RESENHAS BOOK REVIEWS

 

 

Flavia Squinca

Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde, Universidade de Brasília, Brasília, Brasil. f.squinca@anis.org.br

 

 

ÉTICA NA PESQUISA: EXPERIÊNCIA DE TREINAMENTO EM PAÍSES SUL-AFRICANOS. Diniz D, Guilhem D, Schüklenk U, organizadores. Brasília: LetrasLivres/Editora UnB; 2005. 192 pp.
ISBN: 85-98070-08-4

O livro Ética na Pesquisa: Experiência de Treinamento em Países Sul-africanos, lançado em junho de 2005, pode ser considerado um instrumento de intercâmbio ético e político entre a experiência sul-africana e a brasileira sobre as questões éticas que envolvem as pesquisas com seres humanos. O objetivo deste livro é proporcionar meios de visualizar e discutir a estrutura e o funcionamento de Comitês de Ética na Pesquisa (CEP) na África do Sul, assim como as características no processo de avaliação de projetos em todas as áreas do conhecimento que envolvam seres humanos.

A obra é de autoria de Debora Diniz e Dirce Guilhem, ambas professoras da Universidade de Brasília, e de Udo Shüklenk, editor-chefe dos periódicos Bioethics e Developing World Bioethics, dois dos mais importantes fóruns internacionais de publicação científica em bioética. O livro foi publicado pela Editora da Universidade de Brasília em parceria com a editora LetrasLivres e, recebeu o selo da Organização Mundial da Saúde.

Essa obra é uma versão de um número especial do periódico Developing World Bioethics, cujo título é Special Issue: Southern African Research Ethics Training Program. O periódico, primeiramente, propôs um programa de treinamento para CEP, em virtude da demanda de pesquisadores vinculados a uma universidade sul-africana que trabalhavam com a questão da AIDS. A obra é composta por seis módulos, com vistas a facilitar o treinamento para os CEP, e mais dois capítulos sendo um introdutório e outro em anexo, onde são apresentadas e discutidas as questões éticas que permeiam a prática das pesquisas envolvendo seres humanos, o dia-a-dia de pesquisadores, membros de Comitês de Ética e das pessoas que atuam nos centros de pesquisa e/ou ensino e a ética na comunicação científica. Os módulos que compõem o livro são: Introdução à Ética na Pesquisa; Consentimento Livre e Esclarecido; Populações Especiais e Vulneráveis; Padrões de Tratamento e Ensaios Clínicos; A Análise Ética nos Comitês; Temas Especiais em Ética na Pesquisa; A Ética e o Ethos da Comunicação Científica. É importante ressaltar que o anexo e a introdução só existem na versão em língua portuguesa.

Buscando introduzir os leitores nas questões que envolvem a ética na pesquisa, os autores fizeram uma retrospectiva das situações consideradas abusivas, na história das pesquisas envolvendo seres humanos. Além desses fatos históricos, Diniz, Guilhem & Schüklenk apresentaram um panorama dos documentos ­ Código de Nurembergue, Declaração de Helsinque, Relatório de Belmont, Diretrizes Éticas Internacionais para Pesquisas Biomédicas em Seres Humanos, entres outros ­, que deram origem às teorias no campo da bioética e que trazem orientações sobre os procedimentos e normas que deveriam ser adotados nos experimentos e/ou pesquisas com seres humanos. Sobre a realidade brasileira os autores apresentam, entre outras questões, a história da elaboração e aprovação da Resolução 196/96, denominada Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas Envolvendo Seres Humanos. Para os autores, a Resolução 196/96 "...pode ser considerada um marco para o cenário das pesquisas no Brasil..." (p. 18). Para ser aprovada, a resolução passou por extenso processo de consulta pública e, atualmente, representa um dos principais mecanismos de controle social no âmbito de produção de conhecimento.

Diniz, Guilhem & Schüklenk apontam o Caso Tuskegee ou Estudo Tuskegee, como também é chamado, como paradigmático para compreender as implicações éticas das pesquisas envolvendo seres humanos ou "...um exemplo perturbador que ultrapassou que fronteira entre a comunidade cientifica e a sociedade..." (p. 15), motivo que justifica a sua abordagem nos seis módulos do livro. O Estudo Tuskegee financiado e desenvolvido pelo Serviço de Saúde Pública dos Estados Unidos durou quarenta anos, sendo iniciando no ano de 1930 e finalizado no início do ano de 1970. Esta pesquisa envolveu quatrocentos homens negros, agricultores no Alabama, portadores da sífilis. O objetivo do experimento era entender a história natural da doença e para isso esses homens foram deixados sem o tratamento adequado, ou seja, a penicilina que já havia surgido como o principal medicamento para a doença. Outro ponto agravante da pesquisa é o fato de os participantes não terem sido informados dos procedimentos adotados, isto é, que lhes eram oferecidos apenas placebos.

Os CEP, por sua vez, são analisados, tendo a experiência da África do Sul como estudo de caso, um dos países mais atraentes para a realização de pesquisas qualitativas e quantitativas. Um dos fatores que faz a África do Sul ser tão procurado pelos pesquisadores é o grande número de grupos vulneráveis de populações pobres, ou seja, pessoas que nem sequer têm acesso aos chamados mínimos sociais, capazes de suprir as necessidades dos indivíduos além da sobrevivência biológica, garantido o desenvolvimento das condições humanas, sociais, políticas e produtivas dos mesmos. As populações especiais ou vulneráveis, por exigirem uma atenção minuciosa da bioética, também, foram discutidas por todos os autores da coletânea. Entre os diversos grupos de populações consideradas especiais ou vulneráveis, os autores apontam as seguintes como mais recorrentes: mulheres-grávidas ou não ­ crianças, prisioneiros, refugiados, minorias étnicas pessoas em situação de pobreza ou miséria como a maioria das pessoas que moram nos países da África e no Brasil.

No Brasil, os CEP, considerados instâncias locais, são coordenados e supervisionados por uma instância nacional, a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), prevista pela Resolução 196/96. A CONEP é vinculada ao Conselho Nacional de Saúde, órgão de responsabilidade do Ministério da Saúde, tendo como finalidade avaliar se os CEP atendem todas as exigências legais e, posteriormente, aprová-los. Atualmente, existem aproximadamente 420 CEP registrados na CONEP, a maioria ligada a hospitais, universidades, organizações não governamentais, institutos de pesquisa. Como no caso brasileiro, a África do Sul teve como marco teórico no campo da ética em pesquisa a publicação de um documento ­ As Diretrizes das Pesquisas Clínicas. Essas diretrizes foram baseadas em documentos históricos, códigos, declarações, vale dizer, com base nas filosofias básicas que norteiam as pesquisas com seres humanos. Hoje em dia, existem três sistemas de comitês atuantes na África do Sul ­ Comitês de Ética em Pesquisa, foco do treinamento proposto; Comitês de Monitoramento de Dados de Segurança; Autoridade Reguladora ­, que se diferenciam pela metodologia utilizada na análise dos protocolos de pesquisas.

Com intuito de aprofundar as discussões apresentadas no módulo seis acerca da ética na comunicação científica, a versão brasileira inclui, como anexo, o artigo produzido por Diniz, A Ética e o Ethos da Comunicação Científica. A autora traz uma reflexão sobre o plágio que, segundo ela, "...é sempre descoberto. Se não for é porque o documento que contém o plágio não cumpriu com sua ambição de comunicação..." (p. 186). Diniz ainda enfatiza que, assim como o plágio é algo ilegal, pois significa tomar posse de algo alheio, citar uma fonte não lida também é, uma vez que o pesquisador estará mentido, ação inadmissível no mundo da ciência.

Enfim, é inegável o fato de que a obra representa uma valiosa ferramenta para a compreensão de outros campos de produção de conhecimento, como por exemplo, o da África do Sul. A versão brasileira elaborada por Diniz, Guilhem & Schüklenk certamente é uma excelente leitura para todas as pessoas que se preocupam com as questões éticas e bioéticas implícitas nas pesquisas envolvendo seres humanos.

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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