ARTIGO ARTICLE

 

Quantificação dos resíduos potencialmente infectantes presentes nos resíduos sólidos urbanos da regional sul de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil

 

Gravimetric characterization of potentially infectious material in urban solid waste in southern Belo Horizonte, Minas Gerais State, Brazil

 

 

Noil Amorim de Menezes CussiolI; Gustavo Henrique Tetzl RochaII; Liséte Celina LangeII

ICentro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear, Comissão Nacional de Energia Nuclear. Belo Horizonte, Brasil
IIEscola de Engenharia, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil

Correspondência

 

 


RESUMO 

O objetivo da pesquisa foi o de conhecer a parcela de resíduos potencialmente infectantes ­ aqueles contendo fezes, urina, sangue e fluidos corpóreos ­ de origem domiciliar, presentes nos resíduos sólidos urbanos. Em agosto e setembro de 2002, os resíduos da região Sul de Belo Horizonte foram coletados e levados ao Centro de Tratamento e Disposição Final de Resíduos Sólidos da BR 040, para segregação e quantificação. Os "perfurocortantes" contribuíram com 0,02±0,02% dos resíduos coletados e a presença dos "não-perfurocortantes" foi de 5,47±1,11%. Na categoria "perfurocortante", os aparelhos de barbear predominaram (0,01±0,01%), enquanto que na categoria "não-perfurocortante" as maiores frações foram de papel higiênico (3,00±0,90%), fraldas descartáveis (2,21±1,08%) e absorventes higiênicos (0,22±0,12%). Os resíduos infectantes de origem domiciliar corresponderam ao dobro da fração total (infectante e comum) dos resíduos de unidades de serviços de saúde. A discussão foi feita sob a égide dos perigos à saúde e segurança dos trabalhadores da coleta formal (garis) e informal (catadores de rua e lixões).

Resíduos de Serviços de Saúde; Resíduos Domésticos; Resíduos Sólidos


ABSTRACT 

This study investigated potentially infectious waste (feces, urine, blood, body fluids) in the composition of total municipal solid waste. From August to September 2002, solid waste samples from southern Belo Horizonte, capital of the State of Minas Gerais, were collected and sent to the solid waste treatment and disposal site at BR-040 for segregation and quantification. Sharps (objects that can cause cuts or puncture wounds) made up 0.02±0.02% of the collected waste, while non-sharps accounted for 5.47±1.11%. In the sharps category, the majority were razor blades (0.01±0.01%), while among non-sharps the most frequent components were toilet paper (3.00±0.90%), diapers (2.21±1.08%), and sanitary napkins (0.22±0.12%). Household infectious waste was twice the total amount of waste (infectious + common) from healthcare units. The study was discussed in light of the health hazards and safety aspects for formal and informal waste collectors.

Medical Waste; Domestic Wastes; Solid Wastes


 

 

Introdução 

O desenvolvimento tecnológico moderno, somado ao crescimento desordenado das cidades, fazem com que a geração de resíduos sólidos urbanos em uma comunidade, entre eles os domiciliares, aumente em volume e variedade.

Lynch & Jackson 1 relataram que microrganismos potencialmente infectantes são sempre encontrados em substâncias do corpo humano, tais como em fezes, aerossóis, secreções de ferida e, algumas vezes, no sangue, urina e em outros fluidos corpóreos. Resíduos domiciliares contêm fezes, sangue, exsudatos ou secreções em papel e absorventes higiênicos, preservativos masculinos, curativos, além de agulhas de pacientes diabéticos dependentes de insulina, e de drogas injetáveis.

De acordo com Ferreira & Anjos 2, os catadores, ao remexerem os resíduos vazados à procura de materiais que possam ser comercializados ou servir de alimento, estão expostos a todos os tipos de contaminação presentes naquele meio. Os catadores, além de colocarem em risco sua própria saúde, servem de vetores para a propagação de doenças contraídas no contato com esses resíduos.

Apesar de ser uma informação importante, não foi encontrado registro de trabalhos internacionais sobre a fração de resíduos potencialmente infectantes presentes nos resíduos domiciliares.

No Brasil, os resultados das análises microbiológicas em amostras de resíduos de serviços de saúde e domiciliar na pesquisa de Ferreira 3, apontam para uma razoável semelhança entre eles, a ponto de permitir colocá-los, do ponto de vista gerencial, numa mesma categoria de risco.

 

Resíduos sólidos, saúde e meio ambiente

Conforme trabalho publicado pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas 4, resíduo sólido domiciliar é aquele originado da vida diária das residências, constituído por restos de alimentos como cascas de frutas, verduras, legumes, produtos deteriorados, jornais e revistas, garrafas, embalagens em geral, papel higiênico, fraldas descartáveis e uma grande diversidade de outros itens, incluindo produtos que podem ser tóxicos.

A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) 5, em sua NBR 12.807/93, define resíduo infectante como aquele gerado em serviço de saúde que, por suas características de maior virulência, infectividade e concentração de patógenos, apresenta risco potencial adicional à saúde pública.

De acordo com essa definição, é de se esperar que uma fração dos resíduos sólidos domiciliares seja composta por resíduos infectantes, já que fezes, sangue, exsudatos e secreções estão presentes em papéis higiênicos, absorventes, fraldas descartáveis, lenços de papel e curativos. Esses substratos contêm alta concentração de microrganismos, de diferentes níveis de virulência e grau de infectividade.

Conforme Trabulsi & Toledo 7, as infecções bacterianas podem ser divididas em exógenas (infecções cujos agentes atingem o hospedeiro a partir de um reservatório ou fonte externa) e endógenas (os agentes são constituintes da microbiota normal humana). As fontes dos agentes exógenos, por exemplo, Mycobacterium leprae (agente da lepra), Mycoplasma pneumoniae (agente da pneumonia), Streptococcus pyogenes (agente da faringite), HBV e HCV (agentes das hepatites B e C, respectivamente), entre muitos outros, são o homem e os animais, sendo a grande maioria proveniente do homem. As infecções causadas por agentes endógenos podem ocorrer pela maioria das bactérias que reside no corpo humano que sejam membros típicos da microbiota normal ou não. De modo geral são consideradas oportunistas porque, quase sempre, só expressam sua atividade patogênica quando o hospedeiro oferece condições apropriadas.

Considerando que a maioria dos 5.507 municípios brasileiros utiliza-se de lixões para despejarem seus resíduos e que grande parte deles não é coletada (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística 7), permanecendo perto dos domicílios ou em terrenos baldios, tem-se como conseqüência desta prática, uma série de impactos ambientais em todos os sistemas (ar, água e solo). Os lixões, além de serem um problema ambiental e de saúde pública, são historicamente fontes mantenedoras de um problema social que vem se arrastando desde há muito tempo.

 

Metodologia 

As amostras foram provenientes de 12 distritos de coleta da região administrativa sul do Município de Belo Horizonte, com maior índice de verticalização, a fim de coletar quantidades maiores de resíduos domiciliares fazendo-se o menor trajeto. A freqüência da coleta foi de três vezes por semana (segundas, quartas e sextas-feiras) e dois distritos diferentes foram amostrados a cada dia, totalizando 12 campanhas de coleta (cada distrito foi amostrado duas vezes).

A coleta foi feita em caminhão do tipo caçamba aberta, da Secretaria Municipal de Limpeza Urbana (SMLU), sempre pela manhã, partindo-se do início do trecho normal de coleta, antes do caminhão compactador regular da SMLU passar para a coleta habitual. A quantidade coletada foi limitada pela capacidade da carroceria do veículo coletor que era de 3,0 toneladas.

A triagem e caracterização gravimétrica foram realizadas em área coberta do Centro de Tratamento e Disposição Final de Resíduos Sólidos da BR-040, em Belo Horizonte. Ao chegar, o veículo coletor era pesado pela balança de controle do aterro e, em seguida, os resíduos eram descarregados na área de trabalho, homogeneizados com o auxílio de pá carregadeira mecânica e submetidos a quarteamentos sucessivos para obtenção de amostra representativa, em torno de 400kg.

Os procedimentos de amostragem foram baseados nas recomendações da ABNT 8 pela norma NBR-10.007/2004 e conforme Tchobanoglous 9 que preconiza que a carga total de um caminhão recolhida ao longo de seu itinerário durante um dia típico de coleta é uma amostra representativa dos resíduos sólidos produzidos nestes domicílios.

A segregação dos componentes dos resíduos foi feita sobre uma mesa de triagem, por uma equipe de cinco pessoas cooperadas da Associação dos Catadores de Materiais Recicláveis (ASMARE).

Os resíduos foram segregados conforme o seguinte critério:

• Matéria orgânica putrescível (restos de preparo e sobras de alimentos, alimento com data de validade vencida e estragado).

• Materiais potencialmente recicláveis (papel/papelão, embalagens longa vida, vidros, plásticos, metais ferrosos e não-ferrosos).

• Resíduos químicos potencialmente perigosos (lâmpadas, materiais de pintura, automotivo e eletrônico, pilhas e baterias, frascos de remédios vazios ou com conteúdo, cosméticos e produtos de higiene pessoal).

• Materiais diversos (panos/trapos, isopor, borracha, couro, entulho, madeira, espuma, gesso, cerâmica, eletro-eletrônicos e material misturado de difícil separação).

• Resíduos potencialmente infectantes (resíduos contendo fezes humanas e de animais, urina, sangue e fluidos corpóreos e aqueles que oferecem risco de acidente por perfuração e corte).

Os resíduos potencialmente infectantes, objeto da pesquisa, foram subdivididos em:

• Não-perfurocortantes: papel higiênico, absorvente higiênico, fraldas descartáveis de uso infantil e adulto, preservativo masculino, materiais para curativo (algodão, gaze, band-aid, atadura); máscara descartável, luvas, toalhas de papel e embalagens de soro fisiológico.

• Perfurocortantes: agulhas de injeção, seringas com agulhas, ampolas, aparelhos e lâminas de barbear.

Cada tipo de resíduo foi acondicionado em recipiente devidamente identificado por categoria/tipo e pesado em balança com capacidade mais adequada, de acordo com a quantidade do resíduo. Os resultados foram anotados em planilhas.

Ao término de cada campanha os resíduos eram recolhidos por meio de um trator com pá carregadeira, colocados dentro de um caminhão com caçamba aberta e levados para aterramento no próprio aterro.

 

Resultados

Na Tabela 1 e Figura 1 são apresentados os dados obtidos sobre a composição gravimétrica dos resíduos sólidos predominantemente de origem domiciliar da regional sul do Município de Belo Horizonte, em percentual de peso bruto.

Os resultados foram agrupados conforme a categoria a que pertencem os resíduos, de acordo com os critérios apresentados na metodologia. Os resíduos potencialmente infectantes têm seus resultados discriminados em duas classes, perfurocortantes e não-perfurocortantes, e por tipo de resíduo que compõe cada classe.

Por não serem o foco deste trabalho, as categorias "matéria orgânica putrescível", "materiais diversos", "resíduos potencialmente recicláveis" e "químicos potencialmente perigosos" foram apresentadas e feitas apenas algumas considerações. O detalhamento dessas categorias pode ser obtido no trabalho de Rocha 10.

A quantidade total coletada de resíduos foi de 33.380kg, com média de 2.781,67±487,55kg e de 416,25±78,29kg de resíduos coletados e tirados por campanha, respectivamente.

Para a área pesquisada, houve predominância dos resíduos compostos por matéria orgânica putrescível (52,92±6,17%), seguida dos materiais potencialmente recicláveis (31,96±3,46%). Estes índices evidenciam a importância da implementação de ações de combate ao desperdício de alimentos e coleta seletiva, tanto dos materiais recicláveis como de matéria orgânica (compostagem).

A contribuição dos resíduos químicos foi de 1,91±1,28%, se considerado o peso bruto (incluindo o peso das embalagens). Todos os frascos de remédios encontrados, independentemente da origem, foram contemplados nesta categoria. De acordo com Rocha 10, os resíduos químicos apresentam potencial de terem seus constituintes lixiviados, dentro do aterro.

A categoria "materiais diversos" contribuiu com 7,71±3,50%. Esta categoria é composta por materiais predominantemente inertes, porém, alguns deles de difícil compactação (borracha e madeira), o que pode comprometer a cobertura dos resíduos no aterro pela possibilidade de aflorarem nos pontos onde estão aterrados.

Os resíduos potencialmente infectantes (Figura 2), objeto deste trabalho, corresponderam a 5,49% dos resíduos que são coletados e aterrados no aterro sanitário (agosto e setembro de 2002). Deste total, a fração não-perfurocortante e perfurocortante corresponderam a 5,47±1,11% e 0,02±0,02%, respectivamente.

Dos resíduos perfurocortantes, os aparelhos de barbear foram os que mais contribuíram, tanto em freqüência quanto em quantidade (0,01±0,01%). Todos eles aparentemente eram de origem domiciliar, pois estavam presentes em sacolas plásticas de supermercados misturados aos outros resíduos, assim como algumas lâminas de barbear, ampolas vazias de medicamento e seringas com e sem agulhas que foram encontradas, por duas vezes, acondicionadas da mesma forma.

Quanto aos resíduos não-perfurocortantes, as categorias predominantes foram a dos papéis higiênicos e toalhas de papel (3,00±0,90%), seguida das fraldas descartáveis (2,21±1,08%) e dos absorventes higiênicos (0,22±0,12%). Na Figura 3 pode-se ver as proporções relativas dos resíduos não-perfurocortantes.

A quantidade de preservativos masculinos variou de zero a quatro unidades por campanha, cerca de 0,0009% dos resíduos triados. As máscaras descartáveis ocorreram em proporções menores ainda.

Materiais utilizados em curativos (algodão, gaze, band-aid, esparadrapo) e as luvas descartáveis contribuíram respectivamente com as frações de 0,009% e 0,01%, independentemente de suas origens (domiciliar ou de consultório médico/odontológico). Conforme observado, as origens das luvas foram diversas: algumas delas continham tintura para cabelo sendo, portanto, provenientes de salões de beleza ou mesmo de domicílio; outras, com certeza eram de estabelecimento prestador de serviços de saúde (clínica médica e odontológica), devido às características dos outros resíduos aos quais estavam misturadas; finalmente, havia algumas luvas de procedência aparentemente domiciliar, talvez decorrentes de cuidados em domicílio, como ocorre na atenção à criança, ao idoso e pacientes, por exemplo, sem descartar outras possibilidades de origem.

As embalagens vazias de soro fisiológico (cerca de 0,02%), algumas delas com circuitos acoplados, tiveram origem predominante de clínica médica, devido às características dos resíduos aos quais estavam misturados.

Na primeira campanha (distritos S1/S3), todos os componentes não-perfurocortantes foram pesados juntos na categoria toalha e papel higiênico, daí não haver discriminação da contribuição por tipo de resíduo. Entretanto, no cômputo geral, a fração total encontrada (5,08%) está coerente com a média das outras campanhas.

Embora o foco do trabalho fossem os resíduos domiciliares, foram coletados os seguintes resíduos tipicamente gerados em estabelecimentos prestadores de serviços de saúde, com as respectivas freqüências indicadas de cada evento:

• Duas ocorrências de saco branco leitoso regulamentado para resíduos de serviços de saúde: os sacos com o conteúdo foram pesados na categoria "saco branco leitoso", separadamente dos outros resíduos. O primeiro saco era composto basicamente por toalhas de papel, copos descartáveis, embalagem plástica contendo granola, embalagens de seringa, capa de agulha, caixas de papelão e ampolas de medicamentos vazias, algodão e resto de alimento em embalagem aluminizada (quentinha). O segundo saco era composto por luvas e máscaras cirúrgicas descartáveis, toalhas de papel, esponja de aço gasta e papéis de escritório e higiênico. Não houve presença de agulhas nesses embalados. Com certeza esses resíduos são originários de estabelecimento prestador de serviços de saúde;

• Duas ocorrências de saco comum de lixo contendo resíduos tipicamente de consultório odontológico como: dentes infantis, sugadores de saliva, algodão, gaze, seringa sem agulha e com agulha tampada, frascos vazios de anestésico, máscara cirúrgica, propé, moldes de dentes;

• Uma ocorrência de saco comum de lixo contendo kits vazios de diálise peritonial, circuitos, máscaras e luvas descartáveis. Possivelmente esses resíduos foram gerados a partir de procedimento realizado em domicílio, aceitável na área da saúde pública;

• Uma ocorrência de saco comum de lixo contendo kits vazios de nutrição enteral, sonda gástrica, embalagem vazia de cloreto de sódio, máscaras cirúrgicas e luvas descartáveis. Também esses resíduos são passíveis de terem sido gerados de procedimento realizado em domicílio.

De acordo com o Decreto n.10.296/2000 11 da Secretaria Municipal de Governo, da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, esses resíduos deveriam estar acondicionados em saco branco leitoso regulamentado para resíduos infectantes e terem coleta especial para resíduos de serviços de saúde, e não serem coletados pela coleta regular de resíduos urbanos, mesmo que em reduzidas quantidades.

 

Discussões finais

A partir dos dados constantes no Relatório Demonstrativo Consolidado dos Resíduos Destinados nos anos 2003 e 2004, publicado pela Superintendência de Limpeza Urbana 12, da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, elaborou-se a Tabela 2, de onde as seguintes informações podem ser obtidas: a fração média total (infectante e comum) coletada de resíduos das unidades de serviços de saúde foram de 0,95% (35,37t/ dia) em 2003 e 0,92% (35,23t/dia) em 2004.

 

 

Extrapolando o dado obtido na pesquisa (em que 5,49% dos resíduos domiciliares são potencialmente infectantes) para o município, percebe-se que a fração de resíduos originários de unidades de serviços de saúde é, no mínimo, duas vezes menor que a fração total coletada e aterrada de resíduos potencialmente infectantes de origem domiciliar. Se os componentes infectantes e comuns fossem discriminados em separado, a fração dos resíduos de serviços de saúde seria menor ainda para os componentes biologicamente contaminados.

Considerando que todos os indivíduos (homens e animais sadios, assintomáticos e os que já são reconhecidamente portadores de doenças infecto-contagiosas e parasitárias) são fontes de infecção e estão regularmente gerando resíduos contaminados por agente patogênico, pode-se esperar que, quando mal destinados, os resíduos domiciliares tenham um potencial maior de contaminação biológica do meio ambiente, se comparados com os resíduos de unidades de serviços de saúde, devido à presença de quantidade maior de componentes com contaminação biológica, principalmente de sanitários.

É importante observar que, mesmo diante de tais evidências, há uma tendência das pessoas, independentemente da formação, nível cultural e posição na sociedade, em não perceberem os riscos existentes nos resíduos domiciliares, já que os mesmos são normalmente classificados como "resíduos comuns". Isto pode ser confirmado observando-se os poucos investimentos que são feitos para melhorar os sistemas de coleta e de disposição final dos resíduos urbanos, predominando os lixões como forma de disposição final dos resíduos, além da permissividade da existência de catadores, que não têm amparo social algum.

De acordo com Cussiol et al. 13, pela percepção dos indivíduos do público os resíduos provenientes de serviços de saúde apresentam riscos maiores que os resíduos de outras origens. Este fato é decorrente da associação que as pessoas fazem entre esse tipo de estabelecimento e doenças e morte, bem como aos aspectos estéticos e de desconforto visual, quando os mesmos são lançados de forma imprópria no meio ambiente. Não está claro para as pessoas que a simples presença de patógenos vivos em quantidade nos resíduos, não significa que esses resíduos possam transmitir enfermidade a alguém, sem que haja uma via de transmissão e um meio de entrada (inalação, ingestão, absorção por membrana mucosa ou injeção). A imunização e a suscetibilidade do hospedeiro também precisam ser consideradas.

O risco de transmissão de doenças advindas da contaminação ambiental é uma possibilidade bastante remota na maioria dos casos, desde que sejam tomadas precauções básicas para a disposição final, que deve ser sempre em aterros sanitários. Obviamente, este potencial de risco aumenta quando os resíduos são manuseados de forma inadequada ou não são apropriadamente acondicionados e descartados, especialmente naquelas situações que favorecem a penetração de agentes patogênicos no organismo 13.

Sendo assim, as condições de trabalho das pessoas envolvidas na coleta, tanto formal (garis da iniciativa pública e privada) como informal (catadores de rua e lixões), é uma das questões que devem ser seriamente consideradas.

Devido à exposição biológica e aos riscos de acidentes inerentes ao desempenho do trabalho, os trabalhadores da coleta urbana devem evitar o contato direto com os microrganismos presentes nos resíduos, especialmente naquelas situações que favoreçam a penetração deles no organismo, a fim de reduzirem os riscos de adquirirem ou transmitirem (portadores assintomáticos e/ou veículo do microrganismo patogênico) uma doença infecciosa.

Portanto, como meio de evitar passivos ocupacionais e garantir melhores condições de vida, os trabalhadores da coleta devem, conforme preconizado atualmente na RDC 306/2004 da ANVISA 14, que dispõe sobre o Regulamento Técnico para o Gerenciamento de Resíduos de Serviços de Saúde: ser capacitados na ocasião de sua admissão e mantidos sob educação continuada para as atividades que vão realizar; receber equipamentos de proteção individual e ser capacitados para a utilização correta deles; ser informados de como manter um bom padrão de higiene pessoal e de seus respectivos equipamentos de proteção individual; ter assistência médica preventiva por meio da profilaxia e controle de doenças infecto-contagiosas e parasitárias; ser imunizados contra as doenças imunopreveníveis, tais como sarampo, tétano, difteria, coqueluche, tuberculose, hepatites; e ter controle laboratorial sorológico para avaliação da resposta imunológica.

Essas exigências podem até ser seguidas pelos empregadores, da iniciativa pública e privada, porém, está longe de ser estendida aos catadores de rua e lixões. Na melhor das hipóteses, a única forma de os trabalhadores informais terem acesso aos mesmos benefícios dos trabalhadores da coleta regular do município é por meio de cooperativas, onde todos poderiam receber as informações necessárias de como trabalhar com segurança e preservar a saúde. Infelizmente, esta é uma realidade que caminha a passos muito lentos no Brasil e está ainda muito distante de ser alcançada.

 

Colaboradores

A pesquisa foi executada por N. A. M. Cussiol, que também redigiu o texto completo do artigo com a colaboração dos demais autores. G. H. T. Rocha executou o trabalho de campo e tratamento estatístico. L. C. Lange realizou a revisão final do artigo.

 

Agradecimentos 

Os autores agradecem à Secretaria Municipal de Limpeza Urbana, Prefeitura Municipal de Belo Horizonte pela cessão do veículo, pessoal coletor e disponibilização do local para a triagem dos resíduos, e aos membros da Associação dos Catadores de Papel, Papelão e Material Reaproveitável que participaram da etapa de segregação para a caracterização gravimétrica dos resíduos.

 

Referências

1. Turnberg WL. Infectious waste disposal. J Environ Health 1991; 53:21-5.        

2. Ferreira JA, Anjos LA. Aspectos de saúde coletiva e ocupacional associados à gestão dos resíduos sólidos municipais. Cad Saúde Pública 2001; 17:689-96.        

3. Ferreira JA. Lixo domiciliar e hospitalar: semelhanças e diferenças. In: XX Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental [CD-ROM]. Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental; 1999.        

4. Instituto de Pesquisas Tecnológicas. Lixo municipal: manual de gerenciamento integrado. 2a Ed. São Paulo: Instituto de Pesquisas Tecnológicas/ Compromisso Empresarial para Reciclagem; 2000.        

5. Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR-12.807: Resíduos de serviços de saúde ­ terminologia. Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Normas Técnicas; 1993.        

6. Trabulsi LR, Toledo MRF. Microbiologia. 3a Ed. São Paulo: Editora Atheneu; 2002.        

7. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa nacional de saneamento básico. http://www.ibge.gov.br/ibge/estatistica/população/condiçãodevida/pnsb (acessado em Mai/2002).        

8. Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR-10.007: amostragem de resíduos sólidos. Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Normas Técnicas; 2004.        

9. Tchobanoglous G, Theisen H, Vigil SA. Integrated solid waste management ­ engineering principles and management issues. New York: McGraw-Hill; 1993.        

10. Rocha GHT. Identificação de resíduos potencialmente perigosos no resíduo sólido urbano [Dissertação de Mestrado]. Belo Horizonte: Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental, Escola de Engenharia, Universidade Federal de Minas Gerais; 2003.        

11. Belo Horizonte. Decreto n. 10.296/2000 da Secretaria Municipal de Governo. Aprova as diretrizes básicas e o regulamento técnico para apresentação e aprovação do Plano de Gerenciamento de Resíduos de Serviços de Saúde no Município de Belo Horizonte. Diário Oficial do Município de Belo Horizonte 2000; 14 jul.        

12. Superintendência de Limpeza Urbana. Relatório demonstrativo consolidado dos resíduos destinados. Ano 2003 e 2004. Belo Horizonte: Prefeitura Municipal de Belo Horizonte; 2004.        

13. Cussiol NAM, Lange LC, Ferreira JA. Resíduos de serviços de saúde. In: Couto RC, Pedrosa TMG, Nogueira JM, organizadores. Infecção hospitalar e outras complicações não-infecciosas da doença: epidemiologia, controle e tratamento. 3a Ed. Rio de Janeiro: Medsi Editora; 2003. p. 369-406.        

14. Brasil. Resolução da Diretoria Colegiada n. 306/ 2004 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Dispõe sobre o Regulamento Técnico para o Gerenciamento de Resíduos de Serviços de Saúde. Diário Oficial da União 2003; 5 mar.        

 

 

Correspondência
N. A. M. Cussiol
Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear
Comissão Nacional de Energia Nuclear
C. P. 941, Belo Horizonte, MG 30123-970, Brasil
cussiol@cdtn.br

Recebido em 09/Mai/2005
Versão final reapresentada em 08/Set/2005
Aprovado em 10/Out/2005

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