ARTIGO ARTICLE

 

Trabalho e distúrbios psíquicos em professores da rede municipal de Vitória da Conquista, Bahia, Brasil

 

Work and psychological distress among public school teachers in Vitória da Conquista, Bahia State, Brazil

 

 

Eduardo José Farias Borges dos ReisI; Fernando Martins CarvalhoI; Tânia Maria de AraújoII; Lauro Antônio PortoIII; Annibal Muniz Silvany NetoI

IDepartamento de Medicina Preventiva, Universidade Federal da Bahia, Salvador, Brasil
IIDepartamento de Saúde, Universidade Estadual de Feira de Santana, Feira de Santana, Brasil
IIIFundação Nacional de Saúde, Salvador, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Um estudo de corte transversal, com todos os professores da rede municipal de ensino de Vitória da Conquista, Bahia, Brasil, investigou a associação entre conteúdo do trabalho (demanda psicológica e controle sobre o trabalho) e a ocorrência de distúrbios psíquicos menores (DPM) entre professores. O Modelo Demanda-Controle, de Karasek, foi utilizado para avaliar o conteúdo do trabalho. Para mensuração dos distúrbios psíquicos menores utilizou-se o Self-Report Questionnaire-20. A prevalência de DPM foi de 55,9% entre os 808 professores estudados. A prevalência bruta de DPM mostrou associação positiva e significante com demanda psicológica e associação negativa e significante com controle sobre o trabalho. As prevalências de DPM foram mais elevadas em professores com trabalho em alta exigência, caracterizado por alta demanda e baixo controle (RP = 1,74; IC95%: 1,44-2,10) e naqueles em trabalho ativo, com alta demanda e alto controle (RP = 1,35; IC95%: 1,13-1,61) quando comparadas à dos professores em trabalho de baixa exigência (baixa demanda e alto controle), depois de ajuste para confundidores num modelo de regressão logística múltipla. Conclui-se que a saúde mental dos professores está fortemente associada ao conteúdo de seu trabalho.

Saúde Mental; Condições de Trabalho; Estresse Psicológico; Transtornos Mentais; Psicologia do Trabalho


ABSTRACT

A cross-sectional study with all the teachers in the municipal school system in Vitória da Conquista, Bahia State, Brazil, investigated the association between work content (psychological demand and control over work) and the occurrence of minor psychiatric disorders (MPD) among teachers. The Karasek demand-control model was used to evaluate control over work. The Self-Report Questionnaire-20 was used to evaluate minor psychiatric disorders. MPD prevalence was 55.9% among the 808 teachers studied. Crude prevalence of MPD showed a positive and significant association with psychological demand and a negative and significant association with control over work. MPD prevalence was higher in teachers with highly demanding work, characterized by heavy demand and low control (PR = 1.74; 95%CI: 1.44-2.10), and in those with active work, with heavy demand and low control (PR = 1.35; 95%CI: 1.13-1.61), as compared to teachers with low-demand work (light demand and high control), after adjusting for confounders in a multiple logistic regression model. As a conclusion, teachers' mental health is strongly associated with their work content.

Mental Health; Working Conditions; Psychological Stress; Mental Disorders; Occupational Psychology


 

 

Introdução

A categoria docente é uma das mais expostas a ambientes conflituosos e de alta exigência de trabalho, tais como tarefas extra-classe, reuniões e atividades adicionais, problemas com alunos que chegam até ameaças verbais e físicas, pressão do tempo, etc. Esta situação estressante leva a repercussões na saúde física e mental e no desempenho profissional dos professores 1,2. O impacto dos fatores estressantes sobre profissões que requerem condições de trabalho específicas, com grau elevado de relação com o público, como a do professor, tem sido estudado em outros países sob a denominação de Síndrome de Burned Out, ou Burnout que, no Brasil, recebeu a denominação de Síndrome do Esgotamento Profissional 3. Burnout seria uma síndrome de exaustão emocional e de atitudes cínicas e negativas dos profissionais em relação aos sentimentos dos indivíduos para os quais dirigem o seu trabalho, visto que os seus recursos emocionais estão esgotados. As conseqüências da Síndrome de Burnout são muito sérias para os vários setores relacionados a educação: professor, aluno, instituição (escola). As mudanças do papel do professor na sociedade refletem na prática de ensino e na saúde do professor, resultando em absenteísmo e solicitação de licença médica para tratamento de saúde, além da forma despersonalizada com que os professores começam a tratar os alunos 4,5.

A bibliografia sobre a saúde do professor origina-se principalmente dos países centrais (Europa e América do Norte), destacando-se os estudos referentes ao estresse. No Brasil, pouco se tem feito para avaliar as repercussões do trabalho sobre a saúde do professor, cujos riscos são menos visíveis quando comparados a outros trabalhadores como metalúrgicos, petroquímicos etc. Recentemente, parcerias da Confederações de Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (CONTEE) e da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Educação (CNTE) com a Universidade Federal da Bahia (UFBA) e a Universidade de Brasília (UnB), respectivamente, produziram alguns estudos fundamentais. O estudo da UnB 6 sobre a saúde mental dos professores de primeiro e segundo graus em todo o país, abrangeu 1.440 escolas e 30 mil professores e revelou que 26,0% dos indivíduos estudados apresentavam exaustão emocional. Em Salvador, Bahia, uma pesquisa epidemiológica de corte transversal em 58 escolas e 573 professores de ensino privado, revelou um marcante processo de desgaste físico e mental, destacando-se a prevalência de distúrbios psíquicos menores (DPM) de 20,1% 7. Em professores da rede particular da cidade de Vitória da Conquista, Bahia, a prevalência de distúrbios psíquícos menores foi de 41,5% 8.

O modelo demanda-controle de Karasek 9 é um modelo bidimensional, oriundo da vertente de estudo sobre o estresse gerado no ambiente psicosocial do trabalho. Pretende relacionar o controle e a demanda forjada pela organização do trabalho no ambiente laboral com as repercussões sobre a estrutura psíquica e orgânica dos trabalhadores. Denomina-se como demanda psicológica (psychological demand) aquelas situações de trabalho em que o trabalhador é exigido quanto à concentração, tempo para realização de tarefas, ritmo e volume etc. O controle do trabalho por parte do trabalhador (decision latitude), é considerado quanto a:

• Habilidades (skill discretion): criatividade, aprender coisas novas, tarefas diferentes, desenvolver habilidades especiais;

• Autoridade de decisão: liberdade de decidir como fazer as suas tarefas, opinar sobre o trabalho do grupo, influenciar na política gerencial.

O modelo demanda-controle prevê a avaliação simultânea de níveis de controle e de demanda, conformando situações de trabalho específicas. Ao combinar níveis de demanda e controle, diferentes situações de trabalho são constituídas:

• Alta exigência: combinando alta demanda e baixo controle;

• Trabalho ativo: combinando alta demanda e alto controle;

• Trabalho passivo: combinando baixa demanda e baixo controle;

• Baixa exigência: combinando baixa demanda e alto controle.

Posteriormente, o modelo demanda-controle incorporou uma outra dimensão psicológica, o suporte social, incluindo componentes de natureza coletiva, capazes de modificar as dimensões de ordem individuais da relação demanda-controle e saúde. O suporte social é considerado em dois subgrupos de questões: suporte da supervisão e suporte dos colegas de trabalho 9,10. Este modelo tem sido amplamente usado na área da saúde para avaliar agravos diversos, tais como doenças cardiovasculares, aborto, doenças osteomusculares e depressão 11.

O modelo demanda-controle de Karasek é operacionalizado através de um instrumento conhecido como Job Content Questionnaire (JCQ). No Brasil, os dois estudos que avaliaram o desempenho do JCQ 12,13 relataram bons indicadores de validade e confiabilidade.

O presente estudo objetivou avaliar associação entre controle sobre o trabalho e demandas psicológicas e a ocorrência de distúrbios psíquicos menores entre professores da rede municipal de ensino fundamental de Vitória da Conquista.

 

Metodologia

Foi realizado um estudo epidemiológico de corte transversal na cidade de Vitória da Conquista. Com base na listagem das escolas da rede municipal de ensino, fornecida pela Secretaria Municipal de Educação, foi feito um censo abrangendo 219 escolas (186 na zona rural e 33 na zona urbana) e 20 creches. A rede municipal de ensino incorpora o ensino fundamental (pré-escola e os anos escolares de 1ª a 8ª série), abrangendo 1.058 professores. Foram incluídos neste estudo todos os professores em efetivo exercício profissional, independente do tipo de vínculo empregatício. Foram excluídos professores de educação física, xadrez, informática e línguas estrangeiras. Estes profissionais desempenham atividades de ensino com características bastante diferenciadas das atividades docentes mais tradicionais; em geral, envolvem menor carga horária e dinâmicas de ensino diferenciadas.

Foi utilizado um questionário auto-aplicado para coleta de dados, com seis blocos de perguntas relacionadas a:

I. Identificação do professor;

II. Características gerais das atividades do professor na escola em que ele lecionava;

III. Aspectos psicossociais do trabalho (utilizando o JCQ na sua versão recomendada de 49 questões 14);

IV. Distúrbios psíquicos menores (utilizando o SRQ-20 – Self-Report Questionnaire 15);

V. Atividades domésticas.

Para a tradução para o português da versão do JCQ utilizada neste estudo, seguiu-se procedimentos estabelecidos pelo JCQ Center 14. Controle e demanda foram as variáveis independentes principais desta investigação. Para a construção das escalas de demanda, controle e suporte social foram utilizados os critérios recomendados no manual do JCQ 14. Para dicotomizar a variável demanda usou-se a mediana como ponto de corte; para controle, usou-se o primeiro quartil como ponto de corte. A partir destas duas dimensões assim dicotomizadas, foram constituídas as quatro categorias: baixa exigência, trabalho ativo, trabalho passivo e alta exigência.

Os distúrbios psíquicos menores foram avaliados e classificados de acordo com os escores obtidos no SRQ-20 15. O ponto de corte utilizado para o estabelecimento de suspeição de distúrbios psíquicos foi de sete ou mais respostas positivas.

Diversas variáveis foram estudadas para investigação dos efeitos sobre a associação principal do estudo: sócio-demográficas (renda, idade, escolaridade, sexo, situação conjugal, ter filhos), hábitos saudáveis (prática de atividade física e de lazer), relacionadas ao trabalho docente (tempo de trabalho como professor, horas semanais de trabalho docente, número de turmas e alunos, número de colegas, vínculo de trabalho, modalidade de ensino, trabalhar em outra escola, exercício de outra atividade, zona de trabalho, tipo de escola, tempo gasto com deslocamento da escola, suporte social), atividades domésticas (indicador de sobrecarga doméstica, receber ajuda na atividade doméstica, número de habitantes na casa, cuidar das crianças, cuidar da limpeza da casa, cuidar da cozinha, lavar e passar roupa, pagar as contas da casa e fazer mercado e feira).

A variável suporte social foi codificada tendo como base a obtenção de apoio ou não da chefia ou dos colegas de trabalho, dividindo posteriormente pela mediana em duas categorias: baixo suporte e alto suporte.

O indicador de sobrecarga doméstica 16 é o somatório dos valores dos escores correspondentes a quatro tarefas domésticas básicas: cozinhar, limpar, lavar e passar roupa, ponderado pelo número de moradores na casa, exceto a própria (N -1). Cada uma das variáveis relativas às tarefas domésticas foi referida em uma escala ordinal, de 1 a 5. Posteriormente, foi criada a variável ordinal sobrecarga doméstica, cujos tercis foram chamados de sobrecarga baixa, média e alta.

Para o processamento dos dados foi utilizado o programa SPSS. A população foi descrita segundo as variáveis sócio-demográficas, de trabalho docente e atividade doméstica. A medida de associação utilizada, entre demanda e controle e distúrbios psíquicos menores, foi a razão de prevalências e respectivos intervalos de confiança. A análise da presença de co-variáveis modificadoras de efeito ou confundimento foi realizada na primeira etapa da análise estratificada. Posteriormente, avaliaram-se os efeitos simultâneos das variáveis realizando a análise de regressão logística múltipla. Todas as co-variáveis foram incluídas na etapa de seleção das variáveis da análise de regressão logística múltipla.

Na análise estratificada e de regressão logística foram avaliadas a interação com as co-variáveis referentes ao trabalho docente, ao trabalho doméstico e as características sócio-demográficas.

A análise estratificada teve como etapa inicial a escolha do grupo considerado de referência (grupo de baixa exigência) que teve sua prevalência comparada com a dos demais grupos de exposição. Prosseguindo, foram verificadas interações, observando-se se a razão de prevalência de cada nível de exposição de um estrato estava contido ou não no intervalo de confiança obtido para a razão de prevalência do outro estrato.

A regressão logística múltipla avaliou o efeito da associação principal, quando se ajustou concomitantemente pelas co-variáveis de interesse. Para a pré-seleção das co-variáveis observou-se as co-variáveis que apresentaram valor p, obtido pelo teste de razão de verossimilhança, menor ou igual a 0,25, em análises de regressão logística univariadas nas quais apenas a constante e uma variável de cada vez estavam contidas no modelo. A seguir, procedeu-se à análise de regressão, incluindo a variável independente de interesse (modelo demanda-controle), as co-variáveis e os termos de interação de primeira ordem, utilizando-se o método "de trás para frente", com reavaliação a cada etapa, para a seleção de variáveis.

Considerando que a prevalência de DPM estimada na população investigada foi elevada, distanciando-se dos parâmetros estimados para a OR (odds ratio), procedeu-se ao cálculo das estimativas de razões de prevalência (RP) e de seus respectivos intervalos de confiança, usando-se o procedimento do método Delta 17. Não foi realizado estudo piloto.

 

Resultados

Dos 967 professores elegíveis para pesquisa, registrou-se a perda de 159 (16,5%), 80 (8,3%) recusaram-se formalmente a participar do estudo e 79 (8,2%) não foram localizados, incluídos aqui aqueles em licença médica. A população final do estudo foi de 808 educadores.

Os professores da rede municipal de Vitória da Conquista eram na maioria mulheres (94,1%), casadas (52,3%), com filhos (58,5%) e com escolaridade de nível médio (67,5%). A média de idade foi de 34,2 anos (desvio padrão = 8,5) e a de número de filhos foi 2,0 (desvio padrão = 1,0). Consumo de bebida alcoólica foi referido por 22,0% dos entrevistados e o hábito de fumar por 7,3%. A realização de atividades domésticas foi referida por 86,7% da população: 95,9% entre as mulheres e 77,8% entre os homens. Sobrecarga doméstica alta foi encontrada para 32,8% das mulheres, e no caso dos homens, somente para 2,3%.

O tempo médio de trabalho dos professores da rede municipal de Vitória da Conquista foi de 10,4 (± 6,7) anos, com 85,2% deles com vínculo de trabalho estável (efetivos e concursados) e apenas 14,8% mantinham contrato precário (provisório). A modalidade de ensino mais freqüente foi a Fundamental I (1ª à 4ª séries), envolvendo 64,7% dos entrevistados. A média de turmas por professor foi 2,4, (± 2,1) com média de 29,4 (± 7,6) alunos por sala de aula. A carga horária média encontrada em todas as escolas foi 38,8 (± 11,1) horas por semana. Cerca de um terço dos professores (32,1%) trabalhavam em uma outra escola, além daquela na qual ele foi entrevistado. Além das atividades de ensino, 5,8% dos professores desenvolviam outra atividade remunerada fora da esfera da docência. Na zona urbana, trabalhavam 55,8% dos professores. A renda mensal média dos professores da rede municipal de Vitória da Conquista foi de R$ 477,00 ± 203, o que correspondia na época da pesquisa a US$ 186,00 ± 79.

Dos 808 professores, 711 (88,0%) responderam a todas as perguntas do SRQ-20. Distúrbios psíquicos menores (> 7 respostas positivas dentre as 20 do SRQ-20) foram encontrados em 55,9% dos professores; sendo 57,2% nas mulheres e 34,0% nos homens.

As questões do SRQ-20 com maior freqüência de respostas afirmativas foram: "sente-se nervoso, tenso ou preocupado" (78,1%), "você se cansa com facilidade" (59,8%), "assusta-se com facilidade" (59,2%), "tem sensações desagradáveis no estômago" (51,8%), "tem dores de cabeça freqüentemente" (51,6%) e "tem se sentido triste ultimamente" (49,1%). As questões menos apontadas foram àquelas classificadas dentro do grupo de pensamentos depressivos (Tabela 1).

 

 

A Tabela 2 mostra que a prevalência de DPM estava estatisticamente associada (p < 0,05) com 23 variáveis pesquisadas. Por outro lado, a prevalência de DPM não estava estatisticamente associada com 14 variáveis investigadas: idade (< 26; > 26 anos), escolaridade (< 2º grau; > 2º grau); estado conjugal (ter; não ter companheiro), ter filhos (sim; não), renda mensal (< R$ 360,00; > R$ 360,00), realizar atividade física (sim; não), ter atividade de lazer (sim; não), tipo de escola (isolada; círculo), número de modalidades de ensino (1; > 1), número de alunos na escola do estudo (< 25; > 25), exercer outra função na escola (sim; não), tempo de deslocamento para a escola (< 2h; > 2h), trabalhar em outra escola (sim; não) e trabalhar em outra atividade além da docente (sim; não).

Professores com distúrbios psíquicos menores apresentaram carga horária semanal em sala de aula significantemente maior (p < 0,0001) que aqueles sem DPM: 29,6 ± 10,6 versus 26,7 ± 10,5, respectivamente.

A grande maioria dos itens do JCQ esteve associados estatisticamente (p < 0,05) com o diagnóstico de DPM. Dez dentre as 13 questões relacionadas à demanda (Tabela 3), 10 dentre as 14 questões relacionadas ao controle (Tabela 4) e todas as 12 questões relacionadas a suporte social estavam associadas estatisticamente com DPM (Tabela 5).

A prevalência de DPM foi significantemente mais elevada nos professores com alta demanda (RP = 1,39; IC95%: 1,21-1,59) (Tabela 3), baixo controle (RP = 1,22; IC95%: 1,06-1,41) (Tabela 4) e baixo suporte social (RP = 1,27; IC95%: 1,13-1,44) (Tabela 5).

A prevalência bruta de DPM foi mais elevada no grupo de professores com trabalho de alta exigência (77,8%), seguido de trabalho ativo (62,4%), trabalho passivo (51,8%) e, por último, baixa exigência (45,1%). RP brutas e respectivos IC95%, tomando como referência o grupo baixa exigência, são apresentadas na Tabela 6.

 

 

Além da variável independente principal (demanda-controle), as seguintes variáveis foram analisadas: sexo, vínculo de trabalho, escolaridade, idade, situação conjugal, número de turmas, número de alunos, zona em que trabalho, trabalhar em outra escola, horas em sala de aula em todas as escolas, exercer outra atividade remunerada além de professor, renda, modalidade de ensino, ter atividade de lazer, realizar atividade física, ter suporte social no trabalho, ter filhos, sobrecarga doméstica, recebimento de ajuda no trabalho doméstico. Permaneceram no modelo selecionado, demonstrando estarem independentemente associadas à prevalência de DPM: sexo (feminino), vínculo de trabalho (estável), zona em que trabalha (urbana), horas em sala de aula em todas as escolas (> 40) e recebimento de ajuda no trabalho doméstico (não receber). Após os procedimentos para seleção, nenhum termo de interação permaneceu no modelo final da regressão logística. Observou-se que as razões de prevalência e os níveis de significância estatística, obtidas após o ajuste simultâneo na análise de regressão logística por todas as variáveis confundidoras, diferiram ligeiramente das RP brutas para a associação entre DPM e conteúdo do trabalho (grupos do modelo demanda-controle). Assim, professores expostos a trabalho de alta exigência (alta demanda e baixo controle) apresentaram prevalência 1,74 vez mais elevada de distúrbios psíquicos menores do que trabalhadores em situações de baixa exigência (baixa demanda, alto controle), após ajuste pelo efeito das diversas co-variáveis. Professores em regime de trabalho ativo também apresentaram prevalências de distúrbios psíquicos menores significativamente mais elevados que aqueles em baixa exigência. Os professores com trabalho passivo apresentaram prevalência de DPM mais elevada que professores com trabalho de alta exigência, mas o limite inferior do IC95% foi menor que a unidade.

 

Discussão

A elevada prevalência de 55,9% para os distúrbios psíquicos menores nos professores da rede municipal de Vitória da Conquista denota uma situação de saúde mental preocupante. Esta prevalência é muito superior às obtidas em outros estudos que investigaram a saúde dos professores que variaram de 18,0 a 24,2% 7,18,19,20,21. Um estudo realizado em professores da rede privada de ensino em Vitória da Conquista 8, encontrou a prevalência de 41,5%. Mesmo comparado a outras categorias ocupacionais, o presente estudo encontrou com maior proporção de DPM: 19,0% em metalúrgicos 22, 20,0 a 24,0% em trabalhadores de processamentos de dados 23, 20,8% em trabalhadores de hospital 24, agricultores rurais 25 e 33,3% entre trabalhadoras de enfermagem 10. Em um estudo populacional domiciliar nos bairros de Olinda, Pernambuco 26, o SRQ foi positivo na proporção de 35,0%, resultado também menor do que o obtido em nosso estudo.

A grande maioria das características avaliadas pelo JCQ estavam fortemente associadas com a prevalência de DPM. Trabalho repetitivo, indicador de controle, e ritmo acelerado de trabalho, indicador de demanda psicológica, também estavam estatisticamente associados com DPM em professores de Salvador 7. O estudo realizado entre professores da rede particular de ensino de Vitória da Conquista 8 encontrou associação estatística de DPM com a grande maioria das variáveis representativas de demanda e suporte social no trabalho. Entretanto, apenas uma variável relativa ao controle estava associada estatisticamente à DPM, neste mesmo estudo.

A hipótese de Karasek & Theorell 9 de que o trabalho em alta exigência seria um preditor de maiores riscos à saúde foi confirmada em nosso estudo. Os professores em situação laboral de alta exigência apresentaram elevada prevalência de DPM. Curiosamente, professores em trabalho ativo apresentaram prevalência mais elevada de DPM que os em trabalho passivo. Este mesmo resultado apareceu em enfermeiras de Salvador 10 e em professores da rede particular de Vitória da Conquista 27, mostrando que um alto controle nessas categorias nem sempre é capaz de diminuir os efeitos negativos à saúde provenientes da alta demanda. O trabalho docente permite ao professor controlar algumas questões inerentes ao seu trabalho, principalmente, as que dizem respeito às questões pedagógicas executadas dentro de sala de aula. Mas, ao mesmo tempo, os resultados mostram que o controle destas questões parece não poupar os educadores das demandas globais a que estão submetidos, como tarefas extras-classe, extensa jornada de trabalho, cumprimento de tarefa com prazo curto de tempo, múltiplos empregos etc. Em nosso estudo, 61,2% dos professores tinham carga horária docente em sala de aula em todas as escolas igual ou maior que quarenta horas semanais. O somatório destas demandas propicia o surgimento de efeitos sobre a saúde mental deste grupo ocupacional.

Professores no nível intermediário de exposição do modelo de Karasek, trabalho passivo, não apresentaram prevalência de DPM significantemente mais elevada que professores com trabalho de baixa exigência. Esse resultado parece demonstrar que quando a demanda é baixa, o controle dos docentes tem pouco impacto sobre os distúrbios psíquicos menores.

As menores prevalências dos efeitos estudados foram observadas em trabalho de baixa exigência, ou seja, em situações em que o professor não estava exposto a nenhum dos dois fatores de risco (baixo controle e alta demanda). As diferenças de prevalências entre baixa exigência e trabalho ativo e entre baixa exigência e alta exigência foram estatisticamente significantes. Nossos achados apóiam a hipótese de que a saúde dos trabalhadores é preservada nas situações em que as demandas laborais são mantidas em um patamar aceitável e com possibilidade de controle das condições para responder adequadamente a essas demandas.

Estudos futuros devem investigar a associação entre os efeitos sobre a saúde do docente considerando especialmente o trabalho ativo, uma vez que os achados do nosso estudo revelaram elevadas prevalências de DPM nesse grupo.

 

Colaboradores

Todos os autores aprovaram todas as versões do artigo. E. J. F. B. Reis participou da concepção e da coordenação geral da pesquisa, da coleta e análise dos dados e da redação do artigo. T. M. Araújo contribuiu na concepção e coordenação geral da pesquisa, na coleta dos dados e na redação do artigo. F. M. Carvalho participou da coleta de dados e da redação do artigo. L. A. Porto contribuiu na coleta e análise dos dados. A. M. Silvany Neto participou da análise dos dados.

 

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Endereço para correspondência
E. J. F. B. Reis
Departamento de Medicina Preventiva
Universidade Federal da Bahia
Av. Reitor Miguel Calmon s/n
Salvador, BA 40420-060, Brasil
eduardofreis@uol.com.br

Recebido em 29/Set/2004
Versão final reapresentada em 09/Mar/2005
Aprovado em 18/Abr/2005

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br