Quais são os modelos adequados de assistência no fim da vida?

What are the appropriate end-of-life care models?

¿Cuáles son los modelos apropiados de atención al final de la vida?

Evilania de Souza Soares Luciana Martins Quixadá Maria Veraci Oliveira Queiroz Sobre os autores

Prezadas Editoras,

Recentemente, foi publicado em CSP o ensaio intitulado Considerações Bioéticas Sobre os Modelos de Assistência no Fim da Vida11. Floriani CA. Considerações bioéticas sobre os modelos de assistência no fim da vida. Cad Saúde Pública 2021; 37:e00264320.. Trata-se de um estudo que, a princípio, coloca o leitor diante de um assunto absolutamente incontornável, principalmente aos profissionais e a quem quer que esteja a sentir o peso implacável da finitude humana, não apenas aqueles que estejam na condição de paciente, mas também os seus familiares ou algum ente querido. Com efeito, o estudo é relevante, pois, conforme ilustra uma bem-humorada história em quadrinhos 22. Ruas C, Bom G. Morte. São Paulo: Conrad Editora; 2022., a morte ainda não pôde ser lamentavelmente eliminada. A reflexão a propósito da finitude humana e seus desdobramentos nos remete imediatamente ao artigo 14, da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos33. Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura. Declaração universal sobre bioética e direitos humanos. Paris: Organizações das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura; 2006., em cuja alínea b (Responsabilidade Social e Saúde) se tem enfatizado que um dos direitos fundamentais de todo ser humano é usufruir o mais alto padrão de saúde existente.

À vista disso, no ensaio em questão, o autor reforça a necessária destreza técnica dos profissionais da área da saúde para instigar a criação/implementação de políticas públicas direcionadas à assistência no fim de vida. Não obstante, o indivíduo pode exercer seu direito e desejo de como quer ser tratado caso algo mude seu estado de consciência tal que delegue a terceiros a tomada de decisões que antes seriam exclusivamente suas 44. Dadalto L, Tupinambás U, Greco DB. Diretivas antecipadas de vontade: um modelo brasileiro. Rev Bioét (Impr.) 2013; 21:463-76.. Aqui, entram em cena as prerrogativas estabelecidas pelas Diretivas Antecipadas de Vontade (DAV), um documento registrado em cartório de notas e do conhecimento de amigos e familiares, os quais, quando oportuno, podem comunicar à equipe de saúde e anexar ao prontuário do paciente. Nelas, podem ser expressas vontades, desejos e necessidades em momento de plena consciência, antes de qualquer estado que restrinja a possibilidade de exercer a autonomia do sujeito. Essa proposta, também aludida no ensaio, ressalta a possibilidade de existir qualidade de morte, ou a boa morte, consoante os avanços tecnológicos responsáveis pela continuidade de uma parte da vida: a biológica. Porém, o que dizer das outras dimensões propriamente humanas referentes aos familiares e/ou aos entes queridos? Discutir modelos de morte, seja a eutanásia ou o suicídio assistido, a futilidade médica e a kalotanásia precisam estar no rol dos elementos formativos, não apenas dos que trabalham na área da saúde, mas de todos. Por essa razão, são indispensáveis as políticas públicas e o sistema de saúde.

No atual contexto nacional, como relatado no ensaio, o que se constata é por demais frágil frente ao problema da dignidade humana, da dimensão do cuidado, da assistência na morte e no morrer. Em contraste, está a futilidade médica, o tonel das danaides e a morte assistida e medicalizada. Não se trata apenas de doenças degenerativas, raras ou complexas, mas também de uma extensa quantidade de pacientes que podem adoecer gravemente e aproximar-se da terminalidade, mesmo com a vida ativa e saudável. Então, cabe a reflexão 11. Floriani CA. Considerações bioéticas sobre os modelos de assistência no fim da vida. Cad Saúde Pública 2021; 37:e00264320.: a parcela da população que pode vir a ter um evento adverso dessa proporção gostaria de receber, como parte do tratamento, o que a metáfora do mito das danaides, trazida pelo autor, representa? Isto é, uma busca persistente e obstinada de alcançar o inalcançável. Assim era a situação das danaides no mito, julgadas como pecadoras, as quais somente conseguiriam a liberdade caso realizassem a tarefa simples de encher recipientes furados, diferentemente das pautas dos cuidados paliativos mencionadas no Ensaio, que entram em cena em contextos de adoecimentos agudos ou crônicos, sem a possibilidade curativa, onde a vez é a da ortotanásia e do dialogismo, apesar de o cenário ser o do hospital. Nesses casos, outras possibilidades podem ser pensadas visando à qualidade de vida, e não apenas ao processo de cura. Um fator questionado no ensaio é o prolongamento da vida, que, em muitos casos, pode ser evitável, além de ser ineficaz - não traz os benefícios esperados e/ou leva a intervenções persistentes, sem efeito - sem recuperação ou sobrevida com qualidade para o paciente. No entanto, importa observar: qual é o limite do sofrimento humano? 11. Floriani CA. Considerações bioéticas sobre os modelos de assistência no fim da vida. Cad Saúde Pública 2021; 37:e00264320. O ensaio aborda questões e situações complexas, que precisam ser deliberadas em instâncias também jurídicas, apesar de em âmbito nacional já contarmos com amplo corolário de leis.

Referente aos cuidados paliativos, é cada vez maior o número de profissionais que buscam formação relacionada ao fomento de discussões e pesquisas na área. Talvez esteja aí um caminho a ser percorrido como resposta à problemática do ensaio, quando é afirmado a propósito da imperatividade que se vive na busca de adequação quanto aos modelos de assistência à morte e ao morrer. O ensaio avança em um debate renovado acerca da eutanásia e do suicídio assistido, o que envolve pensar sobre uma política nacional que consolide os cuidados paliativos, visando à boa morte. Em termos gerais, o autor do ensaio salienta ser preciso reconhecer essa premissa não verificada no cotidiano das instituições ou nos bancos formadores das academias. Ante o acolhimento da pessoa que adoece e não tem a terapêutica de cura equivalente, é preciso continuar a pensar nela enquanto ser biográfico no seu contexto e, mais ainda, em como pretende que sejam os seus dias, bem como o quanto de qualidade lhe pode ser acrescentado. Talvez, começar por conhecer o conceito de vida para tal indivíduo. Aqui não se nega, ao contrário, reforça-se a ideia do amplo aspecto de problematizar a temática e os argumentos tão bem construídos nesse estudo a partir de uma palavra central: cuidado.

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  • 1
    Floriani CA. Considerações bioéticas sobre os modelos de assistência no fim da vida. Cad Saúde Pública 2021; 37:e00264320.
  • 2
    Ruas C, Bom G. Morte. São Paulo: Conrad Editora; 2022.
  • 3
    Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura. Declaração universal sobre bioética e direitos humanos. Paris: Organizações das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura; 2006.
  • 4
    Dadalto L, Tupinambás U, Greco DB. Diretivas antecipadas de vontade: um modelo brasileiro. Rev Bioét (Impr.) 2013; 21:463-76.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    09 Nov 2022
  • Aceito
    17 Nov 2022
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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