FÓRUM FORUM

 

Fórum. Envelhecimento populacional e as informações de saúde do PNAD: demandas e desafios contemporâneos. Posfácio

 

Forum. Population aging and health information from the National Household Sample Survey: contemporary demands and challenges. Postscript

 

 

Alexandre Kalache

Ageing and Health Programme, World Health Organization, Geneva, Switzerland

Correspondência

 

 

Comparado com até poucos anos, está menos difícil envelhecer no Brasil neste início de século. As razões são diversas.

Em primeiro lugar não há dúvida de que estamos envelhecendo – e rapidamente. Estamos vivendo mais. A expectativa de vida não só das crianças mas de todos os grupos etários aumentou significativamente nas últimas décadas. Por exemplo, a expectativa de vida ao nascer, que pouco tinha aumentado na primeira metade do século passado, cresceu extraordinariamente nas últimas décadas. Como exemplo, permito-me ser bem pessoal. Quando nasci, em 1945, a expectativa de vida ao nascer mal chegava aos 43 anos. Era só um pouco maior que 50 anos antes, ao nascer meu avô, porém 30 anos menor que hoje. Igualmente extraordinário é o fato de meu avô ter tido 17 irmãos e irmãs que, em média, tiveram oito filhos (geração de meus pais), que por sua vez geraram uma média de quatro (minha geração), que ficou nos dois filhos. Estes, embora estejam com a mesma idade em que minha avó já tinha quase completado sua grande família, hoje mal consideram a perspectiva de casamento, que dirá a de procriar. Como resultado, o número médio de filhos de uma mulher ao final de sua vida reprodutiva no Brasil caiu vertiginosamente, de seis, na década de 1970, para em torno de dois, hoje, ou seja, uma queda de dois terços no espaço de praticamente uma geração.

Portanto, os primeiros obstáculos foram vencidos. Estamos vivendo mais e a proporção de idosos vem aumentando ano após ano como reflexo não só de vidas mais longas, mas, sobretudo, da entrada de menos crianças na população. Uma transição demográfica rápida e irreversível num contexto de profundas transformações sociais.

Está menos difícil envelhecer no Brasil hodierno porque há muito mais reconhecimento social de que o Brasil já não é um país jovem e de que políticas sensatas, sustentáveis e mais igualitárias são imprescindíveis. Até muito recentemente, a mídia dava pouca atenção ao envelhecimento populacional. Agora não há semana em que algum artigo de peso não seja publicado, ou se saiba de um debate na televisão ou de entrevistas no rádio. O tema ganha também espaço crescente nos meios eletrônicos de comunicação.

Mais reconhecimento social gera mais interesse, desencadeando um ciclo virtuoso. O resultado final é a resposta que tem tido o setor público. As pressões da sociedade civil e da opinião pública fizeram com que o Brasil disponha hoje de um excelente Estatuto do Idoso que, se posto em prática em sua íntegra, garantirá qualidade de vida a milhões de cidadãos que, em grande parte, permanecem excluídos da sociedade mesmo atualmente.

Algumas conquistas já são notáveis. As pensões não contributivas, que atendem a mais de seis milhões de idosos, têm um impacto social muito além do benefício direto a estes "aposentados", situados entre os brasileiros mais pobres, a maioria vivendo em zonas rurais. São os que trabalharam como camponeses, sem direitos trabalhistas, no sistema informal da economia. Beneficiam-se dessas pensões, mesmo não tendo contribuído para o sistema de seguro social.

Por mais que pequena, essa pensão é com freqüência a única fonte regular de renda de toda a família. Com ela compram alimentos, medicamentos e roupas para todos na casa. Ainda mais importante, tais pensões funcionam como microfinanciamentos. Permitem acesso ao crédito pela primeira vez na vida. Dão um sentido de dignidade e auto-estima nunca antes sonhado. Hoje, mais de dois mil municípios no Brasil – os mais pobres – têm suas economias gravitando em torno dessas pensões não contributivas. Cerca de 25 milhões de brasileiros passaram para o lado certo do limiar da pobreza absoluta em função das pensões, por baixas que possam parecer a outros brasileiros pertencentes aos 10%, aos da "elite".

Outras conquistas sociais com certeza se seguirão. A prova é que pela primeira vez envelhecimento passou a ser uma prioridade do Governo Federal – como ilustra notavelmente o Ministério da Saúde por intermédio de seu atual programa de ação. Hoje há políticos cujas carreiras tiveram como alicerce o voto do idoso. Estão, é claro, sob escrutínio.

Finalmente, está menos difícil envelhecer hoje no Brasil porque há mais qualidade de informação disponível, mais profissionais talentosos trabalhando na área e pesquisadores de alto gabarito se dedicando ao tema. Testemunho disso são os três artigos publicados na seção Fórum desta edição de Cadernos de Saúde Pública. São trabalhos de qualidade que se somam a uma produção científica de peso, contribuindo decisivamente para que o Brasil tenha se firmado nos últimos anos como uma potência emergente também na área de Gerontologia. Afinal, há dois anos o Brasil acolheu o Congresso da Associação Internacional de Gerontologia, abrigando a partir daí o secretariado e a sede da instituição.

Embora muito venha sendo feito, ainda há muito a ser construído, e por muitos anos. Temos um desafio crucial pela frente: criar condições econômicas e sociais que permitam uma mínima qualidade de vida aos idosos. Estamos falando em causa própria. Somos adultos hoje, idosos amanhã. Não será fácil. Não existem modelos facilmente disponíveis. Os países desenvolvidos primeiro enriqueceram e depois envelheceram. Países como o Brasil estão envelhecendo antes de serem ricos.

No entanto, há marcos conceituais de importância. De um lado, os Princípios das Nações Unidas para as Pessoas Idosas; de outro, o Plano Internacional do Envelhecimento, decorrente da Assembléia Mundial de Madri, em 2002. E há o marco conceitual da Organização Mundial da Saúde (OMS) intitulado Envelhecimento Ativo, contribuição mais importante da OMS para a Assembléia de Madri. Nele, o envelhecimento ativo é definido como "o processo de otimização das oportunidades para a saúde, participação e segurança com o objetivo de melhorar a qualidade de vida à medida que se envelhece". Esse processo é de importância fundamental. Todos querem envelhecer, mas com boa saúde, para poder continuar participando da vida em sociedade. É preciso implantar, todavia, sistemas que garantam segurança também aos mais pobres e vulneráveis. Apesar dos progressos apontados, nossas carências ainda são enormes em relação a esses três pilares do "envelhecimento ativo": saúde, participação e segurança.

Essa abordagem do envelhecimento ativo por parte da OMS abraça também as perspectivas dos determinantes sociais da saúde, como detalhado no documento disponível no site da OMS e, em sua versão em português, no endereço eletrônico do Ministério da Saúde. Um exemplo de como tais perspectivas são traduzidas na pratica pela OMS é o projeto "cidades amigas dos idosos". Tendo como modelo o estudo pioneiro implantado em 2005 em Copacabana, o projeto foi estendido simultaneamente a 35 cidades – como Buenos Aires, Genebra, Istambul, Londres, Melbourne, México, Moscou, Nairobi, Nova Déli, Nova Iorque, Xangai e Tóquio –, culminando com o lançamento do Guia das Cidades Amigas do Idoso no Dia Internacional das Pessoas Idosas de 2007. A exemplo desta iniciativa, a OMS tem desenvolvido várias outras, igualmente intersetoriais – em áreas tão diversas como a prevenção do maltrato e do abuso contra o idoso; a estratégia global para prevenção de quedas na velhice; as questões de gênero relacionadas à saúde e envelhecimento; a promoção de um currículo mínimo em gerontologia na Educação Médica; as questões relacionadas aos idosos em situações de crise e emergências; os determinantes do envelhecimento saudável – gerando uma agenda a ser continuada por anos mediante parceiras em que o Brasil devera continuar a ter uma posição de destaque. Assinale-se aqui a ênfase dada pela OMS ao fortalecimento da Atenção Primária à Saúde como o enfoque principal para o desenvolvimento de sistemas de saúde mais igualitários e de abrangência universal. Em qualquer país a imensa maioria dos idosos vive na comunidade e aí devem ter seus problemas de saúde gerenciados. Falhando esse processo, as condições se deterioram e as conseqüências são maiores pressões para a institucionalização, que não interessa nem ao idoso nem tampouco a quem paga por tais cuidados institucionais, seja o setor publico, seja o indivíduo, ou ainda o seguro privado.

Os três artigos ora publicados assinalam que já está realmente menos difícil envelhecer no Brasil. Indicam em seu conjunto que os níveis de saúde dos idosos estão, pouco a pouco, melhorando, que o acesso a serviços sanitários está mais abrangente e que o nível de satisfação com os mesmos segue mais alto que anteriormente. Mas há ainda muito mais a ser feito. Sobreviver foi o grande desafio do século XX. O deste século incipiente será garantir qualidade de vida àqueles que sobreviveram. Para tal será necessário um esforço conjunto de toda a sociedade – não só do setor público e das agências não governamentais, mas também do setor privado – permitindo que a contribuição dos idosos seja ao mesmo tempo facilitada, reconhecida e recompensada.

É imprescindível nos prepararmos para uma realidade iminente na qual dos 9% da população atual com mais de 60 anos passaremos ao dobro em menos de 20 anos. Não há tempo a perder.

 

 

Correspondência:
A. Kalache
Ageing and Health Programme
World Health Organization
1211 Geneva 27, Switzerland
kalachea@who.int

Recebido em 13/Ago/2007
Aprovado em 14/Ago/2007

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br