ARTIGO ARTICLE

 

Avaliando o conhecimento sobre pré-natal e situações de risco à gravidez entre gestantes residentes na periferia da cidade de Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brasil

 

Evaluation of knowledge on prenatal care and pregnancy risk among women living in a peripheral area of Rio Grande, Rio Grande do Sul State, Brazil

 

 

Raúl A. Mendoza-SassiI; Juraci A. CesarII, III; Eduardo F. UlmiIV; Patrícia S. ManoIV; Marinel M. Dall'AgnolII, III; Nelson A. NeumannV

IDepartamento de Medicina Interna, Universidade Federal do Rio Grande, Rio Grande, Brasil
IIDepartamento Materno-Infantil, Universidade Federal do Rio Grande, Rio Grande, Brasil
IIIPrograma de Pós-graduação em Epidemiologia, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, Brasil
IVUniversidade Federal do Rio Grande, Rio Grande, Brasil
VCoordenação Nacional da Pastoral da Criança, Curitiba, Brasil

Correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste artigo foi avaliar o conhecimento que gestantes têm sobre pré-natal e situações de risco à gravidez, todas residentes na periferia da cidade de Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brasil. Foi realizado estudo transversal com aplicação domiciliar de questionário-padrão a todas as gestantes residentes na periferia da cidade de Rio Grande, por entrevistadores previamente treinados. Investigaram-se características demográficas, condições sócio-econômicas e reprodutivas, bem como conhecimento sobre pré-natal e situações de risco à gravidez. Foram entrevistadas 367 gestantes, oriundas de uma amostra não aleatória. Com exceção do exame de urina e teste para HIV referidos espontaneamente como necessários, os demais procedimentos foram referidos por não mais do que 30% delas. Toque vaginal, exames de mamas e citopatológico de colo uterino foram referidos em, no máximo, 7%. Somente dois terços mencionaram sangramento vaginal e dores abdominais como sinais de gravidade. Os demais sinais e sintomas foram referidos por, no máximo, um terço delas. Conclui-se que o conhecimento de exames durante o pré-natal, bem como de situações que indicam gravidade, esteve muito aquém do desejado. A melhoria desse nível de esclarecimento pode contribuir para a redução da morbi-mortalidade materno-infantil.

Cuidado Pré-natal; Conhecimentos, Atitudes e Prática em Saúde; Saúde Materno-Infantil; Pobreza


ABSTRACT

The aim of this study was to assess knowledge on prenatal care and pregnancy risk among women in poor neighborhoods in the city of Rio Grande, Rio Grande do Sul State, Brazil. Data were collected using a cross-sectional design. A standard questionnaire was applied to all pregnant women from poor neighborhoods. Trained interviewers visited these women at home, covering demographic, socioeconomic, and reproductive data and knowledge concerning prenatal care and pregnancy risk factors. A total of 367 pregnant women were interviewed using non-random sampling. Except for urine tests and HIV testing, spontaneously reported as necessary, other procedures were reported by no more than 30% of the women. Digital vaginal examination, clinical breast examination, and Pap smear were reported by a maximum of 7% of the women. Only two-thirds felt that vaginal bleeding and abdominal pain were serious signs during gestation. Other signs and symptoms were reported by a maximum of one-third of the women. In conclusion, knowledge of prenatal tests and situations indicating serious risk fell far short of the desired levels. Improving this level of information in pregnant women could help reduce maternal and child morbidity and mortality.

Prenatal Care; Health Knowledge, Attitudes, Practice; Maternal and Child Health; Poverty


 

 

Introdução

Apesar de diversos programas e ações terem sido implementados no Brasil nas últimas décadas, a redução dos riscos à gravidez com conseqüente melhoria nos indicadores de saúde materna está longe de ser realidade 1. Entre essas implementações, destacam-se programas de aconselhamento à gravidez, com destaque para nutrição adequada, melhora da auto-estima, apoio social e redução de potenciais fatores de risco, como tabagismo, alcoolismo e drogas 2,3,4,5,6,7.

As ações têm sido, em geral, originadas de organismos governamentais. Por exemplo, por entender que, no cerne da assistência inadequada à gravidez, está a falta de conhecimento da mulher quanto aos seus direitos reprodutivos, o Ministério da Saúde implantou no ano 2000 o Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento (PHPN) 8,9,10. Com o PHPN e a progressiva difusão dos conhecimentos em saúde e educação nessa área, espera-se que a gestante, durante as consultas de pré-natal, rejeite a atitude passiva de aceitar somente o que lhe é oferecido em detrimento daquilo a que tem direito, resultando em um atendimento de melhor qualidade 8,11. Até o presente momento, a ênfase deste programa se dá nos procedimentos clínicos e laboratoriais que a gestante deve receber durante o pré-natal, enfocando também a identificação de situações de risco, que requerem a busca imediata de cuidados médicos 10. No entanto, pouco se sabe a respeito do conhecimento que a gestante tem sobre esse processo em si, ou seja, quanto conhece dos procedimentos necessários, ou a que tem direito, desde o início da gravidez até o pós-parto imediato. Tal conhecimento está intimamente ligado à essência do PHPN, uma vez que é base para, além de garantir parâmetros mínimos assistenciais para a gestante, educar e tornar, assim, a mulher mais partícipe, reduzindo, conseqüentemente, os índices de morbi-mortalidade materna.

Este artigo tem por objetivo avaliar o nível de conhecimento que gestantes residentes na periferia da cidade de Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brasil, têm sobre o pré-natal e sobre a identificação de situações de risco à gravidez. Pretende também comparar os resultados obtidos entre as respostas espontâneas e as respostas obtidas por estímulo para as diversas questões relacionadas ao tema.

 

Metodologia

O Município de Rio Grande tem em torno de 200 mil habitantes e dista cerca de 250km da fronteira com o Uruguai. A base da sua economia é a atividade portuária, destinada à exportação, ao comércio e à atividade pesqueira. O sistema público de saúde no município é constituído por dois hospitais com 600 leitos destinados ao SUS, três grandes ambulatórios de especialidades médicas e 32 postos de saúde onde atuam 17 equipes do Programa Saúde da Família. Em 2004, os coeficientes de mortalidade infantil e materna no município foram, respectivamente, de 19/mil e de 67/100 mil nascidos vivos.

Os dados aqui apresentados são provenientes de um estudo transversal realizado entre mulheres com até 16 semanas de gravidez residentes na periferia da cidade, as quais foram identificadas mediante visita a todos os domicílios de todos os bairros da área selecionada, entre os meses de agosto de 2004 e março de 2005. Terminado um bairro, passava-se a outro, e assim sucessivamente, até que todos tivessem sido visitados. Para fins de cálculo da amostra, foi estabelecido que seria necessário entrevistar um total de 385 gestantes, já incluindo 5% para perdas, caso se desejasse obter uma prevalência de 40% (± 5p.p.) para o desfecho desconhecimento de aspectos básicos dos cuidados de pré-natal, como, por exemplo, número mínimo de consultas a serem realizadas durante toda a gestação, doses de vacina antitetânica a serem recebidas e exames clínicos e laboratoriais a serem realizados.

Ao se chegar ao domicílio, perguntava-se se havia alguma mulher grávida. Em caso afirmativo, verificava-se se ela estava com, no máximo, 16 semanas de gestação; em seguida, solicitava-se à gestante permissão para aplicar o questionário.

Essa idade gestacional foi definida a fim de que essas mulheres fossem alocadas, posteriormente, para um estudo de intervenção sobre pré-natal na cidade. Havendo dúvida, o próprio entrevistador realizava teste na urina para confirmar ou não a gravidez. Caso desse positivo, o questionário era aplicado; sendo negativo, ele não era aplicado e solicitava-se que a mulher procurasse o serviço de saúde para ser avaliada pela equipe local. Posteriormente, o entrevistador retornava ao mesmo domicílio para saber se ela estava grávida ou não. Em caso positivo, aplicava-se o questionário.

Nesse questionário, foram investigados os seguintes dados a respeito da gestante: características demográficas (idade, cor da pele, estado civil), vida reprodutiva (total de gravidezes, número de filhos tidos vivos e mortos), conhecimento sobre pré-natal (número de consultas e doses de vacina antitetânica que uma gestante deveria realizar, tipos de exames laboratoriais e clínicos a que deveria ser submetida neste período e situações que indicam gravidade durante a gestação), nível sócio-econômico (renda familiar, escolaridade) e condições de habitação e saneamento (tipo de construção da moradia, número de compartimentos usados para dormir, tipo de sanitário, posse de eletrodomésticos, abastecimento de água tratada, conexão do domicílio à rede de esgoto). Em adição, elas foram pesadas e medidas para altura. As questões sobre conhecimento do pré-natal e situações que indicavam gravidade eram formuladas de forma tal, que pudesse ser avaliado o conhecimento espontâneo, sem mencionar as opções existentes. Assim, primeiro era formulada a pergunta e se aguardava a resposta da entrevistada, marcando as opções mencionadas. Em um segundo momento, aquelas opções não mencionadas na primeira vez eram então lidas pelo entrevistador.

Foram recrutados 12 entrevistadores com, pelo menos, o ensino médio completo e, se possível, com alguma experiência nesse tipo de trabalho. Eles foram treinados durante 40 horas visando à aplicação do questionário. Esse treinamento constou de leitura dos questionários e dos manuais de instruções, além de simulação de entrevistas. Em seguida, realizou-se estudo-piloto em três postos de saúde de área não incluída no estudo, com o objetivo de determinar a logística do estudo, treinar a abordagem da mulher durante a visita domiciliar e testar a aplicação do questionário. Após essa etapa, sete dos candidatos a entrevistador foram selecionados, sendo a mais experiente, graduada em serviço social, designada como supervisora da coleta de dados. Os demais foram recrutados para a coleta de dados, enquanto os não selecionados ficaram como suplentes para alguma substituição eventual.

De posse das áreas da cidade a serem visitadas, bem como da seqüência em que as visitas deveriam ocorrer, deu-se início ao trabalho de campo em tempo integral. Ao final de cada dia de trabalho, o entrevistador codificava os questionários que havia aplicado e, durante reunião semanal com os coordenadores do estudo, ocasião em que era avaliado o trabalho realizado, eram dirimidas todas as dúvidas e estabelecido o cronograma de coleta de dados da semana seguinte. A seguir, o entrevistador repassava os questionários à revisão e codificação de questões abertas, os quais eram, posteriormente, duplamente digitados através do programa Epi Info 6.04 (Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta, Estados Unidos).

A análise estatística consistiu basicamente da categorização de variáveis e obtenção de listagem de freqüências, procedimentos realizados através do programa Stata 7.0 (Stata Corp., College Station, Estados Unidos). O controle de qualidade foi realizado através da revisão dos questionários por parte de um componente da equipe central e da repetição parcial de 10% das entrevistas pelas supervisoras do trabalho de campo. Verificou-se, mediante a utilização do índice kappa de concordância, que não houve diferenças importantes entre as informações obtidas pelos entrevistadores e pelas supervisoras ou coordenador do estudo.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEPAS) da Universidade Federal do Rio Grande (FURG).

 

Resultados

Foram identificadas 369 gestantes com até 16 semanas de gestação, dentre as quais 367 foram entrevistadas. Dados referentes a características demográficas e sócio-econômicas são apresentados na Tabela 1. Cerca de um quarto das gestantes era constituído de adolescentes (menos de 20 anos de idade) e pouco mais de 20% tinham 30 anos ou mais de idade; a idade média foi de 24,6 anos (desvio padrão = 6,9); 28% delas eram de cor da pele parda ou preta; 20% viviam sem companheiro; 3% não sabiam ler nem escrever e, para 20% delas, a escolaridade era de, no máximo, quatro anos; uma em cada quatro tinha renda familiar inferior a um salário mínimo mensal; cerca de um quarto vivia em casas construídas com outros materiais que não tijolos, 5% e 12% não tinham, em seus domicílios, água encanada e sanitário com descarga, respectivamente.

A Tabela 2 diz respeito à vida reprodutiva prévia e alguns aspectos relativos ao conhecimento das gestantes entrevistadas em relação ao pré-natal. Pouco mais de um terço não tinha filho; dentre as que tiveram, 8% já tiveram ao menos um filho morto, cerca de dois terços das gravidezes ocorreram na adolescência; 36% delas já tiveram pelo menos um aborto, sendo 31% espontâneos e 5% provocados. Em relação ao conhecimento sobre pré-natal, a grande maioria (95%) disse saber da sua utilidade, mas somente 41% delas afirmaram que uma mulher deveria ir ao médico no primeiro mês de gravidez. A quase totalidade (96%) disse que toda gestante deveria realizar pelo menos seis consultas durante todo o pré-natal. Ainda nesta mesma tabela, verifica-se que somente 28% sabiam quantas doses de vacina antitetânica deveriam receber.

A Tabela 3 mostra o conhecimento na forma espontânea e induzida das gestantes sobre exames laboratoriais no período gestacional. Considerando apenas respostas espontâneas, 81% delas afirmaram que toda gestante deveria realizar exame de sangue; dois terços, exames de urina e HIV; um terço, ultra-sonografia; entre 15% e 17%, exames para detecção de diabetes, sífilis, e hepatite. Somente 6% afirmaram que, durante o pré-natal, a gestante deveria realizar citopatológico de colo uterino. Ao se induzirem as respostas, ou seja, perguntar sobre a necessidade de realização de cada um dos exames acima mencionados, os percentuais aumentaram substancialmente. No entanto, algumas delas disseram que muitos desses exames não deveriam ser realizados durante o pré-natal.

Em relação ao exame clínico durante a gravidez (Tabela 4), observou-se padrão semelhante de respostas. Por exemplo, de forma espontânea, somente 33% das gestantes afirmaram que durante a gravidez a gestante deveria ter sua pressão verificada; para 28% o peso deveria ser medido e para 36% o coração do bebê deveria ser auscultado. Somente 7% das entrevistadas referiram a necessidade de realizar toque vaginal ou exame das mamas durante as consultas de pré-natal. Ao se induzir, o percentual de respostas positivas aumentou drasticamente, exceto para toque vaginal, caso em que quase metade delas disse que o mesmo não deveria ser realizado durante a gravidez; além disso, 12% afirmaram não ser necessária a realização de exame de mamas.

A Tabela 5 refere-se a sinais e sintomas que indicam gravidade no período gestacional. Na forma espontânea, cerca de dois terços delas afirmaram que sangramento vaginal, dores abdominais intensas ou contrações fortes eram motivos para busca imediata de cuidados médicos; menos da metade (46%) afirmou que a ruptura da bolsa indicava situação de gravidade; entre 21% e 26% mencionaram que perda de líquido amniótico ou do tampão mucoso e hipertensão arterial sistêmica requeriam a necessidade imediata de cuidados médicos. Por fim, somente uma em cada dez afirmou que a parada dos movimentos fetais indicariam gravidade no período gestacional. Ao induzir as perguntas, o padrão de respostas positivas aumentou substancialmente, no entanto percentual expressivo de todas as gestantes continuou não reconhecendo algumas destas situações como indicativas de risco gestacional.

 

Discussão

O conhecimento que as gestantes incluídas neste estudo têm sobre pré-natal e risco gestacional mostrou-se pobre e desigual em termos de seus componentes. A maioria das mulheres tem conhecimento do número mínimo de consultas que uma gestante deveria realizar durante todo o pré-natal, no entanto poucas afirmaram categoricamente que essas consultas deveriam iniciar no primeiro mês de gravidez. Ao serem questionadas sobre os exames laboratoriais e procedimentos clínicos a que deveriam ser submetidas no período gestacional, as respostas corretas na forma espontânea foram escassas. A situação se corrigiu quando a entrevistada era estimulada a responder mediante a menção de cada um dos exames laboratoriais ou procedimentos clínicos.

Por ser um estudo que abordou o tema somente entre mulheres que tinham uma condição sócio-econômica precária, seus resultados não representam a totalidade das gestantes da cidade ou município. Mas justamente por esse motivo é relevante, visto que destaca o conhecimento existente sobre o assunto entre aquelas que apresentam os maiores riscos de complicação durante a gravidez e de terem filhos nascidos com baixo peso ou prematuros. Como conseqüência, essas crianças apresentam riscos substancialmente maiores de adoecer e morrer no primeiro ano de vida 12.

É importante ressaltar que o conhecimento adquirido pela gestante está relacionado à sua satisfação com os cuidados recebidos durante pré-natal anterior 13. Portanto, isso pode afetar os resultados aqui apresentados de forma positiva, se a experiência prévia foi boa, ou negativamente, se os cuidados recebidos ficaram aquém do desejado.

Os resultados deste estudo são inquietantes, uma vez que as gestantes que mais precisariam de informação e educação em saúde apresentam conhecimento pobre quanto ao pré-natal e a situações de risco no período gestacional.

O PHPN tem por objetivo reduzir a morbi-mortalidade materno-infantil, além de facilitar o acesso ao pré-natal e à assistência ao parto e ao puerpério, aumentar a cobertura e melhorar a qualidade destes. Um estudo que avaliou recentemente os resultados do PHPN no Brasil mostrou uma cobertura muito baixa e indicadores de processo entre as mulheres por ele assistidas muito aquém do esperado 14.

Os resultados obtidos no presente estudo, se consideradas apenas as respostas espontâneas, mostram uma realidade comprometedora, consistente com os resultados da avaliação antes mencionada, pois uma pequena proporção das gestantes entrevistadas conhecia os procedimentos a serem realizados durante o pré-natal. O esclarecimento que a mulher tem a respeito dos seus direitos reprodutivos é um dos pilares do PHPN, e é justamente esse conhecimento que deve garantir uma participação ativa da mulher durante todo processo de atenção no pré-natal. Este estudo mostra a clara necessidade de o PHPN interagir mais com a mulher, produzindo um processo real de educação.

Quem pode, então, trabalhar a educação da gestante? O Ministério da Saúde preconiza, corretamente, que isso deva ser realizado nas unidades básicas de saúde (UBS) onde ela se consulta. Por esta razão, os serviços de saúde devem, além de prestar assistência a ela, atuar como promotores da educação em saúde. Mas é sabido que nem sempre isso ocorre. Um estudo que avaliou a qualidade do pré-natal nas UBS mostrou que apenas uma pequena proporção de mulheres realiza todos os procedimentos necessários nesses locais 15. Logo, fica claro que a educação não é adequadamente realizada dentro das UBS, o que leva, por exemplo, o agente comunitário de saúde ou o líder da Pastoral a prestar esclarecimentos durante suas visitas domiciliares. Dessa forma, tanto o serviço de saúde quanto as mães ganham mais uma oportunidade de intervenção.

Essas ações devem ser inseridas dentro da Estratégia de Saúde da Família, já que é a proposta que considera o ser humano, e a gestante em particular, como sujeito ativo da promoção e prevenção da sua própria saúde, aspectos-chave para obter algum impacto em educação em saúde.

Ao se realizar uma análise mais detalhada da situação encontrada, alguns pontos relacionados ao conhecimento das gestantes merecem particular atenção. O Ministério da Saúde preconiza que seja realizada ao menos uma consulta a cada quatro semanas até a 36ª semana de gestação e, após este período, uma consulta semanalmente até o momento do parto 10. Isso representa um mínimo de nove consultas no período gestacional. No caso da Organização Mundial da Saúde, a meta estipulada é de quatro consultas 16.

No grupo estudado, 81% afirmaram que durante todo o pré-natal deveriam ser realizadas ao menos nove consultas; 85% opinaram que dever-se-iam iniciar tais consultas no primeiro mês ou tão logo soubessem da gravidez. Neste aspecto, os resultados encontrados são alentadores.

Todavia, o conhecimento sobre os procedimentos a serem realizados gera preocupação. Enquanto apenas 7% das entrevistadas responderam espontaneamente que o toque vaginal deveria ser realizado durante o pré-natal, 47% responderam que não. Apesar de eficaz, este foi pouco valorizado pelas gestantes. Outro procedimento que também deveria ser de rotina, mas foi mencionado espontaneamente em apenas 7% dos casos, é o exame de mamas, fácil de executar e que deve fazer parte da rotina de qualquer exame físico da mulher, independentemente do tipo de consulta. Com respeito ao exame citopatológico do colo uterino, este não é um procedimento de rotina no pré-natal, porém, por sua importância para a saúde da mulher, deveria ser realizado em virtude da oportunidade criada pela sua visita ao serviço de saúde 10. Neste estudo, apenas 6% das gestantes afirmaram espontaneamente que é necessário realizá-lo durante o pré-natal.

O escasso conhecimento que as gestantes pobres têm sobre determinados exames e procedimentos do pré-natal, aqui encontrado, adquire expressão quando se analisa a eqüidade existente nos cuidados ao pré-natal oferecidos pelos serviços de saúde. É o que mostram alguns estudos que avaliaram este aspecto e que encontraram, de forma consistente, uma menor proporção de gestantes com exames ginecológico e de mamas, entre outros, realizados nos grupos mais pobres 17,18.

Contrastando com esses dados, praticamente todas as gestantes disseram que o ultra-som é um exame necessário, considerando tanto as respostas espontâneas, quanto as induzidas. Trata-se, portanto, de um exame altamente desejado entre as gestantes estudadas, tendo sido expresso por elas.

A ultra-sonografia obstétrica é indicada quando há suspeita de alguma patologia e na determinação da idade gestacional, sobretudo entre a 20ª e a 30ª semana de gestação. A partir desta idade, em virtude de o bebê ganhar peso muito rapidamente, os erros no cálculo da idade gestacional são freqüentes, em geral superestimando a idade do bebê, o que leva o médico, sobretudo os menos experientes, a induzir o parto ou a realizar cesariana. O resultado dessa intervenção desnecessária é o nascimento de bebês prematuros, com conseqüente aumento da morbi-mortalidade infantil, conforme identificado em estudo de coorte realizado na cidade de Pelotas, município vizinho 19.

Os achados deste estudo evidenciam, então, a necessidade de intensificar o processo educativo entre as gestantes, permitindo, assim, que o conhecimento sobre a atenção no pré-natal seja mais adequado e difundido. Essa ação diminuiria a assimetria na relação gestante-serviço de saúde e melhoraria a qualidade da atenção com conseqüente impacto sobre a morbi-mortalidade materno-infantil, sobretudo no período perinatal.

 

Colaboradores

R. A. Mendoza-Sassi e J. A. Cesar foram responsáveis pelo planejamento do estudo, pela análise dos dados e pela redação do artigo. E. F. Ulmi e P. S. Mano colaboraram na coleta dos dados e nas análises. M. M. Dall'Agnol e N. A. Neumann participaram da definição do delineamento do estudo e da redação do artigo.

 

Agradecimentos

Estudo financiado pela Pastoral da Criança, pelo Fundo das Nações Unidas para Infância e Adolescência (UNICEF) e pelo Programa Criança Esperança da Rede Globo de Televisão.

 

Referências

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Correspondência:
R. A. Mendoza-Sassi
Departamento de Medicina Interna
Universidade Federal do Rio Grande
Rua Dr. Pedro Armando Gatti 99
Rio Grande, RS 96216-080, Brasil
dmiraul@furg.br

Recebido em 12/Set/2006
Versão final reapresentada em 23/Mar/2007
Aprovado em 04/Abr/2007

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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