Atividade física de lazer no território das Academias da Cidade, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil: o efeito da presença de um programa de promoção da saúde na comunidade

Amanda Paula Fernandes Amanda Cristina de Souza Andrade Cynthia Graciane Carvalho Ramos Amélia Augusta de Lima Friche Maria Angélica de Salles Dias César Coelho Xavier Fernando Augusto Proietti Waleska Teixeira Caiaffa Sobre os autores

Resumo

O estudo investigou a atividade física no lazer de 1.621 adultos não-usuários o Programa Academias da Cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, e de residentes no entorno de um polo do Programa, Grupo Intervenção (Grupo I), e de dois polos com locais reservados para sua construção, grupos sem intervenção (Grupos II e III . A variável dependente foi atividade física no lazer, e a distância euclidiana dos domicílios em relação ao polo, principal variável de exposição, foi categorizada nos buffers: < 500m; 500-1.000m; 1.000-1.500m. A regressão logística binária foi realizada pelo método Generalized Estimation Equations. Residentes no raio < 500m da intervenção avaliaram melhor os atributos do ambiente e, quando comparados aos residentes de 1.000-1.500m, apresentaram maior chance de serem ativos no lazer (OR = 1,16; IC95%: 1,03-1,30), independentemente dos fatores sociodemográficos; o mesmo não foi observado nos Grupos II e III. Os resultados sugerem a potencialidade do programa em influenciar a prática de atividade física no lazer da população residente mais próxima à intervenção sendo, portanto, estratégico na mitigação de iniquidades em atividade física.

Atividades de Lazer; Atividade Motora; Avaliação de Programas e Projetos de Saúde; Saúde Urbana

Introdução

A inatividade física é um importante fator de risco para a mortalidade global. As políticas de promoção da saúde preconizam o incentivo à prática regular de atividade física como uma estratégia de prevenção e controle das doenças crônicas não transmissíveis, principalmente os agravos metabólicos e cardiovasculares 11. World Health Organization. Global strategy on diet, physical activity and health. Geneva: World Health Organization; 2004.. No Brasil, onde os acometimentos crônicos são a maior causa de óbitos 22. Schmidt MI, Duncan BB, Azevedo e Silva G, Menezes AM, Monteiro CA, Barreto SM, et al. Chronic non-communicable diseases in Brazil: burden and current challenges. Lancet 2011; 377:1949-61., apenas 22,5% da população cumpre as recomendações para atividade física de lazer 33. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde, 2013. Percepção do estado de saúde, estilos de vida e doenças crônicas: Brasil, Grandes regiões e Unidades da Federação. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2014..

A urbanização contribui, em parte, para esse panorama desfavorável. Na dinâmica das cidades, problemas como ausência de instalações de esporte e lazer, poluição, tráfego de alta densidade e violência tendem a desestimular a prática de atividade física 44. World Health Organization. Promoting physical activity and active living in urban environments. Geneva: World Health Organization; 2006.. Esses aspectos se expressam de maneira ainda mais complexa em áreas de vulnerabilidade 55. Caiaffa WT, Ferreira FR, Ferreira AD, Oliveira CD, Camargos VP, Proietti FA. Urban health: “the city is a strange lady, smiling today, devouring you tomorrow”. Ciênc Saúde Coletiva 2008; 13:1785-96.,66. Galea S, Vlahov D. Urban health: evidence, challenges, and directions. Annu Rev Public Health 2005; 26:341-65., onde a falta de planejamento urbano atrelada à carência de infraestrutura restringe as oportunidades à prática 77. Bauman AE, Reis RS, Sallis JF, Wells JC, Loos RJ, Martin BW, et al. Correlates of physical activity: why are some people physically active and others not? Lancet 2012; 380:258-71.. Atualmente, mais de 80% dos brasileiros vivem em centros urbanos, sendo que 6% da população do país residem em aglomerados 88. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Sinopse do Censo Demográfico 2010. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2011..

A adoção de um estilo de vida ativo não se resume a uma escolha deliberada. Trata-se de comportamento multifatorial influenciado pela interação das características dos indivíduos com o meio físico, social e político a que são expostos 77. Bauman AE, Reis RS, Sallis JF, Wells JC, Loos RJ, Martin BW, et al. Correlates of physical activity: why are some people physically active and others not? Lancet 2012; 380:258-71.,99. Sallis JF, Cervero RB, Ascher W, Henderson KA, Kraft MK, Kerr J. An ecological approach to creating active living communities. Annu Rev Public Health 2006; 27:297-322.. Nesse contexto, o delineamento de ações de enfretamento à inatividade física deve considerar, além das iniquidades no acesso, o planejamento e reformulação do espaço urbano 44. World Health Organization. Promoting physical activity and active living in urban environments. Geneva: World Health Organization; 2006.. Assim, intervenções de base comunitária, que incluem, dentre outros aspectos, melhorias nos atributos físicos do ambiente, tornam-se uma alternativa para elevar os níveis de atividade física da população 44. World Health Organization. Promoting physical activity and active living in urban environments. Geneva: World Health Organization; 2006.,77. Bauman AE, Reis RS, Sallis JF, Wells JC, Loos RJ, Martin BW, et al. Correlates of physical activity: why are some people physically active and others not? Lancet 2012; 380:258-71.,1010. Rydin Y, Bleahu A, Davies M, Davila JD, Friel S, De Grandis G, et al. Shaping cities for health: complexity and the planning of urban environments in the 21st century. Lancet 2012; 379:2079-108..

Esse modelo de intervenção, baseado em aulas de atividade física na comunidade, já está consolidado na gestão e delineamento das políticas públicas brasileiras em nível federal 1111. Ministério da Saúde. Portaria no 719, de 7 de abril de 2011. Institui o Programa Academia da Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da União 2011; 8 abr.,1212. Malta DC, Castro AM, Gosch CS, Cruz DKA, Bressan A, Nogueira JD, et al. A Política Nacional de Promoção da Saúde e a agenda da atividade física no contexto do SUS. Epidemiol Serv Saúde 2009; 18:79-86.,1313. Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Avaliação de efetividade de Programas de Atividade Física no Brasil. Brasília: Ministério da Saúde; 2011.. Em Belo Horizonte, capital do Estado de Minas Gerais, o Programa Academias da Cidade oferece, desde 2006, uma proposta gratuita de estímulo à prática de atividade física com objetivo de encorajar a adoção de estilos de vida saudáveis 1414. Dias MAS, Bicalho K, Mourão M, Alves MN, Evangelista PA, Rodrigues RCLC, et al. Promoção à saúde e articulação intersetorial. In: Magalhães Júnior HM, organizador. Desafios e inovações na gestão do SUS em Belo Horizonte: a experiência de 2003 a 2008. Belo Horizonte: Mazza; 2010. p. 63-99.. Atualmente, são cerca de 60 polos distribuídos nas nove regionais da cidade 1515. Prefeitura de Belo Horizonte. Academia da Cidade: saúde e equilíbrio mais próximo do cidadão. http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/contents.do?evento=conteudo&idConteudo=26825&chPlc=26825 (accessed on Jul/2014).
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Embora consideradas estratégias promissoras na promoção da atividade física, as evidências disponíveis são insuficientes para determinar a efetividade dessas intervenções. Os estudos, em sua maioria, são restritos aos participantes do programa, de maneira que o impacto sobre a saúde da comunidade adstrita ainda não foi elucidado 1313. Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Avaliação de efetividade de Programas de Atividade Física no Brasil. Brasília: Ministério da Saúde; 2011.,1616. Hoehner CM, Ribeiro IC, Parra DC, Reis RS, Azevedo MR, Hino AA, et al. Physical activity interventions in Latin America: expanding and classifying the evidence. Am J Prev Med 2013; 44:e31-40.,1717. Hoehner CM, Soares J, Parra Perez D, Ribeiro IC, Joshu CE, Pratt M, et al. Physical activity interventions in Latin America: a systematic review. Am J Prev Med 2008; 34:224-33..

Dessa maneira, o objetivo deste trabalho foi avaliar o efeito da presença do Programa Academias da Cidade de Belo Horizonte sobre a prática de atividade física no lazer de não-usuários, residentes em domicílios localizados a diferentes distâncias da academia (AC). A hipótese é de que a implantação de um equipamento comunitário em áreas urbanas vulneráveis favorece a prática de atividade física dos residentes adstritos e não apenas dos participantes do programa.

Métodos

Desenho do estudo

As informações deste trabalho são provenientes do inquérito domiciliar denominado Estudo Saúde em Beagá (2008-2009), realizado pelo Observatório de Saúde Urbana de Belo Horizonte (OSUBH), em dois dos nove distritos sanitários de Belo Horizonte: Oeste e Barreiro. A escolha desses distritos considerou que, à data do início do inquérito, um polo do Programa Academias da Cidade estava em atividade e três tinham locais reservados para a sua construção 1313. Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Avaliação de efetividade de Programas de Atividade Física no Brasil. Brasília: Ministério da Saúde; 2011.,1818. Camargos VP, Cesar CC, Caiaffa WT, Xavier CC, Proietti FA. Multiple imputation and complete case analysis in logistic regression models: a practical assessment of the impact of incomplete covariate data. Cad Saúde Pública 2011; 27:2299-313.,1919. Ferreira AD, Comini CC, Malta DC, Andrade ACS, Ramos CGC, Proietti FA, et al. Validity of data collected by telephone survey: a comparison of VIGITEL 2008 and ‘Saúde em Beagá’ survey. Rev Bras Epidemiol 2011; 14:16-30..

Assim, como estratégia para garantir a representatividade dos residentes no entorno das AC, incluindo usuários e não-usuários, as probabilidades de seleção de cada setor censitário foram diferenciadas de acordo com a posição geográfica desses quatro polos. Os dois setores mais próximos aos locais das academias foram incluídos na pesquisa sem a necessidade de sorteio. Aqueles a menos de 500 metros e os localizados entre 500 e 1.000 metros tiveram, respectivamente, 8 e 4 vezes mais chances de serem sorteados, quando comparados com setores a mais de 1.000 metros de qualquer polo. Esse desenho possibilitou a criação de uma linha de base para a avaliação do impacto do programa 1313. Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Avaliação de efetividade de Programas de Atividade Física no Brasil. Brasília: Ministério da Saúde; 2011.,1818. Camargos VP, Cesar CC, Caiaffa WT, Xavier CC, Proietti FA. Multiple imputation and complete case analysis in logistic regression models: a practical assessment of the impact of incomplete covariate data. Cad Saúde Pública 2011; 27:2299-313.,1919. Ferreira AD, Comini CC, Malta DC, Andrade ACS, Ramos CGC, Proietti FA, et al. Validity of data collected by telephone survey: a comparison of VIGITEL 2008 and ‘Saúde em Beagá’ survey. Rev Bras Epidemiol 2011; 14:16-30..

O delineamento amostral adotado foi proporcional, estratificado segundo o Índice de Vulnerabilidade à Saúde (IVS) 2020. Caiaffa WT, Nabuco AL, Friche AAL, Proietti FA. Urban health and governance model in Belo Horizonte, Brazil. In: Vlahov D, Boufford JI, Pearson C, Norris L, editors. Urban health: global perspective. New York: The New York Academy of Medicine; 2010. p. 437-52., por conglomerados em três estágios. Dentro de cada estrato do IVS foram selecionados: (a) 149 setores censitários com tamanho amostral proporcional ao total de setores do estrato e com probabilidades de seleção descritas anteriormente; (b) domicílio, por meio de amostra aleatória simples valendo-se da base de dados da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte; (c) um morador adulto (18 anos ou mais), de forma aleatória no domicílio 2121. Berquó ES. Selección de unidades de información en encuestas demográficas: un método para construir tablas de sorteo. Santiago de Chile: Centro Latinoamericano y Caribeño de Demografía; 1975. (Notas de Población, 3)., totalizando uma amostra de 4.048. Adicionalmente, no período de realização do inquérito, foram realizadas entrevistas com todos os usuários do polo em funcionamento (n = 319).

Programa Academias da Cidade

Em 2005, com o objetivo de elaborar ações integradas visando à prevenção aos fatores de risco para doenças crônicas, a Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte conduziu a implementação do Programa Academias da Cidade iniciado em dezembro de 2006 com a construção da primeira AC na região leste da cidade 1313. Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Avaliação de efetividade de Programas de Atividade Física no Brasil. Brasília: Ministério da Saúde; 2011.. Entre 2007 e 2008, a construção e planejamento de novos polos deu início à expansão do programa para outras regiões do município 1414. Dias MAS, Bicalho K, Mourão M, Alves MN, Evangelista PA, Rodrigues RCLC, et al. Promoção à saúde e articulação intersetorial. In: Magalhães Júnior HM, organizador. Desafios e inovações na gestão do SUS em Belo Horizonte: a experiência de 2003 a 2008. Belo Horizonte: Mazza; 2010. p. 63-99.. Os quatro polos incluídos no delineamento amostral do Estudo Saúde em Beagá integraram esse processo, sendo um deles inaugurado na ocasião do planejamento do inquérito. Essa AC funcionava em um centro de recreação e esportes construído por demanda coletiva dos moradores e viabilizado pelo Orçamento Participativo 22. Schmidt MI, Duncan BB, Azevedo e Silva G, Menezes AM, Monteiro CA, Barreto SM, et al. Chronic non-communicable diseases in Brazil: burden and current challenges. Lancet 2011; 377:1949-61.22. Schmidt MI, Duncan BB, Azevedo e Silva G, Menezes AM, Monteiro CA, Barreto SM, et al. Chronic non-communicable diseases in Brazil: burden and current challenges. Lancet 2011; 377:1949-61.,2323. Prefeitura de Belo Horizonte. Obras de ontem na Regional Barreiro. http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/noticia.do?evento=portlet&pAc=not&idConteudo=48971 (accessed on Jul/2014).
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As AC são espaços com infraestrutura para a prática de exercícios físicos supervisionados por professores de Educação Física. As atividades incluem avaliação física, aulas de ginástica geral, caminhada e alongamento, entre outras. As aulas, oferecidas em até dois turnos diários (manhã, tarde ou noite), têm duração de cerca de uma hora e ocorrem todos os dias da semana. O programa atende prioritariamente pessoas acima de 18 anos encaminhadas pelos centros de saúde e, também, aqueles que espontaneamente procuram o serviço. As AC atendem cerca de 400 pessoas e são implantadas preferencialmente em áreas de vulnerabilidade social, em locais públicos próprios ou compartilhados. Estrategicamente, as AC estão localizadas nas proximidades dos centros de saúde com o objetivo de maximizar sua abrangência para todo seu entorno por meio de ações vinculadas nas escolas municipais, equipamentos públicos e demais políticas públicas adstritas 1313. Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Avaliação de efetividade de Programas de Atividade Física no Brasil. Brasília: Ministério da Saúde; 2011.,1414. Dias MAS, Bicalho K, Mourão M, Alves MN, Evangelista PA, Rodrigues RCLC, et al. Promoção à saúde e articulação intersetorial. In: Magalhães Júnior HM, organizador. Desafios e inovações na gestão do SUS em Belo Horizonte: a experiência de 2003 a 2008. Belo Horizonte: Mazza; 2010. p. 63-99.,1515. Prefeitura de Belo Horizonte. Academia da Cidade: saúde e equilíbrio mais próximo do cidadão. http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/contents.do?evento=conteudo&idConteudo=26825&chPlc=26825 (accessed on Jul/2014).
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Amostra do estudo

Para o presente estudo considerou-se uma subamostra composta por 1.712 adultos não- usuários do Programa, proveniente da amostra de 4.048 do inquérito de base. Esses indivíduos residiam em 62 setores censitários contidos em um raio de 1.500 metros no entorno geográfico das AC. Esses setores estavam distribuídos no entorno do polo em funcionamento, localizado no Distrito Sanitário Barreiro, denominado neste estudo como Polo I, e no entorno dos locais definidos para a implantação de outros dois polos, denominados Polos II e III previstos, respectivamente, para os Distritos Sanitários Barreiro e Oeste. O quarto polo, incluído no processo amostral do Estudo Saúde em Beagá, foi retirado desta análise porque o local, inicialmente planejado para a construção da AC, foi posteriormente alterado. Dessa maneira, considerou-se como intervenção a presença efetiva do Programa, neste caso o Polo I, constituindo assim um entorno exposto e dois não expostos à AC.

Definiu-se um raio de 1.500 metros no entorno geográfico das AC com base na informação de que os usuários da academia em funcionamento (Polo I) residiam, em sua maioria, nesta área (Figura 1). Os locais para implantação dos Polos II e III estavam previamente definidos pela Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, o que tornou possível traçar os raios no entorno geográfico destes pontos.

Figura 1
Setores censitários contidos nos raios de até 1.500 metros no entorno dos locais dos polos do Programa Academias da Cidade dos distritos sanitários Oeste e Barreiro, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, de acordo com as categorias do Índice de Vulnerabilidade à Saúde.

Variável de estratificação

Foram criados três grupos de comparação: (a) Grupo I que incluiu os residentes no entorno geográfico do Polo I, considerado grupo intervenção; (b) Grupos II e III compostos, respectivamente, pelos residentes no entorno dos Polos II e III, grupo sem intervenção. Definiu-se assim um grupo exposto à AC, dado que o Polo I funcionava, e outros dois grupos não expostos dado que os Polos II e III não haviam sido implantados.

Variável resposta

A variável resposta foi a prática de atividade física no lazer mensurada pela versão longa do Questionário Internacional de Atividade Física. O tempo de atividade física no lazer foi obtido pela multiplicação da frequência (dias/semana) e da duração média (minutos/dia) de caminhada leve, moderada e vigorosa, esta última multiplicada por dois. Foram considerados ativos os indivíduos com um escore de atividade física ≥ 150 minutos/semana 2424. World Health Organization. Global recommendations on physical activity for health. Geneva: World Health Organization; 2010.,2525. Departamento de Análise de Situação de Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Vigitel Brasil 2012: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico. Brasília: Ministério da Saúde; 2013..

Variáveis independentes

A principal variável independente deste estudo foi o raio medido pela distância euclidiana dos domicílios em relação ao polo construído ou ao local a ser implantado, categorizada em: < 500m; 500-1000m; 1000-1500m.

Foram consideradas as seguintes variáveis sociodemográficas : sexo, idade (18-29; 30-39; 40-49; 50-59; ≥ 60 anos), escolaridade (0-8; 9-11 e ≥ 12 anos de estudos), renda familiar (< 2; 2-3; 3-5; ≥ 5 salários mínimos), estado conjugal (com e sem parceiro), tempo de residência (1-4; 5-14, 15-25; ≥ 26 anos de moradia no mesmo local). A renda do setor foi obtida pela razão entre o total do rendimento nominal mensal dos domicílios particulares permanentes e a população total de cada setor censitário 88. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Sinopse do Censo Demográfico 2010. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2011., classificada em tercis, em baixa, média e alta.

As variáveis do ambiente físico e social incluíram as seguintes perguntas e suas respectivas formas de aferição: “Na sua vizinhança, como o Sr. (a) avalia: a iluminação das ruas?”, “a manutenção de ruas e calçadas?”, “os locais públicos de esporte e lazer?”, medidas em escala likert de cinco itens (muito bom a muito ruim); “É fácil caminhar de um lugar para outro?”, “O(A) Senhor(a) frequentemente vê pessoas se exercitando (fazendo caminhada, andando de bicicleta, jogando bola)?”, com respostas dicotômicas (sim/não) e, finalmente, suporte social para a prática de atividade física pela pergunta: “Tem pelo menos um amigo ou familiar que se compromete a fazer atividade física com você?”, também aferido com respostas dicotômicas (sim/não).

Análise estatística

Foi realizada análise descritiva, seguida pelo cálculo das prevalências de atividade física no lazer e seus respectivos intervalos de 95% de confiança (IC95%), de acordo com as características sociodemográficas para cada grupo de comparação. O teste qui-quadrado de Pearson foi usado para comparar as proporções entre os grupos e verificar os fatores associados à atividade física no lazer. A distribuição das variáveis do ambiente foi representada graficamente, conforme a distância ao local da AC, para cada grupo de comparação.

A associação entre atividade física no lazer e a distância ao polo, ajustada por variáveis sociodemográficas, foi obtida por meio da regressão logística binária pelo método de estimação GEE (Generalized Estimation Equations), que considera efeito de cluster (indivíduos aninhados no setor censitário). Foi utilizada a estrutura de correlação exchangeable, adequada quando as observações são agrupadas em alguma estrutura específica 2626. Hanley JA, Negassa A, Edwardes MDB, Forrester JE. Statistical analysis of correlated data using generalized estimating equations: an orientation. Am J Epidemiol 2003; 157:364-75.. A magnitude da associação foi estimada pela odds ratio (OR) e seu respectivo IC95%. Foi adotado um nível de significância de 5%.

As análises foram realizadas no software Stata, versão 12.0 (StataCorp LP, College Station, Estados Unidos). A manipulação dos dados geográficos foi realizada com o auxílio do software MapInfo, versão 8.5 (MapInfo Corp LP., Nova York, Estados Unidos).

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (COEP – parecer no ETIC 253/006).

Resultados

Dos 1.712 participantes deste trabalho, 5,6% foram excluídos devido à ausência de informação para a variável resposta, totalizando 1.621 adultos. Desses, 519 indivíduos compuseram o Grupo I, 422 o Grupo II e 680 o Grupo III distribuídos, respectivamente, em 20, 17 e 25 setores censitários.

Quanto às características sociodemográficas, verificou-se maior proporção de indivíduos do sexo feminino, com 0 a 8 anos de escolaridade e que relatou ter parceiro, nos três grupos, sem diferença significativa entre eles. Os grupos diferiram em relação à idade, renda familiar, tempo de moradia e renda do setor. A idade média foi de 43,8 anos (IC95%: 42,4-45,2) para o Grupo I, 40,2 anos (IC95%: 38,6-41,7) para o II e 45,5 anos (IC95%: 44,2-46,7) para o III. O Grupo II apresentou a menor proporção de indivíduos com renda familiar ≥ 5 salários mínimos (15,2% versus 20,3% Grupo I e 23,3% Grupo III). O tempo médio de moradia do Grupo III (17,5 anos; IC95%: 16,5-18,6) foi maior do que o dos demais grupos (14,5 anos; IC95%: 13,5-15,5 Grupo I e 14,3 anos; IC95%: 13,4-15,2 Grupo II). Quanto à renda do setor, 73% e 43% dos residentes de setores de renda média pertenciam, respectivamente, aos Grupos I e III, enquanto no Grupo II, 77% pertenciam aos setores de renda baixa.

Quanto ao ambiente físico e social, a maioria dos indivíduos, cuja comparação entre grupos não diferiu, avaliou como muito bom/bom a iluminação e a manutenção de ruas e calçadas, assim como o relato de ver pessoas se exercitando. No entanto, houve diferença entre os grupos para: avaliação dos locais de esporte/lazer, em que 65,1% dos indivíduos que residiam no entorno do polo implantado (Grupo I) os avaliaram como muito bom/bom, e nos demais grupos esta proporção foi de apenas 27,0% para o Grupo II e 24,8% para o Grupo III. Facilidade de caminhar na vizinhança foi mais relatada no Grupo III (94,3% versus 87,5% Grupo I e 87,7%, Grupo II) e o relato de ter incentivo de amigos/familiares foi mais frequente naqueles do Grupo I (Tabela 1).

Tabela 1
Distribuição das características sociodemográficas e do ambiente físico e social para cada grupo de comparação. Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, 2008-2009.

A prevalência de atividade física no lazer foi de 26,6% (IC95%: 22,7-30,4) no Grupo I, 22,3% (IC95%: 18,3-26,2) no Grupo II e 23,2% (IC95%: 20,0-26,4) no Grupo III (valor de p = 0,246). A caminhada foi a atividade mais frequente entre aqueles que relataram praticar atividade física nos três meses anteriores à entrevista, 64,1% Grupo I, 59,8% Grupo II e 56,6% Grupo III (valor de p = 0,293). Sexo e idade associaram-se à atividade física no lazer apenas para Grupo I, com maior prevalência de ativos entre homens e pessoas jovens. Indivíduos com maior escolaridade, para os três grupos, e maior renda familiar, para os Grupos II e III, foram os mais ativos. Renda do setor esteve associada positivamente à atividade física no lazer para os Grupos I e III (Tabela 2).

Tabela 2
Prevalência de ativos no lazer segundo variáveis sociodemográficas e distância ao local do polo para cada grupo de comparação. Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, 2008-2009.

Quando se avalia a distância ao polo, a prevalência de ativos no lazer foi maior entre os residentes mais próximos ao Polo I (32,1% para distância < 500m; 25,4% entre 500 e 1.000m e 16,3% entre 1.000 e 1500m). Para os grupos sem intervenção (Grupos II e III) não foi observada diferença significativa (Tabela 2).

A distribuição de frequência das características do ambiente físico e social de acordo com a distância ao polo e grupos de comparação é apresentada na Figura 2. Destaca-se que os indivíduos residentes até 500m do polo implantado (Grupo I) avaliaram, em maior proporção, como muito bom/bom os locais de esporte/lazer e a manutenção das ruas e calçadas. Perceberam também, com maior frequência, pessoas se exercitando na sua vizinhança, que é fácil caminhar, bem como relataram ter incentivo de amigos/familiares.

Figura 2
Distribuição de frequência da avaliação muito bom/bom dos locais públicos de esporte/lazer, da iluminação e a manutenção de ruas e calçadas, ver pessoas se exercitando, ser fácil caminhar na vizinhança e ter incentivo de amigos/familiares.

Verifica-se, na Tabela 3, que a associação positiva entre atividade física no lazer e a distância ao polo para o Grupo Intervenção (modelo 1) se mantém mesmo após o ajuste por características sociodemográficas (modelo 2), bem como pela renda do setor (modelo 3). Comparados aos residentes a uma distância de 1.000-1.500m, os residentes mais próximos à intervenção apresentaram maior chance de serem ativos no lazer (OR = 1,16; IC95%: 1,03-1,30 para distância < 500m e OR = 1,06; IC95%: 0,88-1,57 entre 500 e 1.000m).

Tabela 3
Modelo de regressão logística binária para atividade física no lazer e distância ao polo para cada grupo de comparação. Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, 2008-2009.

Discussão

Não-usuários, residentes em áreas adstritas de até 500 metros de um polo do Programa Academias da Cidade, tiveram maior chance de serem ativos no lazer quando comparados com residentes vivendo no entorno superior a esta distância, mesmo ajustado por características sociodemográficas e pela renda do setor. Esse efeito não foi observado em áreas sem a intervenção. Também, residentes no entorno de até 500m da Academia implantada melhor avaliaram os locais de esporte/lazer, bem como outros atributos do ambiente físico, além de relatar maior incentivo de amigos/familiares para a prática de atividade física.

O contexto de vizinhança ou moradia reúne características que representam diferentes oportunidades de estilo de vida 66. Galea S, Vlahov D. Urban health: evidence, challenges, and directions. Annu Rev Public Health 2005; 26:341-65.,2727. Diez Roux AV, Mair C. Neighborhoods and health. Ann N Y Acad Sci 2010; 1186:125-45.,2828. Proietti FA, Oliveira CDL, Ferreira FR, Ferreira AD, Caiaffa WT. Unidade de contexto e observação social sistemática em saúde: conceitos e métodos. Physis (Rio J.) 2008; 18:469-82.. A maneira como esse ambiente se configura quanto aos equipamentos presentes, à oferta de serviços e espaços públicos, vem sendo, cada vez mais, identificada como modulador de hábitos relacionados à saúde 99. Sallis JF, Cervero RB, Ascher W, Henderson KA, Kraft MK, Kerr J. An ecological approach to creating active living communities. Annu Rev Public Health 2006; 27:297-322.,2929. Diez Roux AV. Residential environments and cardiovascular risk. J Urban Health 2003; 80:569-89.,3030. Mehdipanah R, Rodriguez-Sanz M, Malmusi D, Muntaner C, Diez E, Bartoll X, et al. The effects of an urban renewal project on health and health inequalities: a quasi-experimental study in Barcelona. J Epidemiol Community Health 2014; 68:811-7.,3131. Rech CR, Reis RS, Hino AA, Hallal PC. Personal, social and environmental correlates of physical activity in adults from Curitiba, Brazil. Prev Med 2014; 58:53-7.. Nesse entendimento, é possível que um programa de atividade física comunitário interfira no entorno em que está inserido e, em alguma medida, afete o cotidiano dos residentes adstritos.

Avaliações prévias, realizadas em algumas capitais brasileiras, sugerem influência positiva das AC sobre a prática de atividade física de não- usuários, traduzida pelo efeito indireto de ter visto ou ouvido falar do programa 3232. Mendonca BC, Oliveira AC, Toscano JJO, Knuth AG, Borges TT, Malta DC, et al. Exposure to a community-wide physical activity promotion program and leisure-time physical activity in Aracaju, Brazil. J Phys Act Health 2010; 7 Suppl 2:S223-8.,3333. Simoes EJ, Hallal P, Pratt M, Ramos L, Munk M, Damascena W, et al. Effects of a community-based, professionally supervised intervention on physical activity levels among residents of Recife, Brazil. Am J Public Health 2009; 99:68-75.. Entretanto, nenhum desses trabalhos comparou grupos com e sem intervenção ou avaliou a associação com a distância ao equipamento. Há ainda informações de que a identidade visual dos polos é um dos principais mecanismos de difusão do programa na população geral 3333. Simoes EJ, Hallal P, Pratt M, Ramos L, Munk M, Damascena W, et al. Effects of a community-based, professionally supervised intervention on physical activity levels among residents of Recife, Brazil. Am J Public Health 2009; 99:68-75.,3434. Hallal PC, Tenorio MC, Tassitano RM, Reis RS, Carvalho YM, Cruz DK, et al. Evaluation of the Academia da Cidade program to promote physical activity in Recife, Pernambuco State, Brazil: perceptions of users and non-users. Cad Saúde Pública 2010; 26:70-8..

Em nosso estudo, para o grupo intervenção (Grupo I), a prevalência de não-usuários ativos no lazer apresentou um gradiente dose-resposta evidenciado pelo efeito da proximidade à AC. Nessa direção, é plausível que a compreensão dos mecanismos de influência do Programa sobre a prática da atividade física de não-usuários perpassam por fatores materializados pelo ambiente mais próximo de convivência.

Assim, a criação de espaços públicos, com base na articulação de políticas urbanas e sociais, como as AC, proporcionaria no cotidiano dos residentes adstritos alternativas para superar as barreiras relacionadas à inatividade física. A AC poderia, em um nível intermediário, modificar características do contexto e, a partir daí, atuar indiretamente sobre aspectos mais proximais relacionadas à atividade física no lazer 55. Caiaffa WT, Ferreira FR, Ferreira AD, Oliveira CD, Camargos VP, Proietti FA. Urban health: “the city is a strange lady, smiling today, devouring you tomorrow”. Ciênc Saúde Coletiva 2008; 13:1785-96.,77. Bauman AE, Reis RS, Sallis JF, Wells JC, Loos RJ, Martin BW, et al. Correlates of physical activity: why are some people physically active and others not? Lancet 2012; 380:258-71.,99. Sallis JF, Cervero RB, Ascher W, Henderson KA, Kraft MK, Kerr J. An ecological approach to creating active living communities. Annu Rev Public Health 2006; 27:297-322.,2727. Diez Roux AV, Mair C. Neighborhoods and health. Ann N Y Acad Sci 2010; 1186:125-45..

A percepção positiva dos diferentes atributos físicos da vizinhança, mais frequente entre aqueles mais próximos da intervenção (< 500m), reforça essa hipótese. Os locais públicos para esporte/lazer, bem como a manutenção das ruas e calçadas, foram mais bem avaliados pelos residentes no menor raio em comparação àqueles a mais de 500m do Polo I. Além disso, a proximidade ao Programa também foi associada ao relato de maior facilidade para caminhar e ver mais pessoas se exercitando na vizinhança. Na medida em que se ampliava o raio ao redor da intervenção, a percepção positiva desses atributos diminuía significativamente. Para os grupos sem intervenção, a análise por distância não revelou o mesmo gradiente. Desse modo, parece que a presença do dispositivo comunitário, em um lugar onde não havia infraestrutura semelhante 2323. Prefeitura de Belo Horizonte. Obras de ontem na Regional Barreiro. http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/noticia.do?evento=portlet&pAc=not&idConteudo=48971 (accessed on Jul/2014).
http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/noti...
, representou uma importante mudança no ambiente físico da vizinhança e pode ter sustentado as diferenças nos níveis de atividade física no lazer mensuradas ao longo do raio.

Quando analisamos as barreiras entre entrevistados que não praticaram atividade física no lazer nos três meses anteriores à entrevista (dados não mostrados), falta de tempo (51,4% Grupo I, 48,3% Grupo II e 54,9% Grupo III, valor de p = 0,212) e não ter acesso a equipamentos de ginástica (33,4% Grupo I, 38,2% Grupo II e 36,9% Grupo III, valor de p = 0,304) foram os impedimentos mais relatados para os três grupos. No entanto, a análise estratificada pela distância revelou que 23,8% dos residentes mais próximos ao Polo I relataram não ter acesso a equipamentos de ginástica contra 41,7% no raio de 500 a 1.000m, e 35,9% no de 1.000 a 1.500m (valor de p = 0,008). O mesmo não foi replicado nos grupos de comparação. A proximidade de um espaço público para a prática pode ter contribuído para esse resultado, dado que no domínio do lazer, esse é um importante fator de estímulo à atividade física 77. Bauman AE, Reis RS, Sallis JF, Wells JC, Loos RJ, Martin BW, et al. Correlates of physical activity: why are some people physically active and others not? Lancet 2012; 380:258-71.,1010. Rydin Y, Bleahu A, Davies M, Davila JD, Friel S, De Grandis G, et al. Shaping cities for health: complexity and the planning of urban environments in the 21st century. Lancet 2012; 379:2079-108..

Ademais, em relação ao suporte social, o incentivo de amigos e familiares foi maior no Grupo I e, mais uma vez, o gradiente indiciou o efeito da proximidade à intervenção. O Grupo II, área de maior vulnerabilidade, apresentou gradiente inverso e, no Grupo III, não houve associação entre a distância e a presença de incentivo. O espaço da AC pode facilitar e estimular a difusão dos benefícios acerca da prática de atividade física no lazer. Essa rede de informações seria potencializada pela presença de usuários do Programa na vizinhança 3434. Hallal PC, Tenorio MC, Tassitano RM, Reis RS, Carvalho YM, Cruz DK, et al. Evaluation of the Academia da Cidade program to promote physical activity in Recife, Pernambuco State, Brazil: perceptions of users and non-users. Cad Saúde Pública 2010; 26:70-8.. De tal maneira, a estrutura do Polo I poderia aumentar a possibilidade de contatos sociais entre os residentes adstritos e reforçar o incentivo para prática.

Até o nosso conhecimento, este é o primeiro estudo que avaliou o efeito das AC sobre a atividade física no lazer de não-usuários adstritos, considerando diferentes distâncias ao equipamento e incluindo grupos de comparação sem a intervenção. Entretanto, é necessário considerar algumas limitações. A impossibilidade de obter informações advindas da população antes da implantação do Polo I inviabiliza a temporalidade como critério causal. Em contrapartida, o gradiente observado em diferentes análises, envolvendo a distância ao local da AC, reforça a plausibilidade dos achados e a direção da associação.

A seleção de apenas um polo em funcionamento e dois com implantação planejada restringe a generalização dos resultados. Porém, vale ressaltar que o desenho amostral do inquérito de base tentou garantir a representatividade dos usuários e da população residente no entorno dos polos 1313. Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Avaliação de efetividade de Programas de Atividade Física no Brasil. Brasília: Ministério da Saúde; 2011.. Embora passíveis de influência a características individuais como renda, escolaridade ou idade 3535. Hino AAF, Reis RS, Florindo AA. Ambiente construído e atividade física: uma breve revisão dos métodos de avaliação. Rev Bras Cineantropom Desempenho Hum 2010; 12:387-94., as variáveis de percepção do ambiente físico foram validadas para a mesma amostra populacional 3636. Friche AA, Diez-Roux AV, Cesar CC, Xavier CC, Proietti FA, Caiaffa WT. Assessing the psychometric and ecometric properties of neighborhood scales in developing countries: Saude em Beaga Study, Belo Horizonte, Brazil, 2008-2009. J Urban Health 2013; 90:246-61.. A utilização de informações autorreferidas para mensurar a prática de atividade física no lazer está sujeita a sub ou superestimativas da duração e intensidade das atividades. No entanto, o questionário aplicado foi validado para a população brasileira 3737. Craig CL, Marshall AL, Sjostrom M, Bauman AE, Booth ML, Ainsworth BE, et al. International physical activity questionnaire: 12-country reliability and validity. Med Sci Sports Exerc 2003; 35: 1381-95..

Quanto ao uso da distância euclidiana como a principal variável independente, ressalta-se que, se por um lado ela não representa a mobilidade real dos residentes aos locais dos polos, por outro oferece uma medida objetiva capaz de contornar as restrições de dados autorreferidos. A distância linear, mesmo que ignore barreiras físicas ou redes de acesso disponíveis, aumenta as chances de uma distribuição mais homogênea da exposição 3535. Hino AAF, Reis RS, Florindo AA. Ambiente construído e atividade física: uma breve revisão dos métodos de avaliação. Rev Bras Cineantropom Desempenho Hum 2010; 12:387-94.,3838. Chaix B, Merlo J, Evans D, Leal C, Havard S. Neighbourhoods in eco-epidemiologic research: delimiting personal exposure areas. A response to Riva, Gauvin, Apparicio and Brodeur. Soc Sci Med 2009; 69:1306-10.. Isso fortalece a validade interna dos dados e minimiza possíveis vieses de fonte comum.

Apesar das limitações, os resultados encontrados sugerem que o impacto do programa de promoção à saúde ligada às práticas de atividade física pode produzir efeitos que vão além de seus participantes diretos, afetando a comunidade adstrita. Infere-se que a AC interfere no meio produzindo um efeito “halo” que se expande com potencial alcance daqueles mais próximos à intervenção. Esse efeito pode sofrer reflexões, refrações, dispersões e interferências inerentes à tradução do Programa em cada contexto 66. Galea S, Vlahov D. Urban health: evidence, challenges, and directions. Annu Rev Public Health 2005; 26:341-65.,2727. Diez Roux AV, Mair C. Neighborhoods and health. Ann N Y Acad Sci 2010; 1186:125-45.. Em termos de efetividade, esses achados sinalizam para a capacidade das AC em ampliar sua ação, tendo em vista a impossibilidade de comportar toda a demanda do entorno, tornando-se um epicentro de promoção da saúde.

Esses resultados podem ter implicações práticas importantes dado a expansão desse modelo de intervenção em nível federal 1111. Ministério da Saúde. Portaria no 719, de 7 de abril de 2011. Institui o Programa Academia da Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da União 2011; 8 abr.,3939. Ministério da Saúde. Portaria no 2.681, de 7 de novembro de 2013. Redefine o Programa Academia da Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União 2013; 8 nov. e ainda pela atribuição das AC na Atenção Básica 1414. Dias MAS, Bicalho K, Mourão M, Alves MN, Evangelista PA, Rodrigues RCLC, et al. Promoção à saúde e articulação intersetorial. In: Magalhães Júnior HM, organizador. Desafios e inovações na gestão do SUS em Belo Horizonte: a experiência de 2003 a 2008. Belo Horizonte: Mazza; 2010. p. 63-99.. O Programa é, por excelência, um lócus de promoção da saúde e, como tal, deve assumir um papel interventor sobre todo o conjunto da população, atuando na construção coletiva e autônoma da saúde 4040. Organização Mundial da Saúde. Carta de Ottawa – Promoção da Saúde e Saúde Pública. Ottawa: Organização Mundial da Saúde; 1986..

A literatura disponível demonstra que a AC capta um perfil de usuários bem definido – mulheres, idosos, pessoas com morbidades crônicas e de menor nível socioeconômico – e por isto tem se destacado em possibilitar o acesso à atividade física a um grupo com poucas oportunidades para prática 1313. Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Avaliação de efetividade de Programas de Atividade Física no Brasil. Brasília: Ministério da Saúde; 2011.,4141. Reis RS, Yan Y, Parra DC, Brownson RC. Assessing participation in community-based physical activity programs in Brazil. Med Sci Sports Exerc 2014; 46:92-8.. Dessa forma, delineado como um programa estratégico na mitigação de iniquidades em atividade física, questiona-se o impacto do Programa em nível populacional 4242. Costa BVL, Mendonça RD, Peixoto SV, Alves M, Lopes ACS. Academia da Cidade: um serviço de promoção da saúde na rede assistencial do Sistema Único de Saúde. Ciênc Saúde Coletiva 2013; 18: 95-102.,4343. Rose G. Sick individuals and sick populations. Int J Epidemiol 1985; 14:32-8.. Entretanto, com a priorização da implantação dos polos em áreas urbanas vulneráveis e o possível efeito adstrito, demonstrado em nosso estudo, potencialmente o Programa pode contribuir para a equidade na distribuição e acesso aos benefícios da prática de atividade física na população.

Como qualquer intervenção urbana, a AC envolve componentes complexos e multifacetados 4444. Bond L, Egan M, Kearns A, Tannahill C. GoWell: the challenges of evaluating regeneration as a population health intervention. Prev Med 2013; 57:941-7.. Para a elucidação da efetividade do Programa, inclusive em outros contextos urbanos, avaliações de impacto devem incluir mais polos para tornar as amostras mais robustas, estudos pré e pós-implantação, além de outros métodos de análises, tais como escore de propensão, que permitam controlar o potencial de confusão entre exposição e desfecho em estudos observacionais.

Agradecimentos

A todos os pesquisadores do Observatório de Saúde Urbana de Belo Horizonte que participaram do Estudo Saúde em Beagá, e o apoio da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte na coleta de dados. Ao Fernando Marcio Freire, técnico em recursos estratégicos da Empresa de Informática e Informação do Município de Belo Horizonte (PRODABEL). Ao professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Hugo Cesar Martins Costa. Ao CNPq pelas bolsas de produtividade em pesquisa dos pesquisadores W. T. Caiaffa e F. A. Proietti.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov 2015

Histórico

  • Recebido
    07 Jul 2014
  • Revisado
    11 Nov 2014
  • Aceito
    14 Nov 2014
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br