NOTA RESEARCH NOTE

 

Ocorrência de flebotomíneos (Diptera, Psychodidae) em focos de leishmanioses, em área de ecoturismo do entorno do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, Brasil

 

Occurrence of sand flies (Diptera, Psychodidae) in leishmaniasis foci in an ecotourism area around the Lençóis Maranhenses National Park, Brazil

 

 

José Manuel Macário RebêloI; Antonildes Nascimento Assunção JúniorII; Orleans SilvaI; Jorge Luiz Pinto MoraesIII, IV

IDepartamento de Biologia, Universidade Federal do Maranhão, São Luís, Brasil
IIDepartamento de Patologia, Universidade Federal do Maranhão, São Luís, Brasil
IIIFundação Nacional de Saúde, São Luís, Brasil
IVSecretaria Estadual de Saúde do Maranhão, São Luís, Brasil

Correspondência

 

 


RESUMO

A freqüência e distribuição das espécies de flebotomíneos foram estudadas no Município de Barreirinhas, Maranhão, Brasil, no entorno do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, no período de janeiro a junho/2005, agosto/2004, julho/2005 e setembro/2008. Foram capturados 6.658 indivíduos distribuídos em dez espécies. As mais freqüentes foram Lutzomyia whitmani (46,6%), L. longipalpis (29,9%), L. evandroi (17,1%) e L. lenti (4,8%), enquanto L. termitophila, L. flaviscutellata, L. migonei, L. infraspinosa, L. sordellii, L. wellcomei, L. antunesi e L. trinidadensis representaram juntas 1,6% da amostra total. A presença de espécies transmissoras de Leishmania justifica o elevado coeficiente de detecção de leishmaniose tegumentar nos anos de 2000 (308,2), 2001 (310,9), 2002 (338,2) e 2005 (313,6) e focos ativos de leishmaniose visceral humana, no Município de Barreirinhas.

Leishmaniose; Psychodidae; Vetores de Doenças


ABSTRACT

The distribution and relative abundance of sand fly species were studied in the municipality of Barreirinhas, Maranhão State, Brazil, around the Lençóis Maranhenses National Park, from January to June 2005, August 2004, July 2005, and September/2008. A total of 6,658 specimens were captured. The most frequent species were Lutzomyia whitmani (46.6%), L. longipalpis (29.9%), L. evandroi (17.1%), and L. lenti (4.8%), while L. termitophila, L. flaviscutellata, L. migonei, L. infraspinosa, L. sordellii, L. wellcomei, L. antunesi, and L. trinidadensis represented 1.6%. The presence of Leishmania vector species explains the high detection rate for tegumentary leishmaniasis in 2000 (308.2), 2001 (310.9), 2002 (338.2), and 2005 (313.6) and active foci of human visceral leishmaniasis in the municipality of Barreirinhas.

Leishmaniasis; Psychodidae; Disease Vectors


 

 

Os flebotomíneos ocorrem em todos os estados brasileiros 1. No Maranhão já foram encontradas mais de sessenta espécies distribuídas nas diversas regiões do Estado 2,3,4,5. Contudo, algumas áreas ainda necessitam de investigação entomológica, incluindo o Município de Barreirinhas onde, apesar de apresentar um dos maiores coeficientes de detecção de leishmaniose tegumentar, os flebotomíneos ainda não foram adequadamente estudados.

Esse município, localizado a 2º45'S e 42º5'O, no litoral nordeste, possui uma área de 3.111km2 e abrange grande parte do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses 6, um importante pólo turístico do Maranhão. Por constituir a principal via de acesso ao Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, o Município de Barreirinhas vem sofrendo grandes transformações sócio-econômico-ambientais e no perfil epidemiológico de alguns agravos.

No período de 2000 a 2008, foram registrados 737 casos de leishmaniose tegumentar em Barreirinhas, com coeficientes de detecção elevados nos anos de 2000 (308,2), 2001 (310,9), 2002 (338,2) 7 e 2005 (313,6). Esses casos se distribuíram em 120 localidades, situação que põe o município em posição de destaque no cenário estadual das leishmanioses. Em função da expansão da área de ocorrência da doença, inclusive nos limites do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, fez-se o levantamento das espécies de flebotomíneos em 20 localidades, sendo 16 rurais (Olho D'Água, Jabuti, Jurubeba, Santa Rosa, Baixa D'Água, Piquizeiro, Mutuns, Cigana, Jacu, Palmeira dos Eduardos, Cantinho, Cocal, Munim, Palmeira dos Reis, São Pedro e Ponta do Mangue) e 4 urbanas (Riacho, Residencial Brasil, Cidade Nova e Santarém).

Os flebotomíneos foram coletados com auxílio de dez armadilhas luminosas HP, instaladas a 1,5m do solo, em abrigos de animais domésticos de dez residências selecionadas aleatoriamente, em cada localidade. As coletas ocorreram das 18 às 6 horas, uma vez na estação chuvosa (janeiro a junho/2005) e outra na estiagem (agosto/2004, julho/2005 e setembro/2008). O esforço de captura foi de 4.800 horas (10 armadilhas x 12 horas x 2 coletas x 20 localidades). Os exemplares capturados foram mortos em câmara refrigerada e transportados ao Laboratório de Entomologia e Vetores da Universidade Federal do Maranhão, em São Luís, onde foram montados entre lâminas e lamínulas e identificados de acordo com a proposta de Young & Duncan 8.

Foram capturados 6.658 indivíduos distribuídos em 12 espécies do gênero Lutzomyia: L. whitmani (46,6%), L. longipalpis (29,9%), L. evandroi (17,1%) e L. lenti (4,8%). As espécies L. termitophila, L. flaviscutellata, L. migonei, L. infraspinosa, L. sordellii, L. wellcomei, L. antunesi e L. trinidadensis representaram juntas 1,6% da amostra total (Tabela 1). A riqueza de espécies foi maior na zona rural (doze espécies) do que na zona urbana (cinco espécies). As localidades que apresentaram maior riqueza foram Mutuns (sete espécies), Cantinho, Jurubeba e Munim (seis espécies), Olho D'Água, Cocal, Palmeira dos Reis e Cidade Nova (cinco espécies) e a freqüência de indivíduos alcançou os maiores valores em Olho D'Água e Cantinho.

Neste estudo merecem destaque as duas espécies mais freqüentes, L. whitmani e L. longipalpis, vetores de leishmaniose tegumentar e leishmaniose visceral, respectivamente, no Brasil. A abundância e ampla distribuição de L. whitmani neste estudo e a detecção de exemplares infectados com protozoários do gênero Leishmania no Maranhão 9, justificam a epidemia de leishmaniose tegumentar observada durante o período do estudo 7. Do mesmo modo, a presença abundante de L. longipalpis explica a existência de focos ativos de leishmaniose visceral nas áreas periféricas da sede e em povoados rurais desse município.

A riqueza de espécies de flebotomíneos encontrada é equivalente àquela observada em outros municípios do Maranhão, influenciados pelo clima tropical semi-úmido 10 e semi-árido 11. Esses tipos de clima são decisivos na distribuição de L. flaviscutellata, L. infraspinosa e L. wellcomei que no Maranhão só tem sido encontradas no setor nordeste com essas características climáticas, e adentram no vizinho Estado do Piauí 12. Contudo, ao lado dessas espécies ocorrem L. antunesi, L. evandroi, L. migonei, L. sordelli e L. termitophila que, embora estejam presentes no Município de Barreirinhas, que tem características nordestinas, ocorrem também na floresta amazônica maranhense de clima quente e úmido 4,5, tendo registro, inclusive, no vizinho Estado do Pará 13. No tocante à L. lenti, L. longipalpis, L. trinidadensis e L. whitmani, elas mostraram ser indiferentes aos tipos climáticos e vegetacionais, pois a sua ocorrência tem sido registrada em todas as regiões do Maranhão. Desse modo, as espécies encontradas neste estudo são comuns à fauna amazônica e à nordestina.

É possível que a aproximação dessas espécies de flebotomíneos ao peridomicílio das habitações rurais e à periferia urbana tenha uma relação com o impacto do turismo que vem sendo desenvolvido, sem o devido planejamento. Nessas circunstâncias, invariavelmente, há degradação ambiental que pode afetar a manutenção dos processos ecológicos e o equilíbrio do ciclo enzoótico de certas infecções, com repercussão na saúde pública, como vem ocorrendo com a leishmaniose em Barreirinhas e no entorno do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses.

Dentro desse contexto, estimula-se a realização de estudos de infecção, utilizando técnica de biologia molecular para confirmar as espécies de leishmânias existentes e de flebotomíneos efetivamente vetores na área com suas respectivas taxas de infecção.

Uma vez que a área deste estudo tem o turismo como principal atividade econômica e de lazer, é preciso também estudar o comportamento e a ecologia desses insetos a fim de conhecer melhor os seus hábitos, preferências alimentares, bem como períodos e locais de ocorrência para prevenir novos surtos de leishmaniose tegumentar, sobretudo, nas rotas utilizadas pelo turismo.

 

Colaboradores

J. M. M. Rebêlo participou na coleta e identificação taxonômica das espécies de flebotomíneos, análise e interpretação dos dados e elaboração do artigo. A. N. Assunção Júnior participou no georreferenciamento das localidades, coleta e processamento dos flebotomíneos, tabulação e análise dos dados e redação do artigo. O. Silva participou no georreferenciamento das localidades, coleta e processamento dos flebotomíneos, tabulação e análise dos dados e redação do artigo. J. L. P. Moraes participou no georreferenciamento das localidades, coleta e processamento dos flebotomíneos, tabulação e análise dos dados e redação do artigo.

 

Agradecimentos

Ao Dr. César Roberto Santos Matos, Secretário de saúde, Antonio Carlos Castro Calixto e João de Deus Viana Diniz, supervisores de endemias, pelo apoio concedido. Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pelo auxílio financeiro, e à Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Tecnológico no Estado do Maranhão (FAPEMA), pela bolsa de mestrado.

 

Referências

1. Aguiar GM, Medeiros WM. Distribuição e habitats. In: Rangel EF, Lainson R, organizadores. Flebotomíneos do Brasil. Rio de Janeiro. Editora Fiocruz; 2003. p. 207-55.         

2. Rebêlo JMM, Araújo JC, Carvalho ML, Barros VLL, Silva FS, Oliveira ST. Flebótomos (Lutzomyia, Phlebotominae) da Ilha de São Luís, zona do Golfão maranhense, Brasil. Rev Soc Bras Med Trop 1999; 32:247-53.         

3. Rebêlo JMM, Leonardo FS, Costa JML, Pereira YNO, Silva FS. Flebotomíneos (Diptera, Psychodidae) de área endêmica de leishmaniose na região dos cerrados, Estado do Maranhão, Brasil. Cad Saúde Pública 1999; 15:623-30.         

4. Rebêlo JMM, Oliveira ST, Barros VLL, Silva FS. Flebotomíneos da Amazônia maranhense. IV - Riqueza e abundância relativa das espécies em área de colonização antiga. Entomol Vectores 2000; 7: 61-72.         

5. Rebêlo JMM, Oliveira ST, Barros VLL, Silva FS, Costa JML, Ferreira LA, et al. Phlebotominae (Diptera, Psychodidae) de Lagoas, município de Buriticupu, Amazônia maranhense. I - Riqueza e abundância relativa das espécies em área de colonização recente. Rev Soc Bras Med Trop 2000; 33:11-9.         

6. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo demográfico, 2000. http://www.ibge.gov.br (acessado em 26/Nov/2008).         

7. Assunção Junior AN, Silva O, Moraes JLP, Nascimento FRF, Pereira YNO, Costa JML, et al. Foco emergente de leishmaniose tegumentar no entorno do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, Nordeste, Brasil. Gazeta Médica da Bahia 2009; 79:103-9.         

8. Young DG, Duncan MA. Guide to the identification and geographic distribution of Lutzomyia sand flies in Mexico, the West Indies, Central and South America (Diptera: Psychodidae). Gainesville: American Entomological Institute; 1994. (Memoirs of the AEI, 54).         

9. Oliveira-Pereira YNO, Rebêlo JMM, Moraes JLP, Pereira SRF. Diagnóstico molecular da taxa de infecção natural de flebotomíneos (Psychodidae, Lutzomyia) por Leishmania sp. na Amazônia maranhense. Rev Soc Bras Med Trop 2006; 39:540-3.         

10. Araújo JC, Rebêlo JMM, Carvalho ML, Barros VLL. Composição dos flebotomíneos (Diptera, Psychodidae) do município da Raposa-MA, Brasil. Área endêmica de leishmanioses. Entomol Vectores 2000; 7:33-47.         

11. Martin AMCB, Rebêlo JMM. Dinâmica espaço-temporal de flebotomíneos (Diptera, Psychodidae) do município de Santa Quitéria, área de cerrado do Estado do Maranhão, Brasil. Iheringia 2006; 96:283-8.         

12. Andrade Filho JD, Silva ACL, Falcão AL. Phlebotomine sand flies in the State of Piaui, Brazil (Diptera: Psychodidae: Phlebotominae). Mem Inst Oswaldo Cruz 2001; 96:1085-7.         

13. Rebêlo JMM, Oliveira-Pereira YN. Flebotomíneos (Diptera, Psychodidae) de matas de terra firme e de várzea, do município de Paragominas, Estado do Pará, Brasil. Acta Amaz 2001; 31:145-54.         

 

 

Correspondência:
J. M. M. Rebêlo
Laboratório de Entomologia e Vetores
Departamento de Biologia, Universidade Federal do Maranhão.
Praça Madre Deus 2, São Luis
MA 65025-560, Brasil.
macariorebelo@uol.com.br

Recebido em 04/Jun/2009
Versão final reapresentada em 26/Out/2009
Aprovado em 03/Nov/2009

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br