RESENHAS BOOK REVIEWS

 

 

Glória Inês Beal Gotardo
Instituto Fernandes Figueira, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil. gotardo@iff.fiocruz.br

 

 

DISCAPACIDAD: LO QUE TODOS DEBEMOS SABER. Amate AE, Vásquez AJ, editores. Washington DC: Organización Panamericana de la Salud; 2006. 194 pp.

ISBN: 92-75-31616-3

Amate & Vásquez, com propriedade, estruturam o livro Discapacidad: Lo que Todos Debemos Saber. Juntamente com outros colaboradores, transformam seus escritos em uma publicação científica e técnica com o apoio da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). O livro tem como tema central uma extrema preocupação e um verdadeiro alerta aos órgãos investidos de poder para a saúde da população e aos profissionais da saúde, no que se refere à incapacidade das pessoas para a vida social e para o trabalho.

É alarmante o dado da OPAS de que 85 milhões de pessoas na América Latina vivem com incapacidades, e destes, apenas 2% encontram soluções a seus problemas. Minimamente, esses dados precisam sensibilizar os profissionais da saúde e os governantes que têm a capacidade investida de modificar, transformar e até resolver os quadros de saúde de um país.

As tendências atuais, em função do aumento da violência, dos conflitos bélicos, dos acidentes, do abuso do álcool e drogas, do abandono de grupos sociais, da extrema pobreza e desnutrição e, também dos próprios fenômenos naturais, produzem índices cada vez maiores de pessoas que por força destes eventos tornam-se incapazes não só para o trabalho e para o estudo, mas para o próprio gerenciamento de sua qualidade de vida (saúde) e, sem mencionar detalhes dos deveres dos governantes para com estes cidadãos.

Ao longo da leitura, torna-se nítida a pertinente preocupação sobre elementos e intervenções para a manutenção da saúde. Com isso, o empenho em diminuir a carga social e econômica gerada pelos tratamentos prolongados, deficiências crônicas, aposentadorias precoces, e principalmente, perdas da população para a produção através do trabalho e na escolaridade devido à falta de preparo destas escolas.

A incapacidade também produz transtornos familiares, acarretando perdas, não apenas econômicas, mas sociais e psicológicas dos cuidadores que assistem a essas pessoas.

Esta obra nos oferece subsídios significativos para a prevenção da incapacidade das pessoas. Faz um alerta aos profissionais da saúde no sentido de demonstrar a imperiosa necessidade da responsabilidade profissional e social no que tange a prevenção e a recuperação do ser humano, ao menos na sua qualidade de vida (saúde), para a reinserção social e ao trabalho.

A obra sustenta a tese de que o investimento deve ser na atenção primária de saúde, nos sistemas locais e na qualidade de vida das pessoas acometidas em sua qualidade de vida (saúde) a partir da própria família, da comunidade e do poder público.

Inicialmente os autores descrevem uma retrospectiva histórica e a progressão dos estudos sobre conceitos abrangentes e apropriados ao estado atual das incapacidades de cada época. No passado as preocupações eram filantrópicas, a invalidez era uma característica pouco valorizada. Isso evoluiu gradativamente com a força da democratização política, do conhecimento e da própria pessoa acometida da incapacidade, determinando a incorporação do direito à reintegração social.

Atualmente as pessoas que apresentam incapacidade, nem todas, reivindicam da sociedade o direito à qualidade de vida e à igualdade de condições. Isso significa ter acesso igualitário aos serviços de saúde, educativos, ocupacionais e recreativos, bem como ter uma vida digna e de boa qualidade, e participar plenamente da sociedade contribuindo no desenvolvimento socioeconômico da comunidade onde vive. Reivindicando inclusive a garantia de vagas no mercado de trabalho.

No livro são apresentados de forma detalhada os conceitos gerais sobre incapacidades, as intervenções para a saúde, o acometimento e ações de prevenção ao funcionamento das estruturas corporais e, por fim, retrata a incapacidade dos grupos populacionais, especificamente crianças, adolescentes, adultos de modo geral e as enfermidades crônicas.

A visão dos autores é que os direitos humanos permitem considerar as pessoas com incapacidade como indivíduos que necessitam de serviços diferentes e especializados, para que possam usufruir de situações que os habilite a se desenvolverem plenamente como cidadãos ativos.

Para isso, as pessoas com as mais diversas incapacidades demandam o amparo do governo, do sistema de saúde, de sua família, da escola e dos companheiros de trabalho. Estes necessitam participar ativamente das decisões políticas e dos programas que envolvam questões para sua qualidade de vida (saúde).

Ao longo do texto estão claramente expostas questões pertinentes para que todas as pessoas com incapacidade tenham uma qualidade de vida aceitável.

Para isso, os autores requerem do sistema de saúde e da sociedade, ações de promoção de vida nas quais o que é considerado incapacitado seja ator do seu próprio desempenho e limite. A prevenção de incapacidades e recuperação funcional demandam uma carga imensa de responsabilidades a todos que de um modo ou outro são afetados (familiares, amigos, companheiros de trabalho e outros) da necessidade da tão valiosa reinserção social, ou seja, inclusão social. A reabilitação é um componente fundamental para a saúde publica. E denota indiscutivelmente, responsabilidade social.

Amate & Vásquez discutem apropriadamente a importância da reabilitação integral, as deficiências funcionais, em especial as motoras, e a qualidade de vida. Abordam a bioética, no sentido da responsabilidade de cada profissional da saúde, tanto na recuperação quanto nas seqüelas que podem surgir de atos bem intencionados porém acidentais que podem produzir iniqüidades, além daquelas às quais essas pessoas estão sujeitas diariamente. A importância para a reabilitação, e a mínima qualidade de vida do ser humano, está sob a responsabilidade das pessoas que se propõem à sua recuperação.

Descrevem minuciosamente como podem ser desenvolvidas as políticas de saúde para a prevenção, reabilitação e a integração, por meio dos conceitos atuais com base nas políticas de saúde sobre a prevenção dos fatores de risco, dos diversos processos possíveis da reabilitação, desde a participação familiar, comunitária e dos recursos tecnológicos.

Os autores transitam desde a prevenção à reabilitação sem a preocupação de ensinar técnicas. Analisam os dados disponíveis e nos apresentam a educação como o modo eficaz de modificar a situação que está aos nossos "olhos".

Apontam a limitação, ou a incapacidade das pessoas, e mais ainda, a perspicácia destas que conseguem, e sobrevivem por elas mesmas, com suas mais diversas peculiaridades, incapacidades e preocupações, apenas com a ajuda de suas famílias. Dependem quase que exclusivamente de orientações simples advindas de assistentes sociais conscientes de sua responsabilidade social e profissional, oferecendo as alternativas possíveis de busca própria aos serviços de saúde.

Nos capítulos que seguem, com extrema propriedade, realçam a importância dos enfermeiros, fisioterapeutas, médicos, enfim, todos os profissionais da saúde comprometidos e envolvidos com as intervenções de recuperação, bem como de auxilio e cuidados no tratamento competente de tecnologias inovadoras, eficazes e modernas para que se evite uma dependência ainda maior ou até mesmo uma incapacidade irreversível.

A reabilitação é tratada, nesta obra, com um conceito ampliado, humano e extremamente apropriado, para onde se desenrolam as circunstâncias de vida dos incapacitados, com preocupações em praticamente todos os aspectos que envolvem o ser humano. Os autores, nesta obra, têm se preocupado com uma escrita altamente filosófica, com o objetivo (penso eu) de fazer com que os profissionais e os órgãos formadores não permaneçam na "simplicidade e mesmice do tema". Não fogem em quase todos os parágrafos das questões culturais, às quais os incapacitados se vêem envolvidos. Essas duas linhas (filosófica e cultural) permeiam o livro. Isso faz dele uma obra prima, que tanto dos incapacitados ao mais graduado filósofo, antropólogo, sociólogo ou quem quer que tenha se proposto a estudar o mundo das incapacidades e dos incapacitados podem compreender e assimilar as iniqüidades existentes em nosso cotidiano, lamentável, por colaboração da ineficiência do Estado e dos órgãos instituídos em que a premissa é "nada, ou quase nada muda". O entorno de si mesmo (incapacitado), de sua família e da sociedade de modo geral que convivem com estes, nos sensibilizam ao ponto de não mais ser capaz de olhar o incapacitado com os mesmos "olhos".

Na última parte do livro, de modo didático e envolvente, os autores transitam por conceitos e marcos fundamentais da incapacidade nos grupos populacionais, proporcionando ao leitor a preocupação e a responsabilidade frente à incapacidade das pessoas que estão em nosso convívio social.

A visão dos autores é de que os direitos humanos permitem considerar as pessoas com incapacidades que necessitam de serviços diferentes e especializados para que possam usufruir de situações que as habilite a se desenvolverem plenamente como cidadãos ativos, dependem exclusivamente de decisões políticas amadurecidas, uma vez que estes além de improdutivos, geram altos custos aos cofres públicos.

Os autores nos apresentam conceitos e modos de tratar a reabilitação baseados na comunidade, e neste momento encontramos possibilidades de um trabalho efetivo e que nos fornece base para desenvolver novas formas de intervir e melhorar a qualidade de vida da pessoa incapacitada.

Para os casos de maior complexidade fica evidente a necessidade de cuidados apropriados e capacitados, tanto para os que providenciam o conforto físico, social e todas as necessidades básicas e ainda os que se preocupam com as funções motoras de seu desenvolvimento estudantil e da capacidade de atingir uma profissão e um auto gerenciamento de sua vida.

Na leitura, observamos que, com muita discrição, os autores não mencionam necessariamente a incapacidade mental. Bem sabemos que as seqüelas, as limitações referentes à incapacidade de estar estruturalmente apto psicologicamente produzem distúrbios que geram transtornos enormes no que tange a dependência de tecnologia medicamentosa, da companhia permanente e na maioria das vezes em suas próprias residências junto aos seus familiares. Estes por vezes deixam suas atividades laborativas para cuidar das pessoas com esse grau de incapacidade.

A incapacidade ainda é um elemento grave de desigualdade social.

Pode-se esperar uma obra prima, escrita em espanhol, e que se propõe a nos ofertar inúmeros questionamentos, mas também alternativas possíveis. Apresenta conhecimentos básicos, filosóficos, antropológicos e sociológicos para nos fornecer elementos e intervenções para manter a boa função da pessoa em seu meio social, que busca a atenção dos serviços de saúde.

Esta obra é capaz de nos "brindar" com incredulidade, espanto, tristeza e a imperiosa necessidade da responsabilidade profissional política e social.

A leitura parece obrigatória aos formadores de políticas públicas de saúde e às pessoas que investem em qualidade de vida (saúde) aos portadores de incapacidades, e aos que passam pela vida percebendo e sentindo os seres humanos, suas potencialidades e limitações.

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br