RESENHAS BOOK REVIEWS

 

 

Susana Maciel Wuillaume

Instituto Fernandes Figueira, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil

 

 

EDUCAÇÃO MÉDICA EM TRANSFORMAÇÃO: INSTRUMENTOS PARA A CONSTRUÇÃO DE NOVAS REALIDADES. João José Neves Marins, Sérgio Rego, Jadete Barbosa Lampert & José Guido Corrêa de Araújo, organizadores. São Paulo: Editora Hucitec, 2004. 390 pp.
ISBN: 85-271-0651-5

Ao organizarem a coletânea, João José Neves Marins, Sérgio Rego, Jadete Barbosa Lampert & José Guido Corrêa de Araújo pretenderam contribuir para o debate sobre mudanças na Educação Médica e oferecer instrumentos para algumas ações na construção de novas realidades. Porém, mais do que isso, a excelente qualidade dos trabalhos permitirá o contato do leitor com autores de diferentes regiões do país, com variadas experiências e diferentes formas de inserção político-institucional.

Para melhor compreensão do texto, os 16 artigos que constituem a obra foram organizados em três partes, constituindo grupos temáticos.

O primeiro deles, que discute métodos e estratégias político-pedagógicas, é composto de seis artigos e traz uma fundamentação teórica sobre alguns aspectos fundamentais na organização de cursos: gestão, métodos, cenários e avaliação.

No primeiro capítulo, Laura Feuerwerker discute a natureza do processo de mudança educacional e as maneiras de implementá-la.

Apoiada em bibliografia pertinente e na autoridade de quem tem feito do tema seu objeto de pesquisa, a autora discute minuciosamente o assunto, mostrando que uma mudança que envolva transformação do projeto político pedagógico institucional é certamente muito complexa e não se dará sem a participação de todos atores envolvidos e do aprofundamento do debate político conceitual.

Partindo do pressuposto de que antes de tudo a universidade deve formar um indivíduo capaz de formular perguntas e de encontrar respostas, e que tais competências devem ser desenvolvidas a partir de práticas reais contextualizadas e metodologias ativas de ensino-aprendizagem, Maurício Braz Zanolli apresenta e discute no capítulo seguinte o trabalho da Faculdade de Medicina de Marília com os Sete Passos da Tutoria (como descritos pela Universidade de Maastricht). Essa experiência, muito rica, subsidia a discussão atual sobre o papel do professor como mediador no processo ensino-aprendizagem, no qual o aluno assume o comando na busca do aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser, os quatro pilares do conhecimento que a Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI apontou como fundamentais.

Dentro do mesmo enfoque, Samuel Silva da Silva apresenta no capítulo 3 o Programa de Habilidades Clínicas, do laboratório a que pertence, na Faculdade de Londrina, como exemplo de experiência bem sucedida de inovação curricular. No artigo, o autor descreve detalhadamente a estrutura curricular e o funcionamento do programa, permitindo ao leitor se apropriar dos resultados obtidos.

A necessidade da ampliação dos cenários de aprendizagem, acompanhada de redefinição da forma de organização do processo de trabalho e de formação dos profissionais da saúde, encontra amplo espaço de discussão no artigo de João José Neves Marins. O tema é atual e tem sido alvo de muitos debates, uma vez que, ao definir o perfil do profissional que se deseja formar, as novas diretrizes curriculares para os cursos de graduação em medicina falam de um médico com formação crítica e reflexiva, capacitado a atuar nos diferentes níveis de atenção do processo saúde-doença, na perspectiva da integralidade da assistência, o que não se consegue em uma formação hospitalocêntrica.

O capítulo seguinte, de Joaquim Edson Vieira, é interessantíssimo. O autor faz uma interpretação do Relatório Flexner e, a seguir, apresenta propostas atuais para o ensino da medicina em hospitais-escola. Discutindo as vantagens e limitações do modelo em vigor, o autor foge do senso comum de visões descontextualizadas que, na falta de aprofundamento teórico, imputam ao relatório a culpa de tudo de errado que existe, hoje em dia, no ensino médico.

Fechando a primeira parte, Valéria Vernaschi Lima apresenta um artigo no qual enfoca com muita adequação um dos mais controvertidos temas em educação médica: a avaliação de competências. Sem se deter na discussão conceitual que é complexa, Valéria parte de uma concepção ampliada de competência, que articula e integra resultados, atributos e contexto e faz uma ampla reflexão sobre o tema. Como proposta, defende um processo de formação e certificação profissional atrelado a uma concepção dialógica de competência.

A segunda parte do livro apresenta como grupo temático a construção e análise dos currículos de formação profissional. Enfoca nos seus cinco capítulos os desenhos curriculares e discute a inclusão de alguns de seus componentes: integralidade no currículo, ética, ideologia, informática e métodos para avaliação do processo de mudança.

Em um capítulo que se propõe a refletir sobre uma proposta de organização integral dos currículos, Gilson Saippa Oliveira e Lillian Koifman apresentam uma discussão conceitual sobre a integralidade do currículo de medicina, tendo como referencial a perspectiva da responsabilidade sanitária de todos os atores envolvidos no processo da formação e do cuidado em saúde.

Sérgio Rego apresenta a seguir uma instigante discussão sobre Bioética e ensino de graduação, onde destaca a necessidade de que as propostas de humanização da assistência levem em conta o processo de desenvolvimento sociomoral dos indivíduos. Essa estratégia de superação das limitações impostas pela ética profissional, deontológica, privilegiará assim o desenvolvimento da autonomia.

No seu texto ele postula que o papel do professor é o de provocar conflitos cognitivos em seus estudantes fazendo com que estes avaliem permanentemente suas práticas.

O substancial aumento na quantidade de conhecimento disponível, fazendo com que a busca da informação se torne cada vez mais atribuição do indivíduo, justifica a inclusão do artigo de Paulo Marcondes Carvalho Filho sobre a utilização da informática em saúde como ferramenta para o processo ensino-aprendizagem no curso médico.

Em texto bastante informativo, o autor lembra que, embora incluídas nas diretrizes curriculares nacionais para o curso de medicina, as tecnologias de comunicação e informação ainda são pouco utilizadas como instrumento de ensino médico. Também apresenta justificativas para criação de programas de informática em saúde e detalha a experiência e a proposta atual da disciplina de Informática em Saúde da Faculdade de Medicina de Marília.

Ainda dentro da temática que enfoca desenhos curriculares, coube a Marco Aurélio Da Ros abordar as dificuldades que se apresentam na introdução de uma mudança real na formação dos médicos. Partindo do princípio de que a ideologia, se não é única, representa uma causalidade importante, o autor discute o conceito de ideologia e os movimentos que caracterizam o pensar médico. Para ele, as forças que apostam na mudança têm de investir numa ruptura epistemológica.

Profunda conhecedora do tema, Jadete Barbosa Lampert vem acompanhando de perto os movimentos de mudança na formação médica. A dissociação entre estudo e trabalho, que foi se consolidando ao longo do tempo, fez com que a atividade do aluno ficasse desvinculada da prestação de serviço. As ações coordenadas que têm sido desenvolvidas entre os ministérios da Saúde e da Educação procuram reduzir esta distância. Preocupada com o problema, Lampert desenvolveu em sua tese de Doutorado um instrumento que pudesse ser utilizado para avaliação das tendências de mudança na educação médica. Em seu artigo, a autora discute o tema e apresenta o resultado da aplicação do instrumento em uma amostra de 12 escolas médicas.

A terceira e última parte do livro tem como tema os processos ampliados de ensino e aprendizagem. Além de enfocar questões específicas da graduação, procura ampliar a discussão, estabelecendo relações com temas como integralidade da atenção à saúde, educação permanente, pesquisa e educação médica, espaços a serem ocupados no trabalho médico, e educação dos profissionais para o cuidado e a afirmação da vida.

A discussão que Roseni Pinheiro, Alcindo Antônio Ferla e Aluisio Gomes da Silva Jr. fazem sobre integralidade na perspectiva das práticas de atenção à saúde da população é muito interessante. Ao apontar a insuficiência dos modelos ideais, os autores lembram que os serviços de saúde não apresentam situações ideais, caracterizando-se por alto grau de subjetividade e complexidade de processos, imperceptíveis sob o prisma de uma racionalidade instrumental, e apresentando insuficientes respostas às demandas em saúde.

O trabalho de Eliana Claudia de O. Ribeiro sobre educação permanente é imperdível. Sem se deter na discussão sobre a emergência do conceito, a autora discorre sobre as alternativas metodológicas para sua promoção e os desafios que traz à prática docente. Destaca a necessidade da revalorização do trabalho como locus privilegiado de aprendizagem, possibilitando o desenvolvimento de estratégias educativas nas quais a reflexão crítica e a atitude problematizadora sejam valorizadas.

Logo após, o leitor encontrará o artigo de Adriana Cavalcanti de Aguiar que traz uma sistematização das estratégias da pesquisa na escola médica. Com o objetivo de contribuir para a ampliação do universo de publicações e dos envolvidos com a produção de conhecimento em educação médica, a autora indica caminhos e estratégias de pesquisa exeqüíveis no âmbito da graduação.

Regina Celes de Rosa Stella & Nildo Alves Batista assinam o artigo seguinte no qual discutem os espaços a serem ocupados com o trabalho médico, resultando na ampliação e diversificação dos cenários de ensino-aprendizagem. A utilização de práticas de interiorização como estratégia de formação profissional na graduação tem sido muito preconizada no meio acadêmico. Buscando fornecer subsídios para essa discussão, os autores descrevem minuciosamente a experiência formativa no Programa de Interiorização do Trabalho em Saúde, do Ministério da Saúde.

Assumindo como desafio a mudança da formação em saúde segundo os eixos da integralidade e da humanização, Ricardo B. Ceccim & Ângela Aparecida Capozzolo fazem uma ampla discussão sobre o assunto. Analisando o que já deveria ter sido aprendido sobre a educação dos profissionais de saúde e os entraves encontrados na reforma do sistema de formação, os autores terminam o artigo com uma proposta para a implementação dessa mudança: uma integração maior com o estabelecimento de compromissos entre os atores, gestores, instituições de ensino, estudantes e usuários do sistema de saúde.

Educação Médica em Transformação: Instrumentos para a Construção de Novas Realidades se configura, portanto, como um trabalho indispensável para aqueles que pensam as questões relativas à educação médica no Brasil. Deve ser usado como obra de referência, pois sua leitura, além de auxiliar efetivamente na compreensão do tema, fornece ferramentas de análise e implementação das mudanças.

Os seus organizadores certamente abriram caminho para que todos possam participar do que eles chamam de aprender a trabalhar com as diferenças e estabelecer acordos para o desenvolvimento de ações pactuadas, visando ao alcance dos interesses comuns.

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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