RESENHAS BOOK REVIEWS

 

 

Estela Maria Leão de Aquino

Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal da Bahia, Salvador, Brasil. estela@ufba.br

 

 

AVALIAÇÃO EM SAÚDE: DOS MODELOS TEÓRICOS À PRÁTICA NA AVALIAÇÃO DE PROGRAMAS E SISTEMAS DE SAÚDE. Hartz ZMA, Vieira-da-Silva LM, organizadoras. Salvador: EDUFBA/ Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2005. 275 p.
ISBN: 85-232-0352-4

Nas últimas décadas, vêm crescendo no Brasil as iniciativas no sentido de institucionalizar a avaliação em saúde, como resultado da intenção de conferir racionalidade às intervenções setoriais.

O livro Avaliação em Saúde: dos Modelos Teóricos à Prática na Avaliação de Programas e Sistemas de Saúde constitui um estímulo nessa direção. Como bem aponta Jairnilson Paim no prefácio, a obra traz duas importantes contribuições: a abrangência de seus objetos, incluindo não só a avaliação de ações, serviços e estabelecimentos, mas também de programas, sistemas e políticas de saúde; e o questionamento da avaliação de "caixa preta", enfatizando a necessidade de se considerar o contexto e o processo para se alcançar resultados.

As organizadoras têm-se destacado no cenário nacional, seja como pesquisadoras, seja como formadoras de novos quadros para o campo. Zulmira Maria de Araújo Hartz é pesquisadora aposentada da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz, atualmente convidada pela Universidade de Montreal, para atuar junto ao Departamento de Medicina Social e Preventiva e ao Grupo de Pesquisa Interdisciplinar de Saúde (GRIS). Em 1997, organizou uma primeira coletânea 1 sobre o tema no Brasil, que logo se tornou uma referência para todos que dele se aproximavam. Lígia Maria Vieira da Silva integra o Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia, onde coordena um profícuo programa de investigação e oferece várias disciplinas e cursos sobre o tema. Ambas têm publicado inúmeros artigos sobre variados aspectos da Avaliação em Saúde, mantendo colaborações nacionais e estrangeiras, especialmente com pesquisadores canadenses, alguns dos quais integram o conjunto de mais de dez autores desta coletânea.

Na apresentação do livro, as organizadoras deixam claro seu compromisso com a construção do Sistema Único de Saúde (SUS), buscando contribuir particularmente para a análise de sua implantação em diferentes etapas e níveis. Segundo elas, as experiências descritas nos capítulos do livro pretendem auxiliar a escolha do modelo teórico ou lógico e dos procedimentos metodológicos mais adequados para a avaliação de intervenções em saúde.

No primeiro capítulo, Vieira da Silva revisa o "estado da arte" do campo da avaliação em saúde, apresentando conceitos, abordagens e estratégias. Ressalta que a polissemia do termo exige a explicitação teórica e metodológica, tanto de gestores quanto de pesquisadores. Mediante uma perspectiva bourdiana de campo ­ enquanto rede de relações entre agentes e instituições ­ busca ampliar o conceito de avaliação para além da dimensão racional da ação ou aquela que a situa meramente no uso instrumental dos resultados. Da mesma forma, propõe a substituição do conceito de "intervenção" pelo de "práticas sociais", sendo as práticas de saúde uma de suas modalidades. Segundo a autora, a definição de avaliação como "julgamento" pode variar "desde a formulação de um juízo de valor dicotômico qualitativo ou quantitativo (...) até uma análise que envolva o significado do fenômeno". A concepção ampliada de avaliação desdobra-se na proposição de superar a falsa oposição entre abordagens qualitativas versus quantitativas, sob o argumento, também inspirado em Bourdieu, de que o que importa no processo de investigação "é a construção do objeto e a mobilização de todas as técnicas possíveis para analisá-lo". Nesse capítulo, a autora explicita ainda a diferença entre avaliação de práticas cotidianas ­ baseada em noções do senso comum, pelo uso de técnicas não sistemáticas e a análise simplificada ­ da pesquisa avaliativa ­ que através de métodos científicos se propõe a preencher lacunas do conhecimento e a responder questões ainda não equacionadas na literatura.

No segundo capítulo, Guadalupe Medina, Gerluce Silva, Rosana Aquino e Zulmira Hartz discutem o papel da teoria na avaliação, com base em uma reflexão epistemológica sobre o modo como o campo se apropria de termos como modelo teórico e modelo lógico. Mostram que a pesquisa avaliativa, como qualquer investigação científica, opera um recorte do real, no sentido proposto por Juan Samaja 2 de objeto construído pela conjugação de componentes teóricos e empíricos e, em última instância, 'modelizado' ou representado por referência a uma teoria. As autoras ressaltam a inflexão que ocorreu a partir da década de 80 de uma "avaliação metodologicamente orientada" para uma "avaliação orientada pela teoria", superando as chamadas black box evaluations (ou avaliações de caixa preta), que desconsideravam os contextos políticos e organizacionais onde se davam as intervenções sob exame. A elaboração do modelo lógico ­ primeiro passo para a avaliação de um programa ­ envolve, portanto, explicitar seus componentes e suas inter-relações, mas também os fatores relevantes do contexto onde se desenvolve, descrevendo suas potenciais influências sobre os resultados esperados. O capítulo desenvolve-se propondo diretrizes para construção do modelo teórico/lógico, eleição de critérios e definição de indicadores.

No terceiro capítulo, Luis Eugênio Portela, associado às duas organizadoras da coletânea, apresenta uma experiência de avaliação da descentralização da atenção à saúde na Bahia, mas que pretende contribuir para diversas pesquisas sobre o mesmo tema, ao oferecer uma estratégia de delimitação de imagem-objetivo, o que constituía na literatura existente um problema metodológico a ser superado. Os autores descrevem de modo didático as diferentes técnicas de consenso entre especialistas, destacando-se o comitê tradicional, o método Delfos, o grupo nominal e o júri simulado. A apresentação detalhada das etapas de um exemplo concreto ­ incluindo em anexo os instrumentos utilizados ­ ilustra os diferentes passos da aplicação da técnica, desde a produção de dados até a sua análise, permitindo sua reprodução por outros pesquisadores.

Os quatro capítulos subseqüentes tratam igualmente de pesquisas avaliativas concretas, fato que propicia a/o leitor/a a oportunidade de vislumbrar a passagem dos modelos teóricos à prática como promete o título da coletânea.

O quarto capítulo, de autoria de Vitória Solange Coelho Ferreira e Lígia Maria Vieira da Silva, aborda a questão da intersetorialidade em saúde, por intermédio de um estudo de caso. Apesar de ser "um componente central das políticas de saúde voltadas para a mudança do modelo assistencial", cuja menção integra inúmeros programas e planos nas últimas quatro décadas, a intersetorialidade não tem sido implantada. As autoras partem dessa constatação e se propõem a investigar os processos envolvidos na implantação de ações intersetoriais para redução da mortalidade infantil em um município do Estado da Bahia. O estudo envolve vários níveis de análise, incluindo o grau de implantação, a identificação de fatores restritivos e facilitadores, e as concepções sobre intersetorialidade dos múltiplos atores sociais envolvidos.

No quinto capítulo, Paulo Germano de Frias, Pedro Israel Cabral de Lira e Zulmira Hartz também pretendem avaliar o grau de implantação de um projeto para redução da mortalidade infantil; desta vez, correlacionando-o aos seus resultados em dois municípios pernambucanos. Utilizam a pesquisa sintética e o estudo de casos múltiplos como abordagem metodológica, com o recurso a variadas técnicas, desde análise documental e de dados secundários, à observação participante e à realização de entrevistas semi-estruturadas, tal como proposto por Vieira da Silva, ao defender no primeiro capítulo a legitimidade da integração de recursos metodológicos que dêem conta de descrever o objeto de interesse.

No sexto capítulo, as organizadoras da coletânea, em parceria com Sônia Cristina Lima Chaves e Gerluce Alves Pontes da Silva apresentam metodologia para análise de implantação de processos de descentralização da atenção à saúde, uma das principais dimensões da reorganização das práticas no Brasil. Tendo por referência uma imagem-objetivo, conforme proposto por Carlos Matus 3, são definidos três níveis de análise ­ governo, gestão da saúde e práticas assistenciais ­ para cada um dos quais se detalham dimensões, subdimensões e critérios descritos em matriz que integra ainda o padrão esperado para cada um. A efetividade das práticas ­ analisada através de séries temporais de agravos-traçadores ­ e a satisfação de usuários ­ avaliada através de entrevistas semi-estruturadas ­ são aspectos contemplados em um desenho complexo de investigação, reunindo variadas técnicas e fontes de informação. Uma tipologia para classificar o grau de implantação sintetiza as múltiplas dimensões em um resultado prático para orientar a gestão.

Finalmente, para contrastar com os exemplos nacionais, concentrados em contextos do nordeste brasileiro, o sétimo capítulo versa sobre uma experiência de integração de atendimentos médicos em zona rural do Canadá, como parte de inúmeras iniciativas semelhantes para integrar ações de saúde no sistema de saúde daquele país. Este último capítulo complementa os anteriores ao apresentar um modelo de intervenção, situando seu contexto e destacando seus resultados, para em seguida interpretar os fatores de sucesso e os obstáculos para implantação. Os autores ­ Nassera Touati, André-Pierre Contandriopoulos, Jean Louis Denis e mais três colaboradores ­ encerram a coletânea discutindo em que medida o modelo de intervenção pode ser generalizado na rede de saúde de Quebec.

Além dos textos que integram a coletânea, as referências citadas ao final de cada capítulo constituem fontes secundárias preciosas para o mapeamento do campo de avaliação, instigando os leitores que queiram aprofundar a leitura.

Em síntese, o livro é leitura obrigatória para pesquisadores, gestores e profissionais de saúde, que desejem uma aproximação crítica e criativa do tema. E, embora não se proponha ser um manual didático, cumpre este papel ao oferecer um material rico e ilustrado, bem apoiado na literatura nacional e estrangeira sobre Avaliação em Saúde, ocupando um espaço na formação de novos pesquisadores. Ao articular conteúdos teórico-conceituais a experiências concretas de avaliação em saúde, oferta a possibilidade de compreensão da complexa situação político-sanitária brasileira sem o recurso à mera importação de modelos de outros países, freqüentemente inadequados à nossa realidade. Ao eleger temas como a descentralização e a intersetorialidade ­ cruciais para a reorganização do modelo assistencial ­ a coletânea confirma o propósito enunciado pelas organizadoras em sua apresentação de contribuir para a construção do SUS, na perspectiva da universalidade, integralidade e eqüidade da atenção à saúde no Brasil. Os autores ­ vários deles com experiência de gestão e muitos envolvidos com a formação de profissionais e gestores para o SUS ­ compartilham esta perspectiva, o que fica evidente ao longo de toda a obra. Isso confere à avaliação em saúde qualidade distinta daquela que a reduz à sua dimensão instrumental e que se presta bem às políticas de caráter estritamente racionalizador, representando uma tomada de posição no tenso debate sobre modelo de Estado e papel das políticas de saúde.

Com certeza, este livro vai inspirar a realização de muitos estudos e a publicação de novos títulos.

 

 

1. Hartz ZA, organizadora. Avaliação em saúde: dos modelos conceituais à prática na análise de implantação de programas. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 1997.

2. Samaja J. Epistemología y metodología. Elementos para uma teoria de la investigación científica. Buenos Ayres: Eudeba; 1996.

3. Matus C. Política, planejamento e governo. 2a Ed. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada; 1997.

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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