ARTIGO ARTICLE

 

Representações sociais do medicamento genérico por consumidores residentes em Natal, Rio Grande do Norte, Brasil

 

Social representations of generic drugs by consumers from Natal, Rio Grande do Norte, Brazil

 

 

Maria Cleide Ribeiro Dantas de Carvalho; Horácio Accioly Júnior; Fernanda Nervo Raffin

Departamento de Farmácia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, Brasil

Correspondência

 

 


RESUMO

O trabalho objetivou determinar os núcleos central e periférico das representações sociais do medicamento genérico por consumidores, estabelecendo mecanismos que poderão ser utilizados no aprimoramento da política desse tipo de medicamento no Brasil. A pesquisa foi realizada no período de abril de 2002 a fevereiro de 2003, na Cidade do Natal, Rio Grande do Norte, com quatrocentos consumidores. O teste utilizado foi o de associação de palavras, e o estímulo indutor, as palavras medicamento genérico. Foi solicitada a evocação de três palavras, de acordo com a estratégia de acesso ao Núcleo Central de Vergès. A análise dos dados foi realizada com o auxílio do programa EVOC 2000 e da análise de conteúdo preconizada por Bardin. Os resultados demonstraram que o núcleo central era composto pelas categorias preço, qualidade e equivalência farmacêutica, e o sistema periférico, representado pelas categorias opção, eficácia, governo, benefício social e acessibilidade.

Medicamentos Genéricos; Uso de Medicamentos; Representações Sociais


ABSTRACT

This paper aimed to determine the central and peripheral roles of consumers' social representations concerning generic drugs, establishing mechanisms that could be used to improve policies for this type of medication in Brazil. The research was done from April 2002 to February 2003 in the city of Natal, Rio Grande do Norte, with 400 consumers. The study employed the word association test with the words "generic drug" as the inductive stimulus. Evocation of three words was requested, according to the access strategy to Vergès' Central Nucleus. Data analysis used the EVOC 2000 software and the content analysis proposed by Bardin. The results demonstrated that the central nucleus consisted of the categories price, quality, and pharmaceutical equivalence, while the peripheral system was represented by the categories option, effectiveness, government, social benefit, and accessibility.

Generic Drugs; Drug Utilization; Social Representations


 

 

Introdução

A política de medicamentos genéricos não só objetiva uma maior racionalidade no uso de medicamentos, como também estimula a concorrência, de modo que os consumidores terão disponíveis produtos intercambiáveis de diferentes preços, respeitando-se a decisão de não intercambialidade do profissional prescritor. É previsível que a referida competição ocasione a redução dos preços dos medicamentos, trazendo, então, benefícios a todos os segmentos envolvidos na cadeia de produção, controle, comercialização e, principalmente, consumo.

Além da maior racionalidade no uso dos medicamentos, a adoção de uma política de medicamentos genéricos no Brasil objetivou, principalmente, aumentar o acesso da população aos medicamentos, melhorar a qualidade desses produtos e diminuir o custo dos tratamentos médicos. Segundo a revista The Economist, o Brasil é o nono país do mundo em consumo de medicamentos per capita, mas 50% dos pacientes que precisam de um medicamento não podem comprá-lo e abandonam o tratamento 1.

Em outros países onde uma política de genéricos foi implantada há mais tempo, como nos Estados Unidos, os genéricos representam 42% do mercado em unidades vendidas, o que corresponde a uma economia de até 40% para os consumidores, com uma tendência de crescimento de 13% a cada ano 1. Em dez anos do estabelecimento de sua política de genéricos, o preço médio dos medicamentos caiu cerca de 30%. Em outros países ricos, como Japão, Alemanha, Reino Unido e Canadá, o motivo principal da adoção dessa política foi a redução de custos 2.

Os medicamentos genéricos representavam, em maio de 2003, 7,5% de participação em volume de vendas e 5,9% em valor de mercado farmacêutico brasileiro 3. Apesar de todas as estratégias executadas pelo governo no sentido de estimular o uso do medicamento genérico, as estatísticas demonstram que este ainda representa 9% do mercado nacional em unidades vendidas 4.

No Brasil, a discussão sobre o medicamento genérico teve início em 1991, por intermédio do Projeto de Lei 2.022 apresentado à Câmara dos Deputados pelo Deputado Federal Eduardo Jorge (PT-SP). Após uma longa tramitação e depois de receber várias emendas e substitutivos, esse projeto foi aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pelo então Presidente da República Fernando Henrique Cardoso, transformando-se na Lei 9.787 de 10 de fevereiro de 1999, conhecida como Lei dos Genéricos 5, a qual instituiu o medicamento genérico no Brasil, pondo fim a uma polêmica que se arrastou por quase uma década.

Outro passo importante nas discussões que antecederam a implantação dos genéricos no Brasil, e que não pode ser esquecido, foi o Decreto n. 793 6, cuja principal intenção foi mostrar ao consumidor que as diferentes marcas de medicamentos encobriam produtos semelhantes e que ele tinha opções para o mesmo produto, com preços diferentes, e que poderia escolher o menor. A partir desse importante decreto, editado por Jamil Haddad, Ministro da Saúde na ocasião, o Brasil caminhou definitivamente em direção à adoção de uma política de medicamentos genéricos.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) tem editado uma série de normas (resoluções e portarias), a fim de viabilizar o registro, a produção, a prescrição e a dispensação do medicamento genérico, norteando todo o processo de implementação da política desses medicamentos no Brasil.

O Brasil, desafiando interesses de vários segmentos, tem empreendido importantes esforços para melhorar o acesso aos medicamentos, componente crítico de uma estratégia do setor saúde, tentando, dessa forma, promover a eqüidade na saúde da sua população. A necessidade de se permitir um maior acesso da população aos tratamentos médicos, assim como de diminuir custos, incita a investigação das possíveis causas que estão dificultando a concretização dessa política no país.

O estudo aqui proposto utilizou a Teoria das Representações Sociais (TRS) 7 e a Teoria do Núcleo Central (TNC) 8 como suportes teórico-metodológicos.

De acordo com Sá 9 (p. 29), "o termo representações sociais designa tanto um conjunto de fenômenos quanto o conceito que os engloba e a teoria construída para explicá-los identificando um vasto campo de estudos psicossociológicos". Segundo Moscovici 10 (p. 181), entende-se por representações sociais "um conjunto de conceitos, proposições e explicações originados na vida cotidiana no curso de comunicações interpessoais. Elas são o equivalente, em nossa sociedade, aos mitos e sistemas de crenças das sociedades tradicionais; podem também ser vistas como a versão contemporânea do senso comum".

Jodelet 11 (p. 22), lançando mão de um conceito bastante aceito pela comunidade científica, apresenta representações sociais como sendo "uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, que tem um objetivo prático e concorre para a construção de uma realidade comum a um conjunto social".

A TNC propõe que uma representação social está hierarquizada em torno de um núcleo central, constituído de um ou mais elementos que dão significado à representação social. O núcleo central, em torno do qual se organizam os elementos periféricos da representação, tem uma função geradora e organizadora, ou seja, ele é o elemento pelo qual se cria, ou se transforma, a significação dos outros elementos constitutivos da representação. É por ele que esses elementos tomam um sentido, um valor. Com relação à sua função organizadora, é o núcleo central que determina a natureza dos laços que unem entre si os elementos da representação. Nesse sentido, ele é o elemento unificador e estabilizador da representação 8.

Os estudos até hoje desenvolvidos na área do medicamento genérico envolvem principalmente a biodisponibilidade dos fármacos, a bioequivalência com o medicamento de referência, como também as dimensões de impacto que esses medicamentos têm causado no mercado farmacêutico. No entanto, sente-se uma lacuna em relação às implicações sociais que o medicamento genérico tem causado na população, principalmente em relação à confiabilidade e aceitabilidade desses produtos pela sociedade.

Se, como apregoa a teoria, as representações sociais se constituem num caminho para a ação, é necessário que se possa apreendê-las não apenas como um sistema de cognições, mas destacar o contexto no qual elas são produzidas. A compreensão dessa realidade comum no grupo social aqui estudado ­ consumidores ­ é uma maneira de captar detalhes da realidade vivenciada por esse grupo em relação ao medicamento genérico, servindo de base para a realização de futuras estratégias que visem à melhoria da implementação da política de medicamentos genéricos no país em relação ao grupo estudado.

 

Metodologia

Os sujeitos dessa pesquisa foram quatrocentos consumidores abordados no momento da compra de medicamentos, em farmácias e/ou drogarias da Cidade de Natal, Rio Grande do Norte, Brasil, no período de abril de 2002 a fevereiro de 2003. A escolha das farmácias e drogarias baseou-se numa distribuição eqüitativa, orientada pelo estatístico consultado, utilizando-se estabelecimentos de zonas tanto centrais como periféricas, a fim de que as variações sócio-econômicas da população não comprometessem os resultados.

Como instrumento de coleta de dados, utilizou-se o teste de associação livre de palavras, o qual teve como estímulo indutor as palavras medicamento genérico. Para cada consumidor, foi solicitada a evocação de três palavras. Esse procedimento baseou-se na estratégia de acesso ao Núcleo Central de Vergès apresentado por Sá 9.

De acordo com Rapaport et al. 12, o teste de associação livre de palavras foi desenvolvido por Jung, adaptado ao campo das representações sociais por Di Giacomo 13 e objetiva identificar as dimensões latentes dessas representações.

A análise do teste teve como base a TNC, a análise de conteúdo preconizada por Bardin 14 e o programa EVOC 2000 15,16. Desenvolvido por Pierre Vergès 16, o EVOC 2000 compreende um conjunto de 16 programas que possibilita a análise de evocações, permitindo dois tipos de análise: a lexicográfica e a categorização por análise de conteúdo.

O Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (CEP-UFRN), devidamente reconhecido pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP/MS) e pelo Instituto Nacional de Saúde dos Estados da América (IRB 1390), analisou e aprovou o projeto do presente trabalho.

 

Resultados e discussão

Dos sujeitos abordados, 29 (7,25%) deixaram de responder ao teste por desconhecerem o medicamento genérico, resultando em 371 testes realizados, os quais se efetivaram em 1.113 evocações.

A análise lexicográfica demonstrou que, das 1.113 evocações, 101 eram constituídas por palavras diferentes. Os cálculos de todas as freqüências e as médias de cada evocação foram efetuadas através do programa EVOC 2000, enquanto a categorização das evocações foi realizada pela análise de conteúdo 14, o que resultou no estabelecimento de 11 categorias. De acordo com Bardin 14, a categorização é uma operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto. As categorias reúnem um grupo de elementos com caracteres comuns, sob um título genérico.

Além disso, através do EVOC 2000 foram efetuadas a distribuição, a freqüência e a ordem média das evocações, como está demonstrado na Tabela 1. Também foram determinadas a média das ordens médias das evocações (MOME) das categorias em 2,3 e a freqüência média das evocações (FM) das categorias em 101.

 

 

A Figura 1 tem como base um gráfico de dispersão, no qual o eixo das abscissas (x) corresponde aos valores referentes à OME e o eixo das ordenadas (y), aos valores da freqüência. Desse modo, cada categoria de evocações corresponde a um ponto no gráfico, o que sugere uma correlação positiva entre as variáveis, segundo o modelo proposto por Vieira 17 e por Beaufils 18. Ao se deslocar o eixo para o ponto que representa o valor de suas médias, estabelecem-se os quatro quadrantes que estão representados no esquema figurativo (Figura 1).

 

 

As evocações que figuram no quadrante superior esquerdo são as que mais provavelmente fazem parte do núcleo central; as que estão no quadrante inferior direito pertencem ao sistema periférico, enquanto as demais são consideradas intermediárias e, no estudo em questão, não se situam bem definidamente.

O núcleo central tem uma função geradora e organizadora, ou seja, ele é o elemento pelo qual se cria, ou se transforma, a significação dos outros elementos constitutivos da representação. É por ele que esses elementos tomam um sentido, um valor 8.

As evocações detectadas como prováveis componentes do núcleo central (preço, qualidade e equivalência) refletem a preocupação do consumidor com o preço, fator determinante do acesso ao medicamento por alguns segmentos da população, com a qualidade e com o fato de esse medicamento ser equivalente ao produto de referência e, portanto, ter as mesmas características terapêuticas.

Núcleo central: preço, qualidade e equivalência

• Preço

Na categoria preço, as evocações mais freqüentes foram: barato, mais barato, preço, preço bom, menor preço e economia, correspondendo a 32,5% das palavras lembradas. Esta foi considerada uma categoria bastante forte, tendo englobado um total de apenas16 palavras diferentes, em 362 ocorrências.

O preço vem, ao longo da história, atuando como um dos principais fatores da escolha do comprador, alternando esse grau de importância de acordo com as características intrínsecas do produto, mercado e ambiente macroeconômico onde está inserido 19.

Na teoria econômica, o preço seria o ponto de equilíbrio da transação, na qual um ofertante estaria disposto a efetivar a troca de uma mercadoria que possui por uma contrapartida do demandante 20, ao passo que, na teoria do marketing, o preço seria um comunicador da qualidade do produto 21.

Do que se depreende da experiência internacional, a entrada dos medicamentos genéricos no mercado eleva o grau de concorrência, reduzindo o poder de monopólio das grandes multinacionais, provocando uma redução nos preços dos medicamentos. Dessa forma, uma parcela da população deixará de depender dos medicamentos distribuídos gratuitamente pelo governo, o que automaticamente reduzirá os encargos sobre o poder público, ficando este mais ágil para atender melhor as pessoas que continuam à margem do processo privado de aquisição de medicamentos 22.

Em pesquisa de opinião pública nacional realizada pela ANVISA no final de 2001, com 2.200 consumidores em 236 municípios, observou-se que 70% dos entrevistados definiram o medicamento genérico como sendo um "medicamento mais em conta", "de preço reduzido" e "mais barato" 23. Essas definições coincidem com as evocações captadas na categoria preço, em que os consumidores evocaram palavras que traduzem os mesmos significados.

Por achar que se trata de uma barreira ao acesso aos medicamentos, o preço destes sempre foi uma preocupação constante dos diferentes governos brasileiros, muito embora a própria Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Medicamentos 24 reconheça que o acesso está muito mais relacionado à renda da população do que propriamente ao preço. No entanto, não se pode descartar que o preço é um dos importantes fatores que dificultam tal acesso, daí a constante preocupação com seu controle e monitoramento.

O perfil do consumidor brasileiro é constituído por três classes: a primeira representa 15% da população, tem renda acima de dez salários mínimos e consome 48% do mercado total de medicamentos; a segunda é formada por 34% da população, tem renda em torno de quatro a dez salários mínimos e consome 36% do mercado; a terceira é constituída por 51% da população com renda de zero a quatro salários mínimos e consome apenas 16% do mercado 25.

Para a classe de renda elevada, o preço tem pouca influência no consumo, pois essa população sempre usará os medicamentos que forem receitados, com preferência pelos de última geração tecnológica 26.

Os consumidores inseridos na classe intermediária de renda, principalmente aqueles que constituem os patamares inferiores dessa classe, certamente são os mais beneficiados com a política de medicamentos genéricos e para eles o preço é um dos fatores que decide o acesso aos medicamentos. Para esse segmento da população, as políticas que permitem uma redução de preços podem ter um efeito imediato no consumo de medicamentos.

A população de baixa renda revela um padrão de consumo no qual o que define o acesso ao medicamento não é o preço e sim a renda, pois mesmo com uma queda significativa dos preços, a renda é tão baixa que torna seu consumo praticamente impossível.

Esse fato demonstra que, por razões sócio-econômicas, o acesso aos medicamentos não ocorre de forma igual na população, ficando comprometido para milhões de brasileiros que têm baixa renda. O aumento constante dos preços dos medicamentos no mercado é um dos fatores que acabam levando a população ao serviço público em busca da obtenção deste produto 27.

Embora não atinja todas as classes definidas no perfil do consumidor brasileiro, o preço é indiscutivelmente um fator importante no ciclo da comercialização. Assim sendo, é amplamente compreensível que ele se constitua no cerne da representação social do medicamento genérico, uma vez que o consumidor o vê como fator decisivo para o acesso aos medicamentos.

• Qualidade

Na categoria qualidade as evocações com maior freqüência foram: bom, qualidade, boa qualidade e qualidade duvidosa. Essa categoria também foi considerada uma categoria forte, apresentando 227 ocorrências (20,4%), constituída por apenas dez palavras diferentes.

A qualidade pode ser entendida como uma superioridade ou excelência de um produto em relação a outro 28. Em decorrência disto, a percepção da qualidade pode ser definida como o julgamento que o consumidor faz acerca da superioridade ou excelência de um produto 29.

Além disso, a qualidade pode ser vista como a diferença entre o que foi prometido e o que foi entregue ao consumidor. De maneira mais simples, diz-se que um produto tem qualidade quando ele está de acordo com as especificidades de um determinado padrão pré-estabelecido 30.

As indústrias utilizam-se de várias ferramentas com o objetivo de assegurar que o nível de qualidade esperado para um determinado produto seja atingido. Organizações governamentais ou não governamentais estabelecem normas e padrões mínimos a serem seguidos, os quais indicam que as empresas que os possuem estão comprometidas em seguir procedimentos e processos que garantam a produção de produtos e serviços de qualidade. Dentre esses padrões, figuram a série ISO 9000, o Padrão Industrial Japonês Z8101 e as séries Q de Padrões de Qualidade 30.

Com relação aos medicamentos, as exigências estabelecidas para que se atinjam os requisitos de qualidade são bastante rígidas. No Brasil, além de fazer respeitar os padrões internacionais, o Ministério da Saúde e, mais especificamente, a ANVISA são responsáveis por uma série de normas legais que estabelecem os requisitos mínimos para que a indústria farmacêutica possa produzir medicamentos de qualidade, bem como por outras normas que estabelecem padrões de qualidade para cada tipo de medicamento. Em adição, a ANVISA é também responsável pela fiscalização da observância a essas normas por parte da indústria.

A Resolução RDC n. 210/ANVISA 31 estabeleceu as diretrizes que regulamentam as Boas Práticas para a Fabricação de Medicamentos, as quais objetivam garantir a qualidade dos medicamentos fabricados, envolvendo critérios como as instalações das indústrias, controle das matérias-primas e materiais de embalagens, equipamentos, processos de produção e controle de qualidade, entre outros.

Para o consumidor, o preço e a qualidade são elementos fundamentais na construção de uma noção de valor, que será, por sua vez, o seu orientador na escolha do mercado. A percepção dos consumidores quanto aos critérios de avaliação da qualidade podem mudar ao longo do tempo devido a fatores como aumento de informações, aumento de competição em uma categoria de produto e mudança de expectativas. No entanto, isso não invalida a relação entre o preço e a qualidade, em face da importância que ela representa dentro do processo de percepção do valor de um bem e sua influência no processo de decisão de compra 19.

A qualidade requer custo adicional, o qual é composto, em sua maior parte, pelos custos de prevenção e de avaliação. Os custos de prevenção englobam as despesas decorrentes de medidas ou processos que visam a evitar falhas, como, por exemplo, treinamento de pessoal e de fornecedores, controle estatístico de processo, entre outros. Os custos de avaliação envolvem as atividades que asseguram que o produto atenda as necessidades dos consumidores internos e externos, como custo de inspeção de materiais comprados, custo de manutenção de equipamentos e instrumentos, custo com testes e análises laboratoriais, entre outros 30.

Embora a maioria das pessoas desconheça os critérios técnicos que são levados em conta para que se obtenham produtos de qualidade, o sentido da relação preço/qualidade parece estar arraigado na cultura popular e pode ser vislumbrado através de provérbios que expressam claramente esse sentido como nos seguintes casos: "quanto mais caro, melhor o vinho" ou "o que é bom custa caro" ou "o que é barato sai caro". Esses provérbios demonstram que o saber popular relaciona a qualidade ao preço do produto e desconfia da qualidade de produtos que, comparativamente a outros, são mais baratos.

No caso dos medicamentos, surge a dúvida quando se compara o produto de referência (em geral mais caro) com o produto genérico (em geral mais barato) e se diz que esses produtos têm a mesma qualidade. A explicação técnica para esse fato é que no preço dos medicamentos de referência estão embutidos os gastos com pesquisa e propaganda, ao passo que, como o genérico é apenas uma cópia do produto de referência, a indústria que o produz não tem que investir em pesquisas nem em propaganda, tornando-o, dessa forma, um produto mais barato. Contudo, as despesas referentes à qualidade são mantidas e isso faz do genérico um medicamento mais barato e de qualidade. O desconhecimento desses detalhes tem gerado a maioria das dúvidas sobre a qualidade do medicamento genérico no grupo estudado.

O fato de a evocação "qualidade duvidosa" ter representado 11,45% das palavras dessa categoria é preocupante e remete à necessidade de se estabelecerem estratégias a fim de esclarecer a população acerca da qualidade do produto genérico e reverter esse quadro de dúvidas, que só estimula a descrença nesse tipo de medicamento, pondo em cheque uma política de repercussões sociais tão necessária e abrangente.

• Equivalência

Na categoria equivalência, destacaram-se as seguintes evocações: mesmo efeito, mesma coisa, igual ao de marca e equivalente ao original. Essa categoria, apesar de conter 178 ocorrências (16%), apresentou 21 palavras diferentes, não sendo uma categoria tão forte como as duas anteriores, se considerarmos os dois critérios (freqüência como diretamente proporcional e número de palavras diferentes como inversamente proporcional) que determinam a força de uma categoria. Enquanto as duas anteriores apresentaram uma média de freqüência por palavra em torno de 22, esta apresenta oito.

A referência ao fato de que o medicamento genérico deve ser intercambiável com o medicamento de referência, estabelecida no artigo terceiro da Lei 9.787/99 5, implica que, para tal, esses dois tipos de medicamento têm que ser equivalentes, podendo ser substituídos um pelo outro.

A idéia da equivalência foi muito bem compreendida e captada pelo grupo, de tal forma que ela entra como componente do núcleo central das representações sociais desse tipo de medicamento. O saber coletivo evidencia o sentido da noção da equivalência farmacêutica expressada em evocações como: "mesmo efeito", demonstrando que, se os medicamentos são iguais, eles têm o mesmo efeito; ou "mesma coisa", "igual ao de marca" ou ainda "substitui o de marca", dando conta da consciência do grupo acerca da noção de equivalência farmacêutica e intercambialidade.

Sistema periférico: opção, eficácia, governo, benefício social e acessibilidade

Em torno do núcleo central, organizam-se os elementos periféricos da representação que, provendo a interface entre a realidade concreta e o sistema central, atualiza e contextualiza as determinações normativas do núcleo central 8. É nele, portanto, que devem se concentrar as estratégias que visem a interferir no núcleo das representações sociais de um determinado grupo.

As representações sociais desempenham um papel importante para a instituição de realidades consensuais, apresentando uma função sócio-cognitiva que integra os acontecimentos ou coisas pouco conhecidas e orientam as comunicações e nossa conduta em relação a essas novidades 11.

Os componentes do sistema periférico (opção, eficácia, governo, benefício social e acessibilidade) detectados e categorizados no presente estudo refletem a contextualização imediata do genérico. Podem ser usados para, indiretamente, interferir no núcleo central, veiculando a mensagem de que os genéricos aumentaram a opção de medicamentos eficazes e o acesso a eles, tendo o governo como agente responsável por essa política, cujo impacto social se refletiu em benefícios à população.

O aumento de opções no mercado de medicamentos foi percebido pelos consumidores, que se expressaram através de evocações como variedade e opção. Provavelmente essa observação se deu pelo fato de os genéricos serem uma opção mais barata de compra.

A eficácia foi medida pelo usuário em relação à resposta terapêutica, pois, se faz efeito, se alivia os sintomas, se cura, então é eficaz, de forma que nessa categoria as evocações mais freqüentes (eficaz, cura, dá resultado) apontam para esse raciocínio.

A categoria governo teve as evocações relativas ao ex-Ministro da Saúde José Serra, o qual, na campanha para presidência da república, fez dos genéricos uma de suas principais bandeiras, além da evocação governo, numa clara compreensão de que o genérico é uma política do governo.

A política de genéricos foi sentida pelo consumidor como algo que ajudou e beneficiou o povo, sendo estas as duas evocações mais freqüentes na categoria benefício social.

De acordo com Coelho 32, a garantia do acesso aos medicamentos é apoiada num tripé constituído pela indústria farmacêutica no contexto da produção; pela rede de dispensação privada constituída pelo comércio farmacêutico, e pela assistência pública. A implantação da política de medicamentos genéricos trouxe para a rede de dispensação privada uma parcela de consumidores que utilizava a assistência pública, acarretando uma economia para os cofres públicos, seja no que se refere ao deslocamento desses usuários, seja nas compras realizadas pelo setor público, uma vez que os genéricos são mais baratos.

Com isso, esses consumidores têm acesso garantido aos medicamentos, que agora podem adquirir, demonstrando que esse novo contexto foi percebido por eles ao evocarem a palavra acessível. Outros consumidores, nessa categoria, evocaram as expressões fácil de encontrar e difícil de encontrar, demonstrando a disponibilidade desse tipo de medicamento na rede de distribuição privada.

 

Conclusões

As representações sociais do medicamento genérico para os consumidores da Cidade do Natal, captadas no presente trabalho, apontam para um núcleo central alicerçado no preço, qualidade e equivalência farmacêutica, enquanto o sistema periférico envolve as categorias opção, eficácia, governo, benefício social e acessibilidade.

O conhecimento das representações sociais do medicamento genérico para os consumidores pode se constituir em uma importante ferramenta na implementação de estratégias que visem a uma maior aceitação desse tipo de medicamento para a população, mediante investidas no sistema periférico dessas representações, visto que, segundo Abric 8, o sistema central é essencialmente normativo, ao passo que o sistema periférico é funcional. Essa compreensão é importante quando o que se busca é descobrir caminhos possíveis para desencadear modificações das representações sociais de um grupo, por se entender que estas se constituem em um obstáculo para o desenvolvimento de práticas sociais alternativas às vigentes.

Ademais, segundo Silva et al. 33, a utilização da TRS pelos profissionais da saúde justifica-se pela necessidade de um rompimento com o paradigma biomédico predominante, de um modo diferente de leitura sobre os grupos humanos, o qual tem se preocupado apenas com a dimensão biológica. Nesse contexto, a utilização da TRS no campo da saúde seria uma forma moderna de pensar saúde dentro de um espaço que focalize as mudanças sociais que ocorrem em virtude das relações inter e intragrupais, estruturadas dialeticamente.

 

Colaboradores

M. C. R. D. Carvalho elaborou o artigo. F. N. Raffin contribuiu com orientação na área do medicamento genérico. H. Accioly Júnior contribuiu com orientação na área das representações sociais.

 

Referências

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32. Coelho CC. Acesso, qualidade e humanização na assistência farmacêutica com controle social. http://conselho.saude.gov.br/conferência/docs/texto_reflexao.doc (acessado em 05/Jul/2004).        

33. Silva AO, Alves MSCF, Moreira MASP, Silva SLF. Utilização da teoria das representações sociais no campo da saúde ­ UFPB ­ João Pessoa: tendências e perspectivas. In: Coutinho MPL, Lima AS, Oliveira FB, Fortunato ML organizadores. Representações sociais: abordagem interdisciplinar. João Pessoa: Editora Universitária; 2003. p. 120-9.        

34. Tura LFR. Aids e estudantes: a estrutura das representações sociais. In: Jodelet D, Madeira M, organizadoras. Aids e representações sociais: à busca dos sentidos. Natal: EDUFRN; 1998. p. 121-54.        

 

 

Correspondência
M. C. R. D. Carvalho
Laboratórios Interdisciplinares de Estudos em Representações Sociais
Departamento de Farmácia
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Av. Gal. Gustavo Cordeiro de Farias s/n
Natal, RN 59010-180, Brasil
cleidecarvalho@hotmail.com

Recebido em 18/Out/2004
Versão final reapresentada em 14/Jul/2005
Aprovado em 12/Set/2005

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br