ARTIGO ARTICLE

 

Pandemia de Influenza A (H1N1): mudança nos hábitos de saúde da população, Cachoeira do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil, 2010

 

Pandemic Influenza A (H1N1): changing population health habits in Cachoeira do Sul, Rio Grande do Sul State, Brazil, 2010

 

 

Rafaela MilanesiI, II; Rita Catalina Aquino CaregnatoI; Neiva Isabel Raffo WachholzI

IUniversidade Luterana do Brasil, Canoas, Brasil
IIGrupo Hospitalar Conceição, Porto Alegre, Brasil

Correspondência

 

 


RESUMO

Conhecer os hábitos de saúde da população de um Município do Rio Grande do Sul, Brasil, antes, durante e após a pandemia de Influenza A (H1N1) foi o objetivo desta pesquisa exploratório-descritiva quantitativa, realizada em Cachoeira do Sul, entre 5 de janeiro de 2010 e 26 de fevereiro de 2010; população 11.100 inscritos no guia telefônico; amostra 519 entrevistados (4,7%); dados coletados por entrevista telefônica. Perfil: faixa etária 18-90 anos; 55,3% mulheres; 22,7% tinham ensino superior e 39,9% ensino médio. Frequências em que foram mantidas as atitudes de saúde após a pandemia: 74% higienizavam frequentemente as mãos com água/sabão e 39,2% com álcool gel; 94,6% cobriam a face ao espirrar/tossir; 45,5% lavavam as mãos após tossir/espirrar; 60,9% evitavam tocar mucosas de olhos, nariz e boca; 21% evitavam aglomerações; 85,7% procuraram manter ambientes ventilados. Durante a pandemia os entrevistados incorporaram bons hábitos em todas as medidas analisadas, que foram mantidas em graus variáveis mesmo depois de transcorridos sete meses do evento.

Vírus da Influenza A Subtipo H1N1; Pandemias; Hábitos


ABSTRACT

This quantitative exploratory-descriptive study conducted from January 5 to February 26, 2010, focused on the population's health habits in Cachoeira do Sul, Rio Grande do Sul State, Brazil, before, during, and after the influenza A (H1N1) pandemic. The total population included 11,100 individuals listed in the telephone book, of which 519 (4.7%) were interviewed by telephone. Characteristics were: age range 18-90 years; 55.3% women; 22.7% with university diplomas; and 39.9% with secondary school diplomas. The following proportions of health habits were reported after the pandemic: 74% washed their hands frequently with soap and water and 39.2% cleaned their hands with alcohol gel; 94.6% covered their faces when they sneezed or coughed; 45.5% washed their hands after coughing/sneezing; 60.9% avoided touching the mucosa of their eyes, nose, and mouth; 21% avoided crowds; 85.7% attempted to keep rooms well ventilated. During the pandemic, the interviewees incorporated good habits in all the above measures, which were maintained to variable degrees even after the seven-month pandemic ended.

Influenza A Virus, H1N1 Subtype; Pandemics; Habits


 

 

Introdução

O ano de 2009 foi marcado com o surgimento da pandemia de Influenza A (H1N1). Em 24 de abril de 2009, a Organização Mundial da Saúde (OMS) notificou aos países membros a ocorrência de casos humanos de influenza suína, posteriormente denominada Influenza A (H1N1), no México e nos Estados Unidos desde 18 de março. Nas análises das amostras de secreção nasofaríngea, colhidas nos casos de síndrome gripal notificados nesses países, foi identificado um novo vírus classificado como A/CALIFORNIA/04/2009, o qual não havia sido detectado previamente em humanos ou suínos 1,2.

Em 25 de abril, seguindo o Regulamento Sanitário Internacional (RSI 2005), a OMS declarou esse evento como Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII). Imediatamente, no mesmo dia, instituiu-se no Brasil o Gabinete Permanente de Emergência em Saúde Pública (GPESP) para monitorar a situação e indicar as medidas adequadas ao país 1,2. Diante desse contexto, iniciou-se com estratégias baseadas em medidas de contenção da doença, identificando-se precocemente os casos, instituindo o tratamento e instalando o isolamento dos mesmos, bem como a investigação dos contatos 3.

Desde o primeiro alerta da OMS até 15 de julho, o Ministério da Saúde brasileiro só havia registrado casos de pessoas que tinham contraído a doença no exterior ou por meio do contato com pessoas que estivessem em trânsito internacional. Contudo, em 16 de julho de 2009, após a conclusão da investigação epidemiológica de um caso suspeito em São Paulo, o país declarou transmissão sustentada. Esse caso sustentou a primeira evidência de que o novo vírus estava circulando no território nacional 1,2. A partir desse momento, o Ministério da Saúde iniciou a fase de mitigação, na qual se empregam ações de vigilância que visam a reduzir a gravidade e mortalidade decorrentes da doença, por meio do diagnóstico e tratamento dos casos com agravamento ou com risco para desenvolver a doença grave 4.

No Brasil, até o dia 20 de março de 2010, foram confirmados laboratorialmente 46.355 casos de síndrome respiratória aguda grave (SRAG) causados pelo vírus Influenza A (H1N1); deste total, 31.450 eram em residentes no sul do país 4,5. A Região Sul teve uma taxa de mortalidade de 3/100 mil habitantes e o restante da federação de 1,1/100 mil habitantes. Foram confirmados 847 óbitos na Região Sul, do total de 2.087 do território brasileiro 4,5.

As informações divulgadas pelo Ministério da Saúde e apresentadas nos meios de comunicação estimularam a sociedade a pensar nas formas de contágio da doença. Esse cenário mobilizou a coletividade para a adoção de hábitos de higiene e etiqueta respiratória que, até então, passavam despercebidos para a maioria das pessoas. Frente à realidade vivenciada em 2009, surgiu o interesse em pesquisar as modificações nos hábitos de saúde no cotidiano de uma população, traçando como problema de pesquisa a investigar: quais são as atitudes de saúde mantidas pela população após a pandemia de Influenza A (H1N1)?

Para responder ao problema traçado, definiu-se como objetivo geral conhecer os hábitos da população antes, durante e após a pandemia de Influenza A (H1N1), em um município da região central do Rio Grande do Sul. Os objetivos específicos foram: (a) analisar as atitudes de saúde das pessoas antes, durante e depois do pico pandêmico; e (b) identificar as diferenças existentes na aderência às medidas de saúde em relação à faixa etária, sexo e níveis de escolaridade.

 

Metodologia

Estudo descritivo exploratório de campo, com abordagem quantitativa. O campo de ação foi Cachoeira do Sul, cidade do Rio Grande do Sul, Brasil, com uma população de 89.120 habitantes, fortemente vinculada à atividade primária 6.

A amostra foi selecionada por meio dos números telefônicos fixos contidos no guia da cidade, atualizado e redistribuído mensalmente por um jornal local e composto por 11.100 inscritos. Calculou-se a amostra previamente em 5% dos inscritos (550); entretanto, após as perdas provenientes de pessoas que não se enquadravam nos critérios utilizados e devido ao desligamento de algumas linhas telefônicas, a amostra final foi de 519 entrevistados, cerca de 4,7% do total de linhas. Amostra probabilista sistemática, sendo retirada dos contatos particulares, por meio de sorteio, entre os 10 primeiros colocados da lista, para o primeiro integrante da amostra a ser contatado e, a partir deste, os demais escolhidos estavam a cada 20 posições, de acordo com o intervalo de amostragem calculado previamente.

Os critérios de inclusão foram: número telefônico fixo e sujeito que atendesse à ligação. Os fatores excludentes foram: número telefônico móvel; sujeito com idade inferior a 18 anos; pessoas que atendiam à chamada, contudo, não compreendiam as perguntas, desviando-se do tema; e aqueles que se recusaram a participar da pesquisa.

Para aumentar a receptividade dos sujeitos da amostra, publicaram-se duas reportagens em dois jornais impressos de circulação na cidade nos dias 5 e 9 de janeiro de 2010, informando sobre a pesquisa e a possibilidade de algumas pessoas fazerem parte da amostra.

A coleta de dados ocorreu de 5 de janeiro a 26 de fevereiro de 2010, por intermédio de uma entrevista estruturada com 27 perguntas fechadas. Os questionamentos se basearam nas medidas de precaução para controle da transmissão, veiculadas nos meios de comunicação. Inicialmente, o instrumento apresentava questões quanto às variáveis relacionadas às características sociodemográficas, prosseguia com impressões gerais do entrevistado quanto à pandemia de gripe A e finalizava com perguntas sobre hábitos de saúde remanescentes e adquiridos após o evento. O instrumento foi preenchido pela pesquisadora ao realizar a entrevista por telefone, seguindo os seguintes passos: (a) ao atender a ligação a pesquisadora apresentava-se, explicava o objetivo da pesquisa e indagava sobre o interesse do sujeito em participar da mesma; (b) ocorrendo o aceite, a pesquisadora fazia a entrevista preenchendo o instrumento de coleta de dados; (c) ao término, explicava que os resultados seriam publicados nos meios de comunicação impressa da cidade de Cachoeira do Sul.

As variáveis investigadas foram: faixa etária, sexo, nível de escolaridade e medidas de saúde preventivas para a transmissão da Influenza. Sendo elas: higienizar frequentemente as mãos com água e sabonete ou álcool gel a 70%; cobrir o nariz e a boca quando espirrar ou tossir, independentemente se neste ato era utilizado o lenço descartável ou o uso das mãos; evitar tocar mucosas de olhos, nariz e boca; higienizar as mãos após tossir ou espirrar; evitar aglomerações de pessoas em locais fechados.

Durante a entrevista, cada medida preventiva foi investigada em três períodos distintos: o "Antes" relacionado ao período de tempo anterior ao pico pandêmico; o "Durante" referente ao período correspondente ao pico de transmissões, ou seja, durante meados da Semana Epidemiológica 31 7; e o "Depois", relacionado ao período pós-pico pandêmico, que transcorria no momento da coleta de dados. A avaliação da adesão do sujeito às medidas preventivas era iniciada no momento presente. Tendo-se uma resposta positiva quanto a essa adesão, questionava-se se o hábito já era praticado antes do pico pandêmico. Em caso de negativa, confirmava-se com o entrevistado se esse foi um hábito adquirido com o advento da gripe A, demarcando-se assim uma atitude implementada em decorrência da Influenza Pandêmica 2009. Dessa forma, o "Depois" constitui-se na soma dos entrevistados que praticavam a medida "Antes" com aqueles que incorporaram o hábito "Durante" o pico da pandemia.

Alguns hábitos de saúde avaliados neste estudo não eram tidos como usuais pela população como, por exemplo, o uso do álcool gel para a antissepsia das mãos e o hábito de evitar aglomerações. O primeiro era propagado quase que exclusivamente em ambientes hospitalares e de saúde, e o segundo não era corriqueiro, visto que esse hábito só foi estimulado pelo Ministério da Saúde na vigência da pandemia. Por esses motivos, optou-se em não mensurar esses costumes no período que antecedeu ao evento pandêmico.

Para o tratamento dos dados utilizou-se a estatística descritiva univariada, por meio dos parâmetros resultantes dos índices de distribuições de frequência. Os dados foram compilados em planilha no Microsoft Excel 2003 (Microsoft Corp., Estados Unidos) e analisados via Epi Info versão 3.4.2 (Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta, Estados Unidos), sendo apresentados em tabelas e, posteriormente, discutidos à luz do referencial teórico.

O projeto foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Luterana do Brasil, sob o número 2009 - 429H, e encontra-se de acordo com a Resolução nº. 196/96, formulada pelo Conselho Nacional de Saúde, que legisla sobre as normas de pesquisa em saúde. Por tratar-se de uma pesquisa de opinião via ligação telefônica, o termo de consentimento livre e esclarecido foi substituído pelo consentimento verbal obtido por ocasião dos contatos telefônicos com os entrevistados.

 

Resultados

Na amostra pesquisada, evidenciou-se na Tabela 1 o perfil dos sujeitos: faixa etária de 18 a 90 anos, 55,3% mulheres, 22,7% com instrução de nível superior e 39,9% médio. Constatou-se que 51,6% (n = 268) dos entrevistados costumam usufruir do Sistema Único de Saúde (SUS) quando necessitam de atendimento e 48,4% (n = 251) utilizam a rede privada.

Identificou-se que 100% (n = 519) dos entrevistados sabiam da existência da nova gripe, sendo que 64% (n = 332) por intermédio da televisão; 11,4% (n = 59) pela Internet; 11,2 (n = 58) pelo jornal; 9,6% (n = 50) pelo rádio; e 3,8% (n = 20) através da sua rede de relações pessoais.

Em relação à pandemia, 81,3% (n = 422) acreditam que o risco maior de transmissões já passou, contudo é preciso estar atento para o surgimento de um novo surto; 16,2% (n = 84) consideram que atualmente não há risco; e 2,5% (n = 13) acham que nunca houve.

Reportando os entrevistados para o início da pandemia, nos meses de maior incidência, foram relatadas como primeiras impressões frente à nova doença: 305 relatos (58,8%) de medo de morrer, destes, 14,7% (n = 45) por pertencerem ao grupo de risco para a doença; 33,9% (n = 176) preocupação por tratar-se de um vírus novo; e 7,3% (n = 38) não tiveram nenhum sentimento quanto a este fato. Quando perguntados sobre os sentimentos em relação à gripe A no momento da entrevista: 20,6% (n = 107) ainda têm medo; 47,8% (n = 248) têm um pouco de receio da doença; e 31,6% (n = 164) mostram-se sem preocupação a respeito.

Ao investigar os hábitos de saúde recomendados pelo Ministério da Saúde na amostra pesquisada, identificam-se variáveis que expressam a adoção nos períodos que permearam a pandemia de Influenza A (H1N1) e que estão expressas nas Tabelas 1, 2 e 3.

Na Tabela 1, observou-se uma aderência efetiva aos hábitos de evitar aglomerações em locais fechados e de higienização das mãos com álcool gel durante a vigência do evento pandêmico. Entretanto, com o passar dos meses, observou-se uma redução considerável de pessoas que mantiveram tais medidas preventivas nos meses de janeiro e fevereiro. Notou-se também, em ambos os hábitos, que as mulheres tiveram maior adesão.

Na vigência da pandemia, identificou-se que os jovens entre 18 e 19 anos foram os que mais relataram realizar o hábito de higiene e de distanciamento social durante os meses de inverno do ano passado. Com o aumento da temperatura, esse quadro modificou-se: o uso de álcool gel foi mais intenso entre as pessoas com mais de 50 anos, e o costume de evitar aglomerações foi reduzido em todas as faixas etárias.

Em relação à escolaridade, ressaltou-se que as pessoas com uma escolaridade elevada foram as que mais adotaram os hábitos retratados na Tabela 1, em ambos os momentos, durante e após o pico pandêmico.

Nas Tabelas 2 e 3, observou-se que todos os hábitos de saúde pesquisados eram adotados, antes do pico da pandemia, em proporções diversas pelos entrevistados, entretanto, "encobrir o nariz e a boca ao espirrar ou tossir" e "manter os ambientes ventilados" foram os dois hábitos empregados pela maioria, mesmo antes do surgimento da Influenza Pandêmica 2009. Ao se avaliar as frequências de entrevistados que realizavam medidas preventivas antes e após o pico pandêmico, nota-se uma aquisição de hábitos saudáveis para todas as medidas analisadas. Essa incorporação variou de acordo com os tipos de medidas. A atitude preventiva que menos sofreu implementação durante o pico de transmissões foi "lavar as mãos após tossir ou espirrar", com um acréscimo de 17,15% na adesão à medida durante o pico pandêmico. O hábito que mais foi incorporado, com o advento da Influenza Pandêmica 2009, foi "evitar tocar mucosas de olhos, nariz e boca", em que 38,15% dos entrevistados adquiriram o hábito durante a pandemia.

Após o pico pandêmico, evidenciou-se que grande parte das medidas foi mantida pelas pessoas que cultivaram bons costumes de saúde nos períodos anteriores. Dois hábitos destacaram-se por abranger quase que a totalidade dos entrevistados: "encobrir o nariz e boca quando tossir ou espirrar" e "manter os ambientes ventilados".

Quanto ao sexo, identificou-se que as mulheres foram as que mais empregaram hábitos saudáveis nos momentos antes e depois da pandemia. Entretanto, durante o período pandêmico, evidenciou-se um revés desse quadro, pois os homens ultrapassaram o percentual das mulheres quanto aos cuidados de saúde de cobrir a face ao tossir/espirrar, lavar as mãos após tossir/espirrar e manter os ambientes ventilados.

Quanto à escolaridade, verificou-se um padrão semelhante entre os hábitos, pois as pessoas com mais anos de estudos apresentaram maiores percentuais de adoção no período anterior ao surgimento da gripe A. No período de maior risco de contaminações, houve um aumento do número de pessoas entre 9 e 11 anos de escolaridade que começaram a efetuar os hábitos de forma adequada.

Quanto à faixa etária, no período pré-pandêmico identificou-se um crescimento do número de pessoas que informaram lavar frequentemente as mãos à medida que aumenta a idade, ou seja, quanto mais jovem menor a aderência ao hábito. Há também uma maior frequência de pessoas no período entre 50 e 59 anos que realizaram os hábitos de encobrir a face e lavar as mãos após tossir/espirrar, e de entrevistados com 60 anos ou mais que evitaram tocar mucosas e mantiveram os ambientes ventilados. Dentre todos os cuidados de saúde, os indivíduos da faixa etária de 20 a 29 anos foram os que mais adotaram os hábitos saudáveis durante a pandemia, exceto no cuidado de manter os ambientes ventilados, em que os entrevistados do grupo com idades entre 18 e 19 anos foram os que adotaram este hábito com maior frequência.

 

Discussão

Neste estudo observou-se uma maior adesão de participantes do sexo feminino (55,3%), isto pode ter ocorrido pela menor adesão ou por maiores recusas do sexo masculino. Quanto à faixa etária, identificou-se uma preponderância de adultos jovens. Erik Erikson, psicólogo criador da Teoria do Desenvolvimento Psicossocial, estabelece oito estágios do ciclo de vida, sendo considerado jovem adulto dos 19 aos 39 anos 8. Observou-se que 56,5% (n = 293) dos entrevistados estão incluídos nessa faixa etária, o que torna a amostra bastante significativa do ponto de vista epidemiológico, visto que a proporção de indivíduos com síndrome respiratória aguda grave por influenza pandêmica foi de 60% nas pessoas entre 20 e 39 anos 9. Quanto aos anos de instrução, encontrou-se um maior nível de escolaridade quando comparado ao restante da população sul-rio-grandense, pois segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE; http://www.ibge.gov.br/estadosat/temas.php?sigla=RS&tema=pnad_2009, acessado em 30/Nov/2010), no estado, 17,7% da população de 10 anos ou mais possuem de 8 a 10 anos de estudos e, 32,2% têm mais de 11 anos. A amostra estudada difere de tal evidência ao apresentar 22,7% de pessoas com ensino superior e 39,9% com ensino médio, completos ou não. Esse fato torna a amostra diferenciada quanto ao nível de esclarecimento. Tal acontecimento pode ter relação com o fato de a pesquisa ter sido realizada via telefone fixo, e a cobertura desta rede, embora tenha crescido nos últimos anos, não é evidentemente universal. Segundo o último censo demográfico, na Região Sul apenas 42,7% dos domicílios particulares permanentes possuem linha telefônica fixa (IBGE; http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/defaulttab_amostra.shtm, acessado em 14/Mai/2010).

É notável a abrangência da divulgação sobre a gripe A, tanto que 100% dos sujeitos tinham conhecimento da mesma por algumas de suas sinonímias: gripe suína, gripe porcina, gripe mexicana, gripe norte-americana, nova gripe, influenza A subtipo H1N1, influenza A (H1N1) 2009 ou influenza pandêmica A (H1N1) 2009 9.

Acredita-se que esse fato é proveniente, em grande parte, do destaque que o assunto teve no meio televisivo. A televisão aberta ainda é o meio de comunicação de massas que mais atrai público, pois em 1998 estimava-se que cerca de 92,6% dos lares brasileiros tinham aparelhos de televisão 10 e, corroborando com tal afirmativa, 64% dos entrevistados citaram-na como local que proveu a informação inicial sobre o surgimento do novo vírus da gripe. Entretanto, reforça-se a constatação de diferenciação da amostra ao evidenciar o segundo meio mais citado: Internet. Em um estudo realizado pelo IBGE, com pessoas acima de 10 anos de idade que utilizaram a internet em 2005 no Brasil, constatou-se que 64,4% dos que usufruíram deste meio tinham mais de 11 anos de estudos, ou seja, há a predominância de pessoas mais instruídas, conforme identificado na amostra 11. Verificou-se ainda, nas informações genéricas, outro fato confirmando tal distinção, ou seja, cerca de 48,4% dos entrevistados utilizam a rede privada quando necessitam de atendimento de saúde. No Rio Grande do Sul, segundo a pesquisa nacional por amostra de domicílio de 2008, 33,8% da população residente possuem cobertura de plano privado de saúde (IBGE; http://www.ibge.gov.br/estadosat/temas.php?sigla=rs&tema=pnad_saude_2008, acessado em 30/Nov/2010).

Nos resultados, chama a atenção o fato de 81,3% dos entrevistados acreditarem que o pico de transmissões da gripe A já passou, mas que ainda é preciso cuidado para prevenir um novo surto. Todos os agravos em saúde que ocorrem no Brasil e no mundo são acompanhados pelo Ministério da Saúde, que vem se preparando para o enfrentamento de uma segunda onda pandêmica em 2010. Essa nova onda possível consiste no período em que o nível de transmissão inter-humana aumenta novamente 9. Entre outros aspectos, a preparação inclui a estratégia de vacinação da população, iniciada em 8 de março de 2010, imunizando os seguintes grupos prioritários: trabalhadores da saúde, população indígena aldeada, gestantes, portadores de doenças crônicas, pessoas com 60 anos ou mais portadoras de comorbidade, crianças entre seis meses e menores de dois anos, e adultos de 20 a 39 anos 12.

O estudo evidenciou um percentual elevado de relatos alusivos ao sentimento de medo no início do período pandêmico em 2009. É compreensível esse sentimento, visto que a pandemia em seu auge era alimentada por novas informações que, quando repassadas pela população leiga, tomavam proporções maiores do que os dados oficiais 13. Atualmente, estipula-se como lema: sem banalizar nem superestimar 9. Entretanto, em poucos meses, as pessoas parecem ter substituído o medo da gripe A pelo da vacina contra tal doença e, ao deixarem de se imunizar, a população parece ter esquecido o pânico vivido há menos de um ano 13. Bastou o vírus recuar para a população avaliar a ameaça do novo vírus como parte de um passado tão distante quanto à gripe espanhola, esquecendo-se de um inverno em que não se teve outro assunto com maior interesse 13. Ratifica-se esse acontecimento ao se observar que o índice de pessoas que permanecem tendo esse sentimento nos meses da coleta de dados diminuiu de forma importante.

Na primeira fase do enfrentamento da pandemia de gripe A o Ministério da Saúde focou suas ações na prevenção, contando para isto com os diversos meios de comunicação na divulgação das informações, com os objetivos de orientar e incentivar a população a cultivar hábitos de higiene para a prevenção, principalmente, da gripe pandêmica. Foi estimulada a adoção das seguintes medidas preventivas gerais: higienizar, com frequência, as mãos com água e sabonete ou álcool gel a 70%; usar lenço descartável para higiene nasal; encobrir o nariz e a boca quando espirrar ou tossir; evitar tocar mucosas de olhos, nariz e boca; lavar as mãos após tossir ou espirrar; evitar tocar superfícies com as mãos contaminadas; evitar aglomerações em locais fechados; e não dividir objetos de uso pessoal 9. Os objetivos do Ministério da Saúde, ao estimular a adoção de tais medidas pela população, foram limitar a propagação da doença e controlar a pandemia. Muitos países utilizaram as medidas não farmacológicas como meios principais para atenuar os efeitos da pandemia, principalmente em seu início; entretanto, os dados referentes à eficácia das medidas de proteção pessoal são escassos 14.

Alguns estudos têm identificado uma associação positiva entre a execução do comportamento preventivo e os conhecimentos, as crenças de eficácia e percepção de risco. Todavia, o papel desses fatores podem ser menos influentes no contexto de infecções como a da gripe, já que ela é vista pela maioria das pessoas como uma doença vivenciada corriqueiramente no cotidiano. Três pesquisas, realizadas durante a epidemia de SARS (severe acute respiratory syndrome), analisaram as experiências dos indivíduos durante a vivência do evento, e sugeriram que os fatores emocionais e sociais podem se sobrepor à influência das atitudes racionais, como a percepção de risco e as crenças de eficácia 15. Por exemplo, em um estudo realizado em Hong Kong durante tal epidemia, foi mostrado que a utilização da máscara facial foi maior entre pessoas que queriam proteger os contatos próximos do que as que zelavam pela própria proteção 15. Outro estudo em Hong Kong concluiu que a probabilidade da adoção de hábitos para controle de infecção foi associada com: percepções de risco e suscetibilidade à infecção, probabilidade de um surto local, percepção de gravidade em relação à SARS, eficácia percebida das condutas e preocupação com os membros da família 16.

Neste estudo verificou-se uma aderência satisfatória a alguns hábitos de higiene e distanciamento social; entretanto, os dados podem não representar fidedignamente a realidade vivenciada pela população em geral, considerando que a amostra constituiu-se de pessoas com um nível de escolaridade elevado. Um estudo qualitativo realizado no sul da Inglaterra evidenciou atitudes negativas em resposta aos comportamentos de controle de infecção, onde os participantes consideraram-nas extremas ou difíceis de realizar, com poucos participantes sugerindo que suas aplicações seriam impossíveis 15.

A pesquisa também aponta para fatores sociodemográficos como influências sobre o comportamento preventivo para a gripe A. Estudos anteriores reforçam tal afirmativa. Um deles mostra que os homens eram menos propensos a acreditar que os comportamentos preventivos eram eficazes para controlar a SARS e tinham uma menor aderência a participar de práticas adequadas de higiene das mãos em hospitais 15. Outro estudo evidenciou que as mulheres eram significativamente mais propícias do que os homens a realizar medidas de distanciamento social e vacinação contra a nova estirpe viral 16. Ainda, outras duas pesquisas realizadas em 2009 para a Influenza A (H1N1), uma na Índia, que avaliou conhecimentos, atitudes e respostas comportamentais de 791 indivíduos 17, e outra na Austrália, que mediu as percepções e as respostas de 2.882 inquéritos aplicados entre docentes, funcionários e alunos de uma universidade 18, destacaram as mulheres por terem atitudes preventivas e por serem significativamente mais prováveis do que os homens a pensar que sua saúde pode ser prejudicada e que a situação vivenciada é grave 17,18. Quanto ao sexo, percebem-se nesta pesquisa resultados próximos, nos quais as mulheres mostram níveis de adoção das medidas para controle da doença maiores do que no sexo masculino.

Quanto à faixa etária, observou-se no período pré-pandêmico maior frequência nos hábitos de saúde entre as pessoas com mais idade, e com o surgimento da gripe A o aumento significativo entre as faixas etárias mais jovens, com entrevistados entre 18 e 29 anos. Estudos similares apontam pessoas de maior idade mais propensas a certos tipos de comportamentos preventivos 16 e com maior conhecimento quando comparadas aos entrevistados mais jovens 17. Ainda, em um estudo realizado com estudantes universitários em Sidney, na Austrália, os entrevistados mais jovens, entre 20 e 34 anos, foram o grupo menos propenso a acreditar que eram suscetíveis à Influenza A (H1N1), apesar de fazerem parte da faixa etária mais afetada em pandemias de gripe anteriores 18.

Em a relação à escolaridade, observou-se uma associação entre o conhecimento e a atitude preventiva, visto que pessoas com mais anos de estudos foram mais propensas a adotar as medidas de higiene e distanciamento social preconizadas pelo Ministério da Saúde. Efeitos similares foram observados em um estudo realizado na Índia em 2009, onde foi observado um aumento significativo nas atitudes preventivas e no conhecimento sobre a pandemia com o aumento da escolaridade 17.

Entre as medidas preventivas recomendadas pelo Ministério da Saúde com vistas a limitar a transmissão da gripe A, encobrir a face ao espirrar ou tossir foi o hábito realizado por quase totalidade da amostra. Outros também foram positivos, como manter os ambientes ventilados, a lavagem das mãos frequentemente com água e sabão, e o hábito de evitar tocar mucosas de olhos, nariz ou boca. Entretanto, as demais medidas preventivas avaliadas não obtiveram níveis satisfatórios de adoção pela população do estudo, visto que ficaram com valores inferiores a 50% de relatos alusivos às suas realizações. Estudos anteriores abordam a perspectiva da adoção de hábitos de saúde. Um deles sugere que manter a execução de todas as medidas foi considerado altamente improvável em caso de doença persistente ou prolongada, e também, seus resultados sugerem que os comportamentos preventivos já incorporados foram mais propensos a serem intensificados durante uma pandemia 15. Outro evidencia que o cumprimento das recomendações relacionadas à saúde aumentaria se as pessoas acreditassem que têm alta probabilidade de serem afetadas ou se percebessem que a doença pode ter consequências graves 16,17.

Apontam-se, neste estudo, algumas limitações. A maior delas é o fato desta pesquisa não poder estender os resultados a toda população do Município de Cachoeira do Sul, em virtude da amostra ser restrita a pessoas que tinham telefone fixo, sendo esta uma característica de menos da metade dos moradores. Além disso, avaliou uma população específica em um período de tempo determinado; suas crenças e atitudes refletiram a informação disponível no momento, portanto, não são estáveis. Houve também dificuldade da entrevistadora em situar o entrevistado nos três momentos avaliados: antes, durante e após o pico pandêmico, bem como, um possível viés de memória, considerando que se reporta a hábitos que teriam sido adotados há vários meses. Acredita-se também que existe o risco do nível de conhecimento intrínseco dos entrevistados influenciar nas respostas, não representando os hábitos vivenciados na prática.

 

Considerações finais

Este estudo permitiu conhecer alguns hábitos de saúde da população do estudo, ou seja, pessoas residentes em Cachoeira do Sul, inscritas no guia telefônico local. Constatou-se na amostra um nível de escolaridade elevado, um maior acesso à rede privada de saúde e a utilização da internet, evidenciando um perfil diferenciado quando comparado aos índices da população brasileira.

Observou-se que as medidas preventivas de encobrir a face ao tossir/espirrar e de manter os ambientes ventilados apresentaram bons níveis de realização mesmo antes da pandemia. Todavia, a pandemia da gripe A foi responsável por um incremento na adoção de medidas preventivas. A aderência mais expressiva durante o auge da pandemia foi quanto ao uso do álcool gel para higienização das mãos e o distanciamento social por meio do hábito de evitar as aglomerações de pessoas. Durante a pandemia os entrevistados incorporaram bons hábitos em todas as medidas analisadas, que foram mantidas em graus variáveis mesmo depois de transcorridos sete meses do evento.

Com o passar do tempo, os cuidados com a higiene e com o distanciamento social podem ser desvalorizados pela população, em função da diminuição da incidência da doença e da existência de uma vacina potencialmente eficaz e disponível à grande parte dos cidadãos. É relevante que o Ministério da Saúde e as políticas de saúde públicas estaduais e municipais continuem incentivando as medidas não-farmacológicas de prevenção da transmissão das doenças infecciosas, pois esses hábitos constituem-se em formas importantes de controle da maioria das doenças transmissíveis, em especial das doenças de transmissão respiratória sazonais, cuja morbi-mortalidade é tão preocupante para a Região Sul do Brasil. Assim, também já se prepara a sociedade para o enfrentamento de outras epidemias que a humanidade possa vir a vivenciar.

 

Colaboradores

R. Milanesi contribuiu com a análise e interpretação dos dados, redação do artigo e aprovação final da versão a ser publicada. R. C. A. Caregnato e N. I. R. Wachholz contribuíram para a análise e interpretação dos dados, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual e aprovação final da versão a ser publicada.

 

Referências

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Correspondência:
R. Milanesi
Universidade Luterana do Brasil
Rua Doutor Rodrigues Alves 273, apto. 203
Porto Alegre, RS 91330-240, Brasil
mrafaela@ghc.com.br

Recebido em 13/Jul/2010
Versão final reapresentada em 08/Dez/2010
Aprovado em 18/Fev/2011

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E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br