RESENHAS BOOK REVIEWS

 

 

Maria Martha Duque de Moura

Instituto Fernandes Figueira, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil

 

 

FAMÍLIA CONTEMPORÂNEA E SAÚDE: SIGNIFICADOS, PRÁTICAS E POLÍTICAS PÚBLICAS. Trad LAB, organizadora. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2010. 380 p. (Coleção Criança, Mulher e Saúde)

ISBN: 978-85-7541-197-1

Um ponto de vista é a vista de um ponto.

A experiência no cuidado de famílias gerou esta coletânea de textos. Escreveram os capítulos sociólogos, antropólogos, médicos especialistas em terceira idade, sanitaristas, assistentes sociais, psicólogos, psicanalista, enfermeiras e nutricionista. Com base em sua formação profissional, o ponto de vista de uma disciplina, refletem sobre a família contemporânea. Priorizam aquelas em contextos de maior vulnerabilidade social, discutindo sobre as políticas públicas e experiências de cuidado.

Leny A. Bonfim Trad aglutinou esses profissionais em torno da reflexão e organizou este livro. Psicóloga, professora no Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia, é coordenadora do Programa Integrado de Pesquisa e Cooperação Técnica Comunidade, Família e Saúde.

Ao apresentar o livro, a socióloga Jeni Vaitsman ressalta que, de forma pioneira, a coletânea traz a reflexão sobre várias dimensões envolvidas nas relações entre os fenômenos da esfera da família e o desenvolvimento mais recente das políticas públicas que intervêm sobre esses fenômenos. A família constitui um lugar privilegiado de produção de significados e práticas associadas com saúde, doença e cuidado. Os autores deste livro compartilham as evidências de que a família contemporânea é dinâmica, tem múltiplas composições e formas de organização. Ela nem sempre corresponde à unidade doméstica, incluindo redes de vizinhança e parentesco. As pessoas que compõem a renda do domicílio podem ser o casal, um dos cônjuges, os avós, tios etc. Os dados demográficos evidenciam questões de gênero consequentes à entrada da mulher no mercado de trabalho e ao aumento das famílias uniparentais chefiadas por mulheres, por exemplo.

Os profissionais envolvidos com o cuidado de famílias destacam a importância do acolhimento, entretanto reiteram a importância da autonomia das famílias e dos sujeitos, seu protagonismo na construção de respostas. É discutida não só a retração do papel do Estado na provisão da proteção social, mas também a ideia de controle do Estado sobre a família. As fronteiras desejáveis entre público e privado.

A violência, as drogas e a fome são abordadas em capítulos específicos. Assuntos urgentes, tão presentes na realidade social brasileira dos segmentos mais pobres e vulneráveis da população.

Com a leitura deste livro, os profissionais que trabalham com famílias terão oportunidade de ampliar sua compreensão e, portanto, sua atuação. Os capítulos apresentam preciosas referências bibliográficas para aqueles que desejarem aprofundar seus conhecimentos sobre os temas aqui discutidos.

A coletânea está organizada em três partes.

A primeira parte - A Família Contemporânea: Questões de Saúde e de Estado - traz abordagem conceitual e a análise de conjuntura que articula família e políticas públicas. São discutidos inicialmente modelos de compreensão sobre a família contemporânea, destacando-se o protagonismo familiar em questões relacionadas com saúde, doença e cuidado. Em seguida, problematiza-se a relação entre família e Estado, apontando-se alguns desafios inerentes a políticas públicas dirigidas à família.

A segunda parte - A Família na Agenda das Políticas Públicas de Saúde: Desafios para Gestores e Equipes de Saúde - agrega um conjunto de trabalhos em que se discutem as implicações da adoção do enfoque familiar no âmbito das políticas ou programas de saúde pública no Brasil. A maioria dos textos neste segmento focaliza o Programa Saúde da Família (PSF), e é curioso notar que quatro dos seus cinco capítulos trazem a palavra desafio no título. Trata-se de um grande desafio transformar políticas públicas em estratégias de saúde da família. Um pouco da história de implantação de modelos assistenciais centrados na família no âmbito do sistema público de saúde no Brasil é aqui apresentado. Questões éticas, da formação técnica dos profissionais das equipes de saúde da família são abordadas. Sérgio Trad discute os princípios e desafios da integração da família nas políticas de drogas e dialoga com a literatura sobre a importância da família na compreensão desse problema.

A terceira parte - Nascer, Crescer, Adoecer, Morrer: Tecendo Significados e Práticas na Família - apresenta vários textos que refletem experiências do cuidado com famílias de diferentes profissionais inseridos em seus contextos de trabalho e cuidado. São analisadas algumas etapas do ciclo de vida familiar, os significados e as práticas de saúde vinculados aos diferentes momentos do desenvolvimento humano, do nascimento à morte. Estão reunidos nesta seção trabalhos que problematizam o cuidado na família ou os modos como esta compreende e enfrenta os problemas que afetam o bem-estar de seus membros.

Aqui o leitor poderá apreciar a perspectiva da psicanálise exercida em uma ONG, em relatos sobre a riqueza da construção de novas narrativas junto às famílias. Parry Scott analisa a mortalidade infantil no Brasil focalizando Recife. O autor critica a adoção de risco para gravidez na adolescência sem outras patologias associadas. Discurso disciplinador da juventude? Denuncia ainda a inexistência de serviços que cuidem dos rapazes, fala de sua invisibilidade na assistência prestada pelos serviços de saúde. Em O Lugar do Idoso, Célia Caldas & Renato Veras constatam que os idosos de hoje vivem mais tempo e que este fato tem impacto nas relações familiares.

No capítulo Família Contemporânea e Violência: Significados e Práticas de Atendimento, Suely Deslandes & Mariana Barcinski propõem pensar as famílias como parceiras na construção de relações protetoras e cuidadoras de crianças e adolescentes. Para as autoras, os serviços de saúde podem fortalecer as potencialidades da família e o resgate ou a construção de sua capacidade de proteger e cuidar.

No campo da saúde mental, discute-se como a família se organiza, cuida e estabelece relações socioafetivas ao lidar com as questões envolvidas no adoecer psíquico. Ressalta-se que não basta a mudança do cuidado do manicômio para o domicílio para reverter a lógica da exclusão.

A visão sistêmica presente em muitos capítulos dessa coletânea percebe a família como um sistema que tende ao equilíbrio (homeostase), e que o adoecimento de um dos seus membros desestabilizará todo o conjunto. Carlos Sluzki, psiquiatra argentino, escreveu sobre como a rede social afeta a saúde do indivíduo e a saúde do indivíduo afeta a rede social 1.

As tensões entre os espaços público e privado são inevitáveis e desejáveis. O protagonismo da família na construção de um projeto terapêutico é fundamental. Tom Andersen 2, terapeuta de família norueguês, fala de processos reflexivos, de equipe reflexiva. Os sistemas terapêuticos, formados pelo paciente, sua rede de apoio (a família sobretudo) e os profissionais de saúde, são também singulares, com potencialidades e recursos de tratamento próprios que podem ser disponibilizados.

Em muitos momentos desta coletânea, fala-se da importância da comunicação para a família e para a equipe de saúde. Da necessidade de romper o isolamento e desenvolver as habilidades comunicativas e resolutivas da família como um todo.

Este livro amplia nossos conhecimentos, convida-nos a dialogar e aprimora nosso cuidado.

 

 

1. Sluzki C. A rede social na prática sistêmica. Alternativas terapêuticas. São Paulo: Casa do Psicólogo; 1997.
2. Andersen T. Processos reflexivos. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Instituto de Terapia de Família/Instituto Noos; 2002.

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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