Reflexões sobre ideias e disputas no contexto da promoção da alimentação saudável

Reflexiones sobre ideas y disputas en el contexto de la promoción de la alimentación saludable

Luciene Burlandy Inês Rugani Ribeiro de Castro Elisabetta Recine Camila Maranha Paes de Carvalho João Peres Sobre os autores

Resumos

As ações de promoção da alimentação saudável são estratégicas para reversão dos problemas nutricionais. Este artigo analisa as disputas em torno das ideias presentes em repertórios discursivos sobre alimentação saudável em políticas nacionais, documentos internacionais, societários e do setor privado comercial, nos últimos vinte anos. Com base no método de análise documental em diálogo com a literatura acadêmica, foram identificadas as seguintes perspectivas de alimentação saudável: tradicional culturalista; nutricional biologicista medicalizante; multidimensional e sistêmica. As disputas instituem-se em torno das ideias sobre: a existência de “alimentos não saudáveis”; as atribuições, limites e formas de intervenção do Estado; a alimentação como uma questão da esfera individual ou de caráter público; os sentidos da sustentabilidade, da comensalidade, da cultura e da comida. Os posicionamentos adotados nas políticas em relação aos agrotóxicos, à fortificação de alimentos e à suplementação são elementos-chave dessas disputas. No âmbito da ação política, a fragmentação, a relativização e a distorção de significados são estratégias adotadas pelo setor privado comercial que reforçam a polarização entre ações individuais (estilos de vida, liberdade de escolha) e intervenções ambientais, e disseminam uma concepção restrita de educação alimentar e nutricional. A sociedade civil incide politicamente pressionando os governos a instituírem, em suas políticas, concepções e princípios que afetam diretamente os parâmetros das disputas. Estes, por sua vez, agem de forma mais ou menos permeável às pressões dos atores (internos ou externos) a depender de sua composição e dos espaços institucionais de interlocução com a sociedade.

Palavras-chave:
Política Nutricional; Segurança Alimentar; Corporações Profissionais; Conflito de Interesses


Las acciones de promoción de la alimentación saludable son estratégicas para la reversión de los problemas nutricionales. Este artículo analiza las disputas en torno a las ideas presentes en repertorios discursivos sobre alimentación saludable en políticas nacionales, documentos internacionales, societarios y del sector privado comercial, en los últimos 20 años. En base al método de análisis documental, en diálogo con la literatura académica, se identificaron las siguientes perspectivas de alimentación saludable: tradicional-cultural; nutricional-biologicista-medicalizante; multidimensional y sistémica. Las disputas se instituyen en torno a las ideas sobre: la existencia de “alimentos no saludables”; las atribuciones, límites y formas de intervención del Estado; la alimentación como una cuestión de la esfera individual o de carácter público; los significados de la sostenibilidad, comensalidad, cultura y comida. Las posturas adoptadas en las políticas, relacionadas con los pesticidas, fortificación de alimentos y suplementación, son elementos-clave de esas disputas. En el ámbito de la acción política, la fragmentación, relativización y distorsión de significados son estrategias adoptadas por el sector privado comercial, que refuerzan la polarización entre acciones individuales (estilos de vida, libertad de elección) e intervenciones ambientales, y diseminan una concepción restringida de educación alimentaria y nutricional. La sociedad civil incide políticamente, presionando a los gobiernos a que instituyan en sus políticas concepciones y principios que afectan directamente los parámetros de las disputas. Estos, a su vez, actúan de forma más o menos permeable a las presiones de los actores (internos o externos) dependiendo de su composición y de los espacios institucionales de interlocución con la sociedad.

Palabras-clave:
Política Nutricional; Seguridad Alimentaria; Corporaciones Profesionales; Conflicto de Intereses


Introdução

O conceito de alimentação saudável vem sendo problematizado pela literatura acadêmica 11. Azevedo E. Alimentação saudável: uma construção histórica. Revista Simbiótica 2014; 7:83-111.,22. Martinelli SS, Cavalli SB. Alimentação saudável e sustentável: uma revisão narrativa sobre desafios e perspectivas. Ciênc Saúde Colet 2019; 24:4251-61.,33. Paiva JB, Magalhães LM, Santos SMC, Santos LAS, Trad LAB. A confluência entre o "adequado" e o "saudável": análise da instituição da noção de alimentação adequada e saudável nas políticas públicas do Brasil. Cad Saúde Pública 2019; 35:e00250318.,44. Kramer FB, Prado SD, Ferreira FR, Carvalho MCVS. O discurso sobre alimentação saudável como estratégia de biopoder. Physis (Rio J.) 2014; 24:1337-59.,55. Soares S. Kant em defesa da alimentação saudável. Princípios: Revista de Filosofia 2016; 23:105-23. e impulsiona ações públicas no Brasil, especialmente a partir da Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN) de 1999 66. Ministério da Saúde. Política Nacional de Alimentação e Nutrição. Brasília: Ministério da Saúde; 1999., que foi a primeira a articular a promoção da alimentação saudável à agenda de alimentação e nutrição.

A coexistência de múltiplos sentidos atribuídos aos alimentos e à alimentação 11. Azevedo E. Alimentação saudável: uma construção histórica. Revista Simbiótica 2014; 7:83-111.,22. Martinelli SS, Cavalli SB. Alimentação saudável e sustentável: uma revisão narrativa sobre desafios e perspectivas. Ciênc Saúde Colet 2019; 24:4251-61.,33. Paiva JB, Magalhães LM, Santos SMC, Santos LAS, Trad LAB. A confluência entre o "adequado" e o "saudável": análise da instituição da noção de alimentação adequada e saudável nas políticas públicas do Brasil. Cad Saúde Pública 2019; 35:e00250318.,77. Vivero-Pol JL. The idea of food as commons or commodity in academia: a systematic review of English scholarly texts. J Rural Stud 2017; 53:182-201. indica a heterogeneidade e as contradições das práticas sociais vigentes, e pode mobilizar as políticas públicas na direção de distintas propostas de ação de promoção da alimentação saudável, considerando os interesses em pauta. A disputa de ideias influencia também o debate sobre as atribuições dos governos, especialmente sobre as formas e os “limites” de regulação dos mercados e das práticas de comercialização de alimentos.

Dada a relevância desse processo para a agenda pública de nutrição, este artigo analisa as disputas em torno das ideias que compõem os diferentes repertórios discursivos sobre alimentação saudável pautados em políticas nacionais nos últimos vinte anos, considerando como marco inicial a PNAN de 1999. A partir da análise das ideias, indica possíveis correlações com as ações propostas nas políticas e com o debate sobre as atribuições do Estado.

Métodos

O estudo baseou-se em método de análise documental, adotou uma concepção de documento como prática discursiva e considerou que “discurso” e “prática” são dimensões indissociáveis da ação política. As ideias disseminadas nos documentos constituem o foco central da análise, considerando que produzem sentidos, instituem processos, configuram a própria realidade e subsidiam a ação política, ao serem apropriadas de forma distinta pelos diversos atores 88. Griggs S, Howarth D. Discourse and practice: using the power of well-being. EvidPolicy 2011; 7:213-26.,99. Spink MJ, Menegon VM. Práticas discursivas como estratégia de governamentalidade: a linguagem dos riscos em documentos de domínio público. In: Iniguez L, organizador. Manual de análise do discurso em ciências sociais. Petrópolis: Vozes; 2005. p. 258-303.,1010. Cellard A. Análise documental. In: Poupart J, Deslauriers J-P, Groulx L-H, Laperrière A, Mayer R, Pires AP, et al. A pesquisa qualitativa: enfoques epistemológicos e metodológicos. Petrópolis: Vozes; 2008. p. 295-316..

Foram analisados documentos produzidos pelos principais segmentos de atores - políticas governamentais, documentos societários, de organismos multilaterais e do setor privado comercial - desde 1999, por ser o ano de publicação da primeira PNAN. Os critérios para seleção foram: políticas, planos e instrumentos de políticas nacionais que apresentam propostas de promoção da alimentação saudável, implementados ou não, visando identificar ideias, diretrizes e ações pactuadas. As políticas nacionais integram-se a uma dinâmica globalizada. Portanto, foram analisados documentos internacionais selecionados com base em dois critérios: serem citados nos documentos governamentais e/ou problematizados pela sociedade civil e academia 1111. World Health Organization. Global strategy on diet, physical activity and health. Fifty-seventh World Health Assembly 2004. Geneva: World Health Organization; 2004. (WHA57.17).,1212. World Health Organization. Global status report on noncommunicable diseases 2010.Geneva: World Health Organization; 2011.,1313. Organização Pan-Americana da Saúde. Plano de ação para prevenção da obesidade em crianças e adolescentes. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde; 2015.,1414. Organização Pan-Americana da Saúde. Modelo de perfil nutricional da Organização Pan-Americana da Saúde. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde; 2016.,1515. International Panel of Experts on Sustainable Food Systems. Unravelling the Food-Health Nexus: addressing practices, political economy, and power relations to build healthier food systems. Brussels: International Panel of Experts on Sustainable Food Systems; 2017.,1616. High Level Panel of Experts on Food Security and Nutrition. Nutrition and food systems: a report by the HLPE of the Committee on World Food Security. Rome: High Level Panel of Experts on Food Security and Nutrition; 2017.,1717. World Cancer Research Fund International. Driving action to prevent cancer and other non-communicable diseases: a new policy framework for promoting healthy diets, physical activity, breastfeeding and reducing alcohol consumption. London: World Cancer Research Fund International; 2018.. Os repertórios discursivos do setor privado comercial foram identificados em relatórios anuais e documentos públicos de autoria das principais associações empresariais do setor de alimentos no Brasil, ou elaborados em parceria, além de documentos citados nesses relatórios, que dialogam com os documentos governamentais analisados e que estavam disponíveis nos sites oficiais dessas associações no momento da elaboração do estudo 1818. Associação Brasileira da Indústria de Alimentos. Relatório anual 2015. https://www.abia.org.br/vsn/anexos/ABIARelatorioAnual2015.pdf (acessado em 20/Jun/2020).
https://www.abia.org.br/vsn/anexos/ABIAR...
,1919. Associação Brasileira da Indústria de Alimentos. Relatório anual 2016. https://www.abia.org.br/vsn/temp/z2017417RELATORIOANUAL2016.pdf (acessado em 20/Jun/2020).
https://www.abia.org.br/vsn/temp/z201741...
,2020. Associação Brasileira da Indústria de Alimentos. Documento submetido à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Maio 15 2018). https://pt.scribd.com/document/382022379/Abia-apresenta-documento-a-Anvisa#from_embed (acessado em 20/Jun/2020).
https://pt.scribd.com/document/382022379...
,2121. Associação Brasileira da Indústria de Alimentos. Alimentos e ciência. São Paulo: Associação Brasileira da Indústria de Alimentos; 2019.,2222. Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e de Bebidas não Alcoólicas. Revista ABIR 2019; 2018/2019. https://abir.org.br/abir/wp-content/uploads/2019/01/REVISTA-ABIR-2019.pdf.
https://abir.org.br/abir/wp-content/uplo...
,2323. Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e de Bebidas não Alcoólicas. Revista ABIR 2020; 2019/2020. https://abir.org.br/abir/wp-content/uploads/2020/03/revista-abir-2020.pdf.
https://abir.org.br/abir/wp-content/uplo...
,2424. Associação Brasileira da Indústria de Alimentos. Relatório anual 2012: desafios e superações da indústria da alimentação. https://www.abia.org.br/vsn/anexos/relatorio_anual_abia_2012.pdf (acessado em 20/Jun/2020).
https://www.abia.org.br/vsn/anexos/relat...
.

A análise considerou os contextos histórico e político-institucional e as especificidades dos documentos. O discurso “oficial”, fruto de negociações atravessadas por múltiplos conflitos, não expressa todas as conexões estabelecidas entre os atores nos “bastidores da política”. Documentos governamentais formalizam acordos possíveis em uma dada conjuntura e são parte de um processo que visa a reduzir o nível de tensão e confronto entre os envolvidos. As políticas apresentam grandes diretrizes, os planos detalham metas e ações, e os instrumentos aprofundam indicações operacionais. O roteiro de análise documental foi construído visando abarcar as dimensões centrais de análise referente às ideias, às ações e aos contextos histórico e político-institucional, quais sejam: concepções sobre alimentação saudável; ações de promoção da alimentação saudável; origem institucional e ano de publicação. Os documentos de políticas foram analisados na íntegra, identificando-se o grau de centralidade da temática da alimentação saudável nas narrativas e os elementos associados à alimentação ao longo de todo o texto. Foram interpretados em diálogo com artigos acadêmicos, identificados com base no descritor “alimentação saudável”, selecionados por seu foco no debate conceitual e utilizados como fonte de identificação de repertórios e referências para distinguir as perspectivas de alimentação saudável 11. Azevedo E. Alimentação saudável: uma construção histórica. Revista Simbiótica 2014; 7:83-111.,22. Martinelli SS, Cavalli SB. Alimentação saudável e sustentável: uma revisão narrativa sobre desafios e perspectivas. Ciênc Saúde Colet 2019; 24:4251-61.,33. Paiva JB, Magalhães LM, Santos SMC, Santos LAS, Trad LAB. A confluência entre o "adequado" e o "saudável": análise da instituição da noção de alimentação adequada e saudável nas políticas públicas do Brasil. Cad Saúde Pública 2019; 35:e00250318.,44. Kramer FB, Prado SD, Ferreira FR, Carvalho MCVS. O discurso sobre alimentação saudável como estratégia de biopoder. Physis (Rio J.) 2014; 24:1337-59.,55. Soares S. Kant em defesa da alimentação saudável. Princípios: Revista de Filosofia 2016; 23:105-23..

O estudo pautou-se em referenciais de análise cognitiva de políticas, com destaque para a dimensão das ideias (distinções e tensões entre as ideias em disputa) e seu peso de influência na configuração dos processos políticos, concebendo-as como: esquemas de interpretação compartilhados entre os atores; estruturas de sentido que possibilitam compreensões específicas sobre as questões públicas e sobre os modos de enfrentá-las, articuladas aos interesses e condicionadas pelas instituições. As políticas foram analisadas enquanto matrizes cognitivas e sistemas de interpretação do real que circunscrevem a ação dos diferentes atores. Determinadas ideias podem impulsionar ações específicas, de acordo com os interesses em disputa, que se configuram nos distintos contextos históricos e político-institucionais 2525. Grisa C. As ideias na produção de políticas públicas: contribuições da abordagem cognitiva. In: Bonnal P, Leite S, organizadores. Análise comparada de políticas agrícolas. Rio de Janeiro: MANAUD; 2011. p. 93-137.,2626. Muller P, Surel Y. A análise das políticas públicas. Pelotas: EDUCAT; 2002.. Portanto, as instituições - compreendidas como modos de organização social - foram analisadas como elementos do contexto de construção das ideias, com destaque para a institucionalidade estatal, considerando o objetivo de analisar os repertórios discursivos das políticas públicas. Considerou-se como as distinções entre uma institucionalidade setorial da saúde e outra intersetorial da segurança alimentar e nutricional afetaram a construção de diferentes ideias sobre alimentação saudável e promoveram interações distintas entre os atores e seus interesses. Os atores situados em contextos institucionais distintos (Estado/sociedade/mercado) se apropriam das ideias, no curso de sua ação política, e disseminam concepções distintas sobre as atribuições das instituições públicas que situam as políticas analisadas. A perspectiva teórica de alimentação adequada e saudável, inscrita na matriz cognitiva interdisciplinar e sistêmica da segurança alimentar e nutricional, foi utilizada como referencial de análise das ideias, por ser aquela que integra as distintas dimensões da alimentação identificadas pela literatura 33. Paiva JB, Magalhães LM, Santos SMC, Santos LAS, Trad LAB. A confluência entre o "adequado" e o "saudável": análise da instituição da noção de alimentação adequada e saudável nas políticas públicas do Brasil. Cad Saúde Pública 2019; 35:e00250318..

O Material Suplementar (http://cadernos.ensp.fiocruz.br/static//arquivo/suppl-e00195520-portugues_1202.pdf) apresenta o conjunto de documentos analisados e as concepções de alimentação saudável explícitas ou implícitas nas ações propostas. Com base nesse mapeamento, o Quadro 1 indica relações entre repertórios discursivos e políticas públicas a partir da: demarcação de diferentes perspectivas de alimentação saudável, seus elementos constitutivos e ideias; identificação de ações impulsionadas por cada uma delas e exemplificação de mesclagens de autorias e de ideias nos documentos. O processo de demarcação dessas perspectivas de alimentação saudável visou organizar e destacar elementos que as distinguem, identificados com base nos princípios centrais que as orientam. Para tal, foram cotejados princípios e distinções já indicados pela literatura acadêmica com as definições explícitas e implícitas nos documentos governamentais. Os termos utilizados para distingui-las - “biologicista”, “culturalista”, “medicalizante” etc. - dialogam com conceitos referenciados na literatura acadêmica e foram escolhidos por explicitarem características marcantes em cada uma delas visando distingui-las, ainda que reconhecendo mesclagens e intercessões. Esse processo foi compartilhado por cinco pesquisadores e conferido por um deles, sendo quatro da área de nutrição, especializados em saúde pública e políticas públicas, e um da área de jornalismo.

Quadro 1
Relações entre perspectivas de alimentação saudável e exemplos de ideias e tipos de ação por elas impulsionados com base em documentos de políticas governamentais, organismos multilaterais, setor privado comercial e artigos acadêmicos (1999 a 2019).

Resultados

Nos últimos vinte anos, o Brasil consolidou dois grandes eixos de políticas relacionadas à alimentação e nutrição: a PNAN 66. Ministério da Saúde. Política Nacional de Alimentação e Nutrição. Brasília: Ministério da Saúde; 1999.,2727. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.715, de 17 de novembro de 2011. Atualiza a Política Nacional de Alimentação e Nutrição. Diário Oficial da União 2011; 18 nov., do setor saúde, e a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PNSAN), que envolve mais de vinte ministérios 2828. Brasil. Decreto nº 7.272, de 25 de agosto de 2010. Regulamenta a Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006, que cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional - SISAN com vistas a assegurar o direito humano à alimentação adequada, institui a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional - PNSAN, estabelece os parâmetros para a elaboração do Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, e dá outras providências. Diário Oficial da União 2010; 26 ago..

As políticas do setor Saúde

A PNAN 1999 adota a diretriz de “promoção de práticas alimentares e estilos de vida saudáveis” e emprega o conceito de alimentação saudável, sem explicitá-lo. Destaca a necessidade de disciplinar a publicidade de alimentos dirigidos ao público infantil e outras práticas de marketing e, ainda, monitora o processo de industrialização e comercialização de produtos farmacêuticos e dietéticos, comercialmente apresentados como soluções terapêuticas ou profiláticas de problemas nutricionais, por vezes discutíveis e/ou sem evidências (Material Suplementar: http://cadernos.ensp.fiocruz.br/static//arquivo/suppl-e00195520-portugues_1202.pdf). Reconhece que a promoção da alimentação saudável atende às prioridades nacionais de alimentação, ao buscar responder simultaneamente à obesidade e à desnutrição, perspectiva que não era óbvia naquele momento, quando a abordagem desses temas era desarticulada e o conceito de “dupla carga de doenças” era pouco adotado 2929. Ministério da Saúde . Guia alimentar para a população brasileira. Brasília: Ministério da Saúde; 2006.. Segundo Paiva et al. 33. Paiva JB, Magalhães LM, Santos SMC, Santos LAS, Trad LAB. A confluência entre o "adequado" e o "saudável": análise da instituição da noção de alimentação adequada e saudável nas políticas públicas do Brasil. Cad Saúde Pública 2019; 35:e00250318. essa política dialoga com o conceito mais amplo de práticas alimentares e evoca o adjetivo “saudável” para qualificar também as noções de dieta e estilos de vida e de “alimentação nutricionalmente balanceada e saudável”. Algumas ações propostas transcendem a perspectiva biológica, como o resgate de práticas alimentares e produtivas regionais, a motivação ao consumo local de alimentos de baixo custo e de elevado valor nutritivo 66. Ministério da Saúde. Política Nacional de Alimentação e Nutrição. Brasília: Ministério da Saúde; 1999. (Quadro 1 e Material Suplementar: http://cadernos.ensp.fiocruz.br/static//arquivo/suppl-e00195520-portugues_1202.pdf). Além disso, avança ao se propor a “contribuir para a garantia da segurança alimentar e nutricional e do direito humano à alimentação adequada66. Ministério da Saúde. Política Nacional de Alimentação e Nutrição. Brasília: Ministério da Saúde; 1999. (p. 29), temas pouco abordados nacionalmente naquela conjuntura. No mesmo ano, a Organização das Nações Unidas (ONU) explicita o conceito de direito humano à alimentação adequada, pressupondo que uma alimentação “adequada” não se restringe a um pacote mínimo de nutrientes específicos e engloba condições sociais, econômicas, culturais, climáticas, tecnológicas e sustentabilidade. Posteriormente, o conceito de alimentação adequada e saudável elaborado pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA) 3030. Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Grupo de Trabalho Alimentação Adequada e Saudável: relatório final. Brasília: Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional; 2007., inscrito na matriz cognitiva interdisciplinar e sistêmica da segurança alimentar e nutricional, consolida a confluência entre os termos adequada e saudável, com base na concepção de adequação segundo o direito humano à alimentação adequada 33. Paiva JB, Magalhães LM, Santos SMC, Santos LAS, Trad LAB. A confluência entre o "adequado" e o "saudável": análise da instituição da noção de alimentação adequada e saudável nas políticas públicas do Brasil. Cad Saúde Pública 2019; 35:e00250318..

A segurança alimentar e nutricional e o direito humano à alimentação adequada não se refletem plenamente na perspectiva de alimentação saudável da PNAN 1999, pois essa política enfatiza o aspecto nutricional desarticulado de uma matriz sistêmica. Ainda assim, amplia uma concepção restrita de alimentação saudável, que nasce com a ciência da nutrição, pautada no “reducionismo nutricional” 33. Paiva JB, Magalhães LM, Santos SMC, Santos LAS, Trad LAB. A confluência entre o "adequado" e o "saudável": análise da instituição da noção de alimentação adequada e saudável nas políticas públicas do Brasil. Cad Saúde Pública 2019; 35:e00250318. (Quadro 1).

Essa ampliação ganha novos contornos com a primeira edição do Guia Alimentar para a População Brasileira (Guia 2006) 2929. Ministério da Saúde . Guia alimentar para a população brasileira. Brasília: Ministério da Saúde; 2006., que orienta políticas para além do setor saúde, reconhece que a promoção da alimentação saudável contempla os desafios da dupla carga de doenças e indica que a alimentação saudável deve basear-se em práticas alimentares com significado social, afetivo, cultural, ambientalmente sustentáveis, pois os alimentos não se resumem a veículos de nutrientes. Entretanto, em suas diretrizes - organizadas por grupos de alimentos conforme composição nutricional - bem como nas recomendações do número de porções diárias, segundo o valor energético, prevalece a dimensão biológica. O processamento de alimentos é apenas citado enquanto uma etapa na produção de alimentos. Os aspectos não biológicos da alimentação são valorizados - à frente dos debates à época - mas não se transformam em diretrizes concretas. A própria noção de direito humano à alimentação adequada é mencionada apenas em referência à PNAN 1999.

Já a PNAN 2011 explicita um conceito de alimentação adequada e saudável (Material Suplementar: http://cadernos.ensp.fiocruz.br/static//arquivo/suppl-e00195520-portugues_1202.pdf) que incorpora a dimensão da sustentabilidade ambiental, mas menciona que as práticas produtivas adequadas e sustentáveis são aquelas “com quantidades mínimas de contaminantes físicos, químicos e biológicos2727. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.715, de 17 de novembro de 2011. Atualiza a Política Nacional de Alimentação e Nutrição. Diário Oficial da União 2011; 18 nov. (p. 32). A Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS) de 2006 3131. Ministério da Saúde. Política Nacional de Promoção da Saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2006. também indica a “redução” no uso de agrotóxicos. Dessa forma, essas políticas preveem a utilização desses contaminantes desconsiderando o Guia 2006 2929. Ministério da Saúde . Guia alimentar para a população brasileira. Brasília: Ministério da Saúde; 2006., que problematiza seu uso devido à toxicidade, e o documento do CONSEA 3030. Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Grupo de Trabalho Alimentação Adequada e Saudável: relatório final. Brasília: Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional; 2007., que considera que a alimentação adequada e saudável é livre de contaminantes físicos e químicos, e organismos geneticamente modificados. Apesar de os impactos dos agrotóxicos já serem problematizados pelo setor saúde nessa conjuntura, a articulação entre essa temática e a agenda da alimentação saudável não ganhou centralidade nesses documentos. A hipótese é que, no contexto institucional das áreas de nutrição e de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT - nacional e internacional), essa articulação ainda não foi incorporada de forma central, o que condiciona uma abordagem superficial sobre o tema nos documentos. Essa distinção de abordagens reitera os pressupostos desse estudo de que o discurso oficial expressa pactos possíveis em uma dada conjuntura, condicionado pela institucionalidade, que é heterogênea, mesmo no âmbito de uma mesma política setorial (no caso, a de saúde).

A segunda edição do guia alimentar (Guia 2014) 3232. Departamento de Atenção Básica, Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde. Guia alimentar para a população brasileira. 2ª Ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2014. adota, no conceito de alimentação adequada e saudável, a referência de que as práticas produtivas devem ser adequadas e sustentáveis. Assim como o Guia 2006, afirma a importância de se transcender o aspecto nutricional da alimentação e avança nesse sentido. O Guia 2014 adota uma categorização de alimentos baseada na classificação NOVA 3333. Monteiro CA, Cannon G, Levy RB, Moubarac J-C, Jaime P, Martins AP, et al. NOVA. The star shines bright. World Nutr 2016; 7:28-38.,3434. Monteiro CA, Cannon G, Levy RB, Moubarac J-C, Louzada ML, Rauber F, et al. Ultra-processed foods: what they are and how to identify them. Public Health Nutr 2019; 22:936-41., na qual os aspectos nutricionais dos alimentos e outros de seus atributos são examinados à luz da extensão e do propósito de seu processamento. O documento foi valorizado internacionalmente por indicar que o consumo de alimentos ultraprocessados deve ser evitado, considerando danos à saúde e riscos às culturas alimentares tradicionais, além de expressarem (e contribuírem para) um sistema alimentar insustentável do ponto de vista social, econômico e ambiental 3535. Fischer CG, Garnett T. Plates, pyramids, planet. Developments in national healthy and sustainable dietary guidelines: a state of play assessment. Rome: Food and Agriculture Organization of the United Nations/Oxford: Food Climate Research Network, University of Oxford; 2016..

Com base na classificação NOVA 3333. Monteiro CA, Cannon G, Levy RB, Moubarac J-C, Jaime P, Martins AP, et al. NOVA. The star shines bright. World Nutr 2016; 7:28-38.,3434. Monteiro CA, Cannon G, Levy RB, Moubarac J-C, Louzada ML, Rauber F, et al. Ultra-processed foods: what they are and how to identify them. Public Health Nutr 2019; 22:936-41. para que se tenha uma alimentação saudável deve-se evitar os ultraprocessados e fazer dos alimentos in natura ou minimamente processados a base da alimentação. O Guia 2014 orienta-se por essa abordagem e contempla aspectos referentes à cultura, à culinária, às práticas regionais, à diversidade, à comensalidade, à sustentabilidade, dentre outros.

Observa-se movimento semelhante no Guia Alimentar para Crianças Brasileiras Menores de Dois Anos3636. Departamento de Promoção da Saúde, Secretaria de Atenção Primária à Saúde, Ministério da Saúde. Guia alimentar para crianças brasileiras menores de dois anos. 2ª Ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2019., de 2019, que atualizou o de 2002 3737. Secretaria de Política de Saúde, Ministério da Saúde; Organização Pan-Americana da Saúde. Guia alimentar para crianças menores de dois anos. Brasília: Ministério da Saúde; 2002., que valorizava o equilíbrio nutricional dos alimentos e aspectos relacionados ao desenvolvimento infantil. Alinhada ao Guia 2014, a nova edição fundamenta-se na classificação NOVA e adota a definição de alimentação adequada e saudável que incorpora a sustentabilidade, considerando-a como elemento fortalecedor de sistemas alimentares sustentáveis 3636. Departamento de Promoção da Saúde, Secretaria de Atenção Primária à Saúde, Ministério da Saúde. Guia alimentar para crianças brasileiras menores de dois anos. 2ª Ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2019., dialoga com a dimensão sociocultural da alimentação, amplia temas como culinária e compartilhamento de tarefas domésticas e indica desafios para a prática da alimentação adequada e saudável no cotidiano (Material Suplementar: http://cadernos.ensp.fiocruz.br/static//arquivo/suppl-e00195520-portugues_1202.pdf).

Essa perspectiva de alimentação adequada e saudável e a classificação NOVA confrontam-se com as abordagens do setor privado comercial desenvolvidas como parte das ações políticas corporativas visando a influenciar políticas e a opinião pública de forma a favorecê-lo 3838. Mialon M, Julia C, Hercberg S. The policy dystopia model adapted to the food industry: the example of the Nutri-Score saga in France. World Nutr 2018; 9:109-20.. Uma estratégia discursiva recorrente é a distorção do debate sobre alimentação e saúde pública 3838. Mialon M, Julia C, Hercberg S. The policy dystopia model adapted to the food industry: the example of the Nutri-Score saga in France. World Nutr 2018; 9:109-20., afastando a responsabilidade do setor privado comercial e de seus produtos sobre os impactos negativos na saúde, inconciliável com abordagens da alimentação enquanto bem público e direito humano à alimentação adequada 3939. Burlandy L, Gomes FS, Carvalho CMP, Dias PC, Henriques P. Intersetorialidade e potenciais conflitos de interesse entre governos e setor privado comercial no âmbito das ações de alimentação e nutrição para o enfrentamento de doenças crônicas não transmissíveis. Vigil Sanit Debate 2014; 2:124-9.. O foco da argumentação é deslocado para a responsabilidade individual traduzida no uso de expressões como liberdade de escolha, direito à informação e “empoderamento do consumidor” 2020. Associação Brasileira da Indústria de Alimentos. Documento submetido à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Maio 15 2018). https://pt.scribd.com/document/382022379/Abia-apresenta-documento-a-Anvisa#from_embed (acessado em 20/Jun/2020).
https://pt.scribd.com/document/382022379...
, e para a inatividade física. As ações educativas são indicadas como “solução” 3838. Mialon M, Julia C, Hercberg S. The policy dystopia model adapted to the food industry: the example of the Nutri-Score saga in France. World Nutr 2018; 9:109-20.,4040. Mialon M, Swinburn B, Sacks G. A proposed approach to systematically identify and monitor the corporate political activity of the food industry with respect to public health using publicly available information. Obes Rev 2015; 16:519-30.,4141. Mialon M, Gomes F. Public health and the ultra-processed food and drink products industry: corporate political activity of major transnationals in Latin America and the Caribbean. Public Health Nutr 2019; 22:1898-908.. Seus repertórios narrativos sobre alimentação saudável movem-se por argumentos e ideias que visam a relativizar e a contrapor a concepção pautada nas políticas nacionais e em instrumentos como os novos guias alimentares, considerando os interesses conflitantes 3232. Departamento de Atenção Básica, Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde. Guia alimentar para a população brasileira. 2ª Ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2014.,3636. Departamento de Promoção da Saúde, Secretaria de Atenção Primária à Saúde, Ministério da Saúde. Guia alimentar para crianças brasileiras menores de dois anos. 2ª Ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2019..

Alguns elementos do conceito de alimentação adequada e saudável são apropriados em estratégias de promoção comercial do setor privado comercial de forma menos conflituosa, de modo superficial e sem problematizar seus determinantes, como a cultura e a comensalidade. No caso da comensalidade, se refuta o argumento de que ultraprocessados sejam “destrutivos socialmente”, indicando a possibilidade de serem consumidos “como acompanhamento de refeições preparadas nos lares e restaurantes4242. Instituto de Tecnologia de Alimentos. Mitos e fatos. MITO: alimento processado com aditivos químicos é comida de mentira. https://alimentosprocessados.com.br/ingredientes-alimentares-mitos-fatos-comida-mentira.php (acessado em 20/Jun/2020).
https://alimentosprocessados.com.br/ingr...
(p. 33).

O discurso de que não há alimentos bons ou ruins, reiterado há muito tempo pelo setor privado comercial 4343. Associação Brasileira das Indústrias de Alimentos para Fins Especiais e Congêneres. Contribuição à Consulta Pública nº 71, de 2006. Brasília: Agência Nacional de Vigilância Sanitária; 2006.,4444. Zocchio G. Tem que mudar 'isso daí'? Representante da indústria fala em alterar o guia alimentar. O Joio e O Trigo 2019; 2 jul. https://outraspalavras.net/ojoioeotrigo/2019/07/representante-da-industria-de-comida-porcaria-fala-em-mudar-o-guia-alimentar/.
https://outraspalavras.net/ojoioeotrigo/...
, ganha centralidade quando o Guia 2014 e a classificação NOVA dão nome a um grupo de alimentos que devem ser evitados (ultraprocessados). Com a classificação NOVA o confronto torna-se explícito. Desde a fase de consulta pública do documento, associações empresariais, corporações e organizações por elas financiadas tentaram impedir que a expressão “ultraprocessados” fosse utilizada no texto e que fosse recomendado evitar seu consumo 4545. Departamento de Atenção Básica, Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde. Relatório final da consulta pública: Guia Alimentar para a População Brasileira. Brasília: Ministério da Saúde; 2014.. Entre outros argumentos, apontaram “equívoco em relação à abordagem escolhida” e a “adoção de classificação inexistente e sem respaldo científico de produto pronto para o consumo e produto ultraprocessado dissociado do conceito de alimento; conteúdo ideológico e pouco prático, em descompasso com o estágio social e cultural da população brasileira4545. Departamento de Atenção Básica, Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde. Relatório final da consulta pública: Guia Alimentar para a População Brasileira. Brasília: Ministério da Saúde; 2014. (p. 160).

Outro exemplo de ações políticas corporativas, que visa a moldar ou influenciar o debate sobre alimentação e a ação do poder público 3838. Mialon M, Julia C, Hercberg S. The policy dystopia model adapted to the food industry: the example of the Nutri-Score saga in France. World Nutr 2018; 9:109-20.,4040. Mialon M, Swinburn B, Sacks G. A proposed approach to systematically identify and monitor the corporate political activity of the food industry with respect to public health using publicly available information. Obes Rev 2015; 16:519-30. é o acordo entre o Ministério da Saúde e a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (ABIA) que coloca a alimentação saudável como apenas um dos aspectos da construção de um Plano Nacional de Vida Saudável, ao lado de atividade física e educação nutricional 4646. Ministério da Saúde. Acordo de cooperação técnica para a execução do Plano Nacional de Vida Saudável. Brasília: Ministério da Saúde; 2007..

O discurso sobre alimentação saudável expressa uma dicotomia por parte das organizações que representam a indústria de ultraprocessados. De um lado, mantém-se a posição de que não há alimentos bons ou ruins 2020. Associação Brasileira da Indústria de Alimentos. Documento submetido à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Maio 15 2018). https://pt.scribd.com/document/382022379/Abia-apresenta-documento-a-Anvisa#from_embed (acessado em 20/Jun/2020).
https://pt.scribd.com/document/382022379...
. De outro, publicidades e produtos passam a incorporar a ideia de clean label, numa perspectiva de fabricação de linhas de produtos sem aditivos artificiais e com poucos ingredientes, apropriando-se de um dos aspectos da NOVA e, inclusive, incorporando a expressão “alimentos minimamente processados” como mote para a promoção de produtos 4747. Peres J. Indústria escancara tensão entre aposta na comida de verdade e fidelidade à comida-porcaria. O Joio e O Trigo 2019; 5 set. https://outraspalavras.net/ojoioeotrigo/2019/09/industria-escancara-tensao-entre-aposta-na-comida-de-verdade-e-fidelidade-a-comida-porcaria/.
https://outraspalavras.net/ojoioeotrigo/...
. No âmbito da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), na discussão quanto à adoção de um sistema de rotulagem frontal que melhor informe o consumidor, o setor privado comercial posiciona-se claramente na primeira linha de argumentação, alegando que sinais de alerta causam “medo” e não são educativos 2121. Associação Brasileira da Indústria de Alimentos. Alimentos e ciência. São Paulo: Associação Brasileira da Indústria de Alimentos; 2019..

A reação do setor privado comercial frente às ideias disseminadas nos documentos governamentais indica os termos das disputas políticas e os interesses em conflito, e reitera o pressuposto analítico aqui adotado de que o discurso institui realidades e não está dissociado das práticas. A ideia de “alimentos não saudáveis” 4848. Departamento de Análise de Situação de Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Plano de ações estratégicas para o enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) no Brasil 2011-2022. Brasília: Ministério da Saúde; 2011. ou “pouco nutritivos” 1111. World Health Organization. Global strategy on diet, physical activity and health. Fifty-seventh World Health Assembly 2004. Geneva: World Health Organization; 2004. (WHA57.17)., presente em políticas de prevenção e controle das DCNT, fomenta reações do setor privado comercial que indicam disputas em torno do tema. A “alimentação não saudável” caracteriza-se por parâmetros nutricionais (consumo excessivo de energia, sal, açúcares livres e gorduras saturadas e trans) e alimentares (baixo consumo de frutas e hortaliças) para os quais há evidências robustas de associação com desfechos negativos de saúde 1111. World Health Organization. Global strategy on diet, physical activity and health. Fifty-seventh World Health Assembly 2004. Geneva: World Health Organization; 2004. (WHA57.17).,1212. World Health Organization. Global status report on noncommunicable diseases 2010.Geneva: World Health Organization; 2011.,4848. Departamento de Análise de Situação de Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Plano de ações estratégicas para o enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) no Brasil 2011-2022. Brasília: Ministério da Saúde; 2011.,4949. World Health Organization. The 2008-2013 action plan for the global strategy for prevention and control of noncommunicable diseases. Geneva: World Health Organization; 2008..

É clara a distinção entre “alimentos saudáveis” e “não saudáveis” no Modelo de Perfil Nutricional da Organização Pan-Americana da Saúde1414. Organização Pan-Americana da Saúde. Modelo de perfil nutricional da Organização Pan-Americana da Saúde. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde; 2016., que, com base na classificação NOVA, em diálogo com o Guia 2014, estabelece o que considera como “nutrientes críticos” para orientar medidas regulatórias. O setor privado comercial não o reconhece como instrumento para orientar a rotulagem nutricional, considerando-o restritivo demais, pois a maioria dos produtos no mercado seriam classificados como “não saudáveis”, mesmo “sendo registrados e analisados pela autoridade competente5050. Coca-Cola Company. RE: WTO Notification Number: G/TBT/N/URY/14. https://brecha.com.uy/wp-content/uploads/2018/01/Carta-de-Coca-Cola.pdf (acessado em 20/Jun/2020).
https://brecha.com.uy/wp-content/uploads...
(p. 2). Organizações de defesa do consumidor, grupos de pesquisa e governos como o do México 5151. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Relatório de análise de impacto regulatório sobre rotulagem nutricional. Brasília: Agência Nacional de Vigilância Sanitária; 2019.,5252. Secretaria de Economía. Modificicación a la Norma Oficial Mexicana NOM-051-SCFI/SSAI-2010. Ciudad de México: Secretaria de Economía; 2020. o adotam e apoiam, justamente por expressar os limites que podem ser considerados seguros para ultraprocessados. Outro ponto de tensão é a proposta de tributação para limitar o consumo de alimentos não saudáveis presente no documento. O setor privado comercial reage afirmando que “imposto não fabrica saúde” e que é preciso enfrentar a obesidade com medidas educativas e incentivo a práticas saudáveis 2222. Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e de Bebidas não Alcoólicas. Revista ABIR 2019; 2018/2019. https://abir.org.br/abir/wp-content/uploads/2019/01/REVISTA-ABIR-2019.pdf.
https://abir.org.br/abir/wp-content/uplo...
.

Essa ótica focada nos alimentos convive com uma perspectiva ampliada de alimentação saudável, identificada, por exemplo, na estratégia global em alimentação, atividade física e saúde 1111. World Health Organization. Global strategy on diet, physical activity and health. Fifty-seventh World Health Assembly 2004. Geneva: World Health Organization; 2004. (WHA57.17)., que considera tanto a dimensão individual quanto contextual da alimentação, sua natureza multidimensional, além das perspectivas geracionais e de gênero. Em consonância, as ações propostas ressaltam respostas multissetoriais e multiníveis que promovam desenvolvimento, produção local e sustentabilidade. O documento assume a centralidade do Estado na promoção da equidade e a necessidade de prevenção de situações de conflito de interesses com o setor privado comercial, ainda que sinalize a importância de suas ações no controle da obesidade (Material Suplementar: http://cadernos.ensp.fiocruz.br/static//arquivo/suppl-e00195520-portugues_1202.pdf).

Seguindo essa abordagem, o documento de prevenção da obesidade para crianças e adolescentes da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) 1313. Organização Pan-Americana da Saúde. Plano de ação para prevenção da obesidade em crianças e adolescentes. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde; 2015. adota uma perspectiva de alimentação saudável que engloba o consumo diário de alguns grupos de alimentos (frutas, verduras, entre outros) e baixo consumo de carnes vermelhas e processadas. Indica que culinárias tradicionais podem contribuir para a promoção da alimentação saudável e que a disponibilidade e as acessibilidades física e financeira a alimentos compatíveis com tal alimentação requerem um sistema agrícola e alimentar “sólido e propício”. Propõe também medidas regulatórias, como políticas fiscais e de rotulagem de alimentos, entre outras 1313. Organização Pan-Americana da Saúde. Plano de ação para prevenção da obesidade em crianças e adolescentes. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde; 2015. (Material Suplementar: http://cadernos.ensp.fiocruz.br/static//arquivo/suppl-e00195520-portugues_1202.pdf).

O reconhecimento da relevância de ações inter e multissetoriais (incluindo medidas regulatórias) e a concepção de que as DCNT são condicionadas pela pobreza e desenvolvimento socioeconômico global estão presentes em outros documentos internacionais de políticas. Portanto, o enfoque da má alimentação como fator de risco para doenças convive com uma abordagem mais ampla sobre a alimentação 1212. World Health Organization. Global status report on noncommunicable diseases 2010.Geneva: World Health Organization; 2011.,4949. World Health Organization. The 2008-2013 action plan for the global strategy for prevention and control of noncommunicable diseases. Geneva: World Health Organization; 2008.,5353. United Nations. Political declaration of the High-Level Meeting of the General Assembly on the Prevention and Control of Non-Communicable Diseases: draft resolution. New York: United Nations; 2011.. A própria Declaração Política da Reunião de Alto Nível sobre a Prevenção e Controle de Doenças Crônicas Não Trasnmissíveis5353. United Nations. Political declaration of the High-Level Meeting of the General Assembly on the Prevention and Control of Non-Communicable Diseases: draft resolution. New York: United Nations; 2011. da ONU reconhece duas vertentes de ação: a redução de fatores de risco e a criação de ambientes promotores de saúde. Estes documentos também destacam o papel de liderança dos governos e valorizam a participação societária e do setor privado comercial no controle das DCNT. Entretanto, a questão do conflito de interesses é enfatizada somente em relação à indústria do tabaco.

Em síntese, as perspectivas de alimentação saudável dessas políticas mesclam ideias centradas em maior ou menor grau em núcleos de sentido específicos: o nutricional e biológico, a alimentação como fator de risco associado à prevenção de DCNT e a perspectiva de promoção da saúde.

No que se refere às ações de promoção de alimentação saudável, identificam-se diferentes vertentes combinadas, inclusive, em uma mesma política, evidenciadas também no estudo de Henriques et al. 5454. Henriques P, O'Dwyer G, Dias PC, Barbosa RMS, Burlandy L. Políticas de saúde e de segurança alimentar e nutricional: desafios para o controle da obesidade infantil. Ciênc Saúde Colet 2018; 23:4143-52., abarcando medidas: regulatórias (tributação, rotulagem, regulação de propaganda); de reconfiguração de contextos socioambientais e institucionais (ex.: escolas, ambientes de trabalho); de educação, de comunicação e de mudanças comportamentais por meio da responsabilização individual (Quadro 1).

O conceito de alimentação adequada e saudável e a agenda de segurança alimentar e nutricional

O conceito de segurança alimentar e nutricional é sistêmico e pressupõe uma abordagem integrada dos processos de produção, comercialização e consumo de alimentos. Construído por diversos sujeitos coletivos, fortaleceu-se na experiência de interlocução societária/governamental promovida pelo CONSEA. O conceito de alimentação adequada e saudável, que abrange a adequação cultural, social, econômica e ambiental da alimentação, é fruto desse processo 33. Paiva JB, Magalhães LM, Santos SMC, Santos LAS, Trad LAB. A confluência entre o "adequado" e o "saudável": análise da instituição da noção de alimentação adequada e saudável nas políticas públicas do Brasil. Cad Saúde Pública 2019; 35:e00250318.,3030. Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Grupo de Trabalho Alimentação Adequada e Saudável: relatório final. Brasília: Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional; 2007. e orientou as propostas do CONSEA dirigidas aos diferentes setores governamentais 5555. Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional. II Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional - PLANSAN 2016-2019 revisado. Brasília: Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional; 2018.. Amparou demandas como o banimento dos agrotóxicos e do uso de sementes geneticamente modificadas e a elaboração das políticas nacionais de agroecologia e de abastecimento alimentar, além de fundamentar o Manifesto pela Comida de Verdade 5656. Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Manifesto da 5ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional à Sociedade Brasileira sobre Comida de Verdade no Campo e na Cidade, por Direitos e Soberania Alimentar. Brasília: Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional; 2015., resultante da 5ª Conferência Nacional de segurança alimentar e nutricional.

O conceito de comida de verdade (Material Suplementar: http://cadernos.ensp.fiocruz.br/static//arquivo/suppl-e00195520-portugues_1202.pdf) passa a ser objeto de conflitos com o setor privado comercial, que o refuta ao indicar que não existe comida de verdade ou de mentira e que todo alimento processado representa de fato uma comida 4242. Instituto de Tecnologia de Alimentos. Mitos e fatos. MITO: alimento processado com aditivos químicos é comida de mentira. https://alimentosprocessados.com.br/ingredientes-alimentares-mitos-fatos-comida-mentira.php (acessado em 20/Jun/2020).
https://alimentosprocessados.com.br/ingr...
.

As interações entre PNAN e PNSAN contribuíram para a incidência do conceito de alimentação adequada e saudável nas políticas do setor saúde (Material Suplementar: http://cadernos.ensp.fiocruz.br/static//arquivo/suppl-e00195520-portugues_1202.pdf). Nesse contexto, é publicado o Marco de Referência de Educação Alimentar e Nutricional para as Políticas Públicas5757. Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Marco de referência de educação alimentar e nutricional para as políticas públicas. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome; 2012. (Marco), que define educação alimentar e nutricional como um processo contínuo, multidimensional, problematizador, dialógico e ativo e anuncia princípios e abordagens que serão expressos, dois anos depois, no Guia 2014. Reconfigura e tensiona o conceito tradicional de educação nutricional, baseado na racionalidade nutricional e na perspectiva medicalizante que orienta parte dos repertórios discursivos sobre alimentação saudável (Quadro 1).

Outro exemplo de como este período entre 1999 e 2015 foi particularmente rico em iniciativas públicas mais complexas e abrangentes para promoção da alimentação saudável é a publicação do Pacto Nacional para Alimentação Saudável (PNPAS) 5858. Brasil. Pacto nacional para a promoção da alimentação saudável. Brasília: Subchefia para Assuntos Jurídicos, Secretaria-Geral, Presidência da República; 2015.. Concebido no âmbito da Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional dialoga com as perspectivas de direito humano à alimentação adequada, da alimentação como prática sociocultural, da má alimentação como fator de risco para doenças; da sustentabilidade e da saudabilidade dos alimentos segundo o grau de processamento.

Dessa forma, o conceito de alimentação adequada e saudável articula-se a políticas que contemplam o apoio à agricultura familiar e orgânica, à agroecologia, à soberania alimentar e ao alimento produzido localmente 11. Azevedo E. Alimentação saudável: uma construção histórica. Revista Simbiótica 2014; 7:83-111.. Remete a outra abordagem de “fatores de risco”, associada às ameaças à sustentabilidade ambiental, social, econômica e cultural dos sistemas alimentares. Conecta-se com uma noção de sistemas alimentares socialmente justos, que contribuam para a saúde humana e para diferentes dimensões de sustentabilidade 22. Martinelli SS, Cavalli SB. Alimentação saudável e sustentável: uma revisão narrativa sobre desafios e perspectivas. Ciênc Saúde Colet 2019; 24:4251-61.. Nesse contexto, emergem propostas de redução do consumo de carne e gorduras de origem animal como forma de garantir, de maneira sinérgica, saúde e sustentabilidade 5959. International Panel of Experts on Sustenable Food Systems. From uniformity to diversity: a paradigm shift from industrial agriculture to diversified agroecological systems. Brussels: International Panel of Experts on Sustenable Food Systems; 2016..

Sistemas alimentares configuram-se pela articulação entre todos os elementos e atividades relacionados à produção, processamento, distribuição, preparação e consumo de alimentos, seus resultados e efeitos. Os sistemas agroindustriais predominantes geram problemas ambientais, sociais, culturais e de saúde e concentram poder 1616. High Level Panel of Experts on Food Security and Nutrition. Nutrition and food systems: a report by the HLPE of the Committee on World Food Security. Rome: High Level Panel of Experts on Food Security and Nutrition; 2017.,5959. International Panel of Experts on Sustenable Food Systems. From uniformity to diversity: a paradigm shift from industrial agriculture to diversified agroecological systems. Brussels: International Panel of Experts on Sustenable Food Systems; 2016.. As narrativas que adquirem maior ou menor visibilidade nas propostas de políticas públicas que afetam esses sistemas são também expressão das iniquidades, considerando-se as assimetrias de poder e os interesses conflitantes 1515. International Panel of Experts on Sustainable Food Systems. Unravelling the Food-Health Nexus: addressing practices, political economy, and power relations to build healthier food systems. Brussels: International Panel of Experts on Sustainable Food Systems; 2017.,6060. Recine E, Beghin N. Equity. In: Laurance M, Friel S, editors. Healthy and sustainable food systems. London: Routldge; 2019 p. 23-4..

Essas assimetrias se acentuam no curso de um processo denominado “desmaterialização do alimento” que afasta o poder decisório para longe dos sistemas de produção física, em favor de agentes financeiros, aumenta a distância entre produtores e consumidores, a desapropriação de terras e de outros recursos, e enfraquece os espaços públicos locais, nacionais e globais como tomadores de decisão 6161. Quando os alimentos se tornam imateriais: confrontar a era digital. Observatório do Direito à Alimentação e Nutrição 2018; (10). https://www.righttofoodandnutrition.org/pt/suplemento-observatorio-do-direito-alimentacao-e-nutricao.
https://www.righttofoodandnutrition.org/...
.

A questão da sustentabilidade é objeto de disputas com o setor privado comercial, que se apropria e distorce ideias, como expressa a campanha “Agro: A Indústria-Riqueza do Brasil”, um marco na disputa de narrativas sobre alimentação saudável que divulga conteúdo patrocinado por corporações, sem deixar isso claro ao espectador 6262. Dias J. Cozinhar e comunicar: uma abordagem ecobiocultural sobre sistemas de alimentação e comunicação [Tese de Doutorado]. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2018.. Visa consolidar a marca “Agro”, neutralizando conflitos entre interesses antagônicos, ao apontar uma suposta convergência entre concepções e práticas dos diferentes sistemas agrícolas (global, orgânico e agroecológico). Intenciona demonstrar a onipresença do agronegócio, contrapondo-se aos problemas da cadeia produtiva relativos ao trabalho escravo, desmatamento, uso de agrotóxicos e DCNT.

Esse simulacro do agronegócio como noção totalizante da agricultura é o resultado de uma trajetória de três décadas, na qual o núcleo de agentes políticos da agricultura patronal (a parte) toma para si o amplo perímetro de funções contidas na noção de agronegócio (o todo). Os desdobramentos políticos se refletem na extinção de estruturas de articulação de políticas voltadas à agricultura familiar e no discurso que enfatiza não haver separação entre pequenos e grandes produtores 6363. Pompeia C. "Agro é tudo": simulações no aparato de legitimação do agronegócio. Horizontes Antropológicos 2020; 26:195-224..

Por fim, cabe registrar que, apesar de o conceito de alimentação saudável adotado no guia alimentar prever a dimensão da sustentabilidade, atualmente o governo brasileiro vem se opondo à adoção do conceito de alimentação saudável e sustentável, apresentado em documento técnico da Organização para Agricultura e Alimentação das Nações Unidas/Organização Mundial da Saúde 6464. Food and Agricukture Organization of the United Nations; World Health Organization. Sustainable healthy diets: guiding principles. Rome: Food and Agricukture Organization of the United Nations; 2019., e que foi adotado na negociação das Diretrizes Voluntárias de Sistemas Alimentares e Nutrição6565. Committee on World Food Security. Voluntary guidelines on food systems for nutrition (VGFSyN): matrix with inputs provided by CFS stakeholders on the draft for negotiations. http://www.fao.org/fileadmin/templates/cfs/Docs1920/Nutrition_Food_System/28-29_maggio/CFS_OEWG_Nutrition_2020_05_28_01_Matrix__1_.pdf (acessado em 20/Jun/2020).
http://www.fao.org/fileadmin/templates/c...
(Material Suplementar: http://cadernos.ensp.fiocruz.br/static//arquivo/suppl-e00195520-portugues_1202.pdf).

Discussão

O debate conceitual sobre alimentação saudável, por vezes considerado “abstrato”, é fundamental para a compreensão de conflitos políticos no âmbito da saúde e da nutrição 44. Kramer FB, Prado SD, Ferreira FR, Carvalho MCVS. O discurso sobre alimentação saudável como estratégia de biopoder. Physis (Rio J.) 2014; 24:1337-59., e a análise sinalizou tensões e conflitos entre as ideias que contribuem para que determinadas propostas disputem espaço na agenda governamental. Distintas perspectivas de alimentação saudável emergem por meio de movimentos de reconfiguração de ideias - abordagens que se mesclam e convivem compondo um espectro mais ou menos multidimensional da alimentação. Algumas instituem-se em contraposição a outras, gerando tensões, disputas e conflitos entre ideias que podem ser inconciliáveis por impulsionarem ações antagônicas.

No que se refere às perspectivas de alimentação saudável, o conjunto de políticas do setor saúde indica um movimento de reconfiguração de ideias desenvolvidas no contexto de emergência da ciência da nutrição, quando a alimentação saudável referia-se ao perfil de consumo alimentar capaz de garantir todos os nutrientes necessários ao crescimento e à manutenção das funções biológicas do organismo e/ou de prevenir doenças nutricionais 33. Paiva JB, Magalhães LM, Santos SMC, Santos LAS, Trad LAB. A confluência entre o "adequado" e o "saudável": análise da instituição da noção de alimentação adequada e saudável nas políticas públicas do Brasil. Cad Saúde Pública 2019; 35:e00250318.,44. Kramer FB, Prado SD, Ferreira FR, Carvalho MCVS. O discurso sobre alimentação saudável como estratégia de biopoder. Physis (Rio J.) 2014; 24:1337-59.. Essa perspectiva, aqui denominada de nutricional (centrada no nutriente) e biologicista (centrada no corpo biológico), fundamenta-se na lógica de atendimento a recomendações e requerimentos nutricionais padronizados. Tal abordagem subsidia ações de prevenção a doenças ocasionadas pela carência de nutrientes específicos 33. Paiva JB, Magalhães LM, Santos SMC, Santos LAS, Trad LAB. A confluência entre o "adequado" e o "saudável": análise da instituição da noção de alimentação adequada e saudável nas políticas públicas do Brasil. Cad Saúde Pública 2019; 35:e00250318. e pode ser medicalizante por tratar a alimentação, antes não considerada como problema médico, sob o prisma da medicina 6666. Camargo Jr. KR. Medicalização, farmacologização e imperialismo sanitário. Cad Saúde Pública 2013; 29:844-6.,6767. Carvalho S, Rodrigues CO, Costa FD, Andrade HS. Medicalização: uma crítica (im)pertinente? Physis (Rio J.) 2015; 25:1251-69..

No entanto, o progressivo processo de medicalização da alimentação e o advento das DCNT contribuíram para uma perspectiva de alimentação saudável aqui denominada de biomédica e medicalizante que, além de nutricional e biologicista, é focada na prevenção de doenças com base na lógica de fator de risco. A alimentação e alguns alimentos e nutrientes passam a ser considerados como fator de risco (ou proteção) para DCNTs, uma ideia que não pautava a agenda pública até então. A noção de risco alimentar já existia na pré-modernidade, mas estava associada à contaminação física e à escassez de alimentos. Esse contexto era marcado por uma perspectiva culturalista de alimentação saudável, definida com base na cultura e na territorialidade, quando as intervenções alimentares para tratar doenças baseavam-se no conhecimento do poder terapêutico dos alimentos, não referenciado aos seus princípios ativos ou às suas qualidades funcionais, mas a outras racionalidades 11. Azevedo E. Alimentação saudável: uma construção histórica. Revista Simbiótica 2014; 7:83-111..

A medicalização é também um campo de disputas de sentidos. Por um lado, pode fortalecer o poder médico, se entrelaçar aos modos de governar e reduzir questões multidimensionais, como a alimentação, ao prisma de uma ciência com racionalidade específica: a da medicina tradicional ocidental 11. Azevedo E. Alimentação saudável: uma construção histórica. Revista Simbiótica 2014; 7:83-111.. Por outro lado, pode produzir novas “verdades” e técnicas visando a atender distintas necessidades humanas e possibilidades de ação na sociedade 6767. Carvalho S, Rodrigues CO, Costa FD, Andrade HS. Medicalização: uma crítica (im)pertinente? Physis (Rio J.) 2015; 25:1251-69..

A consolidação da Nutrição como ciência e profissão paramédica articulou-se à descoberta de nutrientes e calorias e à definição de necessidades nutricionais humanas padronizadas. Essa lógica de racionalização com base no valor nutricional dos alimentos e/ou na medicalização da alimentação 6868. Viana MR, Neves A, Camargo Jr. KR, Prado SD, Mendonça ALO. A racionalidade nutricional e sua influência na medicalização da comida no Brasil. Ciênc Saúde Colet 2017; 22:447-56. pode ser identificada em distintas ideias que compõem os repertórios discursivos sobre alimentação saudável, tais como: (1) a associação de determinados alimentos e nutrientes com o risco ou a prevenção de doenças; (2) a associação do saudável com alimentos com baixo teor de calorias, gorduras e outros nutrientes; (3) o saudável relacionado inicialmente aos suplementos/complementos alimentares à base de micronutrientes e/ou fibras e, progressivamente, ao consumo de alimentos “funcionais”, os “superalimentos”, e à fortificação de alimentos.

Essa configuração expressa, além da medicalização, uma farmacologização da alimentação, ou seja, a utilização de medicamentos sem função terapêutica específica para atingir uma certa “supernormalidade” 6666. Camargo Jr. KR. Medicalização, farmacologização e imperialismo sanitário. Cad Saúde Pública 2013; 29:844-6.. Favorece o consumo de produtos farmacêuticos ou de sementes “fortificadas” e alimentos “enriquecidos” em consonância com os interesses do setor 11. Azevedo E. Alimentação saudável: uma construção histórica. Revista Simbiótica 2014; 7:83-111.. Assim, os sistemas alimentares incorporaram progressivamente tecnologias e mecanismos industriais para processar sementes e alimentos visando a alterar sua composição nutricional, aumentar sua produtividade e sua durabilidade 5959. International Panel of Experts on Sustenable Food Systems. From uniformity to diversity: a paradigm shift from industrial agriculture to diversified agroecological systems. Brussels: International Panel of Experts on Sustenable Food Systems; 2016.,6969. International Panel of Experts on Sustenable Food Systems. Too big to feed. Exploring the impacts of mega-mergers, consolidation and concentration of power in the agri-food sector. Brussels: International Panel of Experts on Sustenable Food Systems; 2017.. Nesse sentido, a PNAN 1999 avança ao valorizar o monitoramento do processo de industrialização e comercialização de produtos farmacêuticos e dietéticos, uma ação que não é enfatizada pela PNAN 2013, apesar da intensiva farmacologização da alimentação.

As ideias sobre alimentação saudável relacionadas com a funcionalidade dos alimentos e com os discursos sobre autocuidado, com a exacerbação das preocupações em relação à saúde, o culto ao corpo e à estética, têm impulsionado tanto as franquias relacionadas à “vida saudável” quanto o consumo de alimentos básicos, orgânicos. A perspectiva de prevenir ou tratar a doença dá lugar a práticas voltadas para sentir-se bem, disposto(a) e “feliz”, também a partir de uma normatização científica e de um ideal de alimentação saudável 44. Kramer FB, Prado SD, Ferreira FR, Carvalho MCVS. O discurso sobre alimentação saudável como estratégia de biopoder. Physis (Rio J.) 2014; 24:1337-59..

A alusão aos princípios de “saúde” legitima o consumo de determinados alimentos e produtos e impulsiona nichos de mercado e políticas específicas. Em paralelo, outros princípios, valores e ideias não circunscritos às matrizes cognitivas da saúde, ganharam força crescente nos repertórios sobre alimentação saudável: a sustentabilidade ambiental, a equidade e a justiça social, as tradições familiares, a cultura de povos tradicionais, os produtos locais.

Algumas inflexões e tensões contribuíram para a reconfiguração dessa perspectiva biologicista, nutricional e/ou medicalizante de alimentação saudável, que persiste até hoje e se fortalece com novas roupagens. Uma inflexão se estabelece a partir das ideias associadas à concepção de “práticas alimentares”, abrangendo nutrientes, alimentos, refeição, compra, consumo e preparo nas dimensões biopsicossociais, considerada aqui como perspectiva multidimensional de alimentação saudável, identificada em algumas políticas do setor saúde. A grande inflexão foi provocada pelo conceito de alimentação adequada e saudável originário do debate sobre sistemas alimentares, sustentabilidade, segurança alimentar e nutricional, direito humano à alimentação adequada e a noção de comida de verdade, considerada aqui como uma perspectiva sistêmica de alimentação saudável, que abarca elementos da perspectiva multidimensional, mas os compreende de forma interdisciplinar. Essa concepção é condicionada por uma institucionalidade intersetorial e socialmente participativa, e a autoria dos documentos mescla segmentos societários e governamentais. O conceito de alimentação adequada e saudável tensiona a própria discussão sobre fator de risco, abarcando tanto os riscos biológico/sanitário e nutricional quanto os socioambientais e redefine o próprio termo “adequada”, para além de um pacote mínimo de nutrientes específicos.

As ideias integrantes desses distintos repertórios podem reforçar propostas específicas de ação: (1) a perspectiva nutricional biologicista impulsiona mudanças no consumo individual com foco nos nutrientes e na composição de alimentos; (2) a perspectiva nutricional biologicista e medicalizante impulsiona o controle de fatores de risco em uma ótica individual e/ou coletiva; (3) a perspectiva multidimensional impulsiona ações sobre os múltiplos condicionantes das práticas alimentares e sobre modos/condições de vida e ambientes institucionais; (5) a perspectiva sistêmica impulsiona articulações intersetoriais e impactos sobre a sustentabilidade ambiental, social, econômica, cultural, transições justas e agroecológicas.

Uma distinção entre a abordagem multidimensional e a sistêmica de alimentação saudável é que esta se pauta em uma análise integrada das múltiplas dimensões da alimentação saudável, fortalecendo políticas intersetoriais. Ainda assim, a perspectiva multidimensional da alimentação saudável se reconfigura nas políticas de saúde, incorporando progressivamente as reflexões sobre sistemas alimentares, direito humano à alimentação adequada, segurança alimentar e nutricional e intersetorialidade. Em uma via de mão dupla, a institucionalidade intersetorial e participativa da segurança alimentar e nutricional favoreceu esse movimento. A abordagem sistêmica de alimentação saudável expressa as múltiplas óticas e interesses dos atores, especialmente societários, que inscrevem sua ação política nas matrizes cognitivas e nos sistemas de interpretação da segurança alimentar e nutricional e aponta para uma unidade entre “sistemas alimentares e nutrição”. Esse processo exemplifica como as ideias são condicionadas pela institucionalidade e simultaneamente instituem os seus contornos, articulando-se aos interesses e ao contexto institucional, afetando-se mutuamente.

Em relação ao setor privado comercial, observa-se uma apropriação fragmentada de ideias presentes em diferentes perspectivas de alimentação saudável ao restringirem seus repertórios discursivos a condicionantes específicos da alimentação saudável, como a responsabilização individual, impulsionada por “ações educativas”, e neutralizar conflitos, sugerindo que não há distinções entre suas práticas e produtos, quando comparadas a outros segmentos de produtores que de fato operam sob princípios e lógicas totalmente distintos e até antagônicos (como o segmento da agroecologia) 2020. Associação Brasileira da Indústria de Alimentos. Documento submetido à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Maio 15 2018). https://pt.scribd.com/document/382022379/Abia-apresenta-documento-a-Anvisa#from_embed (acessado em 20/Jun/2020).
https://pt.scribd.com/document/382022379...
,2323. Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e de Bebidas não Alcoólicas. Revista ABIR 2020; 2019/2020. https://abir.org.br/abir/wp-content/uploads/2020/03/revista-abir-2020.pdf.
https://abir.org.br/abir/wp-content/uplo...
,6262. Dias J. Cozinhar e comunicar: uma abordagem ecobiocultural sobre sistemas de alimentação e comunicação [Tese de Doutorado]. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2018.. Assim, visa a despolitizar o debate apropriando-se de alguns princípios de alimentação saudável sem abordá-los de forma integrada. A apropriação parcial de questões relacionadas à sustentabilidade do sistema alimentar, sem considerar os demais princípios da segurança alimentar e nutricional e do direito humano à alimentação adequada, pode levar a pseudo-soluções como ultraprocessados de base “orgânica”, produzidos por práticas intensivas e de monocultura.

Em outros casos, as disputas são ainda mais visíveis, como na estratégia do setor privado comercial de negar a ideia de que existam “alimentos saudáveis” e “não saudáveis”, ou de negar e desqualificar a classificação NOVA, especialmente o conceito de ultraprocessados, além da negação do termo comida de verdade, argumentando que todos os alimentos seriam de verdade e que não existiria comida de mentira. Outras tensões com o setor privado comercial emergem no âmbito da perspectiva nutricional biologicista e medicalizante devido à associação entre nutrientes/composição nutricional dos alimentos - inclusive os ultraprocessados - com DCNT. Paradoxalmente, essa mesma perspectiva favorece a farmacologização e impulsiona mercados estratégicos para esse setor, como mencionado. Além disso, o setor privado comercial se apropria de elementos que associam o saudável aos atributos nutricionais, visando adicionar nutrientes aos ultraprocessados ou fazer acordos voluntários para reduzi-los (como o sódio) o que, contraditoriamente, pressupõe que sua formulação original o caracterize como um “alimento não saudável”.

As disputas em torno dessas diferentes narrativas e das ações públicas afetam as decisões governamentais por meio dos espaços institucionais formais que viabilizam a participação societária e do setor privado comercial (em muitos casos, sem considerar os conflitos de interesses) e por processos que ocorrem nos bastidores da política. Os modos de organização estatal (formais e informais) podem, eventualmente, favorecer a articulação entre interesses convergentes dos segmentos público, privado e/ou societário. Em uma via de mão dupla, os atores podem compor redes de políticas que atravessam as diferentes instituições e impulsionam alianças que irão afetar os rumos do processo decisório em direções distintas, dependendo dos recursos de poder dos envolvidos.

Conclusões

As principais disputas identificadas instituem-se em torno das ideias sobre: a existência de “alimentos não saudáveis”; atribuições, limites e formas de ação do Estado - o que deve ser regulado e como; a alimentação como uma questão da esfera individual ou de caráter público; os sentidos da sustentabilidade, da comensalidade, da cultura e da própria comida. Os posicionamentos adotados nas políticas em relação aos agrotóxicos, à fortificação de alimentos e à suplementação - incluindo a regulação dessas práticas - também sinalizam elementos-chave dessas disputas.

No âmbito da ação política, a fragmentação, a relativização e a distorção de significados são estratégias adotadas pelo setor privado comercial que, particularmente, reforçam a polarização entre ações individuais e intervenções ambientais, e disseminam uma concepção restrita de educação nutricional. Seu repertório discursivo e ações políticas corporativas se alinham aos interesses comerciais e se adequam aos diferentes nichos de mercado (inclusive dos segmentos preocupados com a alimentação saudável), visando consolidar ideias sobre alimentação saudável que possam ser atendidas por meio de seus produtos. A sociedade civil incide politicamente pressionando os governos a instituírem, em suas políticas, concepções e princípios que afetam diretamente os parâmetros das disputas, como alimentação adequada e saudável, direito humano à alimentação adequada e segurança alimentar e nutricional. Os recursos públicos são disputados pelos diferentes segmentos societários, governamentais e do setor privado comercial (que são heterogêneos) e o grau de permeabilidade dos governos às pressões dos atores (internos ou externos) depende do seu perfil e dos tipos de interesses que pretendem impulsionar. A institucionalidade estatal pode contribuir para perfis de políticas mais ou menos híbridos ou plurais (que tentam atender a distintos interesses) ao favorecer, em maior ou menor grau, a participação social ou a intersetorialidade. Portanto, discursos e institucionalidades são heterogêneos.

Os diferentes segmentos de atores complexificam suas estratégias visando incorporar, de distintas formas, as ideias que integram a perspectiva sistêmica de alimentação saudável, em sintonia com seus interesses. Os termos dos discursos podem ser utilizados de modo a fomentar ideias esvaziadas do sentido circunscrito à ação política que o impulsionou.

A obsessão com os “riscos”, com a saúde ou com o “saudável”, restrito à perspectiva biológica, impulsiona soluções medicalizantes. As ideias que relativizam os diferentes tipos de riscos, enquanto parte das ações políticas corporativas, podem estimular o consumo de ultraprocessados e enfraquecer estratégias regulatórias.

Essa forma fragmentada de lidar com a alimentação gera pseudo-soluções. Portanto, cabe consolidar perspectivas de alimentação saudável que evitem tratar de forma dicotômica e parcial as diferentes dimensões da alimentação. A perspectiva sistêmica indica caminhos nessa direção por pautar-se em conhecimento interdisciplinar, na articulação de diferentes tipos de saberes, em políticas e institucionalidade intersetoriais. Essa ótica complexifica as decisões públicas e demanda o redesenho de políticas em sintonia com uma lógica de planejamento integrado.

No âmbito da promoção da alimentação saudável destacam-se os desafios de efetivar ações regulatórias, políticas que afetem condições de vida e ambientes e construir práticas educativas e de cuidado em saúde na ótica da educação alimentar e nutricional. Essas atribuições do Estado são intransferíveis e afetam as condições desiguais das “escolhas” alimentares e do cuidado. As disputas de ideias evidenciam tensões entre as responsabilidades públicas e privadas e demandam o desenvolvimento de habilidades, capacidade crítica e autonomia de pessoas e coletividades, como reitera o Marco. Esses temas também suscitam disputas, pois a autonomia no cuidado pode ser concebida como um princípio positivo ou como delegação de responsabilidades para o indivíduo, e, neste caso, pode implicar a fragilização de políticas e comprometer as atribuições públicas do Estado.

Compreender como o processo de disputa de ideias impulsiona a ação dos diferentes atores é fundamental para uma incidência consequente sobre a formulação de políticas. A desnaturalização e a visibilização desse tema contribuem para identificar e justificar prioridades para a agenda governamental.

Agradecimentos

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq; Bolsa #313714/2020-7) pelo apoio financeiro.

Referências

  • 1
    Azevedo E. Alimentação saudável: uma construção histórica. Revista Simbiótica 2014; 7:83-111.
  • 2
    Martinelli SS, Cavalli SB. Alimentação saudável e sustentável: uma revisão narrativa sobre desafios e perspectivas. Ciênc Saúde Colet 2019; 24:4251-61.
  • 3
    Paiva JB, Magalhães LM, Santos SMC, Santos LAS, Trad LAB. A confluência entre o "adequado" e o "saudável": análise da instituição da noção de alimentação adequada e saudável nas políticas públicas do Brasil. Cad Saúde Pública 2019; 35:e00250318.
  • 4
    Kramer FB, Prado SD, Ferreira FR, Carvalho MCVS. O discurso sobre alimentação saudável como estratégia de biopoder. Physis (Rio J.) 2014; 24:1337-59.
  • 5
    Soares S. Kant em defesa da alimentação saudável. Princípios: Revista de Filosofia 2016; 23:105-23.
  • 6
    Ministério da Saúde. Política Nacional de Alimentação e Nutrição. Brasília: Ministério da Saúde; 1999.
  • 7
    Vivero-Pol JL. The idea of food as commons or commodity in academia: a systematic review of English scholarly texts. J Rural Stud 2017; 53:182-201.
  • 8
    Griggs S, Howarth D. Discourse and practice: using the power of well-being. EvidPolicy 2011; 7:213-26.
  • 9
    Spink MJ, Menegon VM. Práticas discursivas como estratégia de governamentalidade: a linguagem dos riscos em documentos de domínio público. In: Iniguez L, organizador. Manual de análise do discurso em ciências sociais. Petrópolis: Vozes; 2005. p. 258-303.
  • 10
    Cellard A. Análise documental. In: Poupart J, Deslauriers J-P, Groulx L-H, Laperrière A, Mayer R, Pires AP, et al. A pesquisa qualitativa: enfoques epistemológicos e metodológicos. Petrópolis: Vozes; 2008. p. 295-316.
  • 11
    World Health Organization. Global strategy on diet, physical activity and health. Fifty-seventh World Health Assembly 2004. Geneva: World Health Organization; 2004. (WHA57.17).
  • 12
    World Health Organization. Global status report on noncommunicable diseases 2010.Geneva: World Health Organization; 2011.
  • 13
    Organização Pan-Americana da Saúde. Plano de ação para prevenção da obesidade em crianças e adolescentes. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde; 2015.
  • 14
    Organização Pan-Americana da Saúde. Modelo de perfil nutricional da Organização Pan-Americana da Saúde. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde; 2016.
  • 15
    International Panel of Experts on Sustainable Food Systems. Unravelling the Food-Health Nexus: addressing practices, political economy, and power relations to build healthier food systems. Brussels: International Panel of Experts on Sustainable Food Systems; 2017.
  • 16
    High Level Panel of Experts on Food Security and Nutrition. Nutrition and food systems: a report by the HLPE of the Committee on World Food Security. Rome: High Level Panel of Experts on Food Security and Nutrition; 2017.
  • 17
    World Cancer Research Fund International. Driving action to prevent cancer and other non-communicable diseases: a new policy framework for promoting healthy diets, physical activity, breastfeeding and reducing alcohol consumption. London: World Cancer Research Fund International; 2018.
  • 18
    Associação Brasileira da Indústria de Alimentos. Relatório anual 2015. https://www.abia.org.br/vsn/anexos/ABIARelatorioAnual2015.pdf (acessado em 20/Jun/2020).
    » https://www.abia.org.br/vsn/anexos/ABIARelatorioAnual2015.pdf
  • 19
    Associação Brasileira da Indústria de Alimentos. Relatório anual 2016. https://www.abia.org.br/vsn/temp/z2017417RELATORIOANUAL2016.pdf (acessado em 20/Jun/2020).
    » https://www.abia.org.br/vsn/temp/z2017417RELATORIOANUAL2016.pdf
  • 20
    Associação Brasileira da Indústria de Alimentos. Documento submetido à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Maio 15 2018). https://pt.scribd.com/document/382022379/Abia-apresenta-documento-a-Anvisa#from_embed (acessado em 20/Jun/2020).
    » https://pt.scribd.com/document/382022379/Abia-apresenta-documento-a-Anvisa#from_embed
  • 21
    Associação Brasileira da Indústria de Alimentos. Alimentos e ciência. São Paulo: Associação Brasileira da Indústria de Alimentos; 2019.
  • 22
    Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e de Bebidas não Alcoólicas. Revista ABIR 2019; 2018/2019. https://abir.org.br/abir/wp-content/uploads/2019/01/REVISTA-ABIR-2019.pdf
    » https://abir.org.br/abir/wp-content/uploads/2019/01/REVISTA-ABIR-2019.pdf
  • 23
    Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e de Bebidas não Alcoólicas. Revista ABIR 2020; 2019/2020. https://abir.org.br/abir/wp-content/uploads/2020/03/revista-abir-2020.pdf
    » https://abir.org.br/abir/wp-content/uploads/2020/03/revista-abir-2020.pdf
  • 24
    Associação Brasileira da Indústria de Alimentos. Relatório anual 2012: desafios e superações da indústria da alimentação. https://www.abia.org.br/vsn/anexos/relatorio_anual_abia_2012.pdf (acessado em 20/Jun/2020).
    » https://www.abia.org.br/vsn/anexos/relatorio_anual_abia_2012.pdf
  • 25
    Grisa C. As ideias na produção de políticas públicas: contribuições da abordagem cognitiva. In: Bonnal P, Leite S, organizadores. Análise comparada de políticas agrícolas. Rio de Janeiro: MANAUD; 2011. p. 93-137.
  • 26
    Muller P, Surel Y. A análise das políticas públicas. Pelotas: EDUCAT; 2002.
  • 27
    Ministério da Saúde. Portaria nº 2.715, de 17 de novembro de 2011. Atualiza a Política Nacional de Alimentação e Nutrição. Diário Oficial da União 2011; 18 nov.
  • 28
    Brasil. Decreto nº 7.272, de 25 de agosto de 2010. Regulamenta a Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006, que cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional - SISAN com vistas a assegurar o direito humano à alimentação adequada, institui a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional - PNSAN, estabelece os parâmetros para a elaboração do Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, e dá outras providências. Diário Oficial da União 2010; 26 ago.
  • 29
    Ministério da Saúde . Guia alimentar para a população brasileira. Brasília: Ministério da Saúde; 2006.
  • 30
    Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Grupo de Trabalho Alimentação Adequada e Saudável: relatório final. Brasília: Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional; 2007.
  • 31
    Ministério da Saúde. Política Nacional de Promoção da Saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2006.
  • 32
    Departamento de Atenção Básica, Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde. Guia alimentar para a população brasileira. 2ª Ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2014.
  • 33
    Monteiro CA, Cannon G, Levy RB, Moubarac J-C, Jaime P, Martins AP, et al. NOVA. The star shines bright. World Nutr 2016; 7:28-38.
  • 34
    Monteiro CA, Cannon G, Levy RB, Moubarac J-C, Louzada ML, Rauber F, et al. Ultra-processed foods: what they are and how to identify them. Public Health Nutr 2019; 22:936-41.
  • 35
    Fischer CG, Garnett T. Plates, pyramids, planet. Developments in national healthy and sustainable dietary guidelines: a state of play assessment. Rome: Food and Agriculture Organization of the United Nations/Oxford: Food Climate Research Network, University of Oxford; 2016.
  • 36
    Departamento de Promoção da Saúde, Secretaria de Atenção Primária à Saúde, Ministério da Saúde. Guia alimentar para crianças brasileiras menores de dois anos. 2ª Ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2019.
  • 37
    Secretaria de Política de Saúde, Ministério da Saúde; Organização Pan-Americana da Saúde. Guia alimentar para crianças menores de dois anos. Brasília: Ministério da Saúde; 2002.
  • 38
    Mialon M, Julia C, Hercberg S. The policy dystopia model adapted to the food industry: the example of the Nutri-Score saga in France. World Nutr 2018; 9:109-20.
  • 39
    Burlandy L, Gomes FS, Carvalho CMP, Dias PC, Henriques P. Intersetorialidade e potenciais conflitos de interesse entre governos e setor privado comercial no âmbito das ações de alimentação e nutrição para o enfrentamento de doenças crônicas não transmissíveis. Vigil Sanit Debate 2014; 2:124-9.
  • 40
    Mialon M, Swinburn B, Sacks G. A proposed approach to systematically identify and monitor the corporate political activity of the food industry with respect to public health using publicly available information. Obes Rev 2015; 16:519-30.
  • 41
    Mialon M, Gomes F. Public health and the ultra-processed food and drink products industry: corporate political activity of major transnationals in Latin America and the Caribbean. Public Health Nutr 2019; 22:1898-908.
  • 42
    Instituto de Tecnologia de Alimentos. Mitos e fatos. MITO: alimento processado com aditivos químicos é comida de mentira. https://alimentosprocessados.com.br/ingredientes-alimentares-mitos-fatos-comida-mentira.php (acessado em 20/Jun/2020).
    » https://alimentosprocessados.com.br/ingredientes-alimentares-mitos-fatos-comida-mentira.php
  • 43
    Associação Brasileira das Indústrias de Alimentos para Fins Especiais e Congêneres. Contribuição à Consulta Pública nº 71, de 2006. Brasília: Agência Nacional de Vigilância Sanitária; 2006.
  • 44
    Zocchio G. Tem que mudar 'isso daí'? Representante da indústria fala em alterar o guia alimentar. O Joio e O Trigo 2019; 2 jul. https://outraspalavras.net/ojoioeotrigo/2019/07/representante-da-industria-de-comida-porcaria-fala-em-mudar-o-guia-alimentar/
    » https://outraspalavras.net/ojoioeotrigo/2019/07/representante-da-industria-de-comida-porcaria-fala-em-mudar-o-guia-alimentar/
  • 45
    Departamento de Atenção Básica, Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde. Relatório final da consulta pública: Guia Alimentar para a População Brasileira. Brasília: Ministério da Saúde; 2014.
  • 46
    Ministério da Saúde. Acordo de cooperação técnica para a execução do Plano Nacional de Vida Saudável. Brasília: Ministério da Saúde; 2007.
  • 47
    Peres J. Indústria escancara tensão entre aposta na comida de verdade e fidelidade à comida-porcaria. O Joio e O Trigo 2019; 5 set. https://outraspalavras.net/ojoioeotrigo/2019/09/industria-escancara-tensao-entre-aposta-na-comida-de-verdade-e-fidelidade-a-comida-porcaria/
    » https://outraspalavras.net/ojoioeotrigo/2019/09/industria-escancara-tensao-entre-aposta-na-comida-de-verdade-e-fidelidade-a-comida-porcaria/
  • 48
    Departamento de Análise de Situação de Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Plano de ações estratégicas para o enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) no Brasil 2011-2022. Brasília: Ministério da Saúde; 2011.
  • 49
    World Health Organization. The 2008-2013 action plan for the global strategy for prevention and control of noncommunicable diseases. Geneva: World Health Organization; 2008.
  • 50
    Coca-Cola Company. RE: WTO Notification Number: G/TBT/N/URY/14. https://brecha.com.uy/wp-content/uploads/2018/01/Carta-de-Coca-Cola.pdf (acessado em 20/Jun/2020).
    » https://brecha.com.uy/wp-content/uploads/2018/01/Carta-de-Coca-Cola.pdf
  • 51
    Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Relatório de análise de impacto regulatório sobre rotulagem nutricional. Brasília: Agência Nacional de Vigilância Sanitária; 2019.
  • 52
    Secretaria de Economía. Modificicación a la Norma Oficial Mexicana NOM-051-SCFI/SSAI-2010. Ciudad de México: Secretaria de Economía; 2020.
  • 53
    United Nations. Political declaration of the High-Level Meeting of the General Assembly on the Prevention and Control of Non-Communicable Diseases: draft resolution. New York: United Nations; 2011.
  • 54
    Henriques P, O'Dwyer G, Dias PC, Barbosa RMS, Burlandy L. Políticas de saúde e de segurança alimentar e nutricional: desafios para o controle da obesidade infantil. Ciênc Saúde Colet 2018; 23:4143-52.
  • 55
    Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional. II Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional - PLANSAN 2016-2019 revisado. Brasília: Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional; 2018.
  • 56
    Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Manifesto da 5ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional à Sociedade Brasileira sobre Comida de Verdade no Campo e na Cidade, por Direitos e Soberania Alimentar. Brasília: Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional; 2015.
  • 57
    Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Marco de referência de educação alimentar e nutricional para as políticas públicas. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome; 2012.
  • 58
    Brasil. Pacto nacional para a promoção da alimentação saudável. Brasília: Subchefia para Assuntos Jurídicos, Secretaria-Geral, Presidência da República; 2015.
  • 59
    International Panel of Experts on Sustenable Food Systems. From uniformity to diversity: a paradigm shift from industrial agriculture to diversified agroecological systems. Brussels: International Panel of Experts on Sustenable Food Systems; 2016.
  • 60
    Recine E, Beghin N. Equity. In: Laurance M, Friel S, editors. Healthy and sustainable food systems. London: Routldge; 2019 p. 23-4.
  • 61
    Quando os alimentos se tornam imateriais: confrontar a era digital. Observatório do Direito à Alimentação e Nutrição 2018; (10). https://www.righttofoodandnutrition.org/pt/suplemento-observatorio-do-direito-alimentacao-e-nutricao
    » https://www.righttofoodandnutrition.org/pt/suplemento-observatorio-do-direito-alimentacao-e-nutricao
  • 62
    Dias J. Cozinhar e comunicar: uma abordagem ecobiocultural sobre sistemas de alimentação e comunicação [Tese de Doutorado]. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2018.
  • 63
    Pompeia C. "Agro é tudo": simulações no aparato de legitimação do agronegócio. Horizontes Antropológicos 2020; 26:195-224.
  • 64
    Food and Agricukture Organization of the United Nations; World Health Organization. Sustainable healthy diets: guiding principles. Rome: Food and Agricukture Organization of the United Nations; 2019.
  • 65
    Committee on World Food Security. Voluntary guidelines on food systems for nutrition (VGFSyN): matrix with inputs provided by CFS stakeholders on the draft for negotiations. http://www.fao.org/fileadmin/templates/cfs/Docs1920/Nutrition_Food_System/28-29_maggio/CFS_OEWG_Nutrition_2020_05_28_01_Matrix__1_.pdf (acessado em 20/Jun/2020).
    » http://www.fao.org/fileadmin/templates/cfs/Docs1920/Nutrition_Food_System/28-29_maggio/CFS_OEWG_Nutrition_2020_05_28_01_Matrix__1_.pdf
  • 66
    Camargo Jr. KR. Medicalização, farmacologização e imperialismo sanitário. Cad Saúde Pública 2013; 29:844-6.
  • 67
    Carvalho S, Rodrigues CO, Costa FD, Andrade HS. Medicalização: uma crítica (im)pertinente? Physis (Rio J.) 2015; 25:1251-69.
  • 68
    Viana MR, Neves A, Camargo Jr. KR, Prado SD, Mendonça ALO. A racionalidade nutricional e sua influência na medicalização da comida no Brasil. Ciênc Saúde Colet 2017; 22:447-56.
  • 69
    International Panel of Experts on Sustenable Food Systems. Too big to feed. Exploring the impacts of mega-mergers, consolidation and concentration of power in the agri-food sector. Brussels: International Panel of Experts on Sustenable Food Systems; 2017.
  • 70
    Committee on World Food Security. Voluntary guidelines on food systems and nutrition: zero draft. https://www.fao.org/publications/card/en/c/NA698EN/ (acessado em 20/Jun/2020).
    » https://www.fao.org/publications/card/en/c/NA698EN/
  • 71
    Organización de las Naciones Unidas para la Alimentación y la Agricultura; Organización Mundial de la Salud. Segunda Conferencia Internacional sobre Nutrición. Documento final de la Conferencia: Declaración de Roma sobre la Nutrición. http://www.fao.org/3/a-ml542s.pdf (acessado em 20/Jun/2020).
    » http://www.fao.org/3/a-ml542s.pdf
  • 72
    Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional. Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional - PLANSAN 2012-2015. Brasília: Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional; 2011.

Informações adicionais

  • Informações adicionais

    ORCID: Luciene Burlandy (0000-0003-0875-6374); Inês Rugani Ribeiro de Castro (0000-0002-7479-4400); Elisabetta Recine (0000-0002-5953-7094); Camila Maranha Paes de Carvalho (0000-0002-3659-140X); João Peres (0000-0002-4767-2811).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    06 Jul 2020
  • Revisado
    28 Dez 2020
  • Aceito
    12 Jan 2021
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br