Tendências nos indicadores de desempenho e monitoramento de produção dos Centros de Especialidades Odontológicas do Brasil

Trends in performance indicators and production monitoring in Specialized Dental Clinics in Brazil

Tendencias en los indicadores de desempeño y monitoreo de producción de los Centros de Especialidades Odontológicas de Brasil

Fabiola Bof de Andrade Rafaela da Silveira Pinto José Leopoldo Ferreira Antunes Sobre os autores

Resumos

Este trabalho teve o objetivo de avaliar a tendência temporal dos indicadores de monitoramento de produção e desempenho dos serviços de atenção secundária em saúde bucal do Sistema Único de Saúde (SUS), no período de 2008 a 2018. Realizou-se um estudo de séries temporais com base nos dados de produção dos Centros de Especialidades Odontológicas (CEOs) obtidos junto ao Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS. O indicador de monitoramento foi avaliado segundo a proporção de CEOs que cumpriram a meta mensal estabelecida para cada especialidade (atenção básica, endodontia, cirurgia, periodontia). O desempenho dos serviços foi definido como ruim para aqueles que não cumpriram nenhuma ou apenas uma das metas estipuladas para as quatro especialidades odontológicas. As séries temporais construídas foram analisadas pelo método da decomposição, considerando os componentes de tendência, variação sazonal e variação aleatória. Todas as análises foram feitas para o Brasil e cada uma das cinco macrorregiões. Verificou-se o declínio da proporção de CEOs que cumpriram as metas da atenção básica no país como um todo. As tendências da proporção de cumprimento de metas para a área de cirurgia e periodontia foram crescentes para o Brasil. Observou-se diferenças importantes na proporção de cumprimento de metas entre as regiões brasileiras, com o pior desempenho dos CEOs nas regiões Norte e Nordeste. As tendências temporais demostraram uma melhora dos serviços para o Brasil como um todo, mas destacam a importância de avaliação das regiões do país e necessidade de monitoramento constante desses indicadores.

Palavras-chave:
Especialidades Odontológicas; Saúde Bucal; Atenção Secundária à Saúde


This study aimed to assess time trends in production and performance indicators in secondary dental care services in the Brazilian Unified National Health System (SUS) from 2008 to 2018. A time series study was conducted, based on production data from the Specialized Dental Clinics (CEOs in Portuguese) obtained from the Ambulatory Information System of the SUS. The monitoring indicator was assessed as the proportion of clinics that met the monthly target set for each specialty (primary care, endodontics, surgery, periodontics). Dental services’ performance was defined as poor for those that met only one or no targets in the four dental specialties. The time series were analyzed by the decomposition method, considering the components trend, seasonal variation, and random variation. All the analyses were performed for Brazil as a whole and for each of the country’s five major geographic regions. A decline was seen in Brazil as a whole in the proportion of clinics that met the primary care targets. There were upward trends in the proportion of compliance with the targets for surgery and periodontics in Brazil as a whole. Important differences were seen between the regions of Brazil in the proportion of compliance with the targets, with the worst performance for the clinics in the North and Northeast regions. Time trends showed an improvement in the services for Brazil as a whole, while emphasizing the importance of assessing the country’s regions and the need for constant monitoring of these indicators.

Keywords:
Dental Specialties; Oral Health; Secondary Care


El objetivo de este estudio fue evaluar la tendencia temporal de los indicadores de monitoreo de producción y desempeño de los servicios de atención secundaria en salud bucal del Sistema Único de Salud (SUS), durante el período de 2008 a 2018. Se realizó un estudio de series temporales, basado en los datos de producción de los Centros de Especialidades Odontológicas (CEOs), obtenidos mediante el Sistema de Información Ambulatoria del SUS. El indicador de monitoreo se evaluó según la proporción de CEOs que cumplieron la meta mensual establecida para cada especialidad (atención básica, endodoncia, cirugía, periodoncia). El desempeño de los servicios se definió como malo para aquellos que no cumplieron ninguna o solo una de las metas estipuladas para las cuatro especialidades odontológicas. Las series temporales construidas se analizaron mediante el método de descomposición, considerando los componentes de tendencia, variación estacional y variación aleatoria. Todos los análisis fueron realizados respecto a Brasil y cada una de sus cinco macrorregiones. Se verificó un decremento en la proporción de CEOs que cumplieron las metas de la atención básica en todo el país. Las tendencias de la proporción de cumplimiento de metas para el área de cirugía y periodoncia fueron crecientes en el caso de Brasil. Se observaron diferencias importantes en la proporción de cumplimiento de metas entre las regiones brasileñas, con un peor desempeño de los CEOs en las regiones Norte y Nordeste. Las tendencias temporales demostraron una mejora de los servicios para todo Brasil, pero destacan la importancia de la evaluación de las regiones del país y la necesidad de un monitoreo constante de estos indicadores.

Palabras-clave:
Especialidades Odontológicas; Salud Bucal; Atención Secundaria de Salud


Introdução

Antes do lançamento da Política Nacional de Saúde Bucal (PNSB) em 2004, a atenção odontológica no Brasil se restringia aos serviços da atenção primária. Segundo o documento das Diretrizes Nacionais de Saúde Bucal, publicado em 2004, a atenção odontológica especializada no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) correspondia a apenas 3,5% do total de procedimentos clínicos odontológicos em todo o país 11. Ministério da Saúde. Diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal. Brasília: Ministério da Saúde; 2004., limitando a capacidade de organização da referência e contrarreferência em saúde bucal e o tratamento das sequelas das doenças bucais. Visando à reorganização da oferta e ampliação do acesso aos serviços especializados de saúde bucal, a PNSB estabeleceu como diretriz ampliar e qualificar os Centros de Especialidades Odontológicas (CEOs) 11. Ministério da Saúde. Diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal. Brasília: Ministério da Saúde; 2004..

Essa nova diretriz propiciou um aumento do número de CEOs, bem como do financiamento para esses serviços em todo o país. No entanto, após quinze anos da publicação da PNSB, poucos estudos avaliaram os serviços de atenção secundária no Brasil. A literatura disponível aponta para uma subutilização desses serviços 22. Rios LRF, Colussi CF. Avaliação normativa dos Centros de Especialidades Odontológicas, Brasil, 2014. Saúde Debate 2019; 43:122-36.,33. Chaves SCL, Cruz DN, Barros SG, Figueiredo AL. Avaliação da oferta e utilização de especialidades odontológicas em serviços públicos de atenção secundária na Bahia, Brasil. Cad Saúde Pública 2011; 27:143-54.,44. Lino PA, Werneck MAF, Lucas SD, Abreu MHNG. Análise da atenção secundária em saúde bucal no Estado de Minas Gerais, Brasil. Ciênc Saúde Colet 2014; 19:3879-88. e baixo cumprimento das metas estabelecidas pelo Ministério da Saúde 22. Rios LRF, Colussi CF. Avaliação normativa dos Centros de Especialidades Odontológicas, Brasil, 2014. Saúde Debate 2019; 43:122-36.,55. Figueiredo N, Goes PSA. Construção da atenção secundária em saúde bucal: um estudo sobre os Centros de Especialidades Odontológicas em Pernambuco, Brasil. Cad Saúde Pública 2009; 25:259-67.,66. Cortellazzi KL, Balbino EC, Guerra LM, Vazquez FL, Bulgareli JV, Ambrosano GMB, et al. Variables associated with the performance of Centers for Dental Specialties in Brazil. Rev Bras Epidemiol 2014; 17:978-88.,77. Freitas CHSM, Lemos GA, Pessoa TRRF, Araujo MF, Forte FDS. Atenção em saúde bucal: avaliação dos centros de especialidades odontológicas da Paraíba. Saúde Debate 2016; 40:131-43.,88. Goes PSA, Figueiredo N, Neves JC, Silveira FMM, Costa JFR, Pucca Júnior GA, et al. Avaliação da atenção secundária em saúde bucal: uma investigação nos centros de especialidades do Brasil. Cad Saúde Pública 2012; 28 Suppl:S81-9., sendo os procedimentos da atenção básica os mais executados.

O baixo desempenho tem sido explicado pela inadequação dos serviços quanto à oferta mínima de especialidades 22. Rios LRF, Colussi CF. Avaliação normativa dos Centros de Especialidades Odontológicas, Brasil, 2014. Saúde Debate 2019; 43:122-36.,88. Goes PSA, Figueiredo N, Neves JC, Silveira FMM, Costa JFR, Pucca Júnior GA, et al. Avaliação da atenção secundária em saúde bucal: uma investigação nos centros de especialidades do Brasil. Cad Saúde Pública 2012; 28 Suppl:S81-9., inadequação na distribuição dos serviços e na gestão da oferta de vagas 33. Chaves SCL, Cruz DN, Barros SG, Figueiredo AL. Avaliação da oferta e utilização de especialidades odontológicas em serviços públicos de atenção secundária na Bahia, Brasil. Cad Saúde Pública 2011; 27:143-54.,99. Machado FCA, Silva JV, Ferreira MAF. Factors related to the performance of Specialized Dental Care Centers. Ciênc Saúde Colet 2015; 20:1149-63.,1010. Pinto RS, Abreu MHNG, Vargas AMD. Comparing adult users of public and private dental services in the state of Minas Gerais, Brazil. BMC Oral Health 2014; 14:100., além do elevado absenteísmo por parte dos pacientes 33. Chaves SCL, Cruz DN, Barros SG, Figueiredo AL. Avaliação da oferta e utilização de especialidades odontológicas em serviços públicos de atenção secundária na Bahia, Brasil. Cad Saúde Pública 2011; 27:143-54.,1010. Pinto RS, Abreu MHNG, Vargas AMD. Comparing adult users of public and private dental services in the state of Minas Gerais, Brazil. BMC Oral Health 2014; 14:100.,1111. Vazquez FL, Guerra LM, Vítor ES, Ambrosano GMB, Mialhe FL, Meneghim MC, et al. Referência e Contrarreferência na atenção Secundária em odontologia em Campinas, SP, Brasil. Ciênc Saúde Colet 2014; 19:245-56.,1212. Saliba NA, Nayme JGR, Moimaz SAS, Cecilio LPP, Garbin CAS. Organização da demanda de um Centro de Especialidades Odontológicas. Rev Odontol UNESP 2013; 42:317-23.. As deficiências de organização da rede de atenção primária e a ausência de efetividade no sistema de referência e contrarreferência para o atendimento odontológico 33. Chaves SCL, Cruz DN, Barros SG, Figueiredo AL. Avaliação da oferta e utilização de especialidades odontológicas em serviços públicos de atenção secundária na Bahia, Brasil. Cad Saúde Pública 2011; 27:143-54.,99. Machado FCA, Silva JV, Ferreira MAF. Factors related to the performance of Specialized Dental Care Centers. Ciênc Saúde Colet 2015; 20:1149-63. dificultam a regulação do atendimento por livre demanda e, consequentemente, a chegada de pacientes com necessidades de tratamento que seriam de competência da atenção primária 22. Rios LRF, Colussi CF. Avaliação normativa dos Centros de Especialidades Odontológicas, Brasil, 2014. Saúde Debate 2019; 43:122-36.,33. Chaves SCL, Cruz DN, Barros SG, Figueiredo AL. Avaliação da oferta e utilização de especialidades odontológicas em serviços públicos de atenção secundária na Bahia, Brasil. Cad Saúde Pública 2011; 27:143-54.,99. Machado FCA, Silva JV, Ferreira MAF. Factors related to the performance of Specialized Dental Care Centers. Ciênc Saúde Colet 2015; 20:1149-63..

A realização de procedimentos de atenção básica nos CEOs deve ser restringida aos pacientes com necessidades especiais, uma vez que este serviço tem custo mais elevado quando é realizado em um serviço especializado 1313. Ferreira CA, Loureiro CA. Custos para implantação e operação de serviço de saúde bucal na perspectiva do serviço e da sociedade. Cad Saúde Pública 2008; 24:2071-80.. Por um lado, espera-se que os CEOs restrinjam a oferta de procedimentos de atenção básica de livre demanda. Mas o fato dos serviços não atingirem as metas estabelecidas pelo Ministério da Saúde para essa e outras especialidades mínimas da atenção secundária reacende o posicionamento de alguns autores quanto à necessidade de revisá-las, baseando-as no perfil epidemiológico de cada região 22. Rios LRF, Colussi CF. Avaliação normativa dos Centros de Especialidades Odontológicas, Brasil, 2014. Saúde Debate 2019; 43:122-36.,33. Chaves SCL, Cruz DN, Barros SG, Figueiredo AL. Avaliação da oferta e utilização de especialidades odontológicas em serviços públicos de atenção secundária na Bahia, Brasil. Cad Saúde Pública 2011; 27:143-54.,55. Figueiredo N, Goes PSA. Construção da atenção secundária em saúde bucal: um estudo sobre os Centros de Especialidades Odontológicas em Pernambuco, Brasil. Cad Saúde Pública 2009; 25:259-67.,88. Goes PSA, Figueiredo N, Neves JC, Silveira FMM, Costa JFR, Pucca Júnior GA, et al. Avaliação da atenção secundária em saúde bucal: uma investigação nos centros de especialidades do Brasil. Cad Saúde Pública 2012; 28 Suppl:S81-9..

O conceito de desempenho dos sistemas de saúde se refere à sua capacidade de atingir as metas que lhes foram atribuídas, se adaptar e gerar produtos de qualidade, de acordo com planos previamente estabelecidos e indicadores relevantes 1414. Hartz ZMA. Meta-avaliação da gestão em saúde: desafios para uma "nova saúde pública". Ciênc Saúde Colet 2012; 17:832-4.. A escassez de informações sobre o desempenho dos serviços odontológicos especializados oferecidos pelo SUS dificulta o planejamento e a programação de suas atividades. Além disso, as pesquisas sobre a atenção secundária em saúde bucal têm se restringido a investigações pontuais que não permitem avaliar a evolução da oferta de procedimentos, o cumprimento de metas e sua cobertura populacional. Não obstante, a análise comparativa de tendências pode ajudar a esclarecer os efeitos que os serviços de saúde podem ter na saúde da população 1515. Celeste RK, Vital JF, Junger WL, Reichenheim ME. Séries de procedimentos odontológicos realizadas nos serviços públicos brasileiros, 1994-2007. Ciênc Saúde Colet 2011; 16:4523-32.. O presente trabalho teve como objetivo avaliar a tendência temporal dos indicadores de monitoramento de produção e desempenho dos serviços de atenção secundária em saúde bucal do SUS.

Métodos

Realizou-se um estudo de séries temporais com base nos dados de produção dos CEOs, no período de 2008 a 2018.

Os dados referentes aos procedimentos odontológicos dos CEOs foram obtidos junto ao Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS (SIA/SUS) e os dados relativos ao tipo de serviço (CEO tipos I, II ou III) foram recuperados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES). Os dados foram tabulados pelo programa TabWin 3.6b (http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=060805) e posteriormente analisados no Stata 15.1 (https://www.stata.com). Para cada um dos CEOs, os dados foram tabulados por mês e ano de atendimento, com estratificação por grupo de procedimentos por especialidades (isto é, atenção básica, periodontia, endodontia e cirurgia). O subgrupo de procedimentos odontológicos de cada especialidade é extenso e pode ser acessado de forma detalhada na Portaria nº 1.464, de 24 de junho de 2011, do Ministério da Saúde 1616. Ministério da Saúde. Portaria nº 1.464, de 24 de junho de 2011. Altera o Anexo da Portaria nº 600/GM/MS, de 23 de março de 2006, que institui o financiamento dos Centros de Especialidades Odontológicas (CEO). Diário Oficial da União 2011; 25 jun.. Essa Portaria define os mesmos procedimentos para os três tipos de CEOs, sendo 14 procedimentos da atenção básica, cinco de periodontia, oito de endodontia e 41 procedimentos de cirurgia. Exemplos de procedimentos de cada uma das especialidades incluem: atenção básica [aplicação de cariostático (por dente); raspagem alisamento subgengivais (por sextante); exodontia de dente permanente]; periodontia [raspagem corono-radicular (por sextante); gengivoplastia (por sextante); tratamento cirúrgico periodontal (por sextante)]; endodontia [obturação em dente permanente birradicular; retratamento endodôntico em dente permanente uni-radicular; selamento de perfuração radicular]; e cirurgia [biópsia de glândula salivar; correção cirúrgica de fístula oronasal/oro-sinusal; reconstrução parcial do lábio traumatizado]. Foram excluídos da análise os CEOs, que apesar de habilitados no CNES, não apresentaram procedimentos lançados durante o ano em nenhuma das especialidades analisadas.

As variáveis dependentes do estudo foram os indicadores de desempenho e de monitoramento da produção dos CEOs. O indicador de monitoramento foi avaliado segundo a proporção de CEOS que cumpriram a meta mensal estabelecida para cada especialidade do serviço. O cumprimento da meta de especialidade em cada CEO foi avaliado pelo quociente entre o número de procedimentos realizados mensalmente em cada especialidade e o total de procedimentos estipulado como meta para a especialidade. Os serviços que apresentaram cumprimento igual ou superior a 100% da meta da especialidade foram classificados como tendo cumprido a meta.

As metas para cada uma das especialidades odontológicas foram as seguintes 1616. Ministério da Saúde. Portaria nº 1.464, de 24 de junho de 2011. Altera o Anexo da Portaria nº 600/GM/MS, de 23 de março de 2006, que institui o financiamento dos Centros de Especialidades Odontológicas (CEO). Diário Oficial da União 2011; 25 jun.: (1) atenção básica (80 procedimentos para CEO tipo I, 110 para tipo II e 190 para tipo III); (2) periodontia (60 procedimentos para CEO tipo I, 90 para tipo II e 150 para tipo III); (3) cirurgia (80 procedimentos para CEO tipo I, 90 para tipo II e 170 para tipo III); (4) endodontia (35 procedimentos para CEO tipo I, 60 para tipo II e 95 para tipo III). Após verificar o cumprimento mensal da meta por especialidade para cada serviço, foi definida a proporção de serviços que cumpriram a meta de cada especialidade no mês. A utilização da Portaria nº 1.464 como referência para a avaliação das metas por especialidades não influenciou o cálculo das metas do período de 2008 a 2010, uma vez que esta Portaria não alterou as metas das especialidades e os códigos dos procedimentos previstos na Portaria anterior (Portaria nº 600, de 23 de março de 2006).

O desempenho foi avaliado com base no cumprimento do conjunto de metas para as especialidades, conforme proposto previamente 66. Cortellazzi KL, Balbino EC, Guerra LM, Vazquez FL, Bulgareli JV, Ambrosano GMB, et al. Variables associated with the performance of Centers for Dental Specialties in Brazil. Rev Bras Epidemiol 2014; 17:978-88.,88. Goes PSA, Figueiredo N, Neves JC, Silveira FMM, Costa JFR, Pucca Júnior GA, et al. Avaliação da atenção secundária em saúde bucal: uma investigação nos centros de especialidades do Brasil. Cad Saúde Pública 2012; 28 Suppl:S81-9.. Esse foi definido como ruim para aqueles que não cumpriram nenhuma ou apenas uma das metas estipuladas para as quatro especialidades odontológicas. Baseando-se nessa classificação, foi calculada a proporção de serviços com desempenho ruim em cada mês.

As séries temporais construídas foram analisadas pelo método da decomposição 1717. Zhang X, Zhang T, Young AA, Li X. Applications and comparisons of four time series models in epidemiological surveillance data. PLoS One 2014; 9:e88075., considerando os componentes de tendência, variação sazonal e variação aleatória. A análise de tendência foi feita por meio da regressão de Prais-Winsten, que permite corrigir autocorrelação serial de primeira ordem 1818. Antunes JLF, Cardoso MRA. Uso da análise de séries temporais em estudos epidemiológicos. Epidemiol Serv Saúde 2015; 24:565-76.. Para esse fim, calculou-se inicialmente a variação percentual mensal, com ajuste para variação sazonal, segundo procedimento descrito por Antunes & Cardoso 1818. Antunes JLF, Cardoso MRA. Uso da análise de séries temporais em estudos epidemiológicos. Epidemiol Serv Saúde 2015; 24:565-76.. Em seguida, a variação percentual mensal de cada série temporal foi multiplicada por 12, indicando sua variação percentual anual (VPA).

Todas as análises foram feitas para o Brasil e para as cinco macrorregiões. Apenas para fins de apresentação gráfica, as séries temporais de dados mensais foram alisadas usando-se médias móveis de ordem 5 1818. Antunes JLF, Cardoso MRA. Uso da análise de séries temporais em estudos epidemiológicos. Epidemiol Serv Saúde 2015; 24:565-76.. Esse procedimento visa apenas reduzir a variação aleatória da medida, permitindo facilitar a percepção da tendência e variação sazonal. Em todas as análises adotou-se o nível de significância de 5%. Coeficientes de regressão significantemente diferentes de zero (p < 0,05) foram considerados crescentes quando positivos e decrescentes quando negativos. As séries temporais foram consideradas estacionárias (ausência de tendência) quando os coeficientes de regressão não foram significantemente diferentes de zero (p > 0,05).

Este estudo foi realizado com base em dados secundários de domínio público, sendo dispensada a apreciação pelo Comitê de Ética em Pesquisa.

Resultados

As Figuras 1 e 2 mostram a proporção de CEOs que, respectivamente, cumpriram as metas estipuladas para as especialidades odontológicas e apresentaram desempenho ruim em cada mês, entre 2008 e 2018. A Região Nordeste registrou as menores proporções de CEOs com metas cumpridas em todas as especialidades no período. As proporções do cumprimento de metas e o desempenho dos serviços mostraram um comportamento sazonal com proporções mais elevadas em torno da metade do ano. A atenção básica apresentou as maiores proporções de cumprimento de metas; endodontia registrou as menores proporções.

Figura 1
Proporção de Centros de Especialidades Odontológicas (CEOs) que cumpriram as metas em cada especialidade odontológica no Brasil e regiões entre 2008 e 2018.

Figura 2
Proporção de Centros de Especialidades Odontológicas (CEOs) com desempenho ruim para o Brasil e regiões entre 2008 e 2018.

A inspeção visual das séries temporais indica haver variação sazonal, com o meio do ano registrando os valores mais elevados de cumprimento das metas e, de modo complementar, valores menos elevados de desempenho ruim. Os modelos de regressão confirmaram que o componente de variação sazonal foi estatisticamente significante (p < 0,05) em todas as séries examinadas.

A Tabela 1 apresenta os resultados da análise de tendência, já ajustados para a variação sazonal. Foram estimados os valores de VPA da proporção de CEOs que cumpriram as metas para cada especialidade odontológica e que tiveram desempenho ruim no período de 2008 a 2018. As regiões Sudeste, Sul e Centro-oeste apresentaram tendência crescente na proporção de CEOs que atingiram todas as metas. No entanto, a Região Centro-oeste registrou crescimento da proporção de CEOs com desempenho ruim, já as demais registraram declínio. Quando se considera cada especialidade odontológica, o cumprimento das metas da atenção básica foi decrescente em todas as regiões. O cumprimento de metas em endodontia também decresceu significantemente nas regiões Norte e Nordeste, mantendo-se estacionária nas demais. Esses resultados contrastam com as tendências crescentes do cumprimento de metas para cirurgia em todas as regiões, exceto a Centro-oeste, e para periodontia no Sul, Sudeste e Centro-oeste.

Tabela 1
Séries temporais (2008-2018) da proporção de Centros de Especialidades Odontológicas (CEOs) que cumpriram as metas para cada especialidade odontológica e que apresentaram desempenho ruim, no Brasil e macrorregiões.

As regiões Norte e Nordeste apresentaram perfil semelhante em todas as medidas analisadas, com declínio significante em atenção básica e endodontia e incremento em cirurgia. As regiões Sul e Sudeste registraram perfil semelhante com valores relativamente elevados para o incremento no cumprimento de todas as metas [VPA = 14,79% (IC95%: 10,73; 18,87) para a Região Sul e VPA = 7,75% (IC95%: 5,02; 10,49) para a Região Sudeste] e redução significante na proporção de CEOs com desempenho ruim. As regiões Sul e Sudeste também apresentaram semelhança nas tendências significantes de aumento no cumprimento de metas de cirurgias e de redução nas metas de atenção básica. A Região Centro-oeste também registrou crescimento no cumprimento de todas as metas, mas apresentou declínio na atenção básica e mostrou crescimento significante na proporção de CEOs com desempenho ruim [VPA = 1,60% (IC95%: 0,14; 3,06)].

Com relação ao número de procedimentos (Tabela 2) também verificou-se tendência decrescente para os procedimentos da atenção básica no país como um todo [VPA = -2,67% (IC95%: -5,08; -0,25)]. No entanto, o declínio foi concentrado nas regiões Sul, Sudeste e Centro-oeste, com tendência estacionária no Norte e Nordeste. As demais especialidades registraram tendência crescente em todo o país, com exceção apenas de procedimentos cirúrgicos e endodônticos na Região Centro-oeste, que apresentaram tendência estacionária.

Tabela 2
Séries temporais (2008-2018) do número médio de procedimentos realizados pelos Centros de Especialidades Odontológicas (CEOs), segundo especialidade odontológica, no Brasil e macrorregiões.

Discussão

O presente trabalho identificou um marcante declínio da atuação dos CEOs no país, no que diz respeito aos procedimentos da atenção básica. Em contraste, no mesmo período, houve um incremento significante da atuação na área de cirurgia. Observaram-se, ainda, importantes desigualdades entre as macrorregiões, com o pior desempenho dos CEOs nas regiões Norte e Nordeste (declínio na atenção básica e endodontia, tendência estacionária no desempenho ruim e no atendimento de todas as metas), melhor desempenho nas regiões Sul e Sudeste (crescimento em todas as metas, declínio em desempenho ruim) e perfil intermediário para a Região Centro-oeste. São esses os principais resultados do estudo; sua comunicação é necessária para reorientar a programação dos serviços odontológicos especializados no serviço público.

Estudos anteriores já haviam identificado ser reduzida a proporção de CEOs que cumprem todas as metas e apresentam desempenho satisfatório no país como um todo e em suas regiões 22. Rios LRF, Colussi CF. Avaliação normativa dos Centros de Especialidades Odontológicas, Brasil, 2014. Saúde Debate 2019; 43:122-36.,77. Freitas CHSM, Lemos GA, Pessoa TRRF, Araujo MF, Forte FDS. Atenção em saúde bucal: avaliação dos centros de especialidades odontológicas da Paraíba. Saúde Debate 2016; 40:131-43.,88. Goes PSA, Figueiredo N, Neves JC, Silveira FMM, Costa JFR, Pucca Júnior GA, et al. Avaliação da atenção secundária em saúde bucal: uma investigação nos centros de especialidades do Brasil. Cad Saúde Pública 2012; 28 Suppl:S81-9.. Cortelazzi et al. 66. Cortellazzi KL, Balbino EC, Guerra LM, Vazquez FL, Bulgareli JV, Ambrosano GMB, et al. Variables associated with the performance of Centers for Dental Specialties in Brazil. Rev Bras Epidemiol 2014; 17:978-88. verificaram que, em 2009, a proporção de CEOs que cumpriram as metas foi de 68,2% para atenção básica, 22,6% para endodontia, 55,9% para periodontia e 33,1% para cirurgia. Um trabalho mais recente 22. Rios LRF, Colussi CF. Avaliação normativa dos Centros de Especialidades Odontológicas, Brasil, 2014. Saúde Debate 2019; 43:122-36. confirmou esses achados e constatou a manutenção do ranking de cumprimento das metas entre as especialidades. Apesar do declínio, a atenção básica continua sendo o grupo de procedimentos com proporção mais elevada de atendimento às metas, sendo seguida por periodontia, cirurgia e endodontia.

Os estudos prévios foram importantes para qualificar os indicadores de monitoramento dos serviços odontológicos especializados em diferentes pontos no tempo. Ainda, eles permitiram investigar hipóteses quanto ao desempenho desses indicadores, mas não permitem avaliar o comportamento da série histórica e como as políticas públicas atuaram para modificá-los. Nesse sentido, este estudo avança ao mostrar que, apesar de ser elevada a proporção de CEOs que não cumpriram as metas de produção no período, houve melhora nos indicadores de algumas regiões, o que pode ser atribuído a ações sobre alguns dos fatores previamente correlacionados ao baixo desempenho.

A tendência decrescente da proporção de CEOs que cumpriram as metas da atenção básica pode ser compreendida como sendo, em parte, efeito da Portaria nº 9111919. Ministério da Saúde. Portaria nº 911, de 29 de agosto de 2012. Diário Oficial da União 2012; 30 ago., de 29 de agosto de 2012. Essa Portaria definiu que os procedimentos realizados em pacientes com necessidades especiais nos CEOs devem ser informados ao Sistema de Informações Ambulatoriais por meio do Boletim de Produção Ambulatorial Individualizado (BPA-I). Com isso, o SIA/SUS deixou de reconhecer o lançamento de procedimentos da atenção básica que não tenham sido comunicados dessa forma. O impacto dessa Portaria ainda precisa ser mais bem estudado, uma vez que o serviço de saúde não consegue inibir por completo a realização desses procedimentos em pacientes sem indicação para atendimento no CEO. Além disso, a ampliação da atenção básica e do sistema de referência e contrarreferência no período recente também seria um dos fatores importantes para explicar o controle da realização de procedimentos básicos fora da atenção primária e a tendência decrescente observada. Um estudo recente relatou que apenas 57,2% dos CEOs no Brasil apresentavam acesso ao serviço por meio de demanda referenciada, porém, 75,5% tinham termos formais de referência e contrarreferência para encaminhamento 22. Rios LRF, Colussi CF. Avaliação normativa dos Centros de Especialidades Odontológicas, Brasil, 2014. Saúde Debate 2019; 43:122-36..

A contradição entre o crescimento do número de procedimentos endodônticos e o declínio no cumprimento de metas desta especialidade é apenas aparente, pois o crescimento do primeiro indicador concentrou-se no Sul e Sudeste, já o declínio do segundo foi concentrado no Norte e Nordeste. Observa-se, ainda, que a ampliação da cobertura pelo aumento do número de serviços não é traduzida necessariamente em melhor desempenho ou utilização dos serviços 2020. Silva FR, Padilha EZ, Baldani MH. Serviços odontológicos especializados nas cidades médias não metropolitanas do Estado do Paraná, entre 2003 e 2010: estudo exploratório. Epidemiol Serv Saúde 2013; 22:641-50..

A tendência decrescente na proporção de CEOs que atingiram metas relacionadas à atenção básica e endodontia também pode ter sido influenciada pela expansão do número de estabelecimentos e por restrições orçamentárias para o seu financiamento. Entre 2003 e 2014, houve expressiva implantação de novas unidades de atenção secundária, com ênfase no financiamento para a ampliação de recursos humanos e infraestrutura. No entanto, esse processo foi reduzido de 2011 a 2014 2121. Chaves SCL, Almeida AMFL, Rossi TRA, Santana SF, Barros SG, Santos CML. Política de Saúde Bucal no Brasil 2003-2014: cenário, propostas, ações e resultados. Ciênc Saúde Colet 2017; 22:1791-803., sendo seguido por um período de crises políticas e financeiras 2222. Chaves SCL, Almeida AMFL, Reis CS, Rossi TRA, Barros SG. Política de Saúde Bucal no Brasil: as transformações no período 2015-2017. Saúde Debate 2018; 42(spe2):76-91. cujos impactos vêm sendo percebidos em todo o país. Rios et al. 22. Rios LRF, Colussi CF. Avaliação normativa dos Centros de Especialidades Odontológicas, Brasil, 2014. Saúde Debate 2019; 43:122-36. relataram que, em 2014, 30,5% dos CEOs do Brasil paralisaram os serviços por falta de instrumentais ou insumos e 40% dos serviços não ofertavam as especialidades mínimas.

A tendência crescente na proporção de CEOs que cumpriram as metas de periodontia e cirurgia pode refletir o investimento nas ações de saúde bucal no período de 2003 a 2014. Nesse período, a Política Nacional de Saúde Bucal criou as bases para a ampliação da oferta nessas especialidades e a capacidade de atendimento dos serviços. Conquanto a aquisição de equipamentos e instrumentais necessários para a estruturação dos CEOs tenha sido fortemente financiada no período de expansão dos serviços (2003 a 2014), sua manutenção posterior reduziu a dependência de aporte financeiro do nível local, mais afetado pela crise econômica nos anos seguintes. Apesar do contexto de restrição orçamentária, esse crescimento também poderia ser explicado pela menor necessidade relativa de insumos nessas especialidades. Por outro lado, é possível que a elevação do cumprimento de metas e dos procedimentos nessas duas especialidades deva-se à maior atuação dos CEOs na realização de procedimentos que deveriam ter sido efetuados na atenção básica. Um estudo realizado em municípios da Bahia verificou que mais de 95% dos procedimentos da periodontia realizados nos CEOs eram típicos da atenção básica e, assim, seria preciso rever com precaução seu referenciamento para o nível secundário 33. Chaves SCL, Cruz DN, Barros SG, Figueiredo AL. Avaliação da oferta e utilização de especialidades odontológicas em serviços públicos de atenção secundária na Bahia, Brasil. Cad Saúde Pública 2011; 27:143-54..

Procedimentos endodônticos têm custo elevado e dependem de insumos específicos. Suas tendências podem ter sido impactadas pelas dificuldades financeiras experimentadas no nível local a partir de 2014, especialmente nas regiões Norte e Nordeste. A inspeção visual da série histórica sugere que a redução do cumprimento de metas foi intensificada por volta de 2013, com possível melhora a partir de 2017. Chaves et al. 2222. Chaves SCL, Almeida AMFL, Reis CS, Rossi TRA, Barros SG. Política de Saúde Bucal no Brasil: as transformações no período 2015-2017. Saúde Debate 2018; 42(spe2):76-91. afirmaram que a queda de arrecadação e a sobrecarga no financiamento do sistema público de saúde no nível local, entre 2015 e 2017, contribuíram para a expressiva redução dos indicadores de monitoramento da atenção básica. A endodontia apresenta maior inadequação de oferta na atenção secundária 33. Chaves SCL, Cruz DN, Barros SG, Figueiredo AL. Avaliação da oferta e utilização de especialidades odontológicas em serviços públicos de atenção secundária na Bahia, Brasil. Cad Saúde Pública 2011; 27:143-54.,2020. Silva FR, Padilha EZ, Baldani MH. Serviços odontológicos especializados nas cidades médias não metropolitanas do Estado do Paraná, entre 2003 e 2010: estudo exploratório. Epidemiol Serv Saúde 2013; 22:641-50., assim o aumento do número absoluto de CEOs no período pode ter aumentado a proporção de unidades que não cumpriram as metas. Além disso, a redução da utilização da especialidade em algumas regiões também poderia explicar a estabilidade ou declínio observado na série.

A inadequação da oferta de procedimentos 33. Chaves SCL, Cruz DN, Barros SG, Figueiredo AL. Avaliação da oferta e utilização de especialidades odontológicas em serviços públicos de atenção secundária na Bahia, Brasil. Cad Saúde Pública 2011; 27:143-54.,2020. Silva FR, Padilha EZ, Baldani MH. Serviços odontológicos especializados nas cidades médias não metropolitanas do Estado do Paraná, entre 2003 e 2010: estudo exploratório. Epidemiol Serv Saúde 2013; 22:641-50.,2323. Souza LF, Chaves SCL. Política Nacional de Saúde Bucal: acessibilidade e utilização de serviços odontológicos especializados em um município de médio porte na Bahia. Rev Baiana Saúde Pública 2010; 34:371-87. e o número de consultas para a finalização do tratamento 33. Chaves SCL, Cruz DN, Barros SG, Figueiredo AL. Avaliação da oferta e utilização de especialidades odontológicas em serviços públicos de atenção secundária na Bahia, Brasil. Cad Saúde Pública 2011; 27:143-54.,1212. Saliba NA, Nayme JGR, Moimaz SAS, Cecilio LPP, Garbin CAS. Organização da demanda de um Centro de Especialidades Odontológicas. Rev Odontol UNESP 2013; 42:317-23. podem ter influenciado o uso do serviço público. Estudos têm relatado declínio da utilização de serviços públicos odontológicos 2222. Chaves SCL, Almeida AMFL, Reis CS, Rossi TRA, Barros SG. Política de Saúde Bucal no Brasil: as transformações no período 2015-2017. Saúde Debate 2018; 42(spe2):76-91. e baixo uso da endodontia 2323. Souza LF, Chaves SCL. Política Nacional de Saúde Bucal: acessibilidade e utilização de serviços odontológicos especializados em um município de médio porte na Bahia. Rev Baiana Saúde Pública 2010; 34:371-87.. Souza et al. 2323. Souza LF, Chaves SCL. Política Nacional de Saúde Bucal: acessibilidade e utilização de serviços odontológicos especializados em um município de médio porte na Bahia. Rev Baiana Saúde Pública 2010; 34:371-87. verificaram que a taxa de utilização de procedimentos endodônticos foi de 16,1% em um município de médio porte na Bahia. Comparativamente, a Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios e a Pesquisa Nacional de Saúde apontaram redução no uso de serviços públicos odontológicos: 30,7% em 2003, 29,7% em 2008 e 19,6% em 2013 2222. Chaves SCL, Almeida AMFL, Reis CS, Rossi TRA, Barros SG. Política de Saúde Bucal no Brasil: as transformações no período 2015-2017. Saúde Debate 2018; 42(spe2):76-91.. Dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) mostram que o número de beneficiários de planos de saúde, exclusivamente odontológicos, cresceu 25% desde 2014 2424. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Dados gerais. http://www.ans.gov.br/index.php/aans/quem-somos/227-dados-gerais (acessado em 01/Ago/2019).
http://www.ans.gov.br/index.php/aans/que...
. Assim, a demanda pelos serviços odontológicos também poderia ser um fator relevante para explicar o número de procedimentos realizados nos CEOs e que dever ser explorada em estudos futuros.

Quanto à sazonalidade, os padrões observados se assemelham àqueles já relatados para as taxas de procedimentos odontológicos. As repetições de padrões a cada 12 meses podem refletir tanto a organização dos serviços, no que se refere a férias dos profissionais, como a fatores relacionados à demanda, como períodos escolares e férias dos usuários 1515. Celeste RK, Vital JF, Junger WL, Reichenheim ME. Séries de procedimentos odontológicos realizadas nos serviços públicos brasileiros, 1994-2007. Ciênc Saúde Colet 2011; 16:4523-32..

As diferenças de tendências entre as macrorregiões corroboram os diferentes níveis de implantação dos serviços de saúde de acordo com o nível de desenvolvimento econômico das regiões, e reforçam a importância de se considerar estas diferenças no planejamento e avaliação dos serviços. As diferenças sistemáticas entre as regiões mais ricas (Sul e Sudeste) e as mais pobres (Norte e Nordeste) podem indicar iniquidades sociodemográficas tanto na implantação quanto na provisão de cuidados inter e intrarregionais. Figueiredo et al. 2525. Figueiredo N, Goes PSA, Martelli PJL. Os caminhos da saúde bucal no Brasil: um olhar quali e quanti sobre os Centros de Especialidades Odontológicas (CEO) no Brasil. Recife: Editora da UFPE; 2016. afirmaram que a distribuição dos CEOs em 2014 caracterizava-se por vazios assistenciais, especialmente nas regiões Norte e Centro-oeste. Nessas regiões, o acesso aos serviços especializados seria dificultado por barreiras geográficas e dificuldades de locomoção 2525. Figueiredo N, Goes PSA, Martelli PJL. Os caminhos da saúde bucal no Brasil: um olhar quali e quanti sobre os Centros de Especialidades Odontológicas (CEO) no Brasil. Recife: Editora da UFPE; 2016.. Além disso, a maior vulnerabilidade social, característica das regiões Norte e Nordeste, também pode afetar o desempenho dos serviços 66. Cortellazzi KL, Balbino EC, Guerra LM, Vazquez FL, Bulgareli JV, Ambrosano GMB, et al. Variables associated with the performance of Centers for Dental Specialties in Brazil. Rev Bras Epidemiol 2014; 17:978-88.,88. Goes PSA, Figueiredo N, Neves JC, Silveira FMM, Costa JFR, Pucca Júnior GA, et al. Avaliação da atenção secundária em saúde bucal: uma investigação nos centros de especialidades do Brasil. Cad Saúde Pública 2012; 28 Suppl:S81-9.,2525. Figueiredo N, Goes PSA, Martelli PJL. Os caminhos da saúde bucal no Brasil: um olhar quali e quanti sobre os Centros de Especialidades Odontológicas (CEO) no Brasil. Recife: Editora da UFPE; 2016..

Entre as vantagens deste trabalho, destaca-se a utilização do maior banco de dados com informações disponíveis sobre os procedimentos realizados na atenção especializada em odontologia, que atualmente representa a melhor informação disponível sobre o tema no Brasil. Porém, dados secundários provenientes de sistemas de informações estão sujeitos a erros de registro podendo sub ou superestimar as estimativas do estudo. Os dados dos sistemas de informação também são estritos ao volume de produção e não permitem avaliações sobre o desempenho em relação a grupos etários específicos. Outra limitação deste estudo está relacionada à utilização de indicadores de desempenho que se basearam apenas no cumprimento do conjunto de metas, sem levar em consideração as mudanças nas demandas da população que motivam a procura pelos serviços odontológicos e possíveis problemas nos serviços de referência que tenham consequências sobre a oferta dos serviços nos CEOs.

Finalmente, vale destacar que se as tendências delineadas permanecerem inalteradas nos patamares observados neste trabalho, as unidades de atendimentos odontológicos especializados permanecerão subutilizadas por muito tempo. Estudos futuros devem dar continuidade ao monitoramento e avaliação dos indicadores do serviço e, especialmente, investigar as causas de suas deficiências, avaliando e propondo ações para a reversão desse quadro. Além disso, a avaliação sobre o uso dos cuidados odontológicos também é necessária, pois a utilização dos serviços pode refletir desigualdades regionais na oferta e acesso a estes serviços.

Agradecimentos

Este estudo foi financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Set 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    21 Ago 2019
  • Revisado
    13 Jan 2020
  • Aceito
    13 Fev 2020
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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