ARTIGO ARTICLE

 

A perspectiva das mães sobre o óbito infantil: uma investigação além dos números

 

Mothers' perspectives on infant death: an investigation beyond the statistics

 

 

Lúcia Maria Horta de Figueiredo GoulartI; Mercês Gomes SomarribaII; César Coelho XavierI

IFaculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil
IIFaculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Estudo qualitativo realizado em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, com objetivo de investigar a morte infantil sob a perspectiva das mães. Foram entrevistadas 16 mães que haviam perdido seus bebês, a maioria no período neonatal. As entrevistas foram analisadas tomando-se como principais categorias a percepção do processo saúde-doença-morte, a relação médico-paciente e a qualidade da assistência. A descontinuidade entre o pré-natal e o parto, as dificuldades enfrentadas para a realização do parto, a peregrinação das gestantes, a falta de comunicação com os profissionais de saúde, a dissociação entre as condições hospitalares oferecidas e as necessidades percebidas, foram algumas das situações evidenciadas. Medo, solidão, abandono, insegurança, impotência foram sentimentos que acompanharam as mães por ocasião do parto e durante o curto período de vida da criança. A iniqüidade de direitos, como categoria mais abrangente, permeou os diversos depoimentos, revelando um processo de exclusão das mães e de suas crianças enquanto usuárias do sistema público de saúde.

Mortalidade Infantil; Saúde Materno-infantil; Processo Saúde-doença


ABSTRACT

This qualitative study was conducted in Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil, focusing on infant death from the mothers' perspective. Sixteen mothers whose infants had died were interviewed. Mothers' narratives were analyzed by classifying such categories as perceptions of health-illness-death, the physician-patient relationship, and quality of care. Discontinuity between prenatal and childbirth care, wandering from one hospital to another to receive care, and lack of communication with health care professionals were situations reported by the women. Feelings such as fear, solitude, abandonment, insecurity, and disempowerment were also evidenced. The inequity of rights was a dominant theme which permeated many narratives, revealing a process of exclusion for mothers and their children as users of the public health system.

Infant Mortality; Maternal and Child Health; Health-Disease Process


 

 

Introdução

A morte infantil é descrita e analisada no Brasil sobretudo por meio de informações epidemiológicas que quantificam os óbitos ocorridos. A taxa de mortalidade infantil é um indicador reconhecido internacionalmente, capaz de refletir as condições de saúde de uma população.

Em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, a mortalidade infantil vem apresentando acentuado declínio, passando de 34,4 óbitos por mil nascidos vivos em 1993 para 15,3, em 2003. Essa redução se deu principalmente às custas do componente pós-neonatal e tem sido atribuída a vários fatores como o avanço de tecnologias médicas, ampliação do acesso aos serviços de saúde, intervenções ambientais, melhoria do grau de instrução e queda da fecundidade das mulheres, entre outras (Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte. Relatório da Evolução da Mortalidade Infantil e Perinatal; 2004). Apesar da redução, essa taxa de mortalidade infantil é elevada e os óbitos evitáveis ainda ocorrem em grande número. Lanski et al. 1, em estudo realizado em Belo Horizonte, demonstraram que 40,0% dos óbitos perinatais e 60,0% dos óbitos neonatais poderiam ter sido evitados com uma melhor assistência à gestante e à criança.

Entre as iniciativas públicas destinadas ao enfrentamento dos problemas de saúde materno-infantil em Belo Horizonte, destacou-se na década de 90 o Projeto Vida, que incorporava um conjunto de intervenções voltadas para aquele grupo. A vigilância à morbi-mortalidade infantil foi uma das mais importantes intervenções, ao priorizar a atenção aos recém-nascidos de risco e propor a investigação das mortes infantis pelas unidades básicas de saúde em suas respectivas áreas de abrangência 2.

Esta pesquisa tem origem nessas investigações, realizadas como parte do trabalho cotidiano dos autores no Centro de Saúde São Marcos, na periferia da cidade. Nesse contexto da vigilância epidemiológica, a investigação das mortes infantis baseada na análise da Declaração de Óbito (DO), prontuário e contabilização como evento-sentinela mostrou-se insuficiente para um entendimento mais profundo do fenômeno. Buscou-se então a perspectiva das mães, procurando desvendar uma outra face da morte infantil, não revelada nos documentos oficiais de óbito ou nos indicadores numéricos: percepções, significados, explicações, juízos, relevâncias, trajetórias, circunstâncias, vivenciados por quem experimentou o fenômeno.

Autores como Luz et al. 3, Popim & Barbieri 4, Martins et al. 5 e Santos et al. 6, em estudos qualitativos sobre a perda fetal na perspectiva das mães, mostraram que o conhecimento dessa perspectiva da mortalidade perinatal pode contribuir significativamente para a reorganização dos serviços com base na humanização do atendimento. Hadad et al. 7, estudando mortes infantis pós-neonatais evitáveis em Belo Horizonte com base nos depoimentos das mães, mostraram que a não valorização da percepção materna da doença da criança por parte dos profissionais de saúde e a insuficiente comunicação com família tiveram influência sobre o óbito.

 

Metodologia

Trata-se de uma pesquisa qualitativa com o objetivo de investigar a morte infantil sob a perspectiva das mães. Como estratégia para a coleta de informações, elegeu-se a entrevista semi-estruturada, que melhor atendia não só aos objetivos do estudo, mas também às possibilidades de sua realização. Para a seleção da amostragem foram seguidas as recomendações de Minayo 8: definição do grupo social mais relevante; não esgotamento da amostragem até o completo delineamento do quadro empírico (saturação); flexibilidade da amostragem e possibilidade de inclusão progressiva; possibilidade da triangulação, como critério de validade.

Para a análise do material coletado, optou-se por trabalhar com categorias. Segundo Gomes 9, categoria é um conceito que se refere a elementos com características comuns ou relacionados entre si, possibilitando ao investigador estabelecer classificações. A identificação das categorias foi estabelecida por meio da leitura exaustiva das entrevistas e do diálogo com outras pesquisas empíricas, nos quais procurou-se reconhecer tópicos, temas e padrões relevantes para a compreensão do objeto de investigação. Foram tomadas como principais categorias para a análise: a percepção do processo saúde-doença-morte, referida aos eventos que vão desde a gestação até o óbito; a relação médico-paciente; a assistência recebida.

Foram entrevistadas 16 mães, cujos bebês menores de um ano haviam falecido entre 1996 e 1999. A identificação e o recrutamento dessas mulheres foi feito pela DO da criança, encaminhada ao Centro de Saúde São Marcos pela Secretaria Municipal de Saúde. Foram identificadas 19 mães, porém duas não foram localizadas e uma recusou-se a nos conceder a entrevista porque "não queria falar sobre este assunto". Assim, foram realizadas 16 entrevistas, todas no domicílio e gravadas integralmente. As entrevistadas receberam explicações sobre o projeto e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para a utilização das informações prestadas. Este estudo recebeu a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais.

Todas as entrevistadas eram moradoras da área de abrangência do Centro de Saúde São Marcos, situada na periferia urbana e habitada por uma população de baixa renda. Na ocasião do estudo a taxa de mortalidade daquela área foi calculada em torno de 18/1.000, com uma média de trezentos nascidos vivos por ano. Entre as crianças das 16 mães entrevistadas, 14 foram a óbito no período neonatal, refletindo a tendência da mortalidade infantil em Belo Horizonte na última década (Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte. Relatório da Evolução da Mortalidade Infantil e Perinatal; 2004).

Cinco mães eram primíparas. A maior parte das entrevistadas não trabalhava fora do lar; duas trabalhavam esporadicamente por conta própria e sem vínculos e cinco trabalhavam com carteira assinada, recebendo menos de dois salários mínimos. Três mães eram separadas, sem vínculos com os pais das crianças e as demais coabitavam com os seus companheiros. A renda familiar variou entre um e três salários mínimos. Em dois casos, em se tratando de famílias de desempregados, a única fonte de renda era proveniente da contribuição de familiares e de organizações beneficentes.

 

Quando falam as mães

A gravidez e o pré-natal

Ao reconstituírem suas histórias, as mães explicitaram suas percepções sobre a gestação como o início de uma série de eventos que culminou na morte do bebê. Para a maioria, a gravidez representou a realização de um desejo, porém permeado por ambivalência de sentimentos já descrita por Maldonado 10. Para uma adolescente entrevistada, a gravidez representava a perspectiva de reconstituição da vida afetiva e familiar, da qual ela se via privada na família de origem. A gravidez foi também resultado de desinformação, por uso inadequado de métodos anticoncepcionais. Evidenciou-se uma generalizada preocupação com as repercussões econômicas do nascimento de um bebê.

Estar grávida era privilégio – fazia com que as mulheres se sentissem importantes – mas também era fonte de muito sofrimento: dores, nervosismo, tonteira, falta de ar, aflição e mal-estar. Evidenciou-se a percepção do bebê no útero como um elemento externo capaz de causar desconforto para a gestante, mas também como sujeito capaz de interagir com o seu ambiente social: "quando eu falava e [ela] ouvia minha voz, a criancinha chutava... Eu gostava porque eu pensava assim: será que a criancinha está me ouvindo?".

Com apenas uma exceção, todas as mães fizeram o pré-natal. A maioria das entrevistadas iniciou o acompanhamento no primeiro trimestre de gestação e o número de consultas variou entre quatro e dez. Apenas uma fez o pré-natal em serviço privado, as demais foram atendidas pelo SUS. A facilidade para o atendimento foi relatada. Um estudo feito no mesmo período e na mesma área, envolvendo 199 gestantes, mostrou que com exceção de quatro, todas as outras fizeram o pré-natal, com o início do acompanhamento no primeiro trimestre em 70,0% dos casos e com a mediana do número de atendimentos igual a sete 2. Interessante notar que, mesmo sendo vizinhas do Centro de Saúde São Marcos que oferece atendimento às gestantes, muitas haviam procurado outros serviços, utilizando-se de critérios completamente alheios à lógica do planejamento em saúde: indicação de conhecidos, familiaridade com funcionários, proximidade da casa de parentes, entre outros. Ao lado de algumas poucas manifestações de satisfação com o atendimento, ressaltou-se a insatisfação com a precariedade da comunicação com o médico ou enfermeira; com a desigualdade da relação estabelecida, quando especialmente o médico foi percebido como autoritário; com a necessidade não satisfeita de consumo de medicamentos e de outras tecnologias; e principalmente com a falta de compromisso dos profissionais, transformando o pré-natal em "jogo de empurra": "...aí ela falou para procurar um ortopedista. Aí eu tornei a procurar, ele tornou a me dizer que era normal... Tornei a ligar para ela e disse que tinha alguma coisa errada, que eu não estava dando conta: vai na urgência. Fui na urgência e o médico que me olhou disse que não tinha nada, estava tudo normal... Aí ele mandou que eu procurasse a médica de novo: isso aí é com sua médica".

O parto

O trabalho de parto, para a maioria das entrevistadas, foi marcado por uma intensa peregrinação pela assistência: "nós fomos direto – eu sabia que a Maternidade A [onde fez o pré-natal] tava fechada – para a Maternidade B. Aí chegou, lá também tava fechada a maternidade. Aí mandou prá Maternidade C. Eu achava que ele já tava saindo. E as dores só aumentando. Eu já suando, toda gelada, perdendo toda força. Chegou na Maternidade C falou que já tava em trabalho de parto com quatro centímetros de dilatação. O neném era prematuro e teria que fazer uma cesárea. Lá o alto risco tava fechado. Aí falou: vocês vão ter que esperar, vou arrumar outra maternidade pra você. Eu já não suportava mais. Eu sem alimentar desde o dia passado, desde 10 horas da noite. Fiquei umas 2 horas esperando. Quando eles conseguiu esta Maternidade D ...".

O estudo de Tanaka 11 em São Paulo mostrou que a dificuldade de acesso às maternidades foi um dos principais fatores responsáveis pela morte materna. A peregrinação das gestantes por vários hospitais à procura de vaga para internação fez com que a assistência ao parto fosse prestada tardiamente, levando a complicações que culminaram na morte dessas mulheres. Hotimsky et al. 12, em estudo com o objetivo de conhecer as expectativas sobre o parto entre gestantes usuárias do SUS, evidenciaram que a incerteza de encontrar vaga hospitalar no momento do parto foi uma das maiores fontes de temores e angústia.

Para as mães, a descontinuidade da assistência iniciada no pré-natal e a falta de vínculo com os profissionais que as assistiram durante o parto geraram medo, insegurança e ansiedade: "falei: 'olha dra., eu realmente posso internar, mas com a outra médica me acompanhando'. Porque eu estava com medo assim, uma médica que eu vi a primeira vez falando que ia me internar para tirar o neném. Eu pensei que a outra talvez pudesse fazer alguma coisa por mim, porque ela me acompanhou desde o primeiro mês de gravidez, sabia dos meus problemas. Então falei: 'olha, a senhora é muito boa, mas eu confio mais na minha médica, ela me acompanhou desde o princípio'...".

A dissociação entre as necessidades do binômio mãe-filho e as condições hospitalares oferecidas foram outros aspectos explicitados nas entrevistas. Assim, duas gestantes que haviam sido assistidas no pré-natal de alto risco em grandes hospitais públicos relativamente bem equipados, deram à luz a seus bebês em hospitais privados e conveniados com o SUS, que não ofereciam condições mínimas para o atendimento de situações de risco. Interessante notar que em um dos casos houve culpabilização da mãe pela descontinuidade na qualidade da assistência, que provavelmente resultou na morte da criança: "eles perguntaram: 'você sabia que aqui não tem alto risco? Seu caso era pra alto risco'. Mas a culpa não é minha porque a maternidade B é que me mandou pra cá. Já tava gelando toda, quase morrendo, eles mandou e eu nem tinha jeito de perguntar: aí tem alto risco? Eles mandou... Aí eles falou: 'pois é, aqui não temos alto risco. O seu caso era uma maternidade com alto risco. Nós fizemos o que pudemos pro neném'. Se eu não tivesse passado tanto mal, eu teria perguntado: 'o lugar tem alto risco? Tem planejamento melhor pras criança?' Mas eu tava mal...".

A desinformação a respeito da evolução do trabalho de parto, das condições da criança e dos procedimentos realizados foi, com raras exceções, uma constante nos relatos: "aí eles tratam a gente com nenhuma informação, como se eles estivessem tratando com uma ignorante".

Contrapondo-se à lógica do parto humanizado que valoriza o sujeito mãe nas diversas dimensões (biológica, psicológica e sócio-cultural) o parto desumanizado, evidenciado no estudo como uma prática freqüente, se caracterizou por excluir esse sujeito do processo de parturição. As manifestações dessa exclusão foram muitas: priorização de normas em detrimento do bem-estar da parturiente, mesmo na ausência de sentido dessas normas em determinadas circunstâncias; transformação da parturiente em objeto de ensino; diluição de responsabilidades; desorganização do serviço, com evidentes prejuízos para a paciente; omissão, descaso e até maus tratos. A dicotomização do ensino e assistência, e a lógica da priorização do corpo (objeto de ensino) sobre a pessoa (sujeito do processo saúde-doença) que ainda hoje se configuram como práticas freqüentes nos hospitais-escola foram alguns dos fatores que contribuíram para a desumanização do parto: "cada hora era um que chegava e enfiava a mão ni mim; cada hora um chegava e enfiava a mão ... era terrível!".

O sentimento de medo, desamparo e solidão que normalmente acompanha as mulheres nos momentos que antecedem o parto é agravado pelas rotinas hospitalares burocratizadas, que têm como diretriz a automatização do trabalho da equipe e não o bem-estar do binômio mãe-filho. Klauss & Kennel 13 e Brazelton 14 enfatizam a absoluta necessidade de manter uma acompanhante junto à parturiente, que lhe dê apoio nas horas mais difíceis. No presente estudo, solidão, medo, insegurança, sensação de abandono e impotência foram sentimentos descritos de forma recorrente nas entrevistas: "mas eu tremia, eu estava assim... Eu nunca me vi num estado tão impotente, eu estava impotente, eu tremia, eu estava me sentindo como se fosse ninguém...".

A percepção da ausência de eqüidade na assistência ao parto apareceu em vários depoimentos como uma nítida divisão entre os usuários do SUS e os do setor privado – cidadãos de diferentes categorias e, portanto, de direitos desiguais. Neste trabalho, o sentimento da falta de direitos esteve presente em diversos relatos:

"Eu sei que no SUS, o médico não está à disposição da gente, que tem muita gente né!".

"Eu tava lá já não agüentava mais, passando mal, pressão alta e dor. Chegou uma senhora lá, pagou particular e passou lá na nossa frente. Eu passando um mal danado!".

O bebê

As mães, nas entrevistas, relataram seus medos e fantasias durante a gestação, especialmente quando foram informadas da possibilidade do parto prematuro. A percepção da prematuridade como uma condição de incompletude, mais do que de imaturidade, apareceu em vários depoimentos: "... ela [a criança] não tinha tudo formado né, porque estava em formação né, então ela falou assim: 'porque às vezes a criança pode não estar formada, estar faltando alguma coisa'...".

Após o nascimento, tendo constatado que o bebê era "perfeito" – ou seja, completo – ainda que pequeno, sem qualquer sinal visível de doença, as mães se referiram a eles como "grandinho", "espertinho", "bonitinho" e outros adjetivos, provavelmente usados como sinônimos de "saudáveis", na tentativa de negar a adversidade da situação: "mostrou meu neném e era uma menina muito linda, era uma menina de um quilo e cem, mas era uma menina bem grandinha, doutora, bem grandinha".

Lamy 15, ao estudar a percepção de pais sobre a internação de seus filhos em uma unidade de terapia intensiva neonatal no Rio de Janeiro, Brasil, verificou que os pais procuravam no corpo do bebê os sinais visíveis de doença que justificassem as intervenções médicas. Portanto, o reconhecimento da condição de gravidade passaria por critérios de senso comum de avaliação, diferentes dos critérios médico-científicos. Nos depoimentos obtidos por aquela autora, evidenciou-se a dificuldade dos pais em aceitar a condição de gravidade na ausência de tais sinais. Na presente pesquisa, verificou-se fenômeno semelhante, que se manifestou na relutância das mães em aceitar a situação de gravidade de um bebê "espertinho" ou "bonitinho", que "nem amuadinho estava", mesmo que seu peso de nascimento tivesse sido muito baixo. Uma das mães se referiu à sua perplexidade ao ser informada que o seu recém-nascido estava muito mal, sendo que "até os roxinhos (hematomas) da cabeça já haviam desaparecido".

Um outro aspecto revelado nos depoimentos foi a percepção do bebê-sujeito, como continuação de um processo iniciado na gravidez. Assim, para as mães, seus bebês foram capazes de relacionar-se com elas, reconhecendo o seu toque, olhando o seu rosto ou até mesmo vocalizando: "quando eu olhei, ela fez assim pra mim: 'hã, hã, hã...'!". Os bebês foram descritos também como susceptíveis ao sofrimento causado pela doença e capazes de chorar em resposta a este sofrimento: "no último dia ele nem chorava mais, só via, assim, os olhinhos cheios de lágrima, essas coisas...".

O estranhamento causado pela imagem da criança cercada de equipamentos médicos – soro, sondas, tubos, respirador, monitor, incubadora, fototerapia etc. – foi revelado nos depoimentos. Apenas duas mães evidenciaram compreensão acerca dos objetivos da utilização de tais equipamentos. Lamy 15, em seu estudo, evidenciou o impacto sofrido pelos pais diante dos equipamentos da unidade de terapia intensiva neonatal e constatou que os médicos, ao fornecerem explicações aos pais, o faziam com base em suas próprias preocupações, o que freqüentemente não correspondia às preocupações dos pais.

Brazelton 14 e Klaus & Kennel 13 referem-se a um sentimento de culpa vivenciado pelas mães de bebês prematuros ou doentes, como se estas condições fossem obrigatoriamente conseqüências de uma falha materna. Klaus & Kennel 13 lembram que esse sentimento pode impedir que a mãe formule perguntas esclarecedoras sobre o estado de saúde da criança, como se houvesse receio de obter as respostas, o que aumenta ainda mais a sensação de culpa. A busca de explicações no senso comum e na reinterpretação de informações oferecidas pelos profissionais apareceu em quase todos os depoimentos. Assim, as adversas condições de saúde da criança foram relacionadas a fenômenos como: queda sofrida pela mãe, insuficiência de líquido amniótico – o bebê teria "sufocado na bolsa seca" ou "invés de desenvolver ele estava diminuindo" – , os medicamentos para pressão que teriam "atacado o coração", pressão alta da mãe causando "falta de ar" do bebê no útero materno e nervosismo na gestação. Todavia, a insuficiência de informações continuou sendo, após o nascimento e durante o curto período de vida dos bebês, uma marca constante no processo de assistência à saúde.

O óbito – desfecho (evitável?) das muitas histórias

São muitas as histórias e diversos os percursos que terminaram com o óbito da criança. Porém, nas várias falas permeadas de uma profusão de sentimentos sobre esse evento particular e único – a morte de um filho – foi possível identificar certos aspectos de convergência: a distância entre o discurso materno e o registro documental sobre o fenômeno "óbito"; a relação com os profissionais da saúde marcada pela insuficiência da comunicação; a precariedade dos serviços de saúde; e a iniqüidade dos direitos.

Nations 16, estudando 43 casos de óbito infantil em Pacatuba, Ceará, verificou que as causas atribuídas pelas famílias à morte das crianças raramente coincidiam com as causas biomédicas. Essa pesquisadora enfatiza a importância de se conhecer a mortalidade infantil sob a perspectiva etnomédica, que permite captar aspectos socioculturais da vida e da morte dos indivíduos, fundamentais para a melhor compreensão desse fenômeno tão complexo que é o óbito infantil. Oliveira & Minayo 17 comparam a complexidade da sobrevivência e mortalidade infantis à imagem de um caleidoscópio: "em cada composição e em todas as composições em conjunto, a decisiva presença do viés social, do psicológico e do biológico, interligados de modo íntimo e complexo...".

Neste estudo, quando a mãe foi encorajada a falar sobre a "verdadeira" causa da morte da criança, percebeu-se a enorme distância entre o registro documental – diagnóstico biomédico – e o seu próprio diagnóstico. A Tabela 1 mostra as causas do óbito conforme registradas na DO e como foram percebidas pelas 16 entrevistadas. Nota-se que em um único caso, a mãe, embora de baixa escolaridade, usou os mesmos termos da DO, demonstrando compreender o seu significado médico e aceitar as causas relacionadas como verdadeiras. Essa mãe permaneceu internada junto ao bebê, participando ativamente dos cuidados hospitalares dispensados a ele. Nos demais casos, as causas relacionadas pelas mães foram reinterpretações das causas biomédicas ou referências à má qualidade da assistência recebida.

Embora muitas mães tenham se referido à "vontade de Deus" como busca de conforto e resignação para o seu luto, não se evidenciaram concepções fatalistas do fenômeno. Para Nations & Rebhun 18, essas manifestações que ocorrem após a morte da criança (fatalismo pós-fato) fazem parte de um processo de conformação e não significam um comportamento fatalista propriamente dito. O relato de um comportamento de luta pela vida da criança e manifestações de esperança em sua recuperação, mesmo em momentos mais críticos, foram também observados neste estudo, permeando, como uma constante, todos os depoimentos. As práticas religiosas, especialmente as orações apareceram como parte de um sistema de apoio utilizado pelas mães. Fenômenos sobrenaturais não foram evocados como causa do óbito.

Com raras exceções, a insuficiente comunicação entre as mães e os profissionais de saúde acompanhou as trajetórias das entrevistadas desde o pré-natal até a morte da criança. A falta e a contradição de informações, a ausência de escuta, o uso de uma linguagem inacessível, a frieza e a impessoalidade da notícia do óbito, e o autoritarismo dos profissionais de saúde foram os problemas mais freqüentes nos depoimentos. A maneira "objetiva" de noticiar o óbito, desvinculando-o de seus profundos significados afetivos e socioculturais, foi percebida pelas mães como mais um episódio marcante nas suas histórias: "aí, ele [o enfermeiro] chegou e falou assim: 'oh, seu menino morreu'. Eu falei assim: 'uai, mas como que ele morreu? O médico falou comigo hoje de manhã que ele tava bom, que ele tava melhorando! Como que ele morreu?' Me deu aquele trem assim, sabe? Eu assustei mais com o homem do que com a morte do menino, porque ele não tinha coração nenhum pra dar a gente uma notícia dessa...".

A má qualidade da assistência foi uma causa importante de óbito relatada pela maioria das mães, acompanhada ou não de outras explicações. Assim, as mães atribuíram as mortes de suas crianças à negligência, falta de atenção, não valorização da queixa, displicência e demora na realização das intervenções. A precariedade dos serviços de saúde, tanto pela insuficiência de leitos quanto pela baixa qualidade dos equipamentos e serviços prestados, afigura-se como uma constante na maior parte dos depoimentos. O estrangulamento do processo de assistência à gestante no momento do parto, devido à falta de leitos, foi um fenômeno observado, e que também foi descrito por Tanaka 11 em São Paulo. Essa autora, reconstituindo as trajetórias de puérperas que vieram a falecer, concluiu que "a peregrinação se tornou tão comum em nosso meio que nem sempre a paciente se revolta quando não obtém assistência; ela se conforma e parte em busca de outra instituição" 11 (p. 44). No presente estudo esse conformismo também foi observado, o que, num momento de especial necessidade e fragilização, poderia ter sido estratégia para encontrar uma solução mais rápida. Accioly 19, estudando óbitos neonatais ocorridos em Belo Horizonte em 1993, mostrou que 65,8% dos bebês falecidos nasceram em hospitais sem suporte para uma adequada assistência neonatal. Costa 20, estudando 28 unidades perinatais disponíveis em Belo Horizonte no ano de 1996, constatou que cinco hospitais (17,9%) não disponibilizavam condições de complexidade e segurança em potencial mínimas para atendimento a parturientes e recém-nascidos de risco habitual.

França et al. 21, estudando óbitos infantis por pneumonia, desnutrição e diarréia, ocorridos na década de 90 em Belo Horizonte, verificaram que as crianças tinham passado, em média, por 2,8 serviços de saúde, por motivo da doença terminal. Os autores verificaram também que entre as crianças que tinham tido pelo menos uma internação prévia, 53,0% tinham tido alta hospitalar com um intervalo de 15 dias ou menos da ocorrência do óbito. Diante desse quadro, sugerem que a assistência prestada a essas crianças tenha sido inadequada. Hadad 7, estudando essa mesma população numa perspectiva antropológica, observou que 43,0% das mães das crianças falecidas relacionaram a causa da morte com as falhas do serviço de saúde. Caldeira et al. 22, no mesmo período e local, estudando a ocorrência domiciliar dos óbitos pós-neonatais evitáveis, verificou a sua associação com a baixa efetividade da assistência.

A violência institucionalizada nos serviços de saúde, expressa na relação desigual entre profissionais de saúde e mães, foi outro fenômeno observado, que, somado à precariedade, aumentou ainda mais o sofrimento e o sentimento de exclusão dessas últimas. Nogueira 23, referindo-se à violência institucional, observa que ela se traduz por várias expressões, seja no nível estrutural, seja nas relações entre os diversos atores, ou ainda nos processos de exclusão e discriminação.

A concepção desinformada de gratuidade da assistência pelo SUS aparece como uma explicação para um atendimento extremamente precário: "quando é uma pessoa que não tá pagando nada, tá pelo SUS, é cinco minutos e olhe lá; cinco minutos, ainda é muito. A gente só falta sair de lá chutada".

Mesmo que o sentimento de conformismo tenha perpassado alguns depoimentos, a defesa dos direitos à saúde, ainda que reduzidos à sua dimensão mais simples de acesso à assistência, apareceu na maioria das falas, ora como constatação, ora como reivindicação, mas sempre denunciando uma situação de iniqüidade.

Assim, essa percepção de iniqüidade esteve presente nos depoimentos sobre a dificuldade de acesso aos serviços e sobre a relação com os profissionais de saúde, marcada pela falta de comunicação e exclusão da subjetividade das entrevistadas, enquanto pacientes. Por outro lado, foi possível vislumbrar a possibilidade de uma outra forma de assistência – a assistência "humanizada" – que aparece, ainda que timidamente, referida aos cuidados hospitalares e à satisfatória comunicação médico-paciente. Uma das mães relatou a sua experiência em um hospital de referência para o parto humanizado, onde teve a companhia constante de uma doula, que são mulheres da comunidade que acompanham as parturientes, ajudando-as e apoiando-as psicologicamente durante a permanência no hospital. Essa mãe permaneceu internada durante os poucos 25 dias de vida do bebê, cuidando dele e utilizando o Método Canguru, que consiste em manter o recém-nascido contido por faixas em posição vertical entre as mamas, com contato pele a pele. Uma outra mãe revelou que se sentiu confortada pelas palavras da médica e da enfermeira após a morte da criança. Evidenciou-se, neste estudo, a necessidade de uma rede social de apoio para as mulheres e famílias que perderam seus bebês, para que a dor da perda se torne mais amena e para que possam elaborar o luto, o sentimento de culpa e toda a complexa desestruturação causada pela morte.

 

Comentários finais

A ação de vigilância à morbi-mortalidade infantil, cenário para a realização deste estudo, mostrou-se bem sucedida ao possibilitar a captação e o acompanhamento de crianças de risco pelo serviço de atenção primária, conforme demonstrado por estes autores em outro estudo 2. Por outro lado, foram evidenciadas limitações que, na maioria das vezes, extrapolaram o âmbito da atenção primária e do próprio programa. Faz-se necessário um esforço conjunto das diversas instâncias envolvidas na atenção materno-infantil para que esta ação seja realmente eficaz e que as lacunas possam ser corrigidas. A investigação detalhada do óbito infantil, de modo a compreendê-lo para além de seu significado numérico e documental, parece ser de fundamental importância como subsídio para o adequado planejamento de intervenções. Nesse sentido, a criação pela Secretaria Municipal de Saúde do Comitê de Prevenção da Mortalidade Infantil e Perinatal, que tem como um dos objetivos a investigação dos óbitos infantis e perinatais, representa um considerável avanço (Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte. Relatório da Evolução da Mortalidade Infantil e Perinatal; 2004). A reorganização da atenção pré-natal com vinculação a um hospital de referência e garantia de vaga para a parturiente e o recém-nascido, de modo a evitar a peregrinação no momento do parto, é um desafio que precisa ser enfrentado. A melhoria da assistência, em todos os aspectos, desde técnicos até humanísticos, é outro desafio não menos importante. Em suma, qualquer esforço voltado para a diminuição da morbi-mortalidade infantil somente terá real eficácia se pautado pelo respeito aos direitos de cidadania das mães e das crianças. Questiona-se, pois, quantos desses óbitos poderiam ter sido evitados num diferente contexto no qual as mães pudessem ser ouvidas, informadas, acolhidas sem necessidade de peregrinação, e enfim receber, para elas próprias e para suas crianças, a adequada assistência a que têm direito como cidadãs.

 

Colaboradores

L. M H. F. Goulart redigiu o artigo. M. G. Somarriba contribuiu na coleta de dados, análise e redação do texto, e participou da construção da metodologia. C. C. Xavier acompanhou e contribuiu na coleta de dados, análise e na redação do texto, e participou da escolha do tema e da discussão das questões médicas propriamente ditas.

 

Referências

1. Lansky S, França E, Leal MC. Mortes perinatais evitáveis em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, 1999. Cad Saúde Pública 2002; 18:1389-400.        

2. Goulart LMHF, Xavier CC, Goulart E, Somarriba MG, Almeida CG, Costa ALDG. Avaliação da ação de vigilância à morbi-mortalidade infantil na periferia de Belo Horizonte, Minas Gerais. Rev Bras Saúde Matern Infant 2003; 3:291-304.        

3. Luz AMH, Santos ES, Mendes SMA, Agostini SMM. Feto morto: atuação da enfermeira frente ao sentimento materno. Rev Bras Enfermagem 1989; 42: 92-100.        

4. Popim RC, Barbieri A. O significado da morte perinatal: depoimentos de mães. Rev Bras Enfermagem 1990; 43:134-40.        

5. Martins MA, Quayle J, Souza C, Zugaib M. O impacto emocional materno diante da perda durante a gestação: aspectos qualitativos. Rev Ginecol Obstet 1998; 9:153-9.        

6. Santos ALD, Rosemburg CP, Buralli KO. Histórias de perdas fetais contadas por mulheres: estudo de análise qualitativa. Rev Saúde Pública 2004; 38:268-76.        

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Endereço para correspondência
L. M. H. F. Goulart
Departamento de Pediatria, Faculdade de Medicina
Universidade Federal de Minas Gerais
Av. Alfredo Balena 190
Belo Horizonte, MG 30130-100, Brasil
luciahf@terra.com.br

Recebido em 15/Jun/2004
Versão final reapresentada em 21/Out/2004
Aprovado em 04/Nov/2004

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br