ARTIGO ARTICLE

 

Freqüência de hábitos saudáveis de alimentação medidos a partir dos 10 Passos da Alimentação Saudável do Ministério da Saúde. Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil

 

Frequency of healthy eating habits measured by the 10 Steps to Healthy Eating score proposed by the Ministry of Health. Pelotas, Rio Grande do Sul State, Brazil

 

 

Daniele Botelho VinholesI; Maria Cecília Formoso AssunçãoI,II; Marilda Borges NeutzlingI,II

IFaculdade de Medicina, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, Brasil
IIFaculdade de Nutrição, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, Brasil

Correspondência

 

 


RESUMO

O presente estudo tem o objetivo de medir a freqüência e fatores associados ao hábito saudável de alimentação por meio da observação da adesão aos 10 Passos para uma Alimentação Saudável propostos pelo Ministério da Saúde, na população adulta da cidade de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil. Foi realizado um estudo transversal de base populacional com amostragem por conglomerados, no qual foram entrevistados 3.136 adultos residentes em Pelotas. A freqüência de cada passo da alimentação saudável foi coletada por intermédio de perguntas elaboradas com o objetivo de avaliar a execução do que foi preconizado em cada passo. A análise dos dados consistiu de análise descritiva, seguida de análise bivariada usando-se o teste qui-quadrado. Apenas 1,1% da população segue todos os passos recomendados. O número médio de passos realizados foi seis. O passo que apresentou maior freqüência de realização foi o 4, relativo ao consumo de sal; e o que apresentou menor freqüência foi o 9, relativo à prática de atividade física. O conhecimento dos hábitos alimentares na população e sua distribuição conforme variáveis demográficas e sócio-econômicas são importantes para orientar estratégias locais e nacionais, a fim de promover hábitos saudáveis de alimentação e conseqüente melhoria da qualidade de vida.

Hábitos Alimentares; Dieta; Adultos


ABSTRACT

This study aimed to measure frequency of healthy eating habits and associated factors using the 10 Steps to Healthy Eating score proposed by the Ministry of Health in the adult population in Pelotas, Rio Grande do Sul State, Brazil. A cross-sectional population-based survey was conducted on a cluster sample of 3,136 adult residents in Pelotas. The frequency of each step to healthy eating was collected with a pre-coded questionnaire. Data analysis consisted of descriptive analysis, followed by bivariate analysis using the chi-square test. Only 1.1% of the population followed all the recommended steps. The average number of steps was six. Step four, salt intake, showed the highest frequency, while step nine, physical activity, showed the lowest. Knowledge of the population's eating habits and their distribution according to demographic and socioeconomic variables is important to guide local and national strategies to promote healthy eating habits and thus improve quality of life.

Food Habits; Diet; Adult


 

 

Introdução

No Brasil, assim como em outros países, o sobrepeso e a obesidade vêm crescendo aceleradamente. Paralelamente, a prevalência de doenças crônicas não-transmissíveis vem aumentando 1 e entre as principais causas destas doenças está a alimentação inadequada. Sendo assim, os países economicamente desenvolvidos, bem como a maioria dos países em desenvolvimento, estão atualmente definindo estratégias para o controle de doenças crônicas não-transmissíveis, sendo uma destas a promoção da alimentação saudável.

Em 2002, a Organização Mundial da Saúde (OMS) elaborou um manual chamado Estratégia Mundial sobre Alimentação Saudável, Atividade Física e Saúde. Trata-se de um trabalho de prevenção para grupos populacionais de todo o mundo, que foi desenvolvido em 2002 e divulgado em 2004, com o objetivo de apresentar os conhecimentos científicos disponíveis sobre as principais evidências ligando dieta, atividade física e doenças crônicas não-transmissíveis 2. Essa estratégia já ajudou na redução de algumas dessas doenças em países como Finlândia, Cingapura e Japão 1.

No Brasil, uma das ações adotadas pelo Ministério da Saúde em acordo com a proposta dessa estratégia foi a elaboração dos 10 Passos para a Alimentação Saudável 3. Essa ação consta no Plano Nacional para a Promoção da Alimentação Adequada e do Peso Saudável, cujos objetivos são: aumentar o nível de conhecimento da população sobre a importância da promoção da saúde por meio da manutenção do peso saudável e de uma vida ativa; além de modificar atitudes sobre alimentação, prática de atividade física e prevenir o excesso de peso. O documento utilizado como base para este estudo foi o divulgado em 2004; atualmente o Ministério da Saúde apresenta uma versão atualizada do mesmo, apenas com pequenas modificações 3.

O presente estudo tem o objetivo de medir a freqüência dos 10 Passos para a Alimentação Saudável na população adulta de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil, além de avaliar a influência de variáveis demográficas e sócio-econômicas na execução dos mesmos.

 

Métodos

Um amplo inquérito sobre saúde foi realizado por meio de um estudo transversal de base populacional no período de outubro a dezembro de 2005, incluindo adultos com 20 anos ou mais, residentes na zona urbana de Pelotas. O inquérito abrangeu vários assuntos relacionados à saúde, tais como alimentação, atividade física, consultas médicas e odontológicas, entre outros.

Para o presente estudo, o cálculo da amostra foi baseado na freqüência de 12% para os hábitos saudáveis de alimentação, verificada no estudo de Gomes 4, realizado em mulheres nos diferentes estratos sociais moradoras de Vila Formosa, cidade de São Paulo. Utilizando um erro aceitável de 2 pontos percentuais e um nível de 95% de confiança e acrescentando 10% para suprir possíveis perdas e recusas, calculou-se como necessário estudar no mínimo 1.112 indivíduos.

A amostragem foi realizada em múltiplos estágios. Inicialmente os setores censitários da zona urbana de Pelotas foram ordenados de acordo com a renda média do chefe da família e selecionados com probabilidade proporcional ao tamanho. Esse processo por conglomerados utilizou a lista de setores censitários do Censo Demográfico de 2000 realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE; http://www.ibge.gov.br/censo2000, acessado em 01/Set/2008). Optou-se por trabalhar com 120 setores censitários de um total de 404, para minimizar o efeito de delineamento amostral. Esse efeito ocorre quando a escolha da amostra por conglomerados resulta em alterações na precisão das estimativas e é medido usando-se a divisão da variância estimada pelo processo por conglomerados por aquela que seria obtida caso o processo fosse por uma amostragem casual simples. Um efeito de delineamento amostral igual a um significa que a amostragem por conglomerados não traz nenhum prejuízo aos resultados; um valor maior que um indica uma homogeneidade dentro do conglomerado e uma heterogeneidade entre os conglomerados, e um valor menor que um aponta conglomerados parecidos entre si, mas muito diferentes internamente 5.

Devido ao tempo decorrido desde a realização do censo e o período de coleta dos dados, inicialmente um reconhecimento dos setores foi realizado, com o objetivo de atualizar o número de domicílios de cada setor.

Nos domicílios selecionados, todos os indivíduos com idade a partir de vinte anos foram elegíveis para este estudo. Apenas foram excluídos adultos institucionalizados ou com incapacidade mental que os impedisse de responder ao questionário.

No presente estudo o desfecho avaliado foi o hábito alimentar de adultos residentes em Pelotas, utilizando-se como referência os 10 Passos para Alimentação Saudável propostos pelo Ministério da Saúde brasileiro 3. Os passos do Ministério da Saúde incluem:

1. Aumente e varie o consumo de frutas, legumes e verduras. Coma-os cinco vezes por dia;

2. Coma feijão pelo menos uma vez por dia, no mínimo quatro vezes por semana;

3. Reduza o consumo de alimentos gordurosos, como carnes com gordura aparente, salsicha, mortadela, frituras e salgadinhos, para no máximo uma vez por semana;

4. Reduza o consumo de sal. Tire o saleiro da mesa;

5. Faça pelo menos três refeições e um lanche por dia. Não pule as refeições;

6. Reduza o consumo de doces, bolos, biscoitos e outros alimentos ricos em açúcar para no máximo duas vezes por semana;

7. Reduza o consumo de álcool e refrigerantes. Evite o consumo diário;

8. Aprecie sua refeição. Coma devagar;

9. Mantenha seu peso dentro de limites saudáveis - veja no serviço de saúde se seu IMC (índice de massa corporal) está entre 18,5 e 24,9 kg/m2;

10. Seja ativo. Acumule trinta minutos de atividade física todos os dias. Caminhe pelo seu bairro. Suba escadas. Não passe muitas horas assistindo TV.

Para a coleta dos dados sobre os passos relativos à alimentação foram utilizadas questões que permitiram verificar a freqüência de consumo dos alimentos no período de um ano, segundo os 10 Passos para a Alimentação Saudável. Com base em cada um dos passos do documento do Ministério da Saúde foram elaboradas questões simples, que permitiram uma resposta direta a cada um dos itens. Para alguns alimentos foi construído um quadro com uma pergunta inicial: "Pense sobre sua alimentação no último ano. Desde [mês] do ano passado, com que freqüência o(a) Sr(a) comeu cada um dos seguintes alimentos?". A seguir uma lista de alimentos foi lida ao entrevistado e a resposta marcada. As opções de resposta eram divididas em cinco categorias: menos que uma vez/semana, uma vez/semana, duas a três vezes/semana, quatro a seis vezes/semana e diariamente. Os passos coletados dessa forma foram os seguintes: passo 1 (frutas, verduras e legumes), passo 2 (feijão), passo 3 (alimentos gordurosos) e passo 7 (álcool e refrigerantes).

A Tabela 1 apresenta o quadro a partir do qual foram coletados alguns dos passos e as suas respectivas categorias consideradas para a adesão de cada passo.

 

 

Os outros passos foram coletados por perguntas diretas: passo 4 ("O Sr(a) costuma adicionar mais sal nos alimentos quando já servidos em seu prato?"); passo 5 ("Quais refeições o Sr(a) costuma fazer por dia?"); passo 8 ("O Sr(a) costuma comer muito rápido?") e passo 10 ("O Sr(a) faz atividade física regular?"). O índice de massa corporal (IMC), relativo ao passo 9, foi calculado baseado em peso e altura auto-referidos.

O ponto de corte utilizado para a classificação do IMC foi o preconizado pela OMS 6.

Indivíduos que relataram ingerir frutas, verduras e legumes diariamente foram classificados como tendo aderido ao passo 1. Adultos que declararam consumir feijão pelo menos quatro vezes por semana aderiram ao passo 2. O consumo de alimentos gordurosos no máximo uma vez por semana caracterizou a adesão ao passo 3. O passo 4 foi atendido quando a resposta era negativa à pergunta sobre adição de sal aos alimentos já preparados. A adesão ao passo 5 foi considerada positiva quando o indivíduo relatava o hábito de realizar café da manhã, almoço, jantar e pelo menos um lanche. O passo 6 foi realizado quando o adulto respondia duas vezes ou menos por semana à pergunta sobre a freqüência do consumo de alimentos ricos em açúcar. O consumo de refrigerantes e bebidas alcoólicas em uma fre-qüência igual ou inferior a seis vezes por semana constituía a adesão ao passo 7.

O passo 8 foi avaliado segundo a percepção do indivíduo acerca da velocidade com que fazia as refeições. Se a resposta era negativa a essa pergunta, o indivíduo era classificado como tendo aderido ao passo. A adesão ao passo 9 foi avaliada usando-se o cálculo do IMC realizado com base no peso e altura referidos pelos adultos. Indivíduos que responderam positivamente a questão sobre a prática de atividade física regular atenderam ao passo 10. A pergunta sobre atividade física utilizou uma recomendação do American College of Sports Medicine, que aconselha um mínimo de vinte minutos de atividade física pelo menos três vezes por semana 7.

As variáveis independentes avaliadas pelo estudo foram: demográficas (sexo e idade, categorizada em 20-39 anos, 40-59 e 60 anos ou mais) e escolaridade, dividida em categorias de até 4 anos de estudo, de 5 a 8, de 9 a 11 e 12 anos ou mais.

Os dados foram coletados por entrevistadoras treinadas, utilizando-se um questionário previamente testado em um estudo piloto. Esse questionário passou por alterações e foi novamente testado em um novo estudo piloto realizado em um setor censitário que não estava incluído na amostra do estudo.

Foram consideradas perdas ou recusas quando, após pelo menos três visitas da entrevistadora e uma do supervisor de campo, não foi possível realizar a entrevista.

O controle de qualidade foi feito por meio da aplicação de um questionário resumido a 10% dos indivíduos entrevistados, selecionados aleatoriamente por setor censitário. A concordância entre as informações obtidas nos dois momentos foi avaliada usando-se o cálculo do índice kappa. As variáveis testadas foram: cor dos olhos (kappa = 0,81), fumo (kappa = 0,83) e escolaridade (kappa = 0,74).

Os questionários foram duplamente digitados utilizando-se o programa Epi Info 6 (Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta, Estados Unidos), após serem codificados e revisados, com o objetivo de verificar possíveis divergências entre as digitações. Caso alguma diferença fosse encontrada, o dado referente era procurado manualmente nos questionários para esclarecer a dúvida. A análise dos dados foi realizada no programa Stata 9 (Stata Corp., College Station, Estados Unidos), levando-se em consideração o efeito de delineamento. A análise dos dados consistiu inicialmente de uma análise descritiva, e, a seguir, de análise bivariada por meio do teste qui-quadrado.

O presente estudo foi aprovado pela Comissão de Ética e Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas. Os entrevistados assinaram um termo de consentimento informado concordando com a participação na pesquisa.

 

Resultados

Os domicílios elegíveis totalizaram 1.597, destes, 1.507 foram visitados, pois em 90 nenhum morador foi encontrado. Nos domicílios habitados foram encontrados 3.353 adultos elegíveis. Entre esses, ocorreram 217 perdas e recusas (6,5%), totalizando 3.136 entrevistados, sendo 56,1% do sexo feminino. A Tabela 2 descreve as características da população. A maioria dos adultos tinha entre cinco e oito anos de estudo (34%). Em relação à idade, grande parte da população encontrava-se entre 20 e 39 anos (43,3%). A maioria dos indivíduos apresentava excesso de peso (51,4%).

 

 

As freqüências de cada um dos 10 Passos para Alimentação Saudável são apresentadas na Tabela 3. O passo que apresentou maior freqüência foi o 4, sendo que, aproximadamente 90% dos indivíduos informaram não adicionar sal aos alimentos já prontos. A prática de atividade física foi o passo que menor freqüência apresentou. Menos de 30% da população faziam atividade física regular.

Este estudo mostrou que 1,1% da população estudada seguia todos os passos de uma alimentação saudável, sendo a execução de seis passos a média e a mediana da distribuição desta variável.

A Tabela 4 apresenta as freqüências dos dez passos de alimentação saudável segundo as variáveis estudadas. Em quase todos os passos as mulheres apresentaram percentuais mais adequados, com exceção dos passos: 2 (consumo de feijão uma vez ao dia, pelo menos quatro vezes na semana), 6 (consumo de doces, bolos, biscoitos no máximo duas vezes por semana) e 10 (prática de trinta minutos de atividade física diariamente) no qual os homens apresentaram uma maior adesão. O aumento da idade esteve diretamente associado com a adesão aos passos, com exceção dos passos 2 (consumo de feijão uma vez ao dia, pelo menos quatro vezes na semana), 9 (manutenção do IMC entre 18,5 e 24,9kg/m2) e 10 (prática de trinta minutos de atividade física diariamente). Apenas o passo 3 (consumo de alimentos gordurosos no máximo uma vez por semana) não apresentou associação com escolaridade, sendo a maioria dos passos mais freqüentes entre os indivíduos de menor escolaridade; apenas as freqüências dos passos 1 (consumo diário de frutas, verduras e legumes), 9 (manutenção do IMC entre 18,5 e 24,9kg/m2) e 10 (prática de trinta minutos de atividade física diariamente) foram maiores entre os mais escolarizados.

A única variável que apresentou valores ignorados foi o IMC, pois o mesmo foi calculado por meio de peso e altura referidos; a proporção de perdas de informação foi de 3,3%.

O maior efeito de delineamento amostral identificado no presente estudo foi de 3,98, referente ao passo 2, relativo ao consumo de feijão, enquanto o passo 10, relativo à prática de atividade física, apresentou menor efeito de delineamento.

 

Discussão

A amostra estudada é representativa dos adultos maiores de vinte anos residentes em Pelotas. Deve-se destacar também que este é o primeiro estudo de base populacional que mede a freqüência da adesão à estratégia dos 10 Passos para Alimentação Saudável para a promoção de hábitos saudáveis de alimentação em adultos propostos pelo Ministério da Saúde do Brasil. Outro aspecto positivo foi o fato do efeito de delineamento ter sido considerado em todas as análises (uma vez que o plano de amostragem foi feito por conglomerados), o que garantiu a precisão das estimativas encontradas.

A avaliação dos 10 Passos para a Alimentação Saudável foi realizada por meio de perguntas diretas, as quais contemplavam os alimentos citados nos passos. A dificuldade em avaliar o consumo já é reconhecida e citada por outros autores 8,9. Podemos considerar inicialmente, o fato de ser dependente da memória, visto que o consumo foi avaliado no último ano. Essa limitação foi atenuada pelo treinamento e preparação das entrevistadoras, com o objetivo de captar a resposta mais verdadeira do entrevistado. Além do treinamento inicial, reuniões semanais eram realizadas com as entrevistadoras com o objetivo de avaliar o desempenho das mesmas, esclarecer dúvidas e reforçar a orientação sobre a coleta dos dados.

Os resultados do presente estudo mostraram que pouco mais da metade (57,5%) dos adultos relatou consumir frutas, legumes e verduras diariamente. Considerando as comprovadas evidências 1 da proteção conferida por esses alimentos a diversos tipos de cânceres, doenças isquêmicas e do coração, diabetes e obesidade, a freqüência desse passo foi considerada baixa. Similarmente Jaime & Monteiro 10, em São Paulo em 2005, encontraram baixa freqüência de consumo de frutas e vegetais em adultos.

Em relação ao consumo de feijão (passo 2) observou-se elevada adesão à recomendação do Ministério da Saúde. Grande parte (71,1%) dos adultos referiu ingerir feijão pelo menos quatro vezes na semana. Embora as últimas Pesquisas de Orçamento Familiar (POF) 11,12 venham relatando sistemático abandono desse tradicional e saudável hábito alimentar da população brasileira, esse resultado não foi confirmado no presente estudo.

No que se refere ao consumo de alimentos gordurosos no máximo uma vez por semana (passo 3) verificou-se que menos da metade dos indivíduos relatou adesão a este passo. O consumo elevado de colesterol, lipídios e ácidos graxos saturados contribui para o aparecimento de dislipidemias, obesidade, diabetes e hipertensão 1. Esse achado é compatível com a transição nutricional em curso no país, no qual a contribuição dos lipídios no valor energético total da dieta ultrapassa o percentual recomendado. A transição nutricional diz respeito a mudanças seculares em padrões nutricionais que resultam de modificações na estrutura da dieta dos indivíduos 9.

A não adição de sal aos alimentos já prontos (passo 4) foi a recomendação que obteve maior freqüência de adesão (87,2%). Embora o exato mecanismo de relação entre a alimentação e a hipertensão arterial não esteja bem esclarecido, são conhecidos os efeitos de uma dieta saudável sobre os níveis pressóricos. Os principais fatores nutricionais associados com a alta prevalência de hipertensão arterial são o consumo de álcool, sódio e o excesso de peso, sendo um dos principais o consumo excessivo de sódio 13. Essa alta adesão ao passo pode ser admitida como seguimento de orientações de profissionais da saúde.

A recomendação de três refeições diárias e um lanche era seguida por cerca de metade (57,1%) dos adultos. Diversos estudos 4,14,15 têm indicado a relação entre o fracionamento das refeições e alimentação saudável. Em um estudo realizado em São Paulo, Gomes 4 mostrou que o Índice de Alimentação Saudável esteve associado com o número de refeições realizadas durante o dia. Nos Estados Unidos, em 1997, Redondo et al. 14 evidenciaram a relação entre o número de refeições e menores níveis de colesterol sérico.

O consumo de doces, bolos, biscoitos e outros alimentos ricos em açúcar mais que duas vezes na semana (passo 6) foi relatado por 41% dos adultos. Esses achados são concordantes com os resultados das últimas POF que encontraram um aumento de 400% na disponibilidade domiciliar desses produtos 11.

No que diz respeito ao passo 7 (evite o consumo diário de álcool e refrigerantes) verificou-se boa adesão a esta recomendação, uma vez que apenas 20,3% dos indivíduos relataram consumo diário destas bebidas. Nas últimas décadas, o consumo de álcool vem aumentando mundialmente, sendo que a maior parte deste aumento vem acontecendo em países em desenvolvimento 1. O resultado encontrado no presente estudo pode ter sido afetado pelo fato das duas bebidas estarem sendo analisadas juntas. Para esclarecer essa dúvida, os dois tipos de bebida foram analisados separadamente, e mesmo assim o consumo diário de álcool foi considerado baixo (3,7%), e o de refrigerantes foi de 17,6%. Esses resultados diferem de outros achados em relação ao consumo de álcool. Esse passo avaliou apenas o consumo diário dessas bebidas. Indivíduos que as consumiam até seis vezes na semana foram considerados como tendo aderido ao passo, embora este consumo possa ser considerado elevado. Segundo a literatura podemos verificar que o consumo de refrigerantes e bebidas alcoólicas tem aumentado 11,16. Porém, como este estudo se propôs a investigar a freqüência dos 10 Passos da Alimentação Saudável e o passo correspondente diz respeito somente a evitar o consumo diário dessas bebidas, mantivemos este ponto de corte.

Quanto ao passo 8 (coma devagar) verificou-se que cerca da metade (52,9%) dos indivíduos relatou adesão a este passo. É importante salientar, no entanto, que a definição da velocidade de realização das refeições ficou a critério do entrevistado. Embora existam estudos 17,18 que tenham avaliado a velocidade de ingestão por meio do número de mastigadas antes da deglutição, optou-se por confiar na percepção do entrevistado sobre sua velocidade de ingestão.

O passo 9 (mantenha seu peso dentro de limites saudáveis) utilizou peso e altura auto-referidos. Conforme estudo anterior foi verificado que peso e altura auto-referidos são consistentes com a medida verdadeira, podendo ser utilizados em estudos epidemiológicos 19 pela facilidade metodológica e financeira. Nesse passo constatou-se que menos da metade dos indivíduos aderiram a essa recomendação. Podemos ainda salientar que um grande percentual dos indivíduos estudados encontrava-se com excesso de peso (51,4%) e um percentual considerável apresentava obesidade (15,4%). A prevalência de déficit de peso foi baixa (2,5%). O crescimento das prevalências de sobrepeso e obesidade vem ocorrendo, principalmente, a partir da década de 70 1. Muito se tem analisado e discutido sobre o assunto, mas parece haver consenso que os dois principais fatores relacionados com a elevação das prevalências de obesidade são mudanças no consumo alimentar e redução da atividade física 20.

O passo 10 (acumule trinta minutos de atividade física todos os dias) foi o que apresentou menor freqüência de adesão. Esse achado é compatível com os encontrados em outros estudos 21,22. O rápido crescimento das doenças crônicas não-transmissíveis associadas à inatividade física vem sendo registrado tanto nos países desenvolvidos como nos países em desenvolvimento. A prática de atividade física regular é um dos principais componentes na prevenção das doenças crônicas não-transmissíveis 23.

Estratificando-se por sexo, idade e escolaridade verifica-se na Tabela 4 que a adesão à maioria dos passos propostos pelo Ministério da Saúde foi mais freqüente em mulheres, em indivíduos mais velhos e com menor escolaridade.

Com relação ao sexo, outra pesquisa 24 evidencia o maior cuidado das mulheres em relação à sua saúde. No presente estudo, as duas únicas exceções foram com relação aos passos 2 (consumo de feijão pelo menos uma vez por dia, no mínimo quatro vezes por semana) e 10 (acumule trinta minutos de atividade física todos os dias), que foram mais freqüentes entre os homens. Outros estudos 21,22 têm mostrado que a prática de atividade física em Pelotas é mais comum em indivíduos do sexo masculino.

Analisando-se os resultados por faixa etária observou-se tendência de maior adesão à grande maioria dos hábitos saudáveis à proporção que aumenta a idade. Similarmente, outros estudos têm verificado tendências nessa direção 10,25. Por outro lado, a freqüência de adesão aos passos 9 (mantenha seu peso em limites saudáveis) e 10 (acumule trinta minutos de atividade física todos os dias) parece estar inversamente associada à idade. O metabolismo mais lento 26 e o progressivo aumento da inatividade 21,22 que acompanham o processo de envelhecimento contribuem para o excesso de peso constantemente verificado nessa faixa etária.

A Tabela 4 mostra ainda, que excetuando-se três passos (passo 1 - consumo de verduras e frutas; 9 - manutenção do peso ideal; e 10 - acúmulo diário de trinta minutos de atividade física) todos os demais hábitos saudáveis foram menos freqüentes em indivíduos mais escolarizados. Tal situação talvez possa ser explicada pelo processo de transição nutricional. Em países ricos, as maiores prevalências de obesidade e de consumo de dietas ricas em gordura e pobres em fibras são encontradas entre indivíduos mais pobres e menos escolarizados. Nos países pobres e de renda média, a obesidade e o consumo de dietas ricas em gordura e de produtos industrializados ainda são maiores em indivíduos de maior nível sócio-econômico, embora este quadro venha progressivamente se alterando, principalmente em adultos do sexo feminino 27.

Concluindo, a freqüência de hábitos saudáveis de alimentação encontrada na população adulta de Pelotas foi baixa. Esses resultados são consistentes com o aumento da prevalência de excesso de peso na cidade 27 e no país, confirmado com base nos dados antropométricos colhidos pela POF 2002-2003 9. Considerando que hábitos saudáveis de alimentação estão inseridos em estruturas culturais, econômicas e políticas, é necessária maior ênfase na promoção de políticas dirigidas aos determinantes desses hábitos. Isso pode incluir ações que subsidiem a produção de alimentos saudáveis, controle sobre propagandas que incentivem o consumo de alimentos densamente energéticos e ações concretas que incentivem a prática de atividade física.

 

Colaboradores

D. B. Vinholes participou de todas as etapas de produção do artigo, desde o planejamento até a coleta de dados, assim como da análise dos dados e redação do manuscrito. M. C. F. Assunção e M. B. Neutzling contribuíram no planejamento, interpretação dos achados e na revisão do artigo.

 

Agradecimentos

Este trabalho contou com o apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) na forma de bolsa de estudos, e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) na forma de financiamento (nº. 401921/2005-0).

 

Referências

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Correspondência:
D. B. Vinholes
Programa de Pós-graduação em Epidemiologia
Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Pelotas
Rua Marechal Deodoro 1160, 3º piso
Pelotas, RS, 96020-220, Brasil
dvinholes@terra.com.br

Recebido em 13/Dez/2007
Versão final reapresentada em 20/Out/2008
Aprovado em 29/Out/2008

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br