por profissionais de segurança do trabalho das empresas em que ocorreram. As descrições foram consideradas suficientemente detalhadas para que fosse possível identificar omissões por parte dos operadores, assim como verificar a presença - ou não - de características que, segundo Reason 8 e Reason & Hobbs 3, aumentam a probabilidade da ocorrência dessas omissões.

 

Resultados

Caso 1: omissão em elevador de obra civil

Trata-se de acidente ocorrido quando o acidentado, chamado para resolver um problema relacionado aos reparos em execução na caixa d'água de um edifício, ao deixar o elevador que o levara até o pavimento em que se localizava a caixa, não fechou a porta do elevador (omissão).

Ao ser aberta para dar acesso ao local de trabalho, a porta projetava-se para fora sobre uma plataforma na qual os trabalhadores caminhavam até a caixa d'água. A abertura e o fechamento da porta eram manuais e o elevador não possuía dispositivo de bloqueio à movimentação caso a porta estivesse aberta.

Ao sair do elevador para a plataforma, o trabalhador não fechou a porta, caminhando em direção à caixa d'água. Nesse momento o elevador começou a descer e a porta aberta chocou-se com a plataforma, derrubando-a. O trabalhador sofreu queda de 40 metros de altura e faleceu.

Durante a análise constatou-se que, para a empresa, a "causa" do acidente havia sido a omissão do acidentado, já falecido: "foi ele que não fechou a porta". A análise efetuada pelos autores e por técnicos não pertencentes aos quadros da empresa identificou falhas técnicas no elevador implicadas na gênese do acidente.

Caso 2: omissão em tarefa de manutenção

Este acidente ocorreu durante a retirada de parte da placa universal de um torno mecânico durante operação de manutenção. O torno estava desligado para que o mecânico, que dispunha da ferramenta necessária, efetuasse sua remoção. Enquanto o mecânico terminava outro serviço, o inspetor de produção, que havia sido mecânico da empresa e, no momento, estava temporariamente desocupado, decidiu ajudar e retirar a placa.

Assim, enquanto aguardava o mecânico, o inspetor procurou, sem encontrar, a chave necessária à retirada da placa universal completa. Nessas condições, tomou a iniciativa de retirar sozinho a parte frontal da placa universal, denominada "placa propriamente dita", pois, dessa forma também seria possível realizar a tarefa pretendida, habitualmente efetuada por dois trabalhadores.

Profissionais de segurança da empresa afirmaram taxativamente que havia determinação verbal para que, após a retirada dos parafusos que prendiam a placa propriamente dita na placa universal, um pedaço de cano fosse introduzido no orifício central desta. Esta manobra visava fixar a placa propriamente dita ao equipamento, impedindo sua queda no interior do torno após a remoção dos parafusos. Entretanto, segundo o inspetor e o mecânico, era comum que isso não fosse feito.

Canos de vários diâmetros, utilizados nesse tipo de operação eram guardados a cerca de 20m de distância do torno. A escolha do cano, com diâmetro adequado ao torno que estivesse sendo reparado, baseava-se em avaliação visual do trabalhador. Quando o cano escolhido possuía diâmetro maior do que o orifício central da placa era necessário trocá-lo por outro.

Segundo a análise da empresa, a não colocação do cano de fixação foi a "causa" do acidente, que consistiu na queda da placa no interior do torno, atingindo a mão do trabalhador (inspetor). A análise da empresa frisava que o inspetor não deveria ter participado de tarefa que cabia ao mecânico executar. As medidas de prevenção adotadas pela empresa foram: (a) formalização da prescrição do uso do cano e (b) reforço do treinamento visando a adesão à regra. A análise efetuada pelos autores apontou o custo humano embutido na prescrição verbal de utilização do cano, implicando deslocamentos, como fator que tornava previsível a omissão, conforme apontado por Kletz 9.

Caso 3: omissão na manutenção elétrica de fresadora

Trata-se de acidente ocorrido por ocasião da primeira intervenção do técnico designado para execução da manutenção corretiva no equipamento, uma fresadora de grandes dimensões. Segundo a análise da empresa, o acidente teria sido "provocado por ato inseguro praticado pelo acidentado", que omitira passos da prescrição que determinava: desligamento da chave geral do equipamento, bloqueio com cadeado (lockout) e uso de cartão (tagout) informando a intervenção em curso.

A análise efetuada pelos autores revelou que, após intervir para consertar o equipamento, o técnico de manutenção elétrica religou a máquina, selecionou o modo de operação manual e acionou os comandos manuais de avanço do cabeçote que, todavia, continuou sem avançar. Ou seja, o problema persistia.

O técnico sabia que isto poderia ocorrer por insuficiência do ajuste manual do sensor de fim de curso do cabeçote, sobre o qual acabara de intervir. Tais ajustes, em virtude de inexistência de indicador de posição, eram efetuados por tentativa e erro, manualmente. Assim, sem desligar a chave geral, ele introduziu parte do corpo no interior da fresadora para alcançar o sensor, efetuando novo ajuste manual que, desta vez, foi adequado. Com isso, o cabeçote avançou e prensou o corpo do técnico.

A análise evidenciou que, no modo de operação manual, a fresadora armazenava na memória comandos acionados e não efetivados, como o de avanço do cabeçote, acionado momentos antes para testar o equipamento. Esta característica era conhecida apenas pelo engenheiro-chefe do setor de manutenção elétrica e desconhecida por todos os demais trabalhadores desse setor.

Por insuficiência do efetivo de manutenção, o conserto, previsto para ser executado por dois técnicos, estava sendo realizado apenas pelo acidentado. Nessa condição, sua proteção implicava seguir os seguintes passos: (a) desligar a chave geral do equipamento (de grandes dimensões); (b) contorná-lo e chegar até o local de acesso ao sensor; (c) introduzir parte do corpo em seu interior para alcançar o sensor; (d) realizar o ajuste (manual e por tentativa e erro); (e) retirar o corpo do equipamento e contorná-lo em sentido contrário para religá-lo; (f) selecionar o modo de operação manual; (g) acionar o avanço do cabeçote e verificar a resposta. Persistindo o problema, repetir a seqüência.

Nessa fase final de testes, a segurança dependia de adesão a prescrições que implicavam custo adicional para o técnico que desconhecia que, no modo de operação manual, o equipamento armazenava comandos em sua memória, configurando condição de desproteção cognitiva.

 

Discussão

No primeiro caso, "fechar a porta do elevador", constitui passo funcionalmente isolado dos anteriores, ou seja, "abrir a porta" não "avisa" que ela deva ser fechada. Além disso, é pouco visível e disparado por sinal fraco.

Para Reason 1, visibilidade e seqüência dos passos apresentam-se entrelaçados. A presença da porta aberta, por si só, não torna visível o passo seguinte - fechá-la -, que depende do trabalhador lembrar-se de que ela não se fecha automaticamente. Apenas elevadores muito antigos possuem essa característica, o que configura mudança em relação às rotinas de deslocamentos com esse tipo de equipamento.

O caminhar é um dos exemplos de desempenho humano baseado em habilidades (skill-based), no qual predomina o controle automático, o que permite ao indivíduo realizar determinada seqüência de operações sem precisar mobilizar a atenção para elas 10. Nesse acidente, verificou-se que a omissão ocorreu durante o deslocamento (caminhada) do acidentado para o local de origem da demanda e na proximidade desta, o que, pelas características do funcionamento psíquico dos seres humanos no trabalho, tende a mobilizar a atenção do trabalhador para a atividade que deverá realizar. E o fechamento da porta não tem relação com seu objetivo principal, com maior capacidade de capturar sua atenção.

No segundo caso, dentre os fatores que favoreceram a omissão, tem-se: (a) dispositivo (cano) que fica fora do corpo do torno e é pouco visível; (b) passo de colocação do cano sem relação funcional com os anteriores e desencadeado por sinal fraco - memória do operador -, configurando necessidade externa à atividade, ou seja, medida de segurança prescrita verbalmente. E mais, a retirada da placa propriamente dita constitui mudança em relação ao habitual - retirada da placa completa -, criando situação de instabilidade, o que não ocorre com a retirada da placa completa.

Ao apresentar check list de aspectos que aumentam as probabilidades de omissões, Reason & Hobbs 3 (p. 127) incluem a seguinte questão: "esse passo já foi omitido por erro no passado?" A resposta positiva indica probabilidade razoável de repetição. No caso em pauta, a omissão da colocação do cano foi descrita como habitual pelos trabalhadores.

Em suma, trata-se de atividade cuja seqüência de operações inclui mais de um passo, cujas características são descritas como capazes de interferir nos processos cognitivos dos operadores, aumentando a probabilidade de omissões, embutindo armadilha cognitiva.

Dekker 6, descrevendo esse tipo de situação, aponta a necessidade de manter o foco nas rotinas adotadas no sistema, tendo em mente que "desvios da norma podem tornar-se normas". Na empresa em questão, a omissão habitual em relação ao uso do cano constitui exemplo desse tipo de situação.

A análise do terceiro caso revela que o trabalhador realizava atividade com a qual não estava familiarizado, fator apontado como um dos mais potentes provocadores de erro em trabalhos de manutenção 3.

O avanço do cabeçote, em resposta ao acionamento anterior, corresponde ao que Dekker 6 denomina surpresa automática (automation surprise). Trata-se de situação em que o sistema faz algo não esperado pelo usuário e que costuma aparecer na presença de, entre outras, as seguintes circunstâncias: (a) o sistema age sem input imediatamente anterior do usuário, ou seja, o input pode ser o resultado da lógica pré programada do sistema; (b) o sistema oferece pouco feed back acerca de seu comportamento, ou seja, informa mais sobre o modo ou estado em que está do que sobre o que está fazendo; (c) situações novas para as pessoas.

A análise revelou outros aspectos apontados como associados com o aumento da probabilidade de ocorrência de omissão. O passo "desligar a máquina" não é funcionalmente associado com o anterior, isto é, acionar o comando de avanço manual. Além disso, a máquina não oferece feed back do comando não obedecido. Nessas condições apenas o conhecimento prévio das características da máquina poderia proteger o trabalhador. O teste de avanço do cabeçote estava sendo realizado pela segunda vez - e o trabalhador poderia necessitar repeti-lo outras vezes -, uma vez que o ajuste do sensor só podia ser detectado por seu intermédio. Trata-se, pois, de passo na fase final da atividade, depois da realização do objetivo principal da manutenção: detectar e corrigir o problema que impedia o avanço do cabeçote. Todas essas características são apontadas por Reason & Hobbs 3 como associadas com o aumento da probabilidade de omissões.

É importante lembrar que, nos três casos apresentados, a omissão dos acidentados também poderia ter sido facilitada por interrupção inesperada (chamado de colega, intercorrências etc), assim como por excesso de pressão de tempo para execução da atividade, fatos comuns no cotidiano de trabalhos de reparação/ manutenção. Os casos analisados indicam precariedade das formas de gestão de segurança adotadas, constituindo exemplos de armadilhas cognitivas.

Em sistemas em que a conseqüência da omissão tende a ser da gravidade dos casos 1 e 3, e em atividades de manutenção em geral, Reason 8 recomenda a adoção de programa de controle de omissões. Tal programa inclui a divisão das "tarefas" em seqüências de operações ou "passos" e a verificação da presença de condições capazes de aumentar a probabilidade de ocorrência de omissões em cada um deles. A partir dessa identificação o autor propõe medidas que vão desde a adoção de bons "lembretes" até a completa revisão da tarefa.

De acordo com Reason & Hobbs 3, é importante que os trabalhadores obtenham conhecimentos básicos acerca do desempenho humano e de fatores reconhecidos como capazes de aumentar a probabilidade de erros: excesso de confiança na memória, interrupções, pressões, fadiga, coordenação inadequada entre trabalhadores, atividades com as quais não está familiarizado, existência de ambigüidades e procedimentos altamente rotineiros. Conhecer esses fatores poderia ajudar no reconhecimento de sinais de perigo constituindo habilidade de autoproteção.

Além disso, entre os novos caminhos apontados para a Gestão de Segurança e Saúde no Trabalho, com ênfase na dimensão humana, destacam-se: estruturação de sistemas de aprendizado organizacional; estudo das estratégias de ajustes e regulações usadas no trabalho sem acidentes; deixar aos operadores o controle da situação e dos riscos a correr; favorecer a visibilidade de suas próprias ações e das do sistema; não privar os operadores de suas defesas naturais e não contrariá-las; aprimorar antecipação de problemas; desenvolver clima de confiança que favoreça relações de solidariedade; valorizar espaços de discussão de conflitos; estudar características de organizações que, lidando com tecnologias de alto risco, conseguem bons desempenhos de segurança 3,6,11,12,13,14,15,16.

Nos três casos apresentados, verifica-se que as abordagens iniciais de profissionais das empresas referem-se aos comportamentos das vítimas para atribuir-lhes culpa, de modo mais evidente no caso 2, no qual a vítima "confessou" a omissão.

No tocante às omissões, é possível que o silêncio que se observa em algumas análises se relacione a dificuldades na abordagem da dimensão humana de sistemas sociotécnicos, cujas origens podem estar na ausência ou na insuficiência de domínio de conceitos necessários à discussão dessa dimensão.

 

Comentários finais

Este estudo, centrado na abordagem de omissões, aponta a necessidade de ampliação do perímetro das análises de acidentes do trabalho em nosso meio e, incorporando conceitos propostos por Reason 1,2,8, apresenta algumas das relações existentes entre comportamentos no trabalho, mecanismos cognitivos adotados e aspectos da dimensão organizacional do sistema em que a atividade se desenvolve.

As omissões constituem um dos tipos de "erro humano", estudado, sobretudo, em sistemas complexos com elevada incorporação tecnológica. Entretanto, os casos apresentados indicam que a análise de acidentes em sistemas de menor complexidade pode ser útil à introdução e ao aprendizado de conceitos relacionados à dimensão humana do trabalho e à revelação de armadilhas cognitivas.

Finalmente, é importante assinalar que, no caso das omissões, as abordagens centradas nos comportamentos e, ou nos erros dos trabalhadores oferecem contribuição escassa ou nula em termos de prevenção, uma vez que tendem a deixar intocadas as condições que lhes deram origem.

 

Colaboradores

O artigo foi elaborado por ambos os autores.

 

Agradecimentos

Os autores agradecem à Delegacia Regional do Trabalho do Estado de São Paulo, em especial aos integrantes do Grupo de Prevenção de Acidentes do Trabalho na Indústria da Construção Civil.

 

Referências

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Endereço para correspondência
I. M. Almeida
Departamento de Saúde Pública, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista
C. P. 549, Campus de Rubião Júnior s/n, Botucatu, SP 18618-970, Brasil
ialmeida@fmb.unesp.br

Recebido em 21/Out/2003
Versão final reapresentada em 12/Mai/2004
Aprovado em 26/Mai/2004

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