Horta agroecológica como caminho para encontros

Paula Fernandes de Brito Marcia Gomide da Silva Mello Sobre os autores

Das longínquas eras nas quais nossos ancestrais desciam das árvores para explorar as planícies africanas até o atual momento da humanidade, a busca por alimento sempre esteve vincada em nossos "marcadores genéticos". No período Neolítico, os caçadores-coletores cedem lugar aos primeiros povos agricultores, que iniciam a seleção de sementes de melhor qualidade para agricultura e as primeiras práticas na pecuária. Assim, transpassam a experiência do nomadismo, tomando para si o sedentarismo resultante da necessidade de cuidar das novas fontes de nutrientes.

Hoje, em pleno século XXI, observa-se um dos mais enraizados paradoxos da humanidade: a ocorrência de doenças e de desequilíbrios socioambientais em prol da produção de alimentos. Muitas foram as mudanças na agricultura durante esse longo período, sendo um marco histórico ocorrido após a Segunda Grande Guerra, a chamada Revolução Verde, que se traduziu em um novo projeto para a agricultura global, impondo profundas mudanças estruturais, como o uso intensivo de maquinário, expansão dos monocultivos e concentração de terras, além de quantidades incalculáveis de agrotóxicos e fertilizantes químicos.

De uma agricultura de subsistência, chegou-se ao outro extremo: um modelo direcionado ao mercado, em que as regras do jogo são ditadas pelo capital. E a Revolução Verde foi além, ofertando em seu legado a usurpação cultural e social dos povos tradicionais mediante a uniformização das práticas e o achatamento dos conhecimentos ancestrais de camponeses e camponesas. Na atualidade, tais grupos são majoritariamente dependentes do uso de agrotóxicos, fertilizantes e sementes industriais. Esse modelo de produção, mecanizado e envenenado, colabora inclusive para o êxodo rural e para um maior distanciamento entre o campo e a cidade.

Na áreas urbanas, a rapidez tecnológica vem impondo num ritmo explosivo a rotina humana, o que desconecta o homem ainda mais da fonte de produção dos alimentos que consome. A alimentação vem se tornando plastificada, fast food, individualista. Não se presta mais atenção ao que se come: consome-se rapidez e praticidade.

Felizmente, a história tem demonstrado a capacidade humana em reverter cenários desfavoráveis. E, um dos caminhos para tal reversão está na agroecologia, que tem, dentre os seus pilares, a promoção de práticas de cultivo respeitosas a todos os seres, bem como a aproximação entre o rural e o urbano, na busca de diálogo entre produtores e consumidores, no intuito de ofertar alimentos saudáveis, livres de insumos químicos, e promover encontros harmônicos.

Experiências agroecológicas bem-sucedidas estão acontecendo em todo o território brasileiro. Na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), no campus da Ilha do Fundão, existem diversos coletivos que têm na agroecologia seu objetivo maior. É o caso da Feira Agroecológica da UFRJ, que agrega agricultores do Município do Rio de Janeiro e outros, aproximando produtores e consumidores. Também o Projeto de Extensão MUDA - Mutirão de Agroecologia, coordenado pela Escola Politécnica da UFRJ e do qual o Instituto de Estudos em Saúde Coletiva (IESC/UFRJ) é integrante, dentre as suas linhas de ação, oferece capacitação para criação e manejo de hortas comunitárias na cidade, além de produzir alimentos no próprio campus universitário, em um sistema agroflorestal.

Inspirada nessas iniciativas, nasce a proposta de criação da Horta do IESC, em uma área pouco utilizada e anteriormente destinada à jardinagem. Fruto de um esforço coletivo, envolvendo direção, professores e funcionários dos serviços de jardinagem e limpeza, tem como objetivos não só produzir alimentos livres de insumos químicos, mas também tornar-se um espaço de aprendizado e criação conjunta, abrindo espaço no ritmo "fast" da cidade aos encontros e diálogos para o corpo social do instituto.

O plantio teve início em julho de 2016, e o primeiro almoço colaborativo aconteceu em setembro do mesmo ano, sendo realizados a colheita, o preparo da salada e a refeição compartilhados. Participaram desse encontro alunos, professores, técnico-administrativos e funcionários terceirizados, partilhando da mesma refeição em que foi possível vivenciar a experiência de consumir alimentos frescos, colhidos no mesmo dia e preparados por todos. A refeição promoveu não só uma reflexão sobre padrão alimentar, mas, sobretudo, foi marcante a interação entre grupos de servidores e alunos distintos, que se uniram ao redor da mesa e compartilharam o essencial: alimento, sorrisos e encontros.

Assim, um local antes pouco conhecido e frequentado no instituto é hoje motivo de inspiração para muitos que, durante suas atividades diárias, o visitam com os mais diferentes objetivos: busca de informações, plantio de mudas, colheita eventual de algum alimento, troca de experiências, ou ainda um momento de relaxamento.

A horta se mantém viva e a rede de "guardiões" e interessados cresce, suavizando a tendência atual "ao exílio produtivo" decorrente da cadência do modelo de trabalho vigente. A pequena horta fez mais que seu papel primário. Novos encontros têm se estabelecido, aproximando, motivando, reforçando autoestimas e diminuindo diferenças. Notícias sobre sua existência vêm inclusive se difundindo e atraindo outros visitantes da universidade ao novo espaço, carinhosamente batizado de "Recanto Verde" por uma das funcionárias-guardiãs que atua no IESC/UFRJ.

Uma iniciativa simples, mas que já rendeu bons frutos em tão pouco tempo! Nesses encontros, as pessoas se reinventam, retomando a capacidade de produção de alimentos com as próprias mãos, coletivamente, e sem o uso de químicos. Demonstra-se que a busca por um mundo produtivo, menos individualista e com mais compartilhamentos e encontros é possível.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Dez 2016
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br