Saúde e povos indígenas no Brasil: reflexões a partir do I Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição Indígena

Health and indigenous peoples in Brazil: reflections based on the First National Survey of Indigenous People's Health and Nutrition

Salud y pueblos indígenas en Brasil: reflexiones desde la Primera Encuesta Nacional de Salud y Nutrición Indígena

E. A. Coimbra Carlos Jr.Sobre o autor

Resumos

A configuração atual da saúde dos povos indígenas no Brasil resulta de complexa trajetória histórica, responsável por grandes atrasos para os indígenas em relação aos avanços sociais verificados no país ao longo das últimas décadas, particularmente nos campos da saúde, educação, habitação e saneamento. O principal foco dessa contribuição é rever sinteticamente uma seleção dos principais resultados do I Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição Indígena, realizado entre 2008-2009, e que visitou 113 aldeias em todo o país, tendo entrevistado 6.692 mulheres e 6.128 crianças. Dentre os resultados, é dado destaque às deficientes condições de saneamento verificadas nas aldeias, à elevada prevalência de desnutrição crônica, anemia, diarreia e infecções respiratórias agudas na criança, e à emergência de doenças crônicas não transmissíveis na mulher. O cenário delineado a partir do Inquérito impõe urgente revisão crítica da política de saúde indígena, com vistas a melhor atender às necessidades de saúde do segmento indígena da população brasileira.

População Indígena; Grupos Étnicos; Política de Saúde; Saúde de Populações Indígenas


The current configuration of indigenous peoples’ health in Brazil results from a complex historical trajectory, responsible for major delays for this population segment in the countrywide social advances seen in recent decades, particularly in the fields of health, education, housing, and sanitation. The main focus of this contribution is to review synthetically a selection of the main results of the First National Survey of Indigenous People's Health and Nutrition, conducted in the period 2008-2009, which visited 113 villages across the Brazil and interviewed 6,692 women and 6,128 children. Among the results, emphasis is given to the observed poor sanitation conditions in villages, high prevalence of chronic malnutrition, anemia, diarrhea, and acute respiratory infections in children, and the emergence of non-communicable chronic diseases in women. The scenario depicted by this survey requires urgent critical review of indigenous health policy in order to better meet the health needs of Brazil’s indigenous population.

Indigenous Population; Ethnic Groups; Health Policy; Health of Indigenous Peoples


La configuración actual de la salud de los pueblos indígenas de Brasil es resultado de una compleja trayectoria histórica, responsable de atrasos importantes –sufridos por los indígenas–, en relación a los avances sociales observados en el país durante las últimas décadas, sobre todo en los campos de salud, educación, vivienda y saneamiento. El centro principal de esta contribución es presentar sintéticamente una selección de los principales resultados de la Encuesta nacional de salud y nutrición indígena, realizada entre 2008-2009, compuesta por una muestra de 113 aldeas indígenas en todo el país, habiendo entrevistado a 6.692 mujeres y 6.128 niños. Entre los resultados, llaman la atención las condiciones de saneamiento deficientes observadas en la población indígena, la alta prevalencia de la desnutrición crónica, anemia, diarrea e infecciones respiratorias agudas en los niños y la aparición de enfermedades crónicas no transmisibles en mujeres. El escenario descrito en la encuesta requiere una urgente revisión crítica de la política de salud para los indígenas, con el fin de satisfacer mejor las necesidades de salud del segmento de población indígena de la población brasileña.

Población Indígena; Grupos Étnicos; Política de Salud; Salud de Poblaciones Indígenas


Introdução

A configuração atual da saúde dos povos indígenas no Brasil resulta de complexa trajetória histórica marcada por conflitos fundiários associados à expansão das fronteiras demográficas nacionais, degradação ambiental e, em muitos casos, omissão por parte do Estado. Para os povos indígenas, isso resulta em grande atraso em relação aos avanços sociais verificados no país ao longo das últimas décadas, particularmente nos campos da saúde, educação, habitação e saneamento. Estudos realizados em diversas etnias a partir dos anos de 1990 têm destacado o contexto das desigualdades sociais em saúde que marcam a fronteira entre ser indígena e não indígena no Brasil 1. Coimbra Jr. CEA, Santos RV. Saúde, minorias e desigualdade: algumas teias de inter-relações, com ênfase nos povos indígenas. Ciênc Saúde Coletiva 2000; 5:125-32.,2. Santos RV, Coimbra Jr. CEA. Saúde indígena. In: Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde, organizador. As causas sociais das iniqüidades em saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2008. p. 128-30.. Em outras palavras, ser indígena no país implica maior chance de não completar o primeiro ano de vida, sofrer de desnutrição e anemia durante o período de crescimento, conviver com elevada carga de doenças infecciosas e parasitárias e estar exposto a rápido processo de transição nutricional, responsável pela emergência de agravos como obesidade, hipertensão arterial e diabetes mellitus, constatados em número crescente de comunidades 3. Leite MS, Santos RV, Coimbra Jr. CEA, Gugelmin SA. Alimentação e nutrição dos povos indígenas no Brasil. In: Kac G, Sichieri R, Gigante DP, organizadores. Epidemiologia nutricional. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2007. p. 503-18.,4. Coimbra Jr. CEA, Basta PC. The burden of tuberculosis in indigenous peoples in Amazonia, Brazil. Trans R Soc Trop Med Hyg 2007; 101:635-6.,5. Cardoso AM, Coimbra Jr. CEA, Werneck GL. Risk factors for hospital admission due to acute lower respiratory tract infection in Guarani indigenous children in southern Brazil: a population-based case-control study. Trop Med Int Health 2013; 18:596-607..

É evidente que, salvo alguns poucos estudos que debruçaram sobre a análise de dados existentes em grandes bancos como o Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica (SIVEP), Censo Demográfico Decenal ou mesmo o Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena (SIASI), os estudos de comunidade disponíveis, por mais que relevantes em si, não permitem a extrapolação de seus resultados para contextos étnicos maiores ou macrorregionais. Por sua vez, os esforços no sentido de explorar as bases de informação existentes também esbarram em limitações importantes, com destaque para a dificuldade de se identificar etnias específicas, aldeias ou mesmo terras indígenas (SIM e SIVEP, por exemplo, operam com o conceito de “indígena” apenas como categoria de raça ou cor, e mesmo o censo demográfico só permite a identificação de etnia a partir do censo nacional realizado em 2010) 6. Cardoso AM, Santos RV, Coimbra Jr. CEA. Mortalidade infantil segundo raça/cor no Brasil: o que dizem os sistemas nacionais de informação? Cad Saúde Pública 2005; 21:1602-8.,7. Sousa MC, Scatena JHG, Santos RV. O Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena (SIASI): criação, estrutura e funcionamento. Cad Saúde Pública 2007; 23:853-61.,8. Garnelo L, Brandão LC, Levino A. Dimensões e potencialidades dos sistemas de informação geográfica na saúde indígena. Rev Saúde Pública 2005; 39:634-40..

A realização do Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição Indígena (daqui para frente referido simplesmente como Inquérito Nacional) constitui um importante marco da saúde coletiva brasileira por ser a primeira iniciativa do gênero que almejou uma amostra representativa da população indígena no país. É importante lembrar que o Inquérito Nacional acontece com décadas de atraso em relação ao contingente não indígena da população brasileira, visto que importantes pesquisas de abrangência nacional ou regional/estadual, com foco em diferentes aspectos relacionados à saúde, nutrição e alimentação, são realizadas no Brasil desde a década de 1970, porém não incluem os povos indígenas 9. Viacava F. Informações em saúde: a importância dos inquéritos populacionais. Ciênc Saúde Coletiva 2002; 7:607-21.,1010 . Barros MBA. Inquéritos domiciliares de saúde: potencialidades e desafios. Rev Bras Epidemiol 2008; 11 Suppl 1:6-19..

Especificamente, o Inquérito Nacional foi realizado entre 2008-2009 e teve por objetivo caracterizar o estado nutricional de mulheres entre 14 e 49 anos de idade e crianças menores de cinco, com base em uma amostra probabilística representativa da população indígena residente em aldeias de quatro macrorregiões do país, a saber: Norte, Nordeste, Centro-oeste e Sul/Sudeste. Ao final, foram visitadas 113 aldeias (91,9% do planejado) e entrevistadas 6.692 mulheres e 6.128 crianças 1111 . Coimbra Jr. CEA, Santos RV, Welch JR, Cardoso AM, Souza MC, Garnelo L, et al. The First National Survey of Indigenous People’s Health and Nutrition in Brazil: rationale, methodology, and overview of results. BMC Public Health 2013; 13:52.. No presente, os dados coligidos durante o Inquérito Nacional estão sendo analisados e uma série de artigos enfocando os resultados mais relevantes está sendo publicada 1111 . Coimbra Jr. CEA, Santos RV, Welch JR, Cardoso AM, Souza MC, Garnelo L, et al. The First National Survey of Indigenous People’s Health and Nutrition in Brazil: rationale, methodology, and overview of results. BMC Public Health 2013; 13:52.,1212 . Horta BL, Santos RV, Welch JR, Cardoso AM, Santos JV, Assis AMO, et al. Nutritional status of indigenous children: findings from the First National Survey of the Health and Nutrition of Indigenous Peoples in Brazil. Int J Equity Health 2013; 12:23.,1313 . Leite MS, Cardoso AM, Coimbra Jr. CEA, Welch JR, Gugelmin SA, Lira PCI, et al. Prevalence of anemia and associated factors among indigenous children in Brazil: results from the First National Survey of Indigenous People’s Health and Nutrition. Nutr J 2013; 12:69..

Condições de saneamento

Como poderia ser antecipado, o Inquérito Nacional apontou não apenas para a existência de importantes diferenças inter-regionais entre as aldeias das quatro macrorregiões estudadas, mas em um plano mais amplo, para grandes iniquidades em saúde entre o Brasil indígena e não indígena. Somente 19% dos domicílios indígenas em todo o país dispõem de banheiro dentro de casa; 30,6% dos respondentes indicaram defecar fora de casa, no “mato”; e 50% das latrinas estão localizadas fora de casa 1111 . Coimbra Jr. CEA, Santos RV, Welch JR, Cardoso AM, Souza MC, Garnelo L, et al. The First National Survey of Indigenous People’s Health and Nutrition in Brazil: rationale, methodology, and overview of results. BMC Public Health 2013; 13:52.. Na Região Norte, apenas 0,6% dos domicílios indígenas possuía instalação sanitária dentro de casa!

Independentemente do tipo e/ou localização do sanitário ou latrina (se dentro ou fora de casa), em cerca de 63% dos domicílios indígenas no país os dejetos são coletados em fossas rudimentares, sendo que este porcentual chega a 91% dos domicílios na Região Norte. Ou seja, as aldeias indígenas praticamente não dispõem de infraestrutura sanitária minimamente adequada e compatível com a tendência verificada no restante do país. A pesquisa nacional de saneamento básico mais recente mostra um país onde 90% dos domicílios apresentam algum tipo de recurso sanitário e, apesar de ainda insuficiente, aproximadamente 50% dos municípios brasileiros têm esgotamento sanitário realizado por rede coletora, o que abrange cerca de 80% da população geral 1414 . Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saneamento Básico – 2008. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2010.,1515 . Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Atlas de Saneamento 2011. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2011..

Com relação à origem da água utilizada para beber, a maioria dos domicílios indígenas referiu fontes locais, sem indicação de qualquer tratamento prévio. Apenas no Nordeste a água procedente da rede pública teve algum destaque, mesmo assim abrangendo apenas 28% dos domicílios nesta região 1111 . Coimbra Jr. CEA, Santos RV, Welch JR, Cardoso AM, Souza MC, Garnelo L, et al. The First National Survey of Indigenous People’s Health and Nutrition in Brazil: rationale, methodology, and overview of results. BMC Public Health 2013; 13:52.. No Norte, cerca de 40% dos domicílios indígenas obtêm sua água em poços rasos ou a coletam diretamente em lagos ou cursos d’água. Em todo o país, 55% dos domicílios indígenas usam poço artesiano como fonte para obtenção de água. É importante frisar que, mesmo quando a aldeia dispõe de poço artesiano, a água nem sempre chega às bicas, sejam estas coletivas ou privadas. Segundo várias lideranças entrevistadas nas aldeias visitadas pelas equipes do Inquérito Nacional, são comuns problemas como bomba d’água quebrada, falta de combustível para ligar o motor gerador, registro defeituoso, ou mesmo encanamento furado ou cuja instalação se deu de maneira incompleta 1111 . Coimbra Jr. CEA, Santos RV, Welch JR, Cardoso AM, Souza MC, Garnelo L, et al. The First National Survey of Indigenous People’s Health and Nutrition in Brazil: rationale, methodology, and overview of results. BMC Public Health 2013; 13:52..

Quanto ao manejo do lixo doméstico, os habitantes de 79% do total de domicílios nas quatro macrorregiões referiram que o mesmo é enterrado, queimado ou simplesmente jogado no entorno da aldeia. Em contraste, aproximadamente 40% das aldeias situadas no Nordeste contam com o serviço púbico de coleta de lixo 1111 . Coimbra Jr. CEA, Santos RV, Welch JR, Cardoso AM, Souza MC, Garnelo L, et al. The First National Survey of Indigenous People’s Health and Nutrition in Brazil: rationale, methodology, and overview of results. BMC Public Health 2013; 13:52..

O Inquérito Nacional põe em evidência a larga desvantagem que separa as comunidades indígenas das não indígenas no país, sendo marcante a deficiência de saneamento básico, mesmo em regiões onde o acesso às comunidades é facilitado por estradas e as mesmas estão situadas próximas a centros urbanos.

Saúde e nutrição da criança e da mulher indígena

No que se refere à criança indígena, o Inquérito Nacional revelou um quadro marcado pela desnutrição crônica 1212 . Horta BL, Santos RV, Welch JR, Cardoso AM, Santos JV, Assis AMO, et al. Nutritional status of indigenous children: findings from the First National Survey of the Health and Nutrition of Indigenous Peoples in Brazil. Int J Equity Health 2013; 12:23.. Cerca de um quarto (25,7%) das crianças examinadas apresenta déficit de crescimento para idade sendo que, na região Norte, a prevalência de déficit estatural chega a 40,8%. Para o leitor que vem acompanhando a evolução da saúde coletiva no país, esses números nos remetem a um Brasil de pelo menos quatro décadas atrás. Os resultados da última Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher (PNDS-2006) 1616 . Ministério da Saúde. Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher – PNDS 2006: dimensões do processo reprodutivo e da saúde da criança. Brasília: Ministério da Saúde; 2009. apontam para um cenário muito mais favorável para o Brasil não indígena – a prevalência de déficit de crescimento em crianças nessa mesma faixa etária, por exemplo, foi de 5,5% (14,7% na Região Norte).

A prevalência de anemia na criança indígena verificada no Inquérito Nacional foi de 51,2% e, também neste caso, a região Norte apresentou a frequência mais alta, com 66,4% das crianças anêmicas 1313 . Leite MS, Cardoso AM, Coimbra Jr. CEA, Welch JR, Gugelmin SA, Lira PCI, et al. Prevalence of anemia and associated factors among indigenous children in Brazil: results from the First National Survey of Indigenous People’s Health and Nutrition. Nutr J 2013; 12:69.. Em contraste, a prevalência de anemia na criança brasileira não indígena foi de 20,9%, segundo a PNDS-2006 1616 . Ministério da Saúde. Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher – PNDS 2006: dimensões do processo reprodutivo e da saúde da criança. Brasília: Ministério da Saúde; 2009..

Além dos déficits nutricionais que colocam a criança indígena em posição de larga desvantagem quando comparada à criança brasileira não indígena, o Inquérito Nacional evidenciou elevadas prevalências de hospitalização por condições sensíveis à atenção básica nos 12 meses que antecederam as entrevistas no campo – diarreia (37,2%) e infecção respiratória aguada (47,6%). Além disso, aproximadamente um quarto (23,6%) das crianças indígenas teve diarreia na semana que antecedeu a entrevista 1111 . Coimbra Jr. CEA, Santos RV, Welch JR, Cardoso AM, Souza MC, Garnelo L, et al. The First National Survey of Indigenous People’s Health and Nutrition in Brazil: rationale, methodology, and overview of results. BMC Public Health 2013; 13:52..

Em linhas gerais, os resultados do Inquérito Nacional estão em consonância com a literatura recente que tem sido produzida no país com base em estudos em comunidades ou etnias específicas ou, mais raramente, bancos de dados secundários de abrangência regional. Por exemplo, é somente dentre os estudos realizados em comunidades indígenas brasileiras que se encontram referências a frequências de desnutrição crônica superior a 50% em crianças menores de cinco anos, e da ordem de 80% de anemia nesta mesma faixa etária 1717 . Orellana JDY, Coimbra Jr. CEA, Lourenço AEP, Santos RV. Estado nutricional e anemia em crianças Suruí, Amazônia, Brasil. J Pediatr (Rio J) 2006; 82:383-8.,1818 . Escobar AL, Santos RV, Coimbra Jr. CEA. Avaliação nutricional de crianças indígenas Pakaánova (Wari’), Rondônia, Brasil. Rev Bras Saúde Matern Infant 2003; 3:457-61.,1919 .Mondini L, Rodrigues D, Gimeno SGA, Baruzzi RG. Estado nutricional e níveis de hemoglobina em crianças Aruak e Karibe: povos indígenas do Alto Xingu, Brasil Central, 2001-2002. Rev Bras Epidemiol 2009; 12:469-77.. Nas comunidades indígenas onde a tuberculose é endêmica, mais de 60% das notificações têm sido reportadas em crianças 2020 . Marques AMC, Pompilio MA, Santos SC, Garnês SJA, Cunha RV. Tuberculose em indígenas menores de 15 anos no Estado de Mato Grosso do Sul. Rev Soc Bras Med Trop 2010; 43:700-4.,2121 . Gava C, Basta PC, Malacarne J, Rios DPG, Santanna CC, Camacho LAB. Tuberculosis in indigenous children in the Brazilian Amazon. Rev Saúde Pública 2013; 47:77-85.. É também entre as crianças indígenas que ainda se observam coeficientes de mortalidade infantil que podem chegar a impensáveis 97 óbitos em menores de um ano por 1.000 crianças nascidas vivas, como entre os Xavante 2222 . Souza LG, Santos RV, Carvalho MS, Pagliaro H, Flowers NM, Coimbra Jr. CEA. Demography and health of the Xavante Indians from Central Brazil. Cad Saúde Pública 2011; 27:1891-905., ou 29,6/1.000 entre os Gurani 2323 . Cardoso AM, Coimbra Jr. CEA, Barreto CTG, Werneck GL, Santos RV. Mortality among Guarani Indians in Southeastern and Southern Brazil. Cad Saúde Pública 2011; 27 Suppl 2:S222-36., dentre outras etnias.

No que se refere à mulher indígena no Brasil, o Inquérito Nacional revelou um cenário no qual, assim como o da criança, o campo nutricional assume preponderância. No entanto, ao invés de desnutrição, o estado nutricional da mulher indígena é marcado pelo excesso de peso – 46% das mulheres pesquisadas apresentaram sobrepeso ou obesidade 1111 . Coimbra Jr. CEA, Santos RV, Welch JR, Cardoso AM, Souza MC, Garnelo L, et al. The First National Survey of Indigenous People’s Health and Nutrition in Brazil: rationale, methodology, and overview of results. BMC Public Health 2013; 13:52.. Não obstante os indicadores antropométricos apontarem no sentido de “sobrenutrição”, a prevalência de anemia é elevada (32,7%), chegando a 46,8% na Região Norte.

Ao abordar a saúde da mulher indígena, é importante lembrar que estamos tratando de mulheres que experimentam a maternidade cedo em suas vidas e apresentam taxas de fecundidade total elevadas, não raro ultrapassando 8 filhos por mulher. Os dados sobre a mulher indígena coligidos pelo Inquérito Nacional ainda estão sendo analisados, mas já sabemos que a realização do pré-natal, estratégia considerada de suma importância tanto para a saúde da mulher como da criança indígena, em especial do recém-nascido, peca por sua irregularidade nos quesitos cobertura e qualidade.

A expectativa dos pesquisadores que realizaram o Inquérito Nacional, assim como das lideranças indígenas das aldeias visitadas, com as quais longas conversas foram travadas, é de que esse esforço resulte em uma revisão crítica da visão que persiste acerca da política de saúde indígena, particularmente nos órgãos governamentais, de seus determinantes socioepidemiológicos e da atuação dos serviços de saúde destinados ao atendimento do segmento indígena da população brasileira. As ações concretas em saúde indígena que se veem nas aldeias são tímidas e conservadoras, não dando conta da complexidade do quadro apontado pelo Inquérito Nacional no que diz respeito à grande (e ainda pouco conhecida) diversidade de cenários socioculturais, ambientais e epidemiológicos nos quais se inserem as 300 etnias indígenas reconhecidas no último censo decenal brasileiro. A realização rotineira de inquéritos de base populacional com foco na saúde indígena e a ampla disseminação de seus resultados devem ser vistas como estratégicas para fornecer a informação necessária não apenas ao melhor conhecimento da epidemiologia dos povos indígenas, mas também para que se avance nos campos da política e do planejamento das ações de saúde destinadas a essa população.

Referências

  • 1
    Coimbra Jr. CEA, Santos RV. Saúde, minorias e desigualdade: algumas teias de inter-relações, com ênfase nos povos indígenas. Ciênc Saúde Coletiva 2000; 5:125-32.
  • 2
    Santos RV, Coimbra Jr. CEA. Saúde indígena. In: Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde, organizador. As causas sociais das iniqüidades em saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2008. p. 128-30.
  • 3
    Leite MS, Santos RV, Coimbra Jr. CEA, Gugelmin SA. Alimentação e nutrição dos povos indígenas no Brasil. In: Kac G, Sichieri R, Gigante DP, organizadores. Epidemiologia nutricional. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2007. p. 503-18.
  • 4
    Coimbra Jr. CEA, Basta PC. The burden of tuberculosis in indigenous peoples in Amazonia, Brazil. Trans R Soc Trop Med Hyg 2007; 101:635-6.
  • 5
    Cardoso AM, Coimbra Jr. CEA, Werneck GL. Risk factors for hospital admission due to acute lower respiratory tract infection in Guarani indigenous children in southern Brazil: a population-based case-control study. Trop Med Int Health 2013; 18:596-607.
  • 6
    Cardoso AM, Santos RV, Coimbra Jr. CEA. Mortalidade infantil segundo raça/cor no Brasil: o que dizem os sistemas nacionais de informação? Cad Saúde Pública 2005; 21:1602-8.
  • 7
    Sousa MC, Scatena JHG, Santos RV. O Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena (SIASI): criação, estrutura e funcionamento. Cad Saúde Pública 2007; 23:853-61.
  • 8
    Garnelo L, Brandão LC, Levino A. Dimensões e potencialidades dos sistemas de informação geográfica na saúde indígena. Rev Saúde Pública 2005; 39:634-40.
  • 9
    Viacava F. Informações em saúde: a importância dos inquéritos populacionais. Ciênc Saúde Coletiva 2002; 7:607-21.
  • 10
    Barros MBA. Inquéritos domiciliares de saúde: potencialidades e desafios. Rev Bras Epidemiol 2008; 11 Suppl 1:6-19.
  • 11
    Coimbra Jr. CEA, Santos RV, Welch JR, Cardoso AM, Souza MC, Garnelo L, et al. The First National Survey of Indigenous People’s Health and Nutrition in Brazil: rationale, methodology, and overview of results. BMC Public Health 2013; 13:52.
  • 12
    Horta BL, Santos RV, Welch JR, Cardoso AM, Santos JV, Assis AMO, et al. Nutritional status of indigenous children: findings from the First National Survey of the Health and Nutrition of Indigenous Peoples in Brazil. Int J Equity Health 2013; 12:23.
  • 13
    Leite MS, Cardoso AM, Coimbra Jr. CEA, Welch JR, Gugelmin SA, Lira PCI, et al. Prevalence of anemia and associated factors among indigenous children in Brazil: results from the First National Survey of Indigenous People’s Health and Nutrition. Nutr J 2013; 12:69.
  • 14
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saneamento Básico – 2008. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2010.
  • 15
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Atlas de Saneamento 2011. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2011.
  • 16
    Ministério da Saúde. Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher – PNDS 2006: dimensões do processo reprodutivo e da saúde da criança. Brasília: Ministério da Saúde; 2009.
  • 17
    Orellana JDY, Coimbra Jr. CEA, Lourenço AEP, Santos RV. Estado nutricional e anemia em crianças Suruí, Amazônia, Brasil. J Pediatr (Rio J) 2006; 82:383-8.
  • 18
    Escobar AL, Santos RV, Coimbra Jr. CEA. Avaliação nutricional de crianças indígenas Pakaánova (Wari’), Rondônia, Brasil. Rev Bras Saúde Matern Infant 2003; 3:457-61.
  • 19
    Mondini L, Rodrigues D, Gimeno SGA, Baruzzi RG. Estado nutricional e níveis de hemoglobina em crianças Aruak e Karibe: povos indígenas do Alto Xingu, Brasil Central, 2001-2002. Rev Bras Epidemiol 2009; 12:469-77.
  • 20
    Marques AMC, Pompilio MA, Santos SC, Garnês SJA, Cunha RV. Tuberculose em indígenas menores de 15 anos no Estado de Mato Grosso do Sul. Rev Soc Bras Med Trop 2010; 43:700-4.
  • 21
    Gava C, Basta PC, Malacarne J, Rios DPG, Santanna CC, Camacho LAB. Tuberculosis in indigenous children in the Brazilian Amazon. Rev Saúde Pública 2013; 47:77-85.
  • 22
    Souza LG, Santos RV, Carvalho MS, Pagliaro H, Flowers NM, Coimbra Jr. CEA. Demography and health of the Xavante Indians from Central Brazil. Cad Saúde Pública 2011; 27:1891-905.
  • 23
    Cardoso AM, Coimbra Jr. CEA, Barreto CTG, Werneck GL, Santos RV. Mortality among Guarani Indians in Southeastern and Southern Brazil. Cad Saúde Pública 2011; 27 Suppl 2:S222-36.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Abr 2014

Histórico

  • Recebido
    25 Fev 2014
  • Aceito
    12 Mar 2014
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br