ARTIGO ARTICLE

 

Tabagismo entre adolescentes e adultos jovens de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil: influência do entorno familiar e grupo social

 

Smoking among adolescents and young adults in Belo Horizonte, Minas Gerais State, Brazil: the influence of family setting and social group

 

 

Mery Natali Silva AbreuI, II; Charles Ferreira de SouzaII; Waleska Teixeira CaiaffaII

IEscola de Enfermagem, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil
IIFaculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil

Correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo objetivou estimar a prevalência de tabagismo entre jovens residentes em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, e avaliar possíveis fatores associados. Foram incluídas informações de 563 jovens entre 15-24 anos. Utilizou-se a base populacional do Inquérito Domiciliar sobre Comportamentos de Risco e Morbidade Referida de Doenças e Agravos não Transmissíveis, realizado pelo Instituto Nacional de Câncer (2002-2003). O documento contém dados sociodemográficos; atividade física; tabagismo e consumo de bebidas alcoólicas. Buscaram-se fatores associados ao tabagismo utilizando regressão logística, com entrada hierarquizada das variáveis no modelo e método de estimação GEE. A prevalência de tabagismo foi de 11,7%, e os fatores associados foram: consumo excessivo de álcool (OR = 20,6), idade (OR = 1,2); pai fumante (OR = 4,0), irmão fumante (OR = 2,5) e melhor amigo fumante (OR = 5,2). A prevalência de tabagismo em jovens de Belo Horizonte ainda é considerada alta, aumentando com idade, consumo de álcool e contato com familiares e amigos fumantes.

Tabagismo; Adolescente; Adulto Jovem


ABSTRACT

The study aimed to estimate smoking prevalence in Belo Horizonte, Minas Gerais State, Brazil, and related risk factors among adolescents. We used data from the household survey conducted by the Brazilian National Cancer Institute (2002-2003). The following variables were analyzed: demographic data; physical activity; smoking; and alcohol consumption. The study included information on 630 adolescents (15-24 years of age) living in Belo Horizonte. Multivariate logistic regression analyses were carried out, with hierarchical entry of variables into the model and the generalized estimating equation (GEE) method. Overall smoking prevalence was 11.7%. The following factors were associated with smoking: alcohol consumption (OR = 20.6), older age (OR = 1.2), paternal smoking (OR = 4.0), sibling smoker (OR = 2.5), and best friend smoker (OR = 5.2). Smoking prevalence among adolescents was high, increasing with age and alcohol consumption.

Smoking; Adolescent; Young Adult


 

 

Introdução

Os males do tabagismo são amplamente conhecidos e divulgados. Sabe-se que o hábito de fumar é uma das causas de aproximadamente cinquenta diferentes tipos de enfermidades, destacando-se as doenças cardiovasculares, o câncer e as doenças respiratórias obstrutivas crônicas 1.

Estudos demonstram que o início do hábito de fumar, considerado uma dependência química, é cada vez mais precoce, resultando em um aumento da prevalência de tabagismo entre adolescentes e jovens 2. Mais de um bilhão de pessoas com 15 anos ou mais fumam diariamente e aproximadamente 80% destas vivem em países de baixa ou média renda 1. Os adolescentes constituem uma parcela da população que tem elevado risco de consolidação do hábito de fumar, pois é exposta mais precocemente ao tabaco 2.

Na tentativa de propor intervenções para o combate ao tabagismo, com foco no grupo mais jovem que está começando a ser exposto a esse hábito, vários pesquisadores têm buscado conhecer a prevalência do problema. Na caracterização do perfil dos jovens fumantes, esses autores avaliam, na maioria das vezes, fatores individuais 2,3,4,5,6,7. São escassos os trabalhos que abordam a interação entre fatores ambientais e individuais na determinação dos comportamentos de risco para o hábito de fumar.

Tomando como base o modelo teórico proposto por Engels et al. 8, o tabagismo entre adolescentes e adultos jovens resulta não só dos fatores proximais que atuam em nível individual, mas também de fatores distais que estão relacionados ao contexto em que cada indivíduo está inserido, destacando-se a influência dos grupos sociais e da família.

Entre os fatores individuais, bastante investigados, destacam-se características como sexo, idade, escolaridade, consumo de outras substâncias (álcool e drogas ilícitas) e bem-estar subjetivo 3,4,5,6,7. Do ponto de vista das interações sociais, deve-se destacar que a adolescência caracteriza-se pelo início da formação da própria identidade, quando o grupo social passa a ter relevância nos hábitos e comportamentos dos jovens, com repercussões positivas ou negativas, portanto 9,10.

Não menos relevante, a família, representada pelos pais e irmãos e entendida como modelo de referência para a vida dos adolescentes e jovens adultos, pode também atuar de forma positiva ou negativa para hábitos e comportamentos, inclusive o tabagismo 9.

Mais além da influência dos grupos sociais e da família, as políticas públicas recentes na trajetória histórica do combate ao tabagismo vêm sofrendo intensificação nos últimos anos, com impacto relevante em saúde pública, como demonstra a redução geral da prevalência do tabagismo. Dentre as intervenções, destacam-se, em 2000, as proibições não só de propagandas de produtos do tabaco em todos os tipos de mídia, como também dos patrocínios a eventos culturais e esportivos, além do aumento da elevação da alíquota do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) sobre cigarros no ano de 2007 11,12. Entretanto, efeitos dessas intervenções no ambiente familiar e sua repercussão entre adolescentes e adultos jovens têm sido relativamente pouco investigados.

Diante do exposto, o presente trabalho tem como objetivo avaliar a prevalência do tabagismo em adolescentes e adultos jovens da cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, bem como os fatores individuais, do grupo social e familiares associados a esse hábito.

 

Métodos

Desenho e amostra do estudo

Trata-se de estudo observacional seccional sobre a população de adolescentes e adultos jovens (15-24 anos) residentes em Belo Horizonte. A pesquisa foi elaborada com base em informações do Inquérito Domiciliar sobre Comportamentos de Risco e Morbidade Referida de Doenças e Agravos não Transmissíveis (InqDANT), realizado em 16 capitais do Brasil e no Distrito Federal, entre os anos de 2002 e 2003 13.

O InqDANT foi realizado pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA) em parceria com a Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde (SVS). Caracteriza-se por estimar a magnitude da exposição a comportamentos e fatores de risco para doenças não transmissíveis, obtendo informações por meio de questionários contendo questões sobre: dados sociodemográficos, situação e exposição ocupacional, atividade física, dieta, tabagismo, consumo de bebidas alcoólicas, percepção de saúde e morbidade referida, qualidade de vida/condição funcional, violência doméstica e acidente de trânsito individual 13.

A amostra do inquérito foi autoponderada com dois estágios de seleção. As unidades do primeiro estágio de seleção foram os setores censitários, cuja probabilidade de seleção foi proporcional ao tamanho desses setores. As unidades de segundo estágio foram os domicílios, cujos moradores, em sua totalidade, foram entrevistados 13.

Neste estudo, analisaram-se as informações referentes à cidade de Belo Horizonte. Foram sorteados oitenta setores com, em média, 15 domicílios por setor, totalizando 630 entrevistados com idade entre 15 e 24 anos. Destes, devido ao delineamento amostral, apenas 563 (89%) responderam às questões relacionadas ao tabagismo, compondo a amostra final para esta investigação.

Variáveis estudadas

A variável resposta foi o hábito atual de fumar. Utilizou-se a definição da Organização Mundial da Saúde (OMS) à época do estudo 14, considerando como fumantes os jovens que relataram ter fumado cem ou mais cigarros na vida e ainda continuar fumando atualmente. Esse grupo foi constituído por aqueles que tiveram respostas positivas nas questões: "Somando todos os cigarros que você fumou na vida inteira, o total chega a cem cigarros ou cinco maços?" e "Atualmente você fuma cigarros?".

Foram analisadas variáveis individuais (sexo, idade, escolaridade, consumo de álcool, prática de atividade física), variáveis relacionadas à família (escolaridade do chefe da família, fumo do pai ou mãe, ou irmão, idade do chefe da família) e característica do grupo social (melhor amigo, a maioria dos amigos, ou namorado(a) fumante). As variáveis relacionadas ao fumo familiar ou do grupo foram avaliadas por meio de perguntas feitas ao próprio adolescente: "Seu pai fuma? Seu melhor amigo fuma?".

A prática de atividade física foi avaliada segundo a forma curta do International Physical Activity Questionnaire (IPAQ), versão 8, tendo sido considerados como fisicamente inativos os que se enquadravam nas categorias irregularmente ativos e sedentários 15. O consumo de álcool foi avaliado com base no instrumento Alcohol Use Disorder Identification Test (AUDIT), e definiu-se como de risco o consumo diário médio acima das recomendações da OMS, ou seja, mais de duas doses padronizadas de bebidas para homens e mais de uma dose padronizada para mulheres, por dia 16.

Análise estatística

Inicialmente foi feita uma estimativa da prevalência do tabagismo entre adolescentes e adultos jovens com respectivo intervalo de 95% de confiança (IC95%), além de análise descritiva de todas as variáveis estudadas.

Para verificar fatores associados ao tabagismo, realizou-se análise univariada por meio do teste qui-quadrado de Pearson para as variáveis categóricas, ou teste Mann-Whitney para as contínuas e que apresentaram distribuições assimétricas.

Por fim, foi realizada análise multivariada por regressão logística binária, utilizando o método de estimação GEE (Generalized Estimation Equations), que considera a estrutura de correlação das características da família 17. As variáveis com valor de p menor que 0,20 foram incluídas no modelo conforme níveis hierárquicos, propostos por Malcon et al. 2 em 2003, obedecendo à seguinte ordem: (1) variáveis demográficas e socioeconômicas, (2) atividade física, fumo na família, fumo no grupo e (3) consumo de álcool. No modelo final, permaneceram as variáveis significativas em nível de significância de 5%. O ajuste do modelo final foi avaliado por meio da estatística de Hosmer & Lemeshow e cálculo do poder de predição. Foram calculadas as probabilidades de um adolescente ou adulto jovem fumar de acordo com a equação do modelo logístico final.

Foi utilizado o programa estatístico SPSS versão 15.0 (SPSS Inc., Chicago, Estados Unidos).

Questões éticas

O projeto foi aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) sob parecer nº. 1053/2000.

 

Resultados

A prevalência de tabagismo na amostra estudada foi de 11,7%, variando entre 9,1% e 14,4%, de acordo com IC95%. Cerca de 54% (n = 305) dos entrevistados era do sexo feminino. As medianas de idade e de escolaridade do adolescente foram, respectivamente, 20 e 9 anos; já a mediana de estudo do chefe da família foi de 7 anos. A prevalência de inatividade física foi de 34,2% e a do consumo de álcool considerado de risco foi de 7,9% (Tabela 1).

Na Tabela 1, também se encontram as características relacionadas ao tabagismo do jovem, da família ou do grupo social. Percebe-se que 51% dos adolescentes e adultos jovens já experimentaram cigarros, e a idade mediana de início do hábito foi de 15 anos. No que se refere ao fumo na família, 22% têm irmão mais velho fumante, 12% têm apenas a mãe fumante, 15% têm apenas o pai fumante e 9% têm pai e mãe fumantes. Com relação ao fumo entre os amigos, 25% têm o melhor amigo fumante, 34% têm a maioria dos amigos fumantes e 14% têm namorado(a) fumante.

As características individuais que se mostraram associadas com o hábito de fumar na análise univariada foram: maior idade, menor escolaridade, sexo masculino e consumo de álcool considerado de risco. No que se refere às características sobre fumo na família, ter irmão fumante e pai e mãe fumantes mostraram-se associadas com o tabagismo do adolescente ou adulto jovem. Todos os fatores sobre o consumo de cigarros do grupo social (melhor amigo, maioria dos amigos ou namorado(a) fumantes) foram significativamente associados com o tabagismo dos jovens (Tabela 2).

Na análise multivariada (Tabela 3), tanto fatores individuais quanto características familiares ou do grupo social foram preditores do tabagismo entre os adolescentes e adultos jovens: idade (OR = 1,23; IC95%: 1,06-1,42 - para o aumento de um ano de idade), consumo de álcool considerado de risco (OR = 20,69; IC95%: 8,57-49,94), apenas pai fumante (OR = 3,41; IC95%: 1,39-8,40), pai e mãe fumantes (OR = 3,45; IC95%: 1,20-9,90), irmão fumante (OR = 2,38; IC95%: 1,11-5,11) e melhor amigo fumante (OR = 5,22; IC95%: 2,47-11,00). Ressalta-se que o modelo apresentou ajuste adequado e bom poder de predição.

Pelo cálculo das probabilidades relacionadas ao modelo final de regressão, um adolescente de 15 anos que tem irmão, pai, mãe e melhor amigo não fumantes e que não relata consumo de álcool considerado de risco apresenta probabilidade de apenas 0,6% de fumar. Por outro lado, um adolescente na mesma idade cujo irmão, pai, mãe e melhor amigo são fumantes e relata consumo de álcool considerado de risco tem probabilidade de 84,9% de fumar. Para os mais velhos, com idade de 24 anos, a probabilidade de fumar ainda aumenta, conforme apresentado na Figura 1.

 

Discussão

O tabagismo entre adolescentes e adultos jovens de Belo Horizonte é um problema prevalente e mostrou-se associado a fatores individuais - maior idade e consumo excessivo de álcool; a características da família - hábito de fumar entre o irmão e pai; a características do grupo social - hábito de fumar do melhor amigo.

A prevalência de tabagismo entre jovens de Belo Horizonte ocupou posição intermediária no cenário nacional. De acordo com dados do INCA, em 2002 e 2003, a maior prevalência de tabagismo foi detectada na cidade de Porto Alegre (24%) e a menor, em Aracaju (7%) 13. Outro inquérito de base populacional realizado no mesmo ano (2002/2003), porém entre escolares na faixa etária de 13-15 anos, denominado Vigescola (Vigilância do Tabagismo em Escolares), mostrou prevalências semelhantes à encontrada em Belo Horizonte 18.

Também foi alta a prevalência de experimentação de cigarros (51%), tendo sido observada ainda idade precoce do início do hábito de fumar (mediana de 15 anos). Esses achados estão em consonância com os de outros estudos 2,4,5,6,19 e, novamente, com o do Vigescola 18, cujas prevalências de experimentação variaram de 31% a 58%, indicando a necessidade de se trabalhar em termos de prevenção intensiva já no início da adolescência.

Na análise dos fatores individuais relacionados ao tabagismo dos jovens, foi observada maior idade entre os fumantes. Outros trabalhos realizados no país também encontraram essa associação, apesar de terem analisado uma faixa etária mais restrita 2. É importante ressaltar que nenhum estudo brasileiro encontrado até o momento avaliou os fatores associados ao consumo de cigarros entre indivíduos na faixa etária de 15-24 anos. Entretanto, jovens com idade de 19-24 anos representam um grupo no qual o papel do adulto foi mais firmemente estabelecido, gerando maior chance de consolidação do hábito de fumar, uma vez que já suplantaram a fase de iniciação ao fumo 20. Isso reforça a importância de avaliar os determinantes do fumo nesse grupo etário. Pesquisas internacionais que analisaram a faixa etária dos adultos jovens também evidenciaram maior idade entre os adolescentes fumantes 10,20.

No presente estudo, a prevalência entre os homens foi significativamente mais elevada: eles apresentaram duas vezes mais chance de fumar que as mulheres. Entretanto, essa variável não permaneceu significativa no modelo final, questão ainda controversa entre os diversos estudos. Trabalhos mais recentes não têm demonstrado tal associação 2,6, e uma explicação para esse fato poderia ser algo que vem sendo observado nos últimos anos: o aumento do consumo de tabaco entre as mulheres 21.

Entre todas as covariáveis avaliadas, aquela que apresentou maior magnitude de risco foi consumo excessivo de álcool, avaliado por meio do instrumento AUDIT 15. Vários autores relataram essa associação entre fumo e álcool. Barrenechea et al. 9 afirmam que, segundo a teoria da "porta de entrada", o consumo de drogas segue uma ordem ascendente nos adolescentes, começa com as substâncias legais, como o tabaco, que são sucedidas pelo início do consumo álcool, e finaliza com o uso das drogas ilegais. Neste estudo, não foi possível avaliar o consumo de drogas ilícitas, no entanto o uso excessivo de álcool pode sugerir algum tipo de comportamento aditivo, como relatado no modelo explicativo proposto por Simões et al. 22: de acordo com estes autores, o consumo de tabaco apresenta um impacto positivo no consumo de álcool e de drogas ilícitas.

No presente artigo, utilizou-se a escolaridade do chefe da família como marcador socioeconônimo. Esse fator não se mostrou associado ao tabagismo, diferentemente do encontrado em outros trabalhos, que relataram associação entre tabagismo e condição socioeconômica 5. Contudo, os resultados da literatura são muito diversos neste assunto, havendo vários estudos que também não encontraram tal associação 2,6.

Um ponto importante desta investigação foi a forte associação entre o hábito de fumar da família e o do adolescente. Como encontrado em Malcon et al. 2, os adolescentes cujos irmãos mais velhos são fumantes têm maior chance de fumar. Além disso, ter pai fumante ou pai e mãe fumantes também foram fatores associados com o fumo do adolescente, como relatado em vários outros estudos 3,6,9,10,20. Alguns autores afirmam que o hábito de fumar pode ser influenciado por suscetibilidade genética 23. Por outro lado, há um consenso de que o tabagismo dos pais torna o fumo mais acessível e aceitável para os filhos 20.

De acordo com a teoria da aprendizagem social, os pais servem como modelo para os filhos, influenciando as opiniões e atitudes acerca do tabagismo, além de facilitar ou não o acesso ao cigarro 3, modulado, por sua vez, pela própria exposição ao tabaco. Pais dos atuais jovens viveram em uma época de forte investimento da indústria do tabaco nos países da América Latina, principalmente nos anos 50 e 60. Como consequência, eles formam um grupo que possivelmente teve maior exposição ao tabagismo e, por isso, têm maior chance de fumar. Seus filhos, por sua vez, também terão maior chance de fumar, considerando tanto a suscetibilidade genética, quanto a facilidade de acesso ao fumo ou maior aceitação 24.

Observou-se em estudo recente que, com o passar dos anos e início das políticas públicas de combate ao fumo, além da divulgação dos males causados pelo tabaco, a prevalência de fumo entre os pais dos jovens tem diminuído, e o tabagismo entre os filhos acompanhou essa tendência de redução 24. Como a família representa o primeiro grupo de referência na vida dos jovens, é fundamental que os pais e irmãos mais velhos possam se apresentar como modelos saudáveis, de modo que suas atitudes sejam coerentes com a orientação sobre os malefícios do cigarro 7.

Assim como os fatores familiares, várias características sobre tabagismo no grupo também se mostraram associadas ao hábito de fumar entre os adolescentes na análise univariada. Destaca-se a influência do hábito de fumar do melhor amigo evidenciado no modelo final, coerente com os achados de outros estudos, os quais relatam que a existência de amigos fumantes aumenta o risco de fumar 3,6,9,10,20. Essa evidência pode ser explicada pelo fato de os amigos exercerem um papel importante na vida do adolescente, principalmente porque nessa época há busca de independência, além de formação da própria identidade. Muitas vezes para ser aceito pelo grupo, o jovem pode passar a fazer o uso de substâncias como álcool e tabaco, adquirindo comportamentos e atitudes semelhantes aos de seus pares 7.

Uma limitação deste estudo é o fato de o desfecho ter sido avaliado por meio das respostas obtidas em um questionário, o que pode subestimar a prevalência do tabagismo, já que algum adolescente pode ter omitido o fato de ser fumante.

Também deve ser ressaltado que esta pesquisa refere-se apenas ao uso de cigarro industrializado. Alguns outros produtos de tabaco fumado, como os cigarros de Bali, bidis/indianos e narguilé, cujo consumo tem crescido no país nos últimos anos, não foram analisados em virtude da inexistência de questões relativas a estes usos na base de dados do inquérito que gerou este estudo. Em adição, trata-se de um estudo transversal que impossibilita a utilização da temporalidade como critério causal, uma vez que fatores e desfecho são vistos em um mesmo momento.

Por outro lado, reforça-se a importância desta investigação por se tratar de um inquérito com base domiciliar, tendo em vista que, até o momento, apenas dois estudos brasileiros avaliaram o tabagismo entre adolescentes em uma base de dados populacional 3,7.

Portanto, entre outros aspectos, o fato de os pais desempenharem papel significativo no que se refere ao hábito de fumar dos seus filhos salienta a importância de direcionar para a família as ações de promoção da saúde 24. O entendimento dos fatores associados ao tabagismo para além do nível individual aponta para a necessidade da formulação de intervenções contemporâneas, com ações em nível de atenção primária, tendo como público-alvo comunidade, escola, família e adolescente.

 

Colaboradores

M. N. S. Abreu e W. T. Caiaffa contribuíram no desenvolvimento do projeto, revisão da literatura, análise dos dados e redação do artigo. C. F. Souza colaborou no desenvolvimento do projeto, revisão da literatura, análise dos dados e revisão da versão final do artigo.

 

Agradecimentos

Os autores agradecem à pesquisadora Deborah Carvalho Malta por ter disponibilizado o banco de dados utilizado no trabalho; ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela bolsa produtividade em pesquisa da pesquisadora W. T. Caiaffa; à Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG) pela bolsa de doutorado da pesquisadora M. N. S. Abreu e pela de iniciação científica de C. F. Souza.

 

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Correspondência:
M. N. S. Abreu
Departamento de Enfermagem Aplicada
Escola de Enfermagem
Universidade Federal de Minas Gerais
Av. Alfredo Balena 190, 3º andar
Belo Horizonte, MG 31130-100, Brasil
merynatali@yahoo.com.br

Recebido em 17/Set/2010
Versão final reapresentada em 14/Fev/2011
Aprovado em 28/Fev/2011

Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br