RESENHAS BOOK REVIEWS

 

 

Elaine Ferreira do Nascimento

Instituto Fernandes Figueira, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil. elaine@iff.fiocruz.br

 

 

PÚBLICO E PRIVADO NA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE NO BRASIL. Menicucci TMG. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2007. 320 pp.

ISBN: 978-85-7541-138

Telma Maria Gonçalves Menicucci é cientista social e doutora em Ciências Humanas, Sociologia e Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Seu livro - que foi originalmente uma tese de doutorado pela UFMG, com menção honrosa conferida pela Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS) - busca analisar com base em uma perspectiva histórica, a trajetória da política de saúde do Brasil, traçando um percurso que envolve quatro décadas, indo desde os anos de 1960 até os de 1990. O cenário retratado pela autora é de fundamental importância para se compreender os desdobramentos que se deram e têm se dado no setor saúde na contemporaneidade. A análise empreendida por Menicucci é de uma riqueza ímpar, pois nos propicia o conhecimento necessário para uma contextualização que vai desde o avanço neoliberal até os processos de regulação. Toda essa produção acadêmica se apresenta de forma mais do que satisfatória pelo incansável trabalho empírico realizado pela autora, que foi a leitura exaustiva de documentos da área num período compreendido entre os anos de 60 aos de 80; análise do processo político por meio de fontes bibliográficas, dados de informações do Congresso Nacional acerca de três processos decisórios fundamentais, tais como: o processo constituinte, a regulamentação dos planos privados de saúde e a aprovação da Emenda Constitucional nº. 29; entrevistas com atores representantes de diferentes setores, segmentos e interesses vinculados ao processo, além de documentos de diferentes origens e publicações oficiais.

Assim, o livro tem como proposta explicar a constituição do formato institucional híbrido ou dual da assistência à saúde no Brasil baseando-se em um mix entre um sistema público e um sistema privado, que coexistem, configurando, portanto, diferenciadamente questões referentes a acesso, financiamento e produção de serviços. Para a autora, ao discutirmos a implantação do SUS, se faz necessário compreender alguns elementos relevantes para a apreensão do conjunto que vem conformando e consolidando parte da história dos atores e dos processos sócio-políticos em nosso país. Ou seja, o processo pelos quais vários atores sociais importantes participaram para a construção e posterior implantação do SUS tem a ver com escolhas e projetos anteriores adotados por sujeitos políticos outros. De acordo com Menicucci, a incorporação da análise histórica ao estudo da política de saúde permite iluminar o fato de que os sujeitos expressivos em posição de mando ou decisão, em cada momento histórico, operaram em um ambiente condicionado por políticas do passado que não apenas institucionalizaram práticas e regras, mas também constituíram diferentes atores.

O livro foi organizado em seis capítulos. Os cinco primeiros - que grandes capítulos! - são apresentados com base em um nível de complexidade, aprofundamento e ao mesmo tempo uma atualidade para se compreender o processo de implantação do SUS e os seus desdobramentos, que só uma pesquisadora de muita competência acadêmica e com muito estofo pudesse dar conta. O sexto capítulo procura sistematizar o conjunto das conclusões que o estudo alcança.

No capítulo 1, a autora desenvolve a análise da trajetória da assistência à saúde, enfatizando o aspecto da relação público/privado. O fio condutor para tal argumento é a identificação dos processos que são conseqüências da política definida nos anos 60. Nesse capítulo a autora defende que os legados das políticas de saúde são frutos de desenhos de políticas preestabelecidas e que condicionaram o processo de reformulação das políticas num período que perdura do processo de constituinte à implantação da reforma.

No capítulo 2, a autora analisa a constituição do mix privado/público na assistência à saúde, enfocando as decisões governamentais, com vistas à expansão da assistência. A configuração institucional e política decorrente de uma seqüência de decisões fornece a chave para a interpretação da trajetória posterior e dos limites que vão estabelecer para a reforma sanitária a partir dos anos de 1980. Com foco nas políticas de saúde prévias, que têm como característica a existência de um sistema dual, ou seja, composto por um segmento público formalmente universal e um setor privado autônomo com forte processo de institucionalização e regulação, tendo como efeito opções governamentais, como por exemplo, a compra de serviços privados para expansão da assistência pública resultando em baixo desenvolvimento das capacidades estatais para a produção de serviços de saúde compatíveis com a demanda da cobertura pública.

No capítulo 3, a autora faz um corte na análise da trajetória da política de saúde e focaliza a gênese e a expansão das formas privadas de assistência à saúde, em grande parte, em razão de incentivos e escolhas governamentais. Intitula o capítulo de As Formas Privadas de Assistência à Saúde: Desenvolvimento e Características, sendo uma delas a consolidação e o fortalecimento do setor privado, este como conseqüência direta da expansão das formas privadas de assistência. Esse processo é moldado na arena dos jogos de disputas de conflitos e interesses entre os diversos atores que irão influenciar diretamente as decisões governamentais, ou seja, as políticas de saúde passam a estruturar os interesses e também a direcionar as estratégias políticas de grupos que se beneficiam de tais ações.

No capítulo 4, a autora retoma a análise da trajetória da política relativa à assistência à saúde a partir de meados da década de 70, dando ênfase à sua definição baseando-se na Constituição Federal de 1988. Problematiza aspectos também conjunturais, como o cenário político com o processo de redemocratização do país, por um lado, e a falência ou crise da política de saúde com a não manutenção do financiamento do modelo de assistência por outro. Todo esse processo gera tensões e disputas por hegemonia, num contexto fortemente político que culmina no processo de mudanças jurídico-institucionais de caráter ambíguo e de certa forma contraditório.

No capítulo 5, a autora discute o processo de constituição de uma política regulatória voltada para o segmento à assistência privada, consagrando a dualidade do sistema de assistência à saúde no país, com a introdução formal da assistência privada na política de saúde.

O capítulo 6 é a apresentação de uma síntese das principais conclusões a que o trabalho chega num processo que articula evidências históricas com argumentos analíticos, fornecendo uma explicação para as contradições da política de saúde brasileira.

Os desdobramentos que culminaram no processo de desenvolvimento da política de saúde no Brasil são frutos, não numa perspectiva linear, mas dialética, da própria modelagem institucional da prestação de assistência à saúde no Brasil, caracterizada, desde seus primórdios por formas híbridas, com justaposição ou articulação de mecanismos privados e públicos.

Assim, o livro de Menicucci se torna obrigatório, não apenas por se tratar de um cuidadoso trabalho investigativo sobre análise da política de assistência à saúde no Brasil, ou mesmo por se tratar de uma revelação dos bastidores das arenas políticas e, conseqüentemente, de seus atores e suas relações neste processo, ou seja, organizações, grupos de interesses, contextos macropolíticos (neoliberalismo), micropolíticos (redemocratização/reforma sanitária) mas, por brilhantemente nos brindar com aspectos e assertivas que nos levam a refletir sobre a perspectiva dialética em que as políticas de saúde podem ser vistas tanto como frutos da ação política, como podem ser eixos para explicar os desenvolvimentos políticos e seus desdobramentos, acarretando escolhas e traçando rotas.

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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