Rastreamento de problemas de idosos na atenção primária e proposta de roteiro de triagem com uma abordagem multidimensional

Primary care screening of problems in the elderly and a proposal for a screening protocol with a multidimensional approach

Localización de problemas de ancianos en la atención primaria y propuesta de guión en la sala de evaluación diagnóstica preliminar con un enfoque multidimensional

Valéria Teresa Saraiva Lino Margareth Crisóstomo Portela Luiz Antonio Bastos Camacho Nadia Cristina Pinheiro Rodrigues Monica Kramer de Noronha Andrade Gisele O'Dwyer Sobre os autores

Resumo:

O objetivo foi examinar as caraterísticas psicométricas de testes de triagem para idosos e propor um roteiro para a atenção primária. Etapas: (1) confiabilidade interaferidores para testes de desempenho e perguntas de autoavaliação para 8 funções; (2) sensibilidade e especificidade de questões para depressão e apoio social; (3) encontro de especialistas para seleção das atividades instrumentais da vida diária (AIVD); (4) elaboração do roteiro. A triagem durou 16 minutos. A confiabilidade interaferidores para os testes de desempenho foi excelente, mas pobre para perguntas. Depressão e apoio social apresentaram sensibilidade e especificidade satisfatórias (0,74/0,77 e 0,77/0,96). Quatro AIVD foram selecionadas por mais de 55% dos especialistas. Após os resultados, elaborou-se um roteiro que priorizou o uso de testes de desempenho, mantendo questões para humor, apoio social e AIVD. O estudo sugere maior reprodutibilidade de testes de performance em relação a perguntas. Para humor e apoio social, as questões podem constituir uma primeira etapa de triagem. O roteiro proposto possibilita o rápido rastreamento de problemas.

Palavras-chave:
Triagem; Programas de Rastreamento; Idoso; Atenção Primária à Saúde

Abstract:

The objectives were to examine psychometric properties of a screening test for the elderly and to propose a protocol for use in primary care. The method consisted of four stages: (1) inter-evaluator reliability for performance tests and self-assessment questions for eight functions; (2) sensitivity and specificity of questions on depression and social support; (3) meeting of experts to select instrumental activities of daily living (IADL); and (4) elaboration of the protocol. Screening lasted 16 minutes. Inter-evaluator reliability was excellent for performance tests but poor for questions. Depression and social support showed satisfactory sensitivity and specificity (0.74/0.77 and 0.77/0.96). Four IADL were selected by more than 55% of the experts. Following the results, a screening protocol was elaborated that prioritized the use of performance tests, maintaining questions on mood, social support, and IADL. The study suggests better reproducibility of performance tests when compared to questions. For mood and social support, the questions may provide a first screening stage. The proposed protocol allows rapid screening of problems.

Keywords:
Triage; Mass Screening; Aged; Primary Health Care

Resumen:

El objetivo fue examinar características psicométricas de test de evaluación diagnóstica preliminar para ancianos y proponer un guión para la atención primaria. Etapas: (1) fiabilidad entre evaluadores para el test de desempeño y preguntas de autoevaluación para 8 funciones; (2) sensibilidad y especificidad de cuestiones para depresión y apoyo social; (3) encuentro de especialistas para selección de las actividades instrumentales de vida diaria (AIVD); (4) elaboración del guión. La evaluación preliminar diagnóstica duró 16 minutos. La fiabilidad entre evaluadores para los test de desempeño fue excelente, pero pobre en preguntas. Depresión y apoyo social tuvieron sensibilidad y especificidad satisfactorias (0,74/0,77 y 0,77/0,96). Cuatro AIVD fueron seleccionadas por más de un 55% de los especialistas. Tras los resultados, se elaboró un guión que priorizó el uso de test de desempeño, manteniendo preguntas sobre humor, apoyo social y AIVD. El estudio sugiere mayor reproductibilidad de pruebas de rendimiento en relación con las preguntas. Para humor y apoyo social, las preguntas pueden constituir una primera etapa de evaluación preliminar diagnóstica. El guión propuesto posibilita la rápida localización de problemas.

Palabras-clave:
Triaje; Tamizaje Masivo; Anciano; Atención Primaria de Salud

Introdução

Mundialmente, aproximadamente 200 milhões de indivíduos apresentam dependência significativa para o desempenho de atividades cotidianas, situação com tendência crescente, inclusive no Brasil, devido à transição demográfica e epidemiológica. A maior concentração de idosos dependentes ocorre entre aqueles com mais de 80 anos, grupo etário que mais cresce 11. National Alliance for Cargiving. Caregiving in the USA. http://www.caregiving.org/data/Caregiving_in_the_US_2009_full_report.pdf (acessado em 15/Abr/2015).
http://www.caregiving.org/data/Caregivin...
), (22. Schmidt MI, Duncan BB, Azevedo e Silva G, Menezes AM, Monteiro CA, Barreto SM, et al. Chronic non-communicable diseases in Brazil: burden and current challenges. Lancet 2011; 377:1949-61..

Designa-se como capacidade funcional a habilidade do indivíduo para realizar o autocuidado e de viver de forma independente, sendo aferida por meio do desempenho nas atividades básicas (AVD) e instrumentais da vida diária (AIVD). Tomar banho, fazer a higiene pessoal e alimentar-se, entre outras, constituem as AVD, ao passo que as AIVD incluem atividades como cuidar das próprias finanças, sair sozinho, usar o telefone e controlar os medicamentos. A capacidade funcional constitui um indicador de saúde e bem-estar mais completo do que a morbidade, pois se relaciona diretamente com a qualidade de vida. A detecção precoce de modificações no estado funcional possibilita a adoção de medidas passíveis de prevenir o seu declínio, por meio de intervenções sobre os aspectos clínicos, psicológicos e sociais que determinam a saúde dos idosos 33. Costa EFA, Porto CC, Almeida JC, Cipullo JP, Martin JFV. Semiologia do idoso. In: Porto CC, organizador. Semiologia médica. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan; 2002. p. 166-97..

A avaliação geriátrica ampla (AGA) é uma abordagem multidimensional que usa os instrumentos específicos para examinar as diferentes funções, como capacidade funcional, visão, audição, mobilidade, humor, cognição, apoio social, entre outras. As ferramentas utilizadas incluem questionários, escalas ou testes de desempenho, aplicados pelo profissional de saúde, preenchidos pelo próprio indivíduo, ou por um parente 44. Elon R, Phillips C, Loome J, Denman S, Woods A. General issues and comprehensive approach to assessment of elders. In: Osterweil D, Brummel-Smith K, Beck JC, editors. Comprehensive geriatric assessment. New York: McGraw Hill; 2000. p. 1-39.. A AGA encontra na atenção primária de saúde o espaço adequado para a sua implementação, em função da abordagem holística à saúde proporcionada pelo setor 55. Rubenstein LZ, Alessi CA, Josephson KR, Trinidad Hoyl M, Harker JO, Pietruszka FM. A randomized trial of a screening, case finding, and referral system for older veterans in primary care. J Am Geriatr Soc 2007; 55:166-74.. Entretanto, devido ao longo tempo para a administração desse procedimento e à elevada demanda por atendimentos na atenção primária de saúde, ela deveria ser direcionada àqueles com maior risco de incapacidade, tornando-se um desafio à utilização de uma estratégia de avaliação breve que oriente a realização da AGA.

Dentre as estratégias disponíveis para a triagem de idosos na atenção primária de saúde, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Ministério da Saúde recomendam a avaliação multidimensional e adotam o instrumento de Moore & Siu 66. Moore AA, Siu AL. Screening for common problems in ambulatory elderly: clinical confirmation of a screening instrument. Am J Med 1996; 100:438-43. e a Avaliação Rápida Multidimensional da Pessoa Idosa (ARMI) 77. Ministério da Saúde. Envelhecimento e saúde da pessoa idosa. Brasilia: Ministério da Saúde; 2006. (Cadernos de Atenção Básica, 19)., respectivamente. Em ambos os casos, as ferramentas são compostas por testes de desempenho, perguntas ou partes de escalas de avaliação geriátrica 66. Moore AA, Siu AL. Screening for common problems in ambulatory elderly: clinical confirmation of a screening instrument. Am J Med 1996; 100:438-43.), (77. Ministério da Saúde. Envelhecimento e saúde da pessoa idosa. Brasilia: Ministério da Saúde; 2006. (Cadernos de Atenção Básica, 19).), (88. World Health Organization. Age-friendly primary health care (PHC) centres toolkit. http://www.who.int/ageing/publications/upcoming_publications/en/ (acessado em 01/Jan/2015).
http://www.who.int/ageing/publications/u...
, sendo que alguns itens ainda carecem de respaldo na literatura. No instrumento de Moore & Siu, a triagem de depressão utiliza apenas uma única pergunta, mas o valor deste tipo de avaliação foi questionado por Mitchell & Coyne 99. Mitchell AJ, Coyne JC. Do ultra-short screening instruments accurately detect depression in primary care? A pooled analysis and meta-analysis of 22 studies. Br J Gen Pract 2007; 57:144-51., que identificaram sensibilidade e especificidade globais iguais a 32 e 97%, respectivamente, em uma metanálise de estudos sobre a triagem de depressão com a pergunta única. Moore & Siu também examinam a visão para longe com o cartão de Snellen, porém o teste só é recomendado quando o indivíduo responde positivamente à pergunta sobre dificuldades visuais no cotidiano. Tal estratégia exclui idosos com problemas visuais que não tenham percepção sobre o próprio déficit. Além disso, ao rastrear problemas auditivos, a ferramenta indica o uso de um audioscópio portátil, instrumento importado e de difícil aquisição em muitos serviços. A ARMI, por sua vez, também utiliza uma única pergunta na avaliação do humor e recomenda o exame objetivo da visão apenas quando houver referência a problemas no cotidiano (dirigir, assistir à televisão). Só que, nesse caso, o instrumento sugere a aplicação do cartão de Jaeger, destinado exclusivamente à avaliação da visão para perto. E mais, na avaliação das AVD, a ARMI utiliza os itens "sair da cama" e "vestir-se", embora a hierarquia biológica existente essas funções determine que o declínio inicie pela dificuldade de tomar banho de forma independente, sendo a transferência uma das últimas a serem perdidas 1010. Katz S, Ford AB, Moskowitz RW, Jackson BA, Jaffe MW. Studies of illness in the aged. The index of ADL: a standardized measure of biological and psychosocial function. JAMA 1963; 185:914-9.. Por fim, a ARMI inclui o rastreamento de disfunção sexual com uma pergunta sobre a capacidade do indivíduo em sentir prazer nas relações sexuais, assunto de abordagem questionável para o momento de triagem.

O objetivo deste trabalho foi analisar as propriedades psicométricas de diferentes instrumentos de triagem e propor uma estratégia para o rastreamento de problemas de saúde de idosos na atenção primária de saúde. Para atingir tal finalidade, realizou-se o exame da confiabilidade de instrumentos já utilizados em nosso meio e da validade de três testes para rastreamento de problemas de humor, apoio social e AIVD.

Método

Tipo de estudo e amostra

O estudo, do tipo transversal, foi realizado na Unidade de Atenção Primária da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz), que atende aos moradores da região de Manguinhos, Rio de Janeiro, Brasil. Nessa região, residiam aproximadamente 36 mil pessoas em 2011, a renda média domiciliar girava em torno de R$ 630 por mês, pouco maior do que o salário mínimo vigente à época, e mais de 50% dos residentes não foram além do Ensino Fundamental. A maioria das casas apresentava um único cômodo, quase 60% captavam água de rede não oficial e mais de 30% não estavam conectados à rede geral de esgoto 1111. Carvalho MAP, Pivetta F. The integrated territory of health care in Manguinhos: we are all apprentices. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz; 2012.. A amostra, de conveniência, foi composta de usuários com 60 ou mais anos, atendidos pela Estratégia Saúde da Família (ESF), excluindo-se indivíduos com déficits sensoriais ou cognitivos avançados, assim como aqueles impedidos de se locomoverem. A base de cálculo para a amostra foi a prevalência de uma doença comum em idosos, selecionando-se a depressão, estimada em 20% 1212. Li C, Friedman B, Conwell Y, Fiscella K. Validity of the Patient Health Questionnaire 2 (PHQ-2) in identifying major depression in older people. J Am Geriatr Soc 2007; 55:596-602.. Um coeficiente de kappa de 0,6 com intervalo de 95% de confiança foi usado para gerar uma amostra conservadora de 180 pessoas, usando-se o programa WinPepi, versão 2009 (http://www.brixtonhealth.com/pepi4windows.html). A versão 18 do SPSS (IBM Corp., Armonk, Estados Unidos) foi usada nas análises realizadas no estudo. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Ensp/Fiocruz (parecer no 126/10).

Procedimentos

O trabalho consistiu na realização da AGA, por uma geriatra, e da triagem, 7 a 15 dias depois, por uma profissional de nível superior (assistente social ou psicomotricista) treinada na aplicação dos testes do estudo. A estratégia adotada para a triagem envolveu a utilização de testes já utilizados em nosso meio, incluindo-se itens da ARMI 77. Ministério da Saúde. Envelhecimento e saúde da pessoa idosa. Brasilia: Ministério da Saúde; 2006. (Cadernos de Atenção Básica, 19)., do instrumento de Moore & Siu 66. Moore AA, Siu AL. Screening for common problems in ambulatory elderly: clinical confirmation of a screening instrument. Am J Med 1996; 100:438-43. e dois pequenos testes elaborados para triagem de apoio social e AIVD. A composição final da ferramenta de avaliação multidimensional incluiu 12 elementos, descritos a seguir.

A triagem das AVD foi semelhante à da ARMI, trocando-se apenas o item "sair da cama" por "tomar banho", devido à hierarquia funcional 1010. Katz S, Ford AB, Moskowitz RW, Jackson BA, Jaffe MW. Studies of illness in the aged. The index of ADL: a standardized measure of biological and psychosocial function. JAMA 1963; 185:914-9.), (1313. Lino VTS, Pereira SRM, Camacho LAB, Ribeiro Filho ST, Buksman S. Adaptação transcultural da Escala de Independência em Atividades da Vida Diária (Escala de Katz). Cad Saúde Pública 2008; 24:103-12.. Já a escala elaborada para triagem de AIVD incluiu as atividades "preparar refeições" e "fazer compras", ambas presentes na ARMI e também indicadas por Roehrig et al. 1414. Roehrig B, Hoeffken K, Pientka L, Wedding U. How many and which items of activities of daily living (ADL) and instrumental activities of daily living (IADL) are necessary for screening. Crit Rev Oncol Hematol 2007; 62:164-71. como capazes de identificar 97,4% das pessoas com limitações em AIVD, em uma amostra de pacientes idosos com câncer. Os pesquisadores incluíram os itens relacionados a controle financeiro, medicamentoso e uso de meios de transportes para ampliar a capacidade de detecção de declínio em AIVD. As perguntas foram apresentadas de forma semelhante às do Questionário de Atividades Funcionais, de Pfeffer et al. 1515. Pfeffer RI, Kurosaki TT, Harrah Jr. CH, Chance JM, Filos S. Measurement of functional activities in older adults in the community. J Gerontol 1982; 37:323-9., em que a necessidade de assistência para a realização de qualquer função indica dependência.

Para a triagem de depressão utilizou-se o Patient Health Questionnaire-2 (PHQ-2) 1616. Kroenke K, Spitzer RL, Williams JB. The Patient Health Questionnaire-2: validity of a two-item depression screener. Med Care 2003; 41:1284-92., instrumento com duas questões usado como a primeira etapa no rastreamento de depressão em idosos 1717. Phelan E, Williams B, Meeker K, Bonn K, Frederick J, Logerfo J, et al. A study of the diagnostic accuracy of the PHQ-9 in primary care elderly. BMC Fam Pract 2010; 11:63.), (1818. Richardson TM, He H, Podorski C, Tu X, Conwell Y. Screening depression aging services clients. Am J Geriatr Psychiatry 2010; 18:1116-23.), (1919. de Lima-Osório F, Vilela-Mendes A, Crippa JA, Loureiro SRL. Study of the discriminative validity of the PHQ-9and PHQ-2 in a sample of Brazilian women in the context of primary health care. Perspect Psychiatr Care 2009; 45:11., que interroga sobre a frequência de humor deprimido ou anedonia (perda da sensação de prazer na realização de atos antes prazerosos) nas duas semanas anteriores. Os escores variam de zero (nenhum dia) a três (quase todos os dias), havendo aumento da severidade da depressão na medida em que a pontuação aumenta. No estudo original, um escore igual ou maior que três revelou sensibilidade de 83% e especificidade de 92% para depressão maior. Neste trabalho, usou-se a versão adaptada para a língua portuguesa (http://www.phqscreeners.com/select-screener).

A triagem de apoio social foi realizada com um pequeno teste construído com quatro perguntas do questionário do Medical Outcomes Study (MOS) 2020. Sherbourne CD, Stewart AL. The MOS social support survey. Soc Sci Med 1991; 32:705-14.. Os componentes da escala foram os itens que apresentaram elevada correlação item/escala dentro das dimensões apoio emocional, material e interação social positiva na versão brasileira 2121. Griep RH, Chor D, Faerstein E, Werneck GL, Lopes CS. Validade de constructo de escala de apoio social do Medical Outcomes Study adaptada para o português no Estudo Pró-Saúde. Cad Saúde Pública 2005; 21:703-14.. Em função da relevância da incapacidade, os pesquisadores acrescentaram mais uma pergunta à dimensão apoio material. Assim, o instrumento passou a conter as seguintes questões: "Se você precisar, com que frequência você conta com alguém: a) em quem confiar ou para falar de você ou sobre seus problemas? b) com quem fazer coisas agradáveis? c) que o ajude se ficar de cama? d) para ajudá-lo nas tarefas diárias, se ficar doente?". As respostas possíveis a essas perguntas são: "nunca", "raramente", "às vezes", "quase sempre" e "sempre", sendo pontuadas de 1 a 5, respectivamente. Apoio insatisfatório foi considerado quando a pessoa respondeu "nunca", "raramente" ou "às vezes" em algum item, obtendo menos de 16 pontos no somatório. Um pré-teste revelou maior compreensão das perguntas quando elas eram desmembradas. Assim, perguntou-se, inicialmente, sobre a disponibilidade de alguém para apoiar o idoso, para, em seguida, inquirir sobre a frequência com que o indivíduo pensava dispor de tal apoio.

Instrumentos idênticos aos da AGA foram usados na triagem de alterações de visão 2222. Mangione CM. Vision. In: Osterweil D, Brummel-Smith K, Beck J, editors. Comprehensive geriatric assessment. New York: McGraw Hill; 2000. p. 285-94., audição 2323. Valete-Rosalino CM, Rozenfeld S. Auditory screening in the elderly: comparison between self-report and audiometry. Braz J Otorhinolaryngol 2005; 71:193-200., mobilidade 2424. Podsiadlo D, Richardson S. The timed "Up & Go": a test of basic functional mobility for frail elderly persons. J Am Geriatr Soc 1991; 39:142-8., força 2525. Fried LP, Tangen CM, Walston J, Newman AB, Hirsch C, Gottdiener J, et al. Frailty in older adults: evidence for a phenotype. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2001; 56:M146-56., incontinência urinária 66. Moore AA, Siu AL. Screening for common problems in ambulatory elderly: clinical confirmation of a screening instrument. Am J Med 1996; 100:438-43., quedas 2626. Buksman S, Vilela ALS, Pereira SRM, Lino VTS, Santos VH. Quedas em idosos: prevenção. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia/Conselho Federal de Medicina; 2008., nutrição 2727. Lipschitz DA. Screening for nutritional status in the elderly. Prim Care 1994; 21:55-67. e estado de saúde autorreferido 2828. Ministério da Saúde. Vigitel Brasil 2009: vigilância e fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico. Brasília: Ministério da Saúde; 2010..

O Mini Exame do Estado Mental identifica declínio cognitivo e foi utilizado na AGA para este fim. O teste pode ser usado para triagem cognitiva e já apresenta várias validações em nosso meio, atendendo às necessidades da atenção primária de saúde 2929. Bertolucci PH, Brucki SM, Campacci SR, Juliano Y. The Mini-Mental State Examination in a general population: impact of educational status. Arq Neuropsiquiatr 1994; 52:1-7.), (3030. Almeida OP. Mini mental state examination and the diagnosis of dementia in Brazil. Arq Neuropsiquiatr 1998; 56:605-12..

As funções, os instrumentos e os objetivos do estudo em relação a cada item da estratégia de triagem são descritos na Tabela 1.

Tabela 1:
Funções examinadas no estudo, ferramentas utilizadas na triagem e na Avaliação Geriátrica Ampla (AGA) e objetivos de cada análise.

Levando-se em conta a importância das AIVD na avaliação dos idosos, o estudo previu um encontro de especialistas para opinarem sobre quais os itens são considerados mais importantes, caso a sensibilidade do instrumento fosse insatisfatória. Essa fase ocorreria após a análise das características psicométricas da ferramenta.

A última etapa de avaliação do instrumento de triagem envolveu a verificação da aplicabilidade com as duas profissionais que participaram desta fase, que opinaram sobre o tempo de realização da triagem e a compreensão das questões pelos idosos.

Análise estatística

Avaliação da confiabilidade interaferidores

Os testes já utilizados no Brasil foram submetidos apenas ao exame da confiabilidade interaferidores, etapa necessária antes da utilização de testes em contextos diferentes dos quais eles foram validados, devido à possibilidade de variações na interpretação dos resultados por diferentes observadores 3131. Hasselmann MH, Lopes CS, Reichenheim ME. Measurement reliability in a study on family violence and severe acute malnutrition. Rev Saúde Pública 1998; 32:437-46.. A confiabilidade foi medida pelo coeficiente de correlação intraclasse (CCI) para as variáveis contínuas e a estatística kappa foi usada para as categóricas, ajustando-se para a prevalência com a técnica PABAK (WinPepi, versão 2009; http://www.brixtonhealth.com/pepi4windows.html). O grau de confiabilidade foi dado de acordo com Landis & Koch 3232. Landis JR, Koch GG. The measurement of observer agreement for categorical data. Biometrics 1977; 33:159-74., considerando-se excelente concordância um kappa maior que 0,75, enquanto que abaixo de 0,40 a concordância é pobre, e entre 0,40 e 0,70 ela é de intermediária a boa. O CCI foi classificado da mesma forma.

Análise da validade de critério dos instrumentos de triagem de depressão, apoio social e AIVD

A validade do PHQ-2 foi avaliada pela estimativa da sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo (VPP) e valor preditivo negativo (VPN) do PHQ-2 em relação à entrevista estruturada do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV) da Associação Americana de Psiquiatria 3333. Del-Ben CM, Villela JAA, Crippa JAS, Hallak JEC, Labate CM, Zuardi AW. Confiabilidade da "Entrevista Clínica Estruturada para o DSM-IV - Versão Clínica" traduzida para o português. Rev Bras Psiquiatr 2001; 23:156-9.. O escore do PHQ-2 foi usado como preditor de depressão, com base em um modelo de regressão logística simples. As estimativas de sensibilidade e especificidade foram obtidas baseando-se nos diferentes pontos de corte do escore de PHQ-2. Elaborou-se uma curva ROC (receiver operator characteristic) para o cálculo da área sob a curva (AUC), indicando-se o melhor par de valores de sensibilidade e especificidade pelo ponto no qual os valores ROC estavam mais próximos do ponto mais alto à esquerda da curva. O índice Youdex (sensibilidade + especificidade - 1) determinou o melhor ponto de corte para o modelo. O índice Youdex foi usado para prover uma avaliação de sensibilidade e especificidade, considerando-se igualmente a importância de ambas.

Para verificar a validade das escalas de apoio social e AIVD, calculou-se a sensibilidade, especificidade, valores preditivo positivo e negativo dos testes em relação à AGA, utilizando-se apenas os resultados dos indivíduos sem comprometimento cognitivo.

Resultados

Entre junho e dezembro de 2010, 185 idosos foram encaminhados para AGA, dos quais cinco foram retirados devido à incapacidade visual ou cognitiva grave. Retornaram para a triagem, que teve duração média de 16 minutos, 165 idosos (91,7%). Entre os 15 faltosos, três não tinham telefone e um desistiu do estudo. Os 11 restantes faltaram duas vezes, ultrapassando o período de tempo delimitado para a realização da triagem. Suas características sociodemográficas eram semelhantes às dos participantes da pesquisa.

O grupo se caracterizou por forte predomínio do sexo feminino e baixa escolaridade (Tabela 2), havendo 40 analfabetos (22,2%) e 36 pessoas consideradas com um ano de escolaridade, em função de conseguirem ler pelo menos uma frase sem nunca terem ido à escola (20%). Uma proporção discretamente maior de solteiros ou viúvos também foi evidenciada. Apesar de a grande maioria perceber seu nível de apoio social como satisfatório ou avaliar a sua saúde como boa/regular, quase 30% foram diagnosticados com depressão.

Tabela 2:
Dados sociodemográficos e problemas de saúde identificados na Avaliação Geriátrica Ampla (AGA) (n = 180).

A confiabilidade entre os aferidores para os itens de mensuração objetiva, como força muscular, visão, índice de massa corporal (IMC) e mobilidade (timed up and go - TUG) foi excelente, ao contrário do que ocorreu com incontinência urinária, autopercepção de saúde e perda de audição, todos avaliados por meio de perguntas. Para o item quedas, a confiabilidade foi satisfatória (Tabela 3). Os resultados desta etapa já foram publicados previamente 3434. Lino VTS, Portela MC, Camacho LAB, Rodrigues NCP. Reliability of screening tests for health-related problems among low-income elderly. Cad Saúde Pública 2014; 30:2691-6..

Tabela 3:
Confiabilidade dos itens da triagem e da Avaliação Geriátrica Ampla (AGA) (n = 165).

O cálculo de sensibilidade, especificidade, VPP e VPN para os testes de triagem de depressão, apoio social e AIVD considerou apenas as respostas dos indivíduos sem declínio cognitivo. Os resultados são apresentados na Tabela 4. Para o PHQ-2, os valores de sensibilidade diminuíam na medida em que aumentavam os escores, ocorrendo os melhores valores com escores a partir de 1. O VPP de 50% indica que o diagnóstico de depressão não foi confirmado em 50% daqueles com escore igual a 1. Entretanto, o VPN de 90% indicou que apenas 10% daqueles com teste negativo sofriam do transtorno de humor depressivo, indicando maior utilidade do teste quando o escore foi igual a zero. A área sob a curva ROC foi igual a 0,77, sugerindo uma acurácia modesta. Os resultados desta etapa também já foram publicados anteriormente 3535. Lino VT, Portela MC, Camacho LA, Athie S, Lima MJB, Rodrigues NC, et al. Screening for depression in low-income elderly patients at the primary care level: use of the patient health questionnaire-2. PLoS One 2014; 9:e113778.. As propriedades psicométricas da escala de apoio social foram satisfatórias, ao contrário das de AIVD.

Tabela 4:
Propriedades psicométricas do Patient Health Questionnaire-2 (PHQ-2) e dos instrumentos de apoio social e atividades instrumentais de vida diária (AIVD) (n = 142).

Como a sensibilidade e especificidade da escala de AIVD foram baixas, procedeu-se ao encontro de especialistas. Reuniram-se nove geriatras e gerontólogos, todos com experiência de mais de dez anos na especialidade, que selecionaram os quatro elementos considerados mais importantes para a manutenção da autonomia, de acordo com o questionário de Pfeffer et al. 1515. Pfeffer RI, Kurosaki TT, Harrah Jr. CH, Chance JM, Filos S. Measurement of functional activities in older adults in the community. J Gerontol 1982; 37:323-9.. Os itens mais adequados para a triagem de AIVD foram: capacidade de controlar os próprios medicamentos (77,7%) e finanças (55,5%), lembrar de compromissos (55,5%) e andar pela vizinhança (55,5%).

Segundo as duas entrevistadoras, a triagem foi considerada exequível e útil para a obtenção de informações gerais a respeito dos usuários da atenção primária. O tempo de realização também foi adequado. Entretanto, a interpretação da frequência com que ocorriam os sintomas no PHQ-2 foi difícil para muitos idosos, que não conseguiam entender a diferença entre algumas opções de resposta, como por exemplo: "vários dias", "mais da metade dos dias", "quase todos os dias". Nesse mesmo questionário, o uso do termo "perspectiva" também gerou dificuldade de compreensão. Nas questões sobre apoio social, verificou-se que alguns homens entendiam a pergunta sobre "disponibilidade de alguém com quem fazer coisas agradáveis" como companhia para a realização de atividade sexual, havendo necessidade de esclarecimento.

Após a realização de todas as etapas anteriores, os pesquisadores consideraram inadequadas para a inserção no roteiro de rastreamento a escala de AIVD, cuja sensibilidade foi baixa, as perguntas de incontinência urinária e de autopercepção de déficit auditivo. A estratégia de triagem proposta, designada como RAPIDO (Rastreamento de Problemas de Idosos), é apresentada na Tabela 5. Para manter a investigação de déficit auditivo, o teste do sussurro 3636. Pirozzo S, Papinczak T, Glasziou P. Whispered voice test for screening for hearing impairment in adults and children: systematic review. BMJ 2003; 327:967. foi incorporado ao roteiro. Concomitantemente, apresenta-se a etapa da AGA que corresponde ao passo seguinte de uma alteração funcional identificada na triagem.

Tabela 5:
Rastreamento de Problemas de Idosos (RAPIDO).

Discussão

A utilização de instrumentos multidimensionais na avaliação de idosos é recomendada tanto pela OMS 88. World Health Organization. Age-friendly primary health care (PHC) centres toolkit. http://www.who.int/ageing/publications/upcoming_publications/en/ (acessado em 01/Jan/2015).
http://www.who.int/ageing/publications/u...
quanto pelo Ministério da Saúde 77. Ministério da Saúde. Envelhecimento e saúde da pessoa idosa. Brasilia: Ministério da Saúde; 2006. (Cadernos de Atenção Básica, 19).. O roteiro apresentado neste estudo, ao rastrear múltiplos problemas de saúde, atende às recomendações dessas instituições no que diz respeito ao cuidado com os idosos. A média de 16 minutos torna a sua aplicação exequível nos serviços de saúde, que sofrem pressão de grandes demandas de atendimento. Além disso, a aplicação por um profissional de saúde contornou a dificuldade de avaliação de uma população com baixa escolaridade, representativa dos usuários do sistema público de saúde. A abordagem por profissionais de áreas diferentes sugere que a utilização deste roteiro pode ser realizada por qualquer membro da equipe de saúde, com nível superior, que tenha recebido capacitação prévia.

A confiabilidade interaferidores de todos os testes de desempenho foi excelente, ao contrário de mais da metade das características avaliadas por meio de perguntas. Uma explicação plausível para tais diferenças reside no fato de que os resultados de testes de desempenho dependem basicamente do treinamento do examinador e da padronização dos instrumentos utilizados, sendo que a opinião do examinando não interfere nos resultados. Tal necessidade já foi demonstrada por Pirozzo et al. 3636. Pirozzo S, Papinczak T, Glasziou P. Whispered voice test for screening for hearing impairment in adults and children: systematic review. BMJ 2003; 327:967. em revisão sistemática sobre a validade do teste do sussurro para triagem de problemas auditivos, ao verificarem maior confiabilidade com a padronização de procedimentos para o exame. As questões de autoavaliação são inerentemente subjetivas e suscetíveis a problemas de comunicação. Fatores socioculturais, incluindo o nível de escolaridade, podem influenciar as respostas, reduzindo a concordância tanto entre os observadores como entre as observações.

A triagem para problemas auditivos por meio de pergunta já foi recomendada no Brasil 2323. Valete-Rosalino CM, Rozenfeld S. Auditory screening in the elderly: comparison between self-report and audiometry. Braz J Otorhinolaryngol 2005; 71:193-200.. Entretanto, a ocorrência de perda auditiva ocorre gradualmente e pode contribuir para uma baixa percepção do problema, levando a uma resposta negativa quando se usa a autoavaliação 3737. Nondahl DM, Cruickshanks KJ, Wiley TL, Tweed TS, Klein R, Klein BEK. Accuracy of self-reported hearing loss. Audiology 1998; 37:295-301.. A maioria dos trabalhos que recomenda tal forma de triagem levou em conta os resultados de estudos que avaliaram sensibilidade e especificidade do método. Nós identificamos apenas um estudo de concordância entre examinadores da pergunta única sobre déficit auditivo, cujo coeficiente de kappa foi igual a 0,65 3838. Tomioka K, Ikeda H, Hanaie K, Morikawa M, Iwamoto J, Okamoto N, et al. The Hearing Handicap Inventory for Elderly-Screening (HHIE-S) versus a single question: reliability, validity, and relations with quality of life measures in the elderly community, Japan. Qual Life Res 2013; 22:1151-9.. É possível que a baixa escolaridade tenha concorrido para reduzir ainda mais a concordância interaferidores do nosso trabalho.

A confiabilidade da pergunta de autopercepção de saúde foi analisada em um grupo de mais de 9 mil americanos, obtendo-se um índice de kappa ponderado igual a 0,56. As maiores discrepâncias foram identificadas em indivíduos com baixa escolaridade e em minorias étnicas, sugerindo que as desigualdades sociais determinam vieses 3939. Zajacova A, Dowd JB. Reliability of self-rated health in US adults. Am J Epidemiol 2011; 174:977-83.. Em nossa amostra, a baixa escolaridade pode ser responsável pela reduzida confiabilidade.

Também houve baixa concordância no item incontinência urinária, fato que poderia ser explicado pelo ambiente da avaliação, pouco propício à comunicação de questões pessoais potencialmente causadoras de estigmas sociais 4040. Sjostrom M, Stenlund H, Johansson S, Umefjord G, Samuelsson E. Stress urinary incontinence and quality of life: a reliability study of a condition-specific instrument in paper and web-based versions. Neurourol Urodyn 2012; 31:1242-6.. É possível que no contexto de uma consulta, onde as características socioculturais da pessoa examinada sejam consideradas, haja uma melhor comunicação e menos constrangimento aos idosos.

A pergunta sobre quedas já demonstrou boa confiabilidade anteriormente 4141. Yamaji S, Demura S. Reliability and fall experience discrimination of cross step moving on four spots test in the elderly. Arch Phys Med Rehabil 2013; 94:1312-9.. Neste trabalho, a concordância interaferidores atingiu valores considerados bons. Como esse evento é marcante na vida de uma pessoa, associando-se ao declínio funcional, restrição de atividades e fraturas 4242. Gillespie LD, Robertson MC, Gillespie WJ, Sherrington C, Gates S, Clemson LM, et al. Interventions for preventing falls in older people living in the community. Cochrane Database Syst Rev 2009; 9:CD007146., pode-se esperar uma informação mais precisa a respeito da sua ocorrência, mesmo em indivíduos com baixa escolaridade.

A triagem de depressão com instrumentos reduzidos tem sido recomendada quando se dispõe de uma segunda etapa, em função da baixa acurácia deste tipo de abordagem 4343. Arroll B, Goodyear-Smith F, Crengle S, Gunn J, Kerse N, Fishman T, et al. Validation of PHQ-2 and PHQ-9 to screen for major depression in the primary care population. Ann Fam Med 2010; 8:348-53.. Os valores obtidos na validação de critério do PHQ-2 não foram encorajadores. Entretanto, nossos resultados são consistentes com aqueles encontrados por Phelan et al. 1717. Phelan E, Williams B, Meeker K, Bonn K, Frederick J, Logerfo J, et al. A study of the diagnostic accuracy of the PHQ-9 in primary care elderly. BMC Fam Pract 2010; 11:63., entre idosos americanos, em que os valores de sensibilidade e especificidade foram iguais a 0,75 e 0,67, respectivamente. É possível que os tamanhos das nossas amostras tenham contribuído para a redução da acurácia do teste, já que em outros trabalhos a sensibilidade e a especificidade do teste ultrapassaram 0,80 e 0,78, respectivamente 1616. Kroenke K, Spitzer RL, Williams JB. The Patient Health Questionnaire-2: validity of a two-item depression screener. Med Care 2003; 41:1284-92.), (4343. Arroll B, Goodyear-Smith F, Crengle S, Gunn J, Kerse N, Fishman T, et al. Validation of PHQ-2 and PHQ-9 to screen for major depression in the primary care population. Ann Fam Med 2010; 8:348-53.. Além disso, a diferença de escolaridade entre as nossas amostras, equivalente ao Ensino Médio completo no grupo americano e inferior ao Fundamental no brasileiro, pode explicar os diferentes pontos de corte dos dois estudos, pois, conforme relato das nossas entrevistadoras, houve dificuldade para o entendimento das opções de resposta. O efeito da escolaridade na sensibilidade do PHQ-2 já foi relatado por Cutler et al. 4444. Cutler CB, Legano LA, Dreyer BP, Fierman AH, Berkule SB, Lusskin SI, et al. Screening for maternal depression in a low education population using a two item questionnaire. Arch Womens Ment Health 2007; 10:277-83.. O elevado valor preditivo negativo indica que 90% daqueles com testes negativos poderiam ser considerados livres da doença. Entretanto, o baixo valor preditivo positivo indica que o PHQ-2 é insuficiente para a triagem de depressão, requerendo uma segunda etapa para todos aqueles com pontuação diferente de zero. No Brasil, a Escala de Depressão Geriátrica4545. Yesavage JA, Brink TL, Rose TL, Lum O, Huang V, Adey M, et al. Development and validation of a geriatric depression screening scale: a preliminary report. J Psychiatr Res 1982-1983; 17:37-49.), (4646. Paradela EM, Lourenco RA, Veras RP. Validation of geriatric depression scale in a general outpatient clinic. Rev Saúde Pública 2005; 39:918-23., com 15 questões, tem sido amplamente utilizada e pode ser recomendada para esse fim.

As quatro questões utilizadas para o rastreamento de apoio social insatisfatório demonstraram boa acurácia. Considerando-se a importância do apoio social como condicionante de saúde 4747. Nicholson NR. A review of social isolation: an important but underassessed condition in older adults. J Prim Prev 2012; 33:137-52., torna-se evidente a necessidade da identificação de idosos com este tipo de vulnerabilidade. O uso de instrumentos de fácil manuseio possibilita à equipe de saúde diagnosticar e intervir, oportunamente, por meio da organização de redes de apoio e ações individualizadas, acarretando reflexos positivos nas vidas dos idosos.

A baixa ocorrência de dependência em AVD era esperada, em função dos critérios de exclusão do estudo. A utilização das atividades mais complexas parece apropriada para a inserção em um instrumento de triagem, dada a sua hierarquia biológica, ao contrário do que sugere a ARMI 77. Ministério da Saúde. Envelhecimento e saúde da pessoa idosa. Brasilia: Ministério da Saúde; 2006. (Cadernos de Atenção Básica, 19)., cuja avaliação de AVD inclui a atividade de transferência, função perdida tardiamente na vigência de um processo de dependência. Já em relação às AIVD, observa-se que a prevalência de dependência aqui encontrada foi semelhante à de outro estudo 4848. Barbosa AR, Souza JMP, Lebrão ML, Laurenti R, Marucci MFN. Functional limitations of Brazilian elderly by age and gender differences: data from SABE Survey. Cad Saúde Pública 2005; 21:1177-85.. É interessante notar que o grupo de especialistas selecionou atividades comprovadamente capazes de predizer o risco de declínio cognitivo e dependência. Pérès et al. 4949. Pérès K, Helmer C, Amieva H, Orgogozo JM, Rouch I, Dartigues JF, et al. Natural history of decline in instrumental activities of daily living performance over the 10 years preceding the clinical diagnosis of dementia: a prospective population-based study. J Am Geriatr Soc 2008; 56:37-44. demonstraram que dez anos antes do diagnóstico clínico de demência, indivíduos que posteriormente desenvolveram a doença já apresentavam declínio em duas das seguintes atividades: uso do telefone e de transportes, controle financeiro e medicamentoso (OR = 2,59; IC95%: 1,24-5,38). Considerando-se apenas a capacidade de administrar as finanças, duplicou o risco de demência naqueles que já apresentavam alteração na linha de base, evidenciando a importância desta atividade (OR = 2,15; IC95%: 1,13-4,08).

Esta pesquisa apresenta algumas limitações. Tendo sido realizada com amostra de conveniência e em uma unidade de atenção primária, sua validade externa fica limitada e seus resultados só podem ser extrapolados para uma população semelhante. A utilização de uma reunião de especialistas para a seleção das AIVD a serem incluídas na ferramenta de triagem, e não de um painel nos moldes tradicionais, poderia comprometer o resultado desta estratégia. Entretanto, o fato de serem profissionais de diversas áreas, com vasta experiência na atuação com idosos, propiciou uma seleção adequada de atividades preditoras de declínio funcional. A despeito dessas limitações, o trabalho apresenta pontos fortes. As avaliações utilizaram instrumentos padronizados, adaptados à nossa cultura, além de outros cujas características psicométricas foram testadas durante o estudo, todos adequados para a atenção primária. A baixa escolaridade dos participantes nos permite inferir que esta abordagem é propícia para os usuários idosos da rede pública brasileira, cuja atuação preferencial é voltada para as camadas da população mais vulneráveis do ponto de vista socioambiental.

Considerações finais

Como o envelhecimento frequentemente acarreta alterações funcionais insidiosas, instrumentos de rastreamento de condições desencadeadoras de declínio funcional permitem intervenções precoces, de maior impacto potencial e possibilidade de melhor planejamento das ações na área da saúde. Estratégias de avaliação rápida permitem examinar uma grande parcela da população-alvo, facilitando a referência para os serviços médicos existentes. Esse tipo de abordagem atende às proposições da OMS e do Ministério da Saúde para a triagem de idosos. A estratégia aqui apresentada, por rastrear de forma objetiva a maioria das funções, é menos sujeita a variações relacionadas ao indivíduo examinado.

Referências

  • 1
    National Alliance for Cargiving. Caregiving in the USA. http://www.caregiving.org/data/Caregiving_in_the_US_2009_full_report.pdf (acessado em 15/Abr/2015).
    » http://www.caregiving.org/data/Caregiving_in_the_US_2009_full_report.pdf
  • 2
    Schmidt MI, Duncan BB, Azevedo e Silva G, Menezes AM, Monteiro CA, Barreto SM, et al. Chronic non-communicable diseases in Brazil: burden and current challenges. Lancet 2011; 377:1949-61.
  • 3
    Costa EFA, Porto CC, Almeida JC, Cipullo JP, Martin JFV. Semiologia do idoso. In: Porto CC, organizador. Semiologia médica. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan; 2002. p. 166-97.
  • 4
    Elon R, Phillips C, Loome J, Denman S, Woods A. General issues and comprehensive approach to assessment of elders. In: Osterweil D, Brummel-Smith K, Beck JC, editors. Comprehensive geriatric assessment. New York: McGraw Hill; 2000. p. 1-39.
  • 5
    Rubenstein LZ, Alessi CA, Josephson KR, Trinidad Hoyl M, Harker JO, Pietruszka FM. A randomized trial of a screening, case finding, and referral system for older veterans in primary care. J Am Geriatr Soc 2007; 55:166-74.
  • 6
    Moore AA, Siu AL. Screening for common problems in ambulatory elderly: clinical confirmation of a screening instrument. Am J Med 1996; 100:438-43.
  • 7
    Ministério da Saúde. Envelhecimento e saúde da pessoa idosa. Brasilia: Ministério da Saúde; 2006. (Cadernos de Atenção Básica, 19).
  • 8
    World Health Organization. Age-friendly primary health care (PHC) centres toolkit. http://www.who.int/ageing/publications/upcoming_publications/en/ (acessado em 01/Jan/2015).
    » http://www.who.int/ageing/publications/upcoming_publications/en/
  • 9
    Mitchell AJ, Coyne JC. Do ultra-short screening instruments accurately detect depression in primary care? A pooled analysis and meta-analysis of 22 studies. Br J Gen Pract 2007; 57:144-51.
  • 10
    Katz S, Ford AB, Moskowitz RW, Jackson BA, Jaffe MW. Studies of illness in the aged. The index of ADL: a standardized measure of biological and psychosocial function. JAMA 1963; 185:914-9.
  • 11
    Carvalho MAP, Pivetta F. The integrated territory of health care in Manguinhos: we are all apprentices. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz; 2012.
  • 12
    Li C, Friedman B, Conwell Y, Fiscella K. Validity of the Patient Health Questionnaire 2 (PHQ-2) in identifying major depression in older people. J Am Geriatr Soc 2007; 55:596-602.
  • 13
    Lino VTS, Pereira SRM, Camacho LAB, Ribeiro Filho ST, Buksman S. Adaptação transcultural da Escala de Independência em Atividades da Vida Diária (Escala de Katz). Cad Saúde Pública 2008; 24:103-12.
  • 14
    Roehrig B, Hoeffken K, Pientka L, Wedding U. How many and which items of activities of daily living (ADL) and instrumental activities of daily living (IADL) are necessary for screening. Crit Rev Oncol Hematol 2007; 62:164-71.
  • 15
    Pfeffer RI, Kurosaki TT, Harrah Jr. CH, Chance JM, Filos S. Measurement of functional activities in older adults in the community. J Gerontol 1982; 37:323-9.
  • 16
    Kroenke K, Spitzer RL, Williams JB. The Patient Health Questionnaire-2: validity of a two-item depression screener. Med Care 2003; 41:1284-92.
  • 17
    Phelan E, Williams B, Meeker K, Bonn K, Frederick J, Logerfo J, et al. A study of the diagnostic accuracy of the PHQ-9 in primary care elderly. BMC Fam Pract 2010; 11:63.
  • 18
    Richardson TM, He H, Podorski C, Tu X, Conwell Y. Screening depression aging services clients. Am J Geriatr Psychiatry 2010; 18:1116-23.
  • 19
    de Lima-Osório F, Vilela-Mendes A, Crippa JA, Loureiro SRL. Study of the discriminative validity of the PHQ-9and PHQ-2 in a sample of Brazilian women in the context of primary health care. Perspect Psychiatr Care 2009; 45:11.
  • 20
    Sherbourne CD, Stewart AL. The MOS social support survey. Soc Sci Med 1991; 32:705-14.
  • 21
    Griep RH, Chor D, Faerstein E, Werneck GL, Lopes CS. Validade de constructo de escala de apoio social do Medical Outcomes Study adaptada para o português no Estudo Pró-Saúde. Cad Saúde Pública 2005; 21:703-14.
  • 22
    Mangione CM. Vision. In: Osterweil D, Brummel-Smith K, Beck J, editors. Comprehensive geriatric assessment. New York: McGraw Hill; 2000. p. 285-94.
  • 23
    Valete-Rosalino CM, Rozenfeld S. Auditory screening in the elderly: comparison between self-report and audiometry. Braz J Otorhinolaryngol 2005; 71:193-200.
  • 24
    Podsiadlo D, Richardson S. The timed "Up & Go": a test of basic functional mobility for frail elderly persons. J Am Geriatr Soc 1991; 39:142-8.
  • 25
    Fried LP, Tangen CM, Walston J, Newman AB, Hirsch C, Gottdiener J, et al. Frailty in older adults: evidence for a phenotype. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2001; 56:M146-56.
  • 26
    Buksman S, Vilela ALS, Pereira SRM, Lino VTS, Santos VH. Quedas em idosos: prevenção. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia/Conselho Federal de Medicina; 2008.
  • 27
    Lipschitz DA. Screening for nutritional status in the elderly. Prim Care 1994; 21:55-67.
  • 28
    Ministério da Saúde. Vigitel Brasil 2009: vigilância e fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico. Brasília: Ministério da Saúde; 2010.
  • 29
    Bertolucci PH, Brucki SM, Campacci SR, Juliano Y. The Mini-Mental State Examination in a general population: impact of educational status. Arq Neuropsiquiatr 1994; 52:1-7.
  • 30
    Almeida OP. Mini mental state examination and the diagnosis of dementia in Brazil. Arq Neuropsiquiatr 1998; 56:605-12.
  • 31
    Hasselmann MH, Lopes CS, Reichenheim ME. Measurement reliability in a study on family violence and severe acute malnutrition. Rev Saúde Pública 1998; 32:437-46.
  • 32
    Landis JR, Koch GG. The measurement of observer agreement for categorical data. Biometrics 1977; 33:159-74.
  • 33
    Del-Ben CM, Villela JAA, Crippa JAS, Hallak JEC, Labate CM, Zuardi AW. Confiabilidade da "Entrevista Clínica Estruturada para o DSM-IV - Versão Clínica" traduzida para o português. Rev Bras Psiquiatr 2001; 23:156-9.
  • 34
    Lino VTS, Portela MC, Camacho LAB, Rodrigues NCP. Reliability of screening tests for health-related problems among low-income elderly. Cad Saúde Pública 2014; 30:2691-6.
  • 35
    Lino VT, Portela MC, Camacho LA, Athie S, Lima MJB, Rodrigues NC, et al. Screening for depression in low-income elderly patients at the primary care level: use of the patient health questionnaire-2. PLoS One 2014; 9:e113778.
  • 36
    Pirozzo S, Papinczak T, Glasziou P. Whispered voice test for screening for hearing impairment in adults and children: systematic review. BMJ 2003; 327:967.
  • 37
    Nondahl DM, Cruickshanks KJ, Wiley TL, Tweed TS, Klein R, Klein BEK. Accuracy of self-reported hearing loss. Audiology 1998; 37:295-301.
  • 38
    Tomioka K, Ikeda H, Hanaie K, Morikawa M, Iwamoto J, Okamoto N, et al. The Hearing Handicap Inventory for Elderly-Screening (HHIE-S) versus a single question: reliability, validity, and relations with quality of life measures in the elderly community, Japan. Qual Life Res 2013; 22:1151-9.
  • 39
    Zajacova A, Dowd JB. Reliability of self-rated health in US adults. Am J Epidemiol 2011; 174:977-83.
  • 40
    Sjostrom M, Stenlund H, Johansson S, Umefjord G, Samuelsson E. Stress urinary incontinence and quality of life: a reliability study of a condition-specific instrument in paper and web-based versions. Neurourol Urodyn 2012; 31:1242-6.
  • 41
    Yamaji S, Demura S. Reliability and fall experience discrimination of cross step moving on four spots test in the elderly. Arch Phys Med Rehabil 2013; 94:1312-9.
  • 42
    Gillespie LD, Robertson MC, Gillespie WJ, Sherrington C, Gates S, Clemson LM, et al. Interventions for preventing falls in older people living in the community. Cochrane Database Syst Rev 2009; 9:CD007146.
  • 43
    Arroll B, Goodyear-Smith F, Crengle S, Gunn J, Kerse N, Fishman T, et al. Validation of PHQ-2 and PHQ-9 to screen for major depression in the primary care population. Ann Fam Med 2010; 8:348-53.
  • 44
    Cutler CB, Legano LA, Dreyer BP, Fierman AH, Berkule SB, Lusskin SI, et al. Screening for maternal depression in a low education population using a two item questionnaire. Arch Womens Ment Health 2007; 10:277-83.
  • 45
    Yesavage JA, Brink TL, Rose TL, Lum O, Huang V, Adey M, et al. Development and validation of a geriatric depression screening scale: a preliminary report. J Psychiatr Res 1982-1983; 17:37-49.
  • 46
    Paradela EM, Lourenco RA, Veras RP. Validation of geriatric depression scale in a general outpatient clinic. Rev Saúde Pública 2005; 39:918-23.
  • 47
    Nicholson NR. A review of social isolation: an important but underassessed condition in older adults. J Prim Prev 2012; 33:137-52.
  • 48
    Barbosa AR, Souza JMP, Lebrão ML, Laurenti R, Marucci MFN. Functional limitations of Brazilian elderly by age and gender differences: data from SABE Survey. Cad Saúde Pública 2005; 21:1177-85.
  • 49
    Pérès K, Helmer C, Amieva H, Orgogozo JM, Rouch I, Dartigues JF, et al. Natural history of decline in instrumental activities of daily living performance over the 10 years preceding the clinical diagnosis of dementia: a prospective population-based study. J Am Geriatr Soc 2008; 56:37-44.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Jul 2016

Histórico

  • Recebido
    02 Jun 2015
  • Revisado
    07 Set 2015
  • Aceito
    18 Fev 2016
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br