ARTIGO ARTICLE

 

Hipertensão arterial em idosos: prevalência, fatores associados e práticas de controle no Município de Campinas, São Paulo, Brasil

 

Arterial hypertension in the elderly: prevalence, associated factors, and control practices in Campinas, São Paulo, Brazil

 

 

Maria Paula do Amaral ZaituneI; Marilisa Berti de Azevedo BarrosI; Chester Luiz Galvão CésarII; Luana CarandinaIII; Moisés GoldbaumIV

IFaculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, Brasil
IIFaculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil
IIIFaculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista, Botucatu, Brasil
IVFaculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil

Correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo teve como objetivo avaliar a prevalência da hipertensão arterial referida em idosos de Campinas, São Paulo, Brasil, identificando os fatores associados, o uso de serviços de saúde e o conhecimento e as práticas quanto às opções do tratamento. Trata-se de estudo transversal, de base populacional, com amostra de conglomerados, estratificada e em múltiplos estágios. A análise dos dados referentes aos 426 indivíduos (sessenta anos e mais) levou em conta o desenho amostral e o efeito do delineamento. A prevalência de hipertensão foi de 51,8% (46,4% nos homens e 55,9% nas mulheres) e mostrou-se mais elevada em idosos: com menor escolaridade (55,9%), migrantes de outros estados (60,2%) e com sobrepeso ou obesidade (57,2%). Os resultados indicam que os serviços de saúde estão garantindo o acesso ao atendimento médico (71,6% visitam o médico regularmente) e aos medicamentos (86,7% tomam medicamento de rotina), sem distinção de nível sócio-econômico. Persistem, no entanto, desigualdades sociais quanto ao conhecimento e utilização de outras práticas de controle da pressão arterial, como dieta adequada e atividade física, que são insuficientemente utilizadas também pelos segmentos socialmente mais favorecidos.

Hipertensão; Saúde do Idoso; Inquéritos de Morbidade


ABSTRACT

The objective of this study was to assess the prevalence of reported hypertension among the elderly in Campinas, São Paulo, Brazil, identifying related factors, the use of healthcare services, and knowledge and practices related to treatment options. This was a cross-sectional population-based study, with stratified clustered multiple-stage sampling. Data analysis for the 426 individuals (60 years of age and older) considered the sampling design and outlining effect. Hypertension prevalence was 51.8% (46.4% in men and 55.9% in women) and was higher among the elderly with less education (55.9%), immigrants from other States (60.2%), and the overweight or obese (57.2%). The results indicate that healthcare services are ensuring access to medical care (71.6% have regular physician appointments) and medication (86.7% take their routine medication), without distinction as to socioeconomic status. However, social inequalities persist in knowledge and use of other measures to control blood pressure, like appropriate diet and exercise, which are also underused by more privileged socioeconomic strata.

Hypertension; Aging Health; Morbidity Surveys


 

 

Introdução

A hipertensão arterial constitui um dos problemas de saúde de maior prevalência na atualidade 1.

Estima-se que a hipertensão arterial atinja aproximadamente 22% da população brasileira acima de vinte anos, sendo responsável por 80% dos casos de acidente cérebro vascular, 60% dos casos de infarto agudo do miocárdio e 40% das aposentadorias precoces, além de significar um custo de 475 milhões de reais gastos com 1,1 milhão de internações por ano 2.

A identificação de vários fatores de risco para hipertensão arterial, tais como: a hereditariedade, a idade, o gênero, o grupo étnico, o nível de escolaridade, o status sócio-econômico, a obesidade, o etilismo, o tabagismo e o uso de anticoncepcionais orais 3,4,5,6 muito colaboraram para os avanços na epidemiologia cardiovascular e, conseqüentemente, nas medidas preventivas e terapêuticas dos altos índices pressóricos, que abarcam os tratamentos farmacológicos e não-farmacológicos 7.

O tratamento farmacológico é indicado para hipertensos moderados e graves, e para aqueles com fatores de risco para doenças cardiovasculares e/ou lesão importante de órgãos-alvo. No entanto, poucos hipertensos conseguem o controle ideal da pressão com um único agente terapêutico e, muitas vezes, faz-se necessária a terapia combinada, principalmente em indivíduos idosos e com co-morbidades relevantes 4. A terapia medicamentosa, apesar de eficaz na redução dos valores pressóricos, da morbidade e da mortalidade, tem alto custo e pode ter efeitos colaterais motivando o abandono do tratamento 8.

Intervenções não-farmacológicas têm sido apontadas na literatura pelo baixo custo, risco mínimo e pela eficácia na diminuição da pressão arterial. Entre elas estão: a redução do peso corporal, a restrição alcoólica, o abandono do tabagismo e a prática regular de atividade física 9.

Deste modo, a intervenção não-farmacológica presta-se ao controle dos fatores de risco e às modificações no estilo de vida, a fim de prevenir ou deter a evolução da hipertensão arterial 8.

O conhecimento do perfil sócio-demográfico dos pacientes hipertensos, do uso que fazem dos serviços de saúde e das estratégias terapêuticas que conhecem e utilizam, são importantes para direcionar intervenções mais eficazes de controle da doença.

O presente estudo teve como objetivos avaliar, em indivíduos com sessenta anos e mais, a prevalência da hipertensão arterial referida e analisá-la segundo variáveis sócio-econômicas, demográficas e de comportamentos relacionados à saúde, bem como investigar o uso de serviços de saúde, as práticas e o conhecimento do idoso hipertenso quanto às opções do tratamento anti-hipertensivo.

 

Métodos

Trata-se de um estudo transversal de base populacional que incluiu idosos (sessenta anos e mais) não institucionalizados, residentes na área urbana do Município de Campinas, São Paulo, Brasil. Esta pesquisa é parte do estudo multicêntrico Inquérito de Saúde de Base Populacional em Municípios do Estado de São Paulo (ISA-SP), realizado pelas universidades públicas paulistas (Universidade de São Paulo ­ USP; Universidade Estadual Paulista ­ UNESP; Universidade Estadual de Campinas ­ UNICAMP) e com a parceria da Secretaria Estadual da Saúde de São Paulo.

Foi estimado um tamanho mínimo de amostra de 196 pessoas para cada domínio de idade e sexo, tendo por base a estimativa de uma prevalência de 50%, com nível de confiança de 95% e erro máximo de 0,07 e um efeito de delineamento de 2. Considerando uma possível perda de 20% foram selecionados 250 indivíduos em cada domínio. Para o presente estudo foram incluídos os domínios de sessenta anos e mais, masculino e feminino.

A amostragem foi feita por conglomerados, estratificada e em múltiplos estágios. Com base nos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística de 1996, os setores censitários foram classificados e agrupados em três estratos segundo o percentual de chefes de família com nível universitário: menos de 5%, de 5 a 25% e com mais de 25%. De cada estrato foram sorteados dez setores censitários e após arrolamento para atualização de mapas e contagem dos domicílios, sortearam-se domicílios e em cada um foram entrevistados indivíduos segundo os domínios definidos.

As informações foram obtidas por meio de questionário aplicado por entrevistadores treinados, diretamente ao idoso selecionado. O questionário foi composto por questões fechadas, semi-abertas e abertas, que foram organizadas em blocos e, estes, organizados por conjuntos temáticos, a saber: condições de vida, estilo de vida, percepção e qualidade de saúde, morbidade referida, uso de serviços e consumo de medicamentos, entre outros.

As variáveis incluídas no presente estudo foram:

• Presença de hipertensão arterial referida (ser ou não hipertenso);

• Sócio-demográficas: sexo, idade, cor, situação conjugal, condição de chefia na família, número de moradores no domicílio, naturalidade e religião;

• Sócio-econômicas: escolaridade, renda familiar mensal per capita (em salários mínimos), posse de bens duráveis e atividade ocupacional;

• Comportamentos relacionados à saúde: freqüência semanal de ingestão de bebida alcoólica, dependência alcoólica avaliada por meio do teste CAGE 10, hábito de fumar, índice de massa corporal (IMC) calculado com dados de peso e altura referidos, prática de exercício físico no contexto de lazer, nível de atividade física avaliada pelo Questionário Internacional de Atividade Física (QIAF-8ª versão). O QIAF que é um instrumento desenvolvido pela Organização Mundial da Saúde para possibilitar comparações internacionais, foi validado no Brasil, em 2000, pelo Centro de Estudos do Laboratório de Aptidão Física de São Caetano do Sul (CELAFISCS) 11. Esse questionário permite avaliar a freqüência, a intensidade e a duração em que a atividade física é realizada em nível populacional, e classificar os indivíduos em sedentários, insuficientemente ativos, ativos ou muito ativos;

• Morbidades: transtorno mental comum avaliado com base no Self Reporting Questionnaire (SRQ-20), com ponto de corte 7/8 12;

• Diabetes, artrite/artrose, doença renal crônica, acidente vascular cerebral, depressão/ansiedade, enxaqueca/dor de cabeça, presença de deficiência física, número de morbidades crônicas referidas, auto-avaliação da saúde e comparação com a auto-avaliação de um ano atrás;

• Uso de serviços de saúde, conhecimento e conduta em relação ao tratamento anti-hipertensivo: somente os que referiram hipertensão responderam um bloco à parte, com questões sobre: quem disse que o entrevistado era hipertenso, há quanto tempo ele sabia ser hipertenso, o que fazia para controlar a hipertensão, se visitava o médico regularmente por causa da pressão, se havia participado de grupos de discussões sobre controle da pressão e o que ele sabia a respeito do que deveria ser feito para controlar a hipertensão arterial.

As entrevistas foram digitadas em banco de dados desenvolvido com o uso do programa Epi Info, versão 6.04b (Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta, Estados Unidos). Foram feitas estimativas de prevalências e calculadas as razões de odds brutas e intervalos de confiança de 95% (IC95%); foi testada a associação entre as diversas variáveis e a presença de hipertensão arterial referida usando-se o teste c2 com nível de significância de 5%. Para a análise de regressão logística múltipla, as variáveis foram dicotomizadas e consideradas para a introdução no modelo as que apresentavam o valor de p < 0,20 na análise univariada. Todas as análises, feitas com o programa Stata 7.0 (Stata Corporation, College Station, Estados Unidos), incorporaram as ponderações necessárias ao desenho amostral e levaram em conta o efeito do delineamento do estudo.

O projeto deste estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP (Parecer n. 369/2000).

 

Resultados

Dos 426 indivíduos entrevistados com idade igual ou superior a sessenta anos, 208 eram do sexo feminino e 240 tinham menos de setenta anos. A média da idade foi de 69,8 anos (desvio padrão = 0,57). A prevalência estimada de hipertensão arterial referida da população idosa de Campinas foi de 46,4% (IC95%: 39,1-53,8) nos homens e 55,9% (IC95%: 49,4-62,1) nas mulheres (Tabela 1).

 

 

A prevalência de hipertensão arterial revelou-se mais elevada nas mulheres, nas pessoas naturais de outros estados, nos não-brancos (Tabela 1) e nos idosos de menor escolaridade (Tabela 2). Os idosos vindos de outros estados têm 50% mais chances de serem hipertensos do que os nascidos no Estado de São Paulo. Os migrantes de outros Estados apresentam menor escolaridade (p = 0,0025), menor renda per capita (p = 0,0001) e menor posse de bens duráveis (p = 0,0378) em relação aos nascidos no Estado de São Paulo (dados não apresentados em tabela). As prevalências são um pouco superiores nos de menor renda, com menor número de bens e sem atividade ocupacional, mas sem que as diferenças apresentem significância estatística (Tabela 2).

 

 

Quanto aos comportamentos relacionados à saúde, apresentaram maior prevalência de hipertensão arterial: os não-fumantes e os ex-fumantes, os com sobrepeso e os que ingerem bebida alcoólica com menor freqüência. Entretanto, a análise da freqüência de bebida alcoólica, estratificada segundo o número de morbidades referidas, revela a não existência de associação estatisticamente significativa entre hipertensão arterial e consumo de bebida alcoólica e, portanto, o confundimento presente na razão de odds não ajustada pelo número de morbidades (Tabela 3). Os dependentes de álcool, segundo a avaliação do teste CAGE, apresentaram prevalência maior de hipertensão, mas sem significância estatística.

 

 

Na análise de regressão logística introduziram-se no modelo as variáveis: sexo, cor, naturalidade, religião, escolaridade, número de bens duráveis, atividade econômica, IMC, hábito de fumar, freqüência semanal de bebida alcoólica e transtorno mental comum, que apresentavam p < 0,20. Foi também incluído o número de morbidades, pela associação desta variável com freqüência semanal de bebida alcoólica, como referido anteriormente. Após os ajustamentos pela regressão logística, mantiveram maiores prevalências de hipertensão os idosos: nascidos em outro estado, com baixa escolaridade e com sobrepeso (Tabela 4).

 

 

A análise de co-morbidade e da auto-avaliação de saúde (dados não apresentados em tabela) revelou que, comparativamente aos não-hipertensos, os idosos com hipertensão apresentaram maior número de morbidades crônicas (p = 0,0000), presença de diabetes (p = 0,0489), de artrite ou artrose (p = 0,0045), de doença renal crônica (p = 0229) e de deficiência física (p = 0,0089). Os hipertensos também avaliaram a própria saúde de forma mais desfavorável (p = 0,0021) e, em maior proporção, perceberam piora da sua saúde em relação ao ano anterior (p = 0,0267).

A Tabela 5 apresenta as práticas de controle da hipertensão arterial segundo a escolaridade. Verificou-se que 71,6% dos idosos hipertensos de Campinas visitam o médico regularmente e parcela importante (46,1%) tem a doença há mais de 11 anos. Quando indagados sobre quem os havia informado da condição de ser hipertenso, excluindo-se dois indivíduos com resposta ignorada, todos relataram ter sido um médico. Dos idosos hipertensos que não procuram o serviço de saúde regularmente, 66,7% relataram que não o fazem por acharem desnecessário. Somente 2,4% dos hipertensos com alta escolaridade e 1,5% dos de baixa escolaridade referem ter freqüentado grupos de discussão sobre controle da pressão arterial. Dos idosos hipertensos de Campinas, 86,7% fazem uso regular de medicamento. Em relação às práticas não-medicamentosas, idosos hipertensos de maior escolaridade diferem dos de menor escolaridade por conhecerem e utilizarem, em maior proporção, dieta e prática de atividade física para o controle da hipertensão arterial.

 

Discussão

Uma das limitações do presente estudo é a utilização de informação referida sobre a presença da hipertensão arterial. Muitas pesquisas utilizam-se da aferição da pressão arterial, mediante uma ou mais medidas em campo 13, mas vários estudos, principalmente os inquéritos de grande porte de base populacional, têm utilizado informação referida para as análises 14.

A informação de morbidade referida possibilita identificar indivíduos que já tiveram o diagnóstico feito alguma vez na vida, mas omite aqueles que desconhecem a condição de ser hipertenso, podendo levar a subestimativas das prevalências desta condição crônica. No entanto, Vargas et al. 15 verificaram, com base nos dados do National Health and Nutrition Examination Survey III, que a hipertensão auto-referida, informada em entrevista, mostrou-se válida para estimar a prevalência de hipertensão da população.

A prevalência de hipertensão arterial referida (51,8%) em idosos residentes no Município de Campinas foi superior à observada para a população idosa brasileira, com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (43,9%) para a mesma faixa etária, 14 e semelhante aos relatórios do Centers for Disease Control and Prevention (CDC) para a população americana com 65 anos e mais (48,5%) 16. Em um estudo no Município de Bambuí, Minas Gerais, a prevalência de hipertensão arterial no grupo etário de sessenta anos e mais foi expressivamente maior (61,5%) 17.

No que tange ao gênero, observou-se na análise univariada que mulheres apresentaram maior prevalência de hipertensão arterial que os homens, assim como verificado em outros estudos para essa faixa etária 4,5. As mulheres geralmente têm maior percepção das doenças, apresentam maior tendência para o autocuidado e buscam mais assistência médica do que os homens, o que tenderia a aumentar a probabilidade de ter a hipertensão arterial diagnosticada.

Idosos de cor não-branca apresentaram maior prevalência de hipertensão arterial na análise univariada, em concordância com o que tem sido observado em outras pesquisas 5,6. De acordo com o CDC, vários fatores contribuiriam para acarretar as disparidades de saúde entre brancos e não-brancos, como: fatores sócio-econômicos, estilo de vida, o ambiente social (incluindo as oportunidades educacionais e econômicas, a discriminação racial e as condições de trabalho) e o acesso a serviços de saúde 18.

Observou-se, no presente estudo, maior prevalência de hipertensão arterial no estrato inferior de escolaridade. As pesquisas apontam que os indivíduos com inserção sócio-econômica desfavorável estariam mais propensos à depressão e ao estresse crônico causados pelas dificuldades cotidianas, aumentando os níveis de catecolaminas e, conseqüentemente, a freqüência cardíaca e a pressão arterial 3.

Diversos autores observaram associação entre migração e hipertensão arterial, bem como com outras doenças cardiovasculares, sugerindo que poderia decorrer do fato de os migrantes estarem mais expostos ao estresse psicológico do que os não-migrantes por conta do processo de aculturação 19.

Encontrou-se que a prevalência de hipertensão arterial foi maior em indivíduos com sobrepeso ou obesos. A relação entre obesidade e hipertensão arterial tem sido relatada em diversos estudos 20. Petrella 7 afirma que cada quilo perdido corresponderia à diminuição de um milímetro de mercúrio da pressão arterial. Levine et al. 21, revendo a literatura, verificaram que o excesso de peso resultaria no aumento do risco de desenvolver hipertensão arterial em 2 a 6 vezes. Os fatores que contribuem para que os obesos apresentem alteração na função renal, predispondo ao aumento da pressão por retenção de líquido, são: a resistência à insulina, alterações nas estruturas renais, alterações na estrutura e função vascular, ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona, ativação do sistema nervoso simpático e alterações no eixo hipotálamo-hipófise-adrenal 22.

Uma das limitações do presente estudo é que o desenho de corte transversal não permite saber se fatores identificados como associados à hipertensão antecederam a ocorrência da doença ou são, de alguma forma, conseqüentes a ela. Essa observação é especialmente válida quanto à associação entre hipertensão arterial e freqüência de bebida alcoólica.

Os idosos abstêmios ou que faziam uso de bebida alcoólica no máximo uma vez por semana, apresentaram chance bruta superior (1,93; IC95%: 1,12-3,32) de estarem hipertensos do que os que bebiam com maior freqüência. Entre os idosos que apresentaram menor freqüência de ingestão de bebida alcoólica verificou-se maior número de doenças crônicas (p = 0,0061). A associação estatística entre a freqüência de ingestão de bebida alcoólica e hipertensão arterial perde sua significância quando a análise é estratificada segundo o número de morbidades (Tabela 3), revelando o confundimento que estava presente. A literatura aponta que a ingestão de bebidas alcoólicas em excesso (três ou mais doses ou mais de 40g de etanol por dia) está associada ao aumento da pressão arterial 21. No presente estudo, os dependentes de álcool (CAGE positivo) apresentaram, na análise univariada, maior prevalência de hipertensão arterial, mas sem significância estatística.

Os dados da presente pesquisa revelaram que apenas 11,4% dos idosos referiram não ter nenhuma doença crônica. Resultado semelhante (14%) foi encontrado por Ramos et al. 23, em inquérito domiciliar realizado no Município de São Paulo.

Observou-se que a maioria dos idosos hipertensos (71,6%) visita o médico regularmente por causa da hipertensão arterial e 86,7% fazem uso regular de medicamento anti-hipertensivo, sem diferenças estatisticamente significantes entre os de maior e menor escolaridade. Esses resultados apontariam que o Sistema Único de Saúde (SUS), da forma como se encontra organizado no Município de Campinas, garantiria acesso amplo aos pacientes hipertensos, contribuindo para reduzir o impacto das desigualdades sociais em saúde.

Idosos hipertensos de maior nível de escolaridade reconhecem, mais que os de menor escolaridade, a prática de atividade física e o uso de dietas como estratégias de controle da hipertensão arterial. Também, mais que os de menor escolaridade, incorporam essas atividades nas suas práticas de controle da doença. Portanto, nas práticas relacionadas aos comportamentos saudáveis e estilo de vida é que as desigualdades sociais se manifestam mais claramente. Ressalta-se, porém, que mesmo no grupo de maior escolaridade, a dieta é realizada por apenas 9% e a atividade física por 22,4% dos hipertensos.

Os resultados do estudo mostraram também que apenas 2,4% dos idosos referiram ter freqüentado grupos de discussão sobre controle da pressão arterial, indicando as poucas oportunidades oferecidas pelos serviços para as intervenções educativas. Esses resultados indicariam que os serviços não estariam oferecendo ou incentivando as práticas de promoção de hábitos saudáveis de vida como recomendam vários órgãos de saúde 1. Para consolidar mudanças nos hábitos de vida, alguns estudos assinalam que as intervenções educativas deveriam ser intensas e constantes para que algum resultado pudesse ser observado 21.

O presente artigo mostrou, em síntese, que a hipertensão arterial é mais prevalente em determinados subgrupos da população como os idosos de menor escolaridade, migrantes e com sobrepeso ou obesidade. Ainda que as políticas públicas devam contemplar a todos, atenção especial deve ser voltada para os subgrupos mais vulneráveis, tanto para as ações de prevenção, de controle da hipertensão, assim como para as de promoção à saúde.

 

Colaboradores

M. P. A. Zaitune realizou a proposta do artigo, revisão de literatura, análise dos dados e redação do artigo. M. B. A. Barros orientou a proposta do artigo, análise dos dados e redação do artigo. M. B. A. Barros, C. L. G. César, L. Carandina e M. Goldbaum desenvolveram o projeto ISA-SP, elaboraram os instrumentos, coordenaram a pesquisa de campo e contribuíram na revisão do artigo.

 

Agradecimentos

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Projeto de Políticas Públicas, processo nº 88/ 14099) e à Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo pelo financiamento do trabalho de campo, à Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde pelo suporte financeiro para a análise dos dados através do Centro Colaborador em Análise de Situação de Saúde da Faculdade de Ciências (UNICAMP) e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior pela bolsa de mestrado recebida pela autora principal.

 

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Correspondência
M. P. A. Zaitune
Departamento de Medicina Preventiva e Social
Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas
C. P. 6111, Campinas, SP 13083-970, Brasil
mpaula@fcm.unicamp.br

Recebido em 17/Fev/2005
Versão final reapresentada em 11/Jul/2005
Aprovado em 27/Jul/2005

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br