Nascer no Brasil II: protocolo de investigação da saúde materna, paterna e da criança no pós-parto

Nacer en Brasil II: protocolo de investigación en salud materna, paterna e infantil posparto

Mariza Miranda Theme Filha Márcia Leonardi Baldisserotto Tatiana Henriques Leite Marilia Arndt Mesenburg Ana Claudia Santos Amaral Fraga Maria Pappaterra Bastos Rosa Maria Soares Madeira Domingues Silvana Granado Nogueira da Gama Sônia Azevedo Bittencourt Marcos Nakamura-Pereira Ana Paula Esteves-Pereira Maria do Carmo Leal Sobre os autores

Resumo:

A gravidez, o parto e o nascimento são momentos de grandes mudanças na vida das mães e dos pais. Este artigo tem como objetivo apresentar o protocolo da pesquisa para estimar a prevalência dos desfechos em saúde mental nas mães e pais no pós-parto, dos maus tratos e satisfação na atenção ao parto/abortamento, e as inter-relações entre eles e fatores socioeconômicos, obstétricos e da saúde da criança. A pesquisa tem dois componentes: estudo de coorte prospectiva com todas as puérperas entrevistadas nas 465 maternidades incluídas na linha de base da pesquisa Nascer no Brasil II realizada entre 2021 e 2023, e estudo seccional com os companheiros/pais dos bebês. As entrevistas são realizadas por ligação telefônica ou link de autopreenchimento enviado por WhatsApp com as puérperas aos 2 e 4 meses após o parto/aborto. Os companheiros são abordados três meses após o nascimento (excluídos os abortos, natimortos e neomortos), a partir do telefone informado pela puérpera na maternidade. As entrevistas abordam, entre as puérperas, sintomas de depressão, ansiedade e transtorno de estresse pós-traumático, maus-tratos na atenção na maternidade e qualidade do vínculo mãe-bebê. São investigados também a presença de morbidade materna e neonatal, utilização de serviços pós-natais, e satisfação com o atendimento na maternidade. Entre os pais, é abordada a ocorrência de sintomas de depressão e ansiedade, e a qualidade do relacionamento com a esposa/companheira e o bebê. As informações coletadas nessa etapa da pesquisa poderão subsidiar o planejamento e melhoria do cuidado voltado para a saúde da tríade mãe-pai-filho após o nascimento.

Palavras-chaves:
Depressão Pós-parto; Transtornos de Estresse Pós-traumático; Saúde Mental; Cuidado Pós-Natal

Resumen:

El embarazo, el parto y el nacimiento son momentos de grandes cambios en la vida de madres y padres. Este artículo tiene como objetivo presentar el protocolo de investigación para estimar la prevalencia de los resultados de la salud mental en madres y padres en el posparto, maltratos y la satisfacción durante la atención del parto/aborto, y las interrelaciones entre ellos y los factores socioeconómicos, obstétricos y de salud infantil. La investigación tiene dos componentes: un estudio de cohorte prospectivo con todas las puérperas entrevistadas en las 465 maternidades incluidas en la línea de base de la encuesta Nacer en Brasil II realizada entre 2021 y 2023, y un estudio seccional con las parejas/padres de los bebés. Las entrevistas se efectúan mediante llamada telefónica o enlace de autocumplimentación enviado vía WhatsApp a las puérperas a los 2 y 4 meses después del parto/aborto. El contacto con la pareja se hace a los tres meses del nacimiento (excluyendo abortos, mortinatos y muertes de recién nacidos), a través del teléfono facilitado por la puérpera en la sala de maternidad. Las entrevistas abordan, entre las puérperas, los síntomas de depresión, ansiedad y trastorno de estrés postraumático, maltrato durante la atención en la maternidad y la calidad del vínculo madre-bebé. También se investiga la presencia de morbilidad materna y neonatal, uso de servicios posnatales y satisfacción con la atención en la maternidad. Entre los padres, se aborda la ocurrencia de síntomas de depresión y ansiedad, y la calidad de la relación con la esposa/pareja y el bebé. La información recopilada en esta etapa de la investigación puede apoyar la planificación y mejora de la atención dirigida a la salud de la tríada madre-padre-hijo después del nacimiento.

Palabras-clave:
Deprésion Posparto; Trastornos por Estrés Postraumático; Salud Mental; Atención Posnatal

Introdução

A gravidez, o parto e o nascimento são momentos de grandes mudanças na vida das mães e dos pais. Particularmente no pós-parto, eles estão envolvidos com demandas e cuidados do recém-nascido, tendo que se ajustar à nova realidade 11. Bogdan I, Turliuc MN, Candel OS. Transition to parenthood and marital satisfaction: a meta-analysis. Front Psychol 2022; 13:901362.. As primeiras semanas pós-parto são um período importante e especial. Nesse momento, o serviço de saúde pode desempenhar um papel essencial, promovendo o cuidado da família com estímulo às boas práticas e detectando problemas que afetam as condições de saúde do recém-nascido e a saúde física e emocional de mães e pais.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) destaca que os esforços na atenção pós-natal devem ir além do aumento da cobertura e incluir a qualidade do cuidado como tema essencial, garantindo a oferta de atenção para mulheres, recém-nascidos, parceiros, pais, cuidadores e famílias, respeitando o contexto cultural. Isso inclui o fornecimento de práticas clínicas eficazes, informações relevantes e oportunas, bem como apoio psicossocial e emocional 22. World Health Organization. WHO recommendations on maternal and newborn care for a positive postnatal experience. Geneva: World Health Organization; 2022..

Em linha com as recomendações da OMS, no Brasil, o Ministério da Saúde recomenda a atenção pós-natal qualificada e humanizada, com ações que integrem promoção, prevenção e assistência à saúde. As recomendações incluem avaliação do estado de saúde da mulher e do recém-nascido; apoio à amamentação; identificação de situações de risco ou intercorrências; avaliação da interação da mãe com o recém-nascido; condições psicoemocionais maternas; e orientação sobre planejamento reprodutivo 33. Ministério da Saúde; Instituto Sírio-Libanês de Ensino e Pesquisa. Protocolos da atenção básica: saúde das mulheres. Brasília: Ministério da Saúde; 2016..

Entretanto, estudos que avaliam a qualidade do acompanhamento pós-natal no Brasil revelam, além da baixa cobertura de consultas até o 42º dia pós-parto, variando de 16,8% a 58%, que as atividades mais desenvolvidas pelos profissionais de saúde referem-se ao incentivo ao aleitamento materno e a orientações sobre anticoncepção 44. Baratieri T, Natal S. Postpartum program actions in primary health care: an integrative review. Ciênc Saúde Colet 2019; 24:4227-38.. Não obstante, ações importantes relativas à saúde física e emocional das mães foram pouco frequentes. Entre as adolescentes, o quadro é ainda mais preocupante, menos da metade das consultas puerperais foram classificadas como adequadas 44. Baratieri T, Natal S. Postpartum program actions in primary health care: an integrative review. Ciênc Saúde Colet 2019; 24:4227-38..

Domingues et al. 55. Domingues RMSM, Dias BAS, Bittencourt SDA, Dias MAB, Torres JA, Cunha EM, et al. Utilização de serviços de saúde ambulatoriais no pós-parto por puérperas e recém-nascidos: dados do estudo Nascer no Brasil. Cad Saúde Pública 2020; 36:e00119519., analisando os dados da pesquisa Nascer no Brasil I, realizada entre 2011 e 2012, observaram que o comparecimento à consulta de revisão do parto nos primeiros 15 dias pós-parto e à consulta de rotina do recém-nascido na primeira semana de vida foi insatisfatório, alcançando valores inferiores a 50%. A mesma pesquisa revelou que, na análise conjunta dos indicadores de uso efetivo dos serviços pós-natais nas unidades do sistema público de saúde, apenas 1,5% das mães e seus bebês receberam todos os cuidados de saúde recomendados 66. Bittencourt SDA, Cunha EM, Domingues RMSM, Dias BAS, Dias MAB, Torres JA, et al. Nascer no Brasil continuity of care during pregnancy and postpartum period for women and newborns. Rev Saúde Pública 2020; 54:100..

O pós-parto é um período em que se deve ter atenção aos riscos de morbidade e mortalidade materna, identificando intercorrências graves como hemorragias, infecções, distúrbios hipertensivos e diabetes mellitus, assim como complicações comuns como dificuldades na amamentação 77. Paladine HL, Blenning CE, Strangas Y. Postpartum care: an approach to the fourth trimester. Am Fam Physician 2019; 100:485-91.. Entre os neonatos, nos primeiros 28 dias de vida se observa maior taxa de mortalidade infantil e sua redução está relacionada com a identificação de morbidades graves e suas causas primárias, o que pode reduzir a mortalidade neonatal 88. Pereira TG, Rocha DMD, Fonseca VM, Moreira MEL, Gama SGN. Factors associated with neonatal near miss in Brazil. Rev Saúde Pública 2020; 54:123.. Ademais, esse é um período importante para realização de práticas preventivas, como vacinação e testes de triagem neonatal.

Nesse contexto, é fundamental identificarmos os obstáculos que possam estar contribuindo para a subutilização desses serviços. Além das barreiras socioeconômicas impostas no nosso país, um importante empecilho na utilização dos serviços de saúde pós-natais são os relatos de maus-tratos na atenção ao parto/abortamento no Brasil. É estimado que 44% das mulheres sofram pelo menos um ato de abuso físico, abuso psicológico, tratamento desrespeitoso, falta de privacidade, dificuldade para fazer perguntas sobre seu estado de saúde ou do recém-nascido e perda de autonomia. As experiências de abuso contribuem para a quebra de confiança no serviço de saúde, diminuindo a probabilidade de essa mulher e seu recém-nascido utilizarem esses serviços após o parto 99. Leite TH, Carvalho TDG, Marques ES, Pereira APE, Silva AAM, Nakamura-Pereira M, et al. The association between mistreatment of women during childbirth and postnatal maternal and child health care: findings from "Birth in Brazil". Women Birth 2022; 35:e28-40.. Além disso, a ocorrência de maus-tratos na atenção ao parto pode afetar a saúde mental das mulheres, aumentando o risco de desenvolvimento de depressão 1010. Leite TH, Pereira APE, Leal MC, Silva AAM. Disrespect and abuse towards women during childbirth and postpartum depression: findings from Birth in Brazil Study. J Affect Disord 2020; 273:391-401. e transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) no pós-parto 1111. Martinez-Vázquez S, Rodríguez-Almagro J, Hernández-Martínez A, Martínez-Galiano JM. Factors associated with postpartum post-traumatic stress disorder (PTSD) following obstetric violence: a cross-sectional study. J Pers Med 2021; 11:338..

A depressão pós-parto é a condição psicológica mais comum após o nascimento, com prevalência média global de 17% entre mulheres sem história prévia de depressão 1212. Wang Z, Liu J, Shuai H, Cai Z, Fu X, Liu Y, et al. Mapping global prevalence of depression among postpartum women. Transl Psychiatry 2021; 11:640.. No Brasil, a sintomatologia depressiva no pós-parto acomete mais de 25% das puérperas 1313. Theme Filha MM, Ayers S, Gama SG, Leal MC. Factors associated with postpartum depressive symptomatology in Brazil: the Birth in Brazil National Research Study, 2011/2012. J Affect Disord 2016; 194:159-67.. Além disso, há evidência crescente que as puérperas também estão em risco de desenvolver transtorno do estresse pós-traumático precipitado por experiências estressantes relacionadas com o parto 1414. Ayers S, Bond R, Bertullies S, Wijma K. The aetiology of post-traumatic stress following childbirth: a meta-analysis and theoretical framework. Psychol Med 2016; 46:1121-34.. Estima-se que 25% das mulheres apresentem sintomas de TEPT após dar à luz um bebê saudável a termo 1515. Dekel S, Thiel F, Dishy G, Ashenfarb AL. Is childbirth-induced PTSD associated with low maternal attachment? Arch Womens Ment Health 2019; 22:119-22.. A coocorrência de depressão e TEPT parece ser provocada pela experiência traumática do parto 1616. Dekel S, Ein-Dor T, Dishy GA, Mayopoulos PA. Beyond postpartum depression: posttraumatic stress-depressive response following childbirth. Arch Womens Ment Health 2020; 23:557-64..

Vale destacar que os estudos que avaliaram o acompanhamento pós-parto no Brasil não fazem referência a ações destinadas ao contexto da paternidade. Tornar-se pai dá ao homem uma nova identidade que vem acompanhada de mudanças nas suas prioridades. A paternidade no período perinatal pode ser complexa e exigir novas responsabilidades. Estudos revelam que há aumento potencial de estressores, com maior prevalência de transtornos emocionais como depressão e ansiedade 1717. Philpott LF, Leahy-Warren P, FitzGerald S, Savage E. Stress in fathers in the perinatal period: a systematic review. Midwifery 2017; (55):113-27.,1818. Gedzyk-Nieman SA. Postpartum and paternal postnatal depression: identification, risks, and resources. Nurs Clin North Am 2021; 56:325-43..

Adicionalmente, a coocorrência de depressão em mães e pais no pós-parto tem consequências em maior escala, porque o bem-estar e a saúde mental da mãe, do pai e do bebê estão intimamente relacionados. As complicações perinatais parentais podem interferir na relação pais-filhos, no estabelecimento do vínculo com o recém-nascido, no desenvolvimento emocional da criança, com maior risco de comportamento agressivo, problemas de atenção e comportamentos de externalização e internalização nos primeiros anos após o nascimento 1919. Volling BL, Yu T, Gonzalez R, Tengelitsch E, Stevenson MM. Maternal and paternal trajectories of depressive symptoms predict family risk and children's emotional and behavioral problems after the birth of a sibling. Dev Psychopathol 2019; 31:1307-24..

Assim, é recomendado que o acompanhamento pós-natal aborde a família de forma integral e efetiva, detectando precocemente situações que afetem seu bem-estar 22. World Health Organization. WHO recommendations on maternal and newborn care for a positive postnatal experience. Geneva: World Health Organization; 2022.,33. Ministério da Saúde; Instituto Sírio-Libanês de Ensino e Pesquisa. Protocolos da atenção básica: saúde das mulheres. Brasília: Ministério da Saúde; 2016.. Diante da complexidade do período pós-natal para mães e pais, este artigo tem como objetivo apresentar o protocolo das entrevistas de seguimento com as puérperas que participam da primeira etapa do Nascer no Brasil II: Pesquisa Nacional sobre Aborto, Parto e Nascimento (Nascer no Brasil II) e com seus companheiros, e estimar a prevalência de transtornos mentais maternos e paternos no pós-parto, dos maus-tratos e satisfação com a atenção ao parto/abortamento, as inter-relações entre eles e fatores socioeconômicos, obstétricos e da saúde da criança. As informações coletadas nessa etapa da pesquisa poderão subsidiar o planejamento e a melhoria do cuidado voltado para a saúde da tríade mãe-pai-filho após o nascimento.

Método

Linha de base do Nascer no Brasil II

A pesquisa Nascer no Brasil II utiliza uma amostra nacional e regionalmente representativa dos nascimentos hospitalares no Brasil, com coleta de dados no período de 2021 a 2023, incluindo 22.050 puérperas de parto e aproximadamente 2.205 mulheres internadas para assistência ao abortamento. O processo amostral probabilístico ocorreu em dois estágios, correspondendo às maternidades e puérperas, incluiu 465 maternidades estratificadas segundo macrorregião do país (Norte, Nordeste, Sudeste, Sul, Centro-oeste); tipo de hospital (público/misto/privado); localização (capital e municípios da região metropolitana/demais municípios); e número de nascidos vivos/ano (100-499 nascidos vivos/ano, ≥ 500 nascidos vivos/ano). A seleção das maternidades com 100-499 nascidos vivos/ano foi feita de forma sistemática, após classificação por estrato e número de nascidos vivos. As maternidades com 500 e mais nascidos vivos/ano foram selecionadas com probabilidade proporcional ao tamanho, de acordo com o número de nascidos vivos no hospital. Foi definida uma amostra fixa de 30 entrevistas nas maternidades com 100-499 nascidos vivos/ano e 50 entrevistas nas maternidades com 500 e mais nascidos vivos/ano. As puérperas foram incluídas sequencialmente, de acordo com data e hora do parto, até atingir a amostra de cada maternidade. Vale destacar que as maternidades com menos de 100 nascidos/ano contribuem com 2% de todos os nascimentos ocorridos no país, e a exclusão da amostra teve como objetivo obter a melhor relação custo-benefício sem comprometer a qualidade das estimativas.

As puérperas são entrevistadas face a face na maternidade, em média 6 horas após o nascimento/aborto, além de coleta de dados de prontuário, dos cartões de pré-natal e de resultados de exame de ultrassonografia. A entrevista na maternidade tem duração média de 40 minutos e aborda vários aspectos socioeconômicos, comportamentais, atenção pré-natal, admissão na maternidade, trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, além das circunstâncias do aborto e procedimentos realizados. São previstas duas entrevistas de seguimento com as mulheres após o parto/aborto e uma entrevista com os companheiros/pais dos bebês após o nascimento. Todos os questionários foram desenvolvidos especificamente para a pesquisa e os dados coletados inseridos na plataforma REDCap (https://www.redcap.fiocruz.br/redcap/). As entrevistas são feitas com o emprego de tablets e as respostas registradas em meio eletrônico e armazenadas no servidor da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Mais detalhes sobre o estudo Nascer no Brasil II encontram-se em Leal et al. 2020. Leal MC, Esteves-Pereira AP, Bittencourt SA, Domingues RMSM, Theme Filha MM, Leite TH, et al. Protocolo do Nascer no Brasil II: Pesquisa Nacional sobre Aborto, Parto e Nascimento. Cad Saúde Pública 2024; 40:e00036223..

Estudo da saúde materna, paterna e da criança no pós-parto

Este estudo tem dois componentes: coorte prospectiva com todas as puérperas entrevistadas na linha de base do Nascer no Brasil II, 2 e 4 meses após o parto/aborto, e estudo seccional com os companheiros/pais dos bebês três meses após o nascimento. O objetivo é investigar, na primeira entrevista de seguimento com as puérperas, prevalência de morbidade materna e neonatal, uso de serviços de saúde pós-natais, satisfação com o atendimento ao aborto, sintomas de depressão, ansiedade, TEPT relacionado ao parto e vínculo mãe-bebê. No segundo seguimento, investigam-se a ocorrência de maus-tratos na atenção ao parto/abortamento, satisfação com o atendimento ao parto, discriminação no dia a dia e aleitamento materno aos quatro meses. Com relação aos homens, estima-se a prevalência de sintomas de depressão, ansiedade e a qualidade do relacionamento com a companheira e com o bebê. Adicionalmente será testada a inter-relação entre diversos desfechos maternos, neonatais e paternos e sua associação com as variáveis socioeconômicas, planejamento da gravidez, acompanhamento pré-natal, história obstétrica e atenção ao parto e nascimento, obtidas na entrevista na maternidade, e condições de saúde do bebê após a alta da maternidade.

Critérios de inclusão

Todas as mulheres entrevistadas na maternidade, que autorizaram contato posterior, são elegíveis para participar do seguimento, 2 e 4 meses após o parto/aborto. Na pesquisa com os companheiros/pais dos bebês, três meses após o nascimento, são elegíveis aqueles que tiveram o telefone de contato fornecido pela puérpera e cujos bebês estão vivos no momento da entrevista (excluídos os abortos, natimortos e neomortos).

Critérios de exclusão

É considerado inelegível o homem que refere não ser mais o companheiro da mulher no momento da entrevista.

Estratégias de contato

Na maternidade, a mulher fornece várias formas para contato, incluindo telefone residencial e móvel (dela, do companheiro e de outros parentes), e-mail e mídias sociais (Instagram e Facebook), visando ampliar a possibilidade de contatos futuros. O convite para participação na pesquisa foi realizado por telefone ou aplicativo de troca de mensagem, em dias e horários distintos, no período das 9:00 às 20:00, inclusive nos finais de semana. O estudo prevê, no mínimo, cinco tentativas de contato. A primeira entrevista de seguimento tem duração média de 25 minutos, o segundo seguimento de 15 minutos e a entrevista com os homens, 15 minutos. Elas são realizadas por meio de ligação telefônica, que pode ser agendada, ou enviadas por link de autopreenchimento por WhatsApp, na impossibilidade de entrevista por telefone por falta de tempo ou outros motivos. Caso haja interrupção da entrevista por alguma razão, novo contato é realizado para sua finalização. Caso não seja possível o contato por telefone, mensagens de WhatsApp são enviadas com o link para preenchimento. Esse aplicativo também é utilizado para realizar ligações, enviar mensagens com dados dos agendamentos e informações sobre as mídias sociais da pesquisa (Figura 1).

Figura 1
Fluxograma das entrevistas com as puérperas e os companheiros/pais dos bebês. Pesquisa Nascer no Brasil II, 2021-2023.

Equipe de trabalho de campo

Na entrevista telefônica com as mulheres, a equipe é formada por entrevistadoras do sexo feminino, estudantes de graduação ou profissionais da área da saúde. Com relação aos homens, é composta por entrevistadores de ambos os sexos, de diversas áreas de formação, com no mínimo nível médio completo. Todos os entrevistadores recebem treinamento para utilização da plataforma REDCap, são orientados em relação à forma de abordagem e condução das entrevistas e sobre como lidar com situações que possam causar desconforto, tais como relatos de estresse emocional e, no caso dos homens, questões que abordam comportamento e atitudes com a esposa/companheira.

Questionário do primeiro seguimento com a mulher

O questionário está dividido em oito blocos: (1) morbidade materna após a alta da maternidade; (2) utilização de serviço de saúde ambulatorial; (3) saúde do bebê; (4) satisfação com o atendimento ao aborto; (5) estresse pós-traumático; (6) vínculo mãe-bebê; (7) depressão pós-parto; e (8) ansiedade.

No bloco 1, é abordada a situação de saúde da mulher após a alta da maternidade, investigando presença/persistência de sintomas de COVID-19 (cansaço extremo, falta de ar, perda de olfato e paladar, limitação das atividades, entre outros); reinternação após a alta da maternidade (motivo, local e duração da reinternação); e morbidade materna grave (internação em unidade de terapia intensiva - UTI, uso de ventilação mecânica, transfusão de sangue e histerectomia). O bloco 2 é composto por perguntas sobre consulta puerperal realizada entre 7 e 10 dias após a alta, incluindo orientação sobre aleitamento e contracepção, uso de método contraceptivo e qual método. O bloco 3 contém perguntas sobre a saúde do bebê, incluindo internação após a alta da maternidade (motivo, local e duração da internação), realização da consulta de puericultura na primeira semana de vida, aleitamento exclusivo e complementar, dificuldade para amamentar, aplicação das vacinas BCG e hepatite B e testes do pezinho e da orelhinha. O bloco 4, aplicado somente para as puérperas de aborto, é composto pelo instrumento QualiAborto-Pt 2121. Aquino EML, Reichenheim M, Menezes GMS, Araújo TVB, Alves MTSSB, Alves SV, et al. Avaliação da qualidade da atenção ao aborto na perspectiva das usuárias: estrutura dimensional do instrumento QualiAborto-Pt. Cad Saúde Pública 2020; 36 Suppl 1:e00197718., que visa aferir a qualidade da assistência recebida na maternidade na perspectiva das mulheres. O QualiAborto-Pt tem 17 itens distribuídos em cinco fatores: acolhimento, orientação, insumos/ambiente físico, qualidade técnica e continuidade do cuidado.

Os blocos 5, 6, 7 e 8 abordam, especificamente, a saúde mental no período perinatal e são aplicados a todas as mulheres, exceto o bloco 6, que trata do vínculo mãe-bebê e, portanto, não se aplica às puérperas de aborto.

No bloco 5, é aplicada a City Birth Trauma Scale (Escala Municipal de Trauma de Nascimento) para avaliar sintomas de TEPT associado ao parto. Esse instrumento contém 22 itens que aferem as dimensões intrusão, evitação e alteração de humor e foi desenvolvido por Ayers et al. 2222. Ayers S, Wright DB, Thornton A. Development of a measure of postpartum PTSD: the City Birth Trauma Scale. Front Psychiatry 2018; 9:409. e validado para o Brasil por Donadon et al. 2323. Donadon MF, Darwin ACR, Bombonatti EA, Pereira-Lima K, Santos RG, Machado-de-Sousa JP, et al. Cross-cultural adaptation of the City Birth Trauma Scale for the Brazilian context. Arch Clin Psychiatry 2020; 47:110-18..

O bloco 6 é composto pelo Postpartum Bonding Questionnaire (PBQ, Questionário de Vínculo pós-parto) 2424. Brockington IF, Oates J, George S, Turner D, Vostanis P, Sullivan M. A screening questionnaire for mother-infant bonding disorders. Arch Womens Ment Health 2001; 3:133-40.. Essa ferramenta visa aferir a qualidade do vínculo entre a mãe e o bebê no pós-parto e é composta de 25 itens distribuídos em quatro fatores: problemas de vínculo (F1), rejeição e raiva patológica (F2), ansiedade (F3) e abuso incipiente (F4). A versão da PBQ que será utilizada no Nascer no Brasil II foi desenvolvida e validada por Baldisserotto et al. 2525. Baldisserotto ML, Theme-Filha MM, Griep RH, Oates J, Renó Junior J, Cavalsan JP. Transcultural adaptation to the Brazilian Portuguese of the Postpartum Bonding Questionnaire for assessing the postpartum bond between mother and baby. Cad Saúde Pública 2018; 34:e00170717..

No bloco 7, é aplicada a Edinburgh Postnatal Depression Scale (EPDS, Escala de Depressão Pós-natal de Edimburgo) 2626. Cox JL, Holden JM, Sagovsky R. Detection of postnatal depression. Development of the 10-item Edinburgh Postnatal Depression Scale. Br J Psychiatry 1987; 150:782-6., contendo 10 itens que avaliam sintomatologia depressiva perinatal. A escala foi validada para uso por entrevista telefônica no Brasil 2727. Figueiredo FP, Parada AP, Cardoso VC, Batista RFL, Silva AAM, Barbieri MA, et al. Postpartum depression screnning by telefone: a good alternative for public health and research. Arch. Womens Ment Health 2015; 18:547-53. e o ponto de corte ≥ 10 é indicativo de possível depressão pós-parto.

O bloco 8 consiste na avaliação de sintomas de ansiedade por meio da escala Generalized Anxiety Disorder (GAD 7, Transtorno de Ansiedade Generalizada), traduzida para o português brasileiro e disponível para uso gratuitamente no site: https://www.ph.qscreeners.com/sites/g/files/g10049256/f/201412/PHQ9_Portuguese%20for%20Portugal.pdf. A escala é composta de sete itens que aferem a gravidade de transtorno de ansiedade. O ponto de corte ≥ 10 é sugestivo da presença de sintomas de ansiedade de intensidade moderada/severa 2828. Moreno AL, De Sousa DA, De Souza AMFLP, Manfro GG, Salum GA, Koller SH, et al. Factor structure, reliability, and item parameters of the Brazilian-Portuguese version of the GAD-7 questionnaire. Temas Psicol 2016; 24:367-76..

Questionário do segundo seguimento com a mulher

O questionário apresenta cinco blocos temáticos: (1) sintomas de COVID-19 longa; (2) amamentação aos quatro meses; (3) maus-tratos na atenção ao parto/aborto; (4) satisfação com o atendimento recebido na maternidade; e (5) discriminação no dia a dia.

O bloco 1 é aplicado somente às mulheres que referiram COVID-19 na gestação e engloba perguntas sobre persistência dos sintomas, necessidade de assistência médica, gravidade e limitações decorrentes da doença. Esse bloco contém as mesmas perguntas do primeiro seguimento.

O bloco 2 inclui as questões sobre aleitamento materno do primeiro seguimento e é respondido somente pelas mulheres cujos bebês estejam vivos no momento da entrevista. Elas respondem a quatro perguntas que avaliam a prevalência de amamentação exclusiva e complementada.

O bloco 3 é composto por 40 perguntas sobre maus-tratos sofridos pela mulher durante a atenção ao parto/aborto do questionário elaborado por Bohren et al. 2929. Bohren MA, Vogel JP, Fawole B, Maya ET, Maung TM, Baldé MD, et al. Methodological development of tools to measure how women are treated during facility-based childbirth in four countries: labor observation and community survey. BMC Med Res Methodol 2018; 18:132.. Essas perguntas avaliam violência física, violência verbal, negligência, toques vaginais inadequados, estigma e discriminação.

O bloco 4 refere-se à satisfação das mulheres com o atendimento recebido durante a internação, avaliada por meio da Escala de Satisfação com a Assistência Hospitalar no Parto3030. Costa DDO, Ribeiro VS, Ribeiro MRC, Esteves-Pereira AP, Sá LGC, Cruz JAS, et al. Psychometric properties of the hospital birth satisfaction scale: Birth in Brazil survey. Cad Saúde Pública 2019; 35:e00154918.. Esse instrumento é composto por 13 itens e é aplicado apenas às puérperas de parto.

No bloco 5, a discriminação no dia a dia é avaliada mediante uma versão adaptada do questionário Everyday Discrimination Scale (Escala de Discriminação Diária). Ele inclui 11 questões, sendo 10 sobre vivências de diferentes situações discriminatórias e uma sobre as razões que a mulher identifica para a ocorrência da discriminação 3131. Krieger N, Smith K, Naishadham D, Hartman C, Barbeau EM. Experiences of discrimination: validity and reliability of a self-report measure for population health research on racism and health. Soc Sci Med 2005; 61:1576-96..

Questionário com os companheiros/pais dos bebês

O questionário contempla os seguintes conjuntos de variáveis: sociodemográficas (local de residência, idade, escolaridade, raça/cor, situação conjugal, trabalho remunerado, ocupação); hábitos (tabagismo, consumo de bebidas alcoólicas); saúde geral (autoavaliação da saúde, problemas emocionais e tratamento atual); participação no planejamento da gestação, no acompanhamento pré-natal e na maternidade; relacionamento com a companheira aferido pelo instrumento Paternal Adjustment and Paternal Attitudes Questionnaire (PAPA pós-parto, Questionário de Ajustamento Paterno e Atitudes Paternas); ansiedade, medida pelo State-Trait Anxiety Inventory (STAI, O Inventário de Ansiedade Traço-Estado); e sintomas de depressão aferidos pela escala EPDS.

O PAPA pós-parto é um instrumento multidimensional sobre o ajustamento e as atitudes paternas no pós-parto. Compreende 30 itens e três subescalas que avaliam o relacionamento com a companheira (sexual e conjugal) e suas atitudes paternais. É uma adaptação do Maternal Adjustment and Maternal Attitudes Questionnaire (MAMA, Questionário de Ajustamento Materno e Atitudes Maternas) 3232. Kumar R, Robson KM, Smith AM. Development of a self-administered questionnaire to measure maternal adjustment and maternal attitudes during pregnancy and after delivery. J Psychosom Res 1984; 28:43-51..

O STAI foi desenvolvido por Spielberger et al. 3333. Spielberger CD, Gorsuch RC, Lushene RE. Manual for the State Trait Anxiety Inventory. Palo Alto: Consulting Psychologists Press; 1970.. A versão original contém 20 perguntas e duas escalas: ansiedade-estado (STAI-S) e ansiedade-traço (STAI-T). Neste estudo, é utilizada a versão reduzida, validada no Brasil, composta por seis perguntas que compõem a STAI-S 3434. Fioravanti-Bastos ACM, Cheniaux E, Landeira-Fernandez J. Development and validation of a short-form version of the Brazilian state-trait anxiety inventory. Psicol Reflex Crit 2011; 24:485-94..

Para aferição de sintomas de depressão, é utilizada a EPDS validada no Brasil para uso em entrevista telefônica entre puérperas 2727. Figueiredo FP, Parada AP, Cardoso VC, Batista RFL, Silva AAM, Barbieri MA, et al. Postpartum depression screnning by telefone: a good alternative for public health and research. Arch. Womens Ment Health 2015; 18:547-53.. Entretanto, revisão sistemática de estudos sobre depressão paterna no pós-parto que usaram a EPDS revela que a escala tem acurácia aceitável para detectar sintomas de depressão pós-parto paterna 3535. Shafian AK, Mohamed S, Nasution Raduan NJ, Hway Ann AY. A systematic review and meta-analysis of studies validating Edinburgh Postnatal Depression Scale in fathers. Heliyon 2022; 8:e09441..

Estratégias para reduzir a taxa de não resposta

Para evitar perdas de seguimento, reduzir as recusas e aumentar a taxa de resposta, algumas estratégias são adotadas. Além das diferentes formas de contato, periodicamente são publicadas no site oficial e nas redes sociais do projeto (Instagram e Facebook) postagens sobre a importância da pesquisa, lembretes sobre os contatos telefônicos e informações a respeito de como identificar possíveis fraudes. Os endereços eletrônicos das redes sociais são informados no imã de geladeira fornecido à puérpera ao final da entrevista hospitalar.

No caso dos homens, como se dispõe apenas do telefone fornecido pela mulher, foram desenvolvidos materiais de divulgação sob a forma de cards, enviados por WhatsApp, com convite à participação e indicação das redes sociais da pesquisa, em que poderiam obter várias informações sobre o estudo e temas relacionados à saúde paterna.

Reconhecendo que o aumento do número de contatos reduz a taxa de não resposta, novos esforços são empreendidos com aqueles que não responderam às tentativas iniciais de contato. Assim, novas tentativas de contato são realizadas 15 dias após a data prevista para a entrevista.

Considera-se perda de seguimento quando não for possível contato com a mulher ou companheiro por nenhum meio. Classifica-se como recusa quando eles expressam, claramente, que não desejam participar da pesquisa. Nesse caso, não há novas tentativas de contato.

Controle de qualidade das entrevistas

São utilizadas várias estratégias para o controle de qualidade: (1) treinamento padronizado da equipe de entrevistadores pela coordenação do estudo, com descrição da pesquisa e seus objetivos, exposição da logística, leitura dos questionários e manuais de instrução, além de dinâmicas demonstrando como deverá ser feita a aplicação dos questionários; (2) questionário inserido na plataforma REDCap com crítica de entrada de dados, evitando respostas implausíveis; (3) acompanhamento do trabalho de campo, com revisão dos questionários e identificação de incompletude. Ao identificar questionário incompleto, a entrevistadora ou o entrevistador responsável deve entrar em contato com os participantes para completar o preenchimento; (4) inclusão de algumas questões da entrevista hospitalar nos questionários dos homens e no seguimento das mulheres, permitindo avaliar a concordância entre as informações, inclusive no preenchimento por link, visando identificar possíveis fraudes por parte do entrevistador. Em caso de suspeita de fraude, novo contato é realizado pela coordenação da pesquisa para confirmação dos dados; (5) nova entrevista com algumas perguntas em uma amostra aleatória para confirmar se a primeira entrevista foi realizada; e (6) cálculo do tempo de entrevista, por meio do registro da hora inicial e hora final. Essa estratégia permite identificar possíveis fraudes nas entrevistas realizadas por telefone, mas não se aplica aos questionários autopreenchidos, que podem demorar algumas horas ou dias para serem completados, de acordo com a disponibilidade do participante.

Análise de dados

O relacionamento dos dados de linha de base do Nascer no Brasil II (entrevista na maternidade) com o seguimento das mulheres e as entrevistas com os pais permitirá análises longitudinais e seccionais. A análise descritiva dos dados será realizada por meio de médias e desvio-padrão para variáveis quantitativas e frequência e porcentagem para variáveis categóricas. Serão estimados medidas de risco e de prevalência e os respectivos intervalos de confiança, por meio de análises univariadas, estratificadas e em modelos múltiplos. Para responder às várias questões de pesquisa, serão utilizados modelos contendo diferentes variáveis dependentes e independentes. Diversas possibilidades de análises estatísticas poderão ser realizadas, seja por meio de modelos lineares generalizados ou escore de propensão. Todos os modelos serão ajustados para potenciais confundidores. Para o estudo de relações de causalidade, serão elaborados gráficos acíclicos dirigidos (DAG) a partir do conhecimento a priori. Para o estudo das variáveis de saúde mental (ansiedade, depressão, TEPT), da relação entre elas, possíveis variáveis mediadoras e os desfechos de interesse, serão utilizados modelos de equações estruturais (MEE). As análises também levarão em consideração, separadamente, as entrevistas por telefone e via link de autopreenchimento, identificando possíveis vieses associados à forma de aplicação da entrevista. As análises estatísticas serão realizadas usando os softwares SPSS 26 (https://www.ibm.com/), R3.5.1 (http://www.r-project.org) e Mplus 8 (https://www.statmodel.com/).

O Nascer no Brasil II utiliza uma amostra complexa e todas as análises deverão considerar os pesos amostrais dos participantes de cada etapa da pesquisa. Para correção de não resposta, algumas possibilidades poderão ser utilizadas: (1) imputar de forma probabilística os dados dos não respondentes; (2) modelar a probabilidade de resposta como uma função das variáveis obtidas na pesquisa de base e usá-la para derivar ajustes de peso.

Aspectos éticos

A pesquisa Nascer no Brasil II foi aprovada pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep; parecer nº 3.909.299, em 11 de março de 2020). A pesquisa com os companheiros/pais dos bebês foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz) e aprovada em 30 de novembro de 2021 (parecer nº 5.136.883). O termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) é aplicado à puérpera na maternidade, quando também é solicitada a autorização para o contato dois e quatro meses após o parto. Com relação aos homens, o TCLE é lido no momento da entrevista telefônica e enviado em formato PDF por WhatsApp. Embora a pesquisa envolva algum grau de risco, como vazamento de dados, constrangimentos e mobilização emocional pelo conteúdo das perguntas, foram estabelecidas estratégias para minimizar os danos. Quanto ao risco de vazamento de dados, será mantido o sigilo utilizando-se códigos numéricos para identificação dos entrevistados. Em caso de constrangimento ou mobilização emocional pelo conteúdo das perguntas, os participantes poderão não responder aquelas consideradas mais sensíveis, sem que isso cause qualquer prejuízo em relação à participação na pesquisa. Se for identificado algum problema emocional (ansiedade, depressão, TEPT), o sistema de coleta de dados informa a pontuação obtida após a aplicação das escalas e, caso o participante concorde, receberá uma lista de locais onde poderá procurar atendimento de saúde mental perinatal em cada cidade participante da pesquisa, além de sites e linhas de ajuda para contato, inclusive para suporte imediato com o Centro de Valorização da Vida (CVV, telefone 188), que está disponível 24 horas por dia, sete dias por semana. Os entrevistados avisam a coordenação da pesquisa, que entra em contato com o entrevistado, fornece as orientações necessárias e aciona atendimento especializado de urgência.

Discussão

No Brasil, nas últimas décadas, houve notáveis avanços na atenção materno-infantil, com melhoria nos indicadores de saúde, como acesso ao pré-natal, incentivo ao aleitamento materno, cobertura vacinal e redução da mortalidade durante o primeiro ano de vida. No entanto, há espaço para mais progressos nos resultados maternos e infantis, sobretudo em relação ao comparecimento às consultas pós-natais, ainda com baixa cobertura e diversas barreiras 55. Domingues RMSM, Dias BAS, Bittencourt SDA, Dias MAB, Torres JA, Cunha EM, et al. Utilização de serviços de saúde ambulatoriais no pós-parto por puérperas e recém-nascidos: dados do estudo Nascer no Brasil. Cad Saúde Pública 2020; 36:e00119519.. Adicionalmente, as consultas pós-natais não devem restringir seu foco apenas às questões biológicas da mãe e do bebê, mas levar em conta outros aspectos da vida das mães e dos pais, como as questões emocionais que envolvem o nascimento de um filho.

Globalmente, há uma mudança na agenda de saúde da mulher e da criança de um foco exclusivo na sobrevivência para a inclusão de fatores de prosperidade e transformação. Essa mudança está alinhada com o terceiro Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) - garantir vidas saudáveis e promover o bem-estar para todos em todas as idades (https://www.undp.org/sustainable-development-goals#good-health) - e com a nova estratégia global para a saúde da mulher, da criança e do adolescente 3636. World Heal Organization; Joint United Nations Programme on HIV/AIDS; United Nations Population Fund; United Nations Children's Fund; UN Women; The World Bank Group. Survive, thrive, transform. Global strategy for women's, children's and adolescents' health: 2018 report on progress towards 2030 targets. Geneva: World Health Organization; 2018.. Da mesma forma, o manual da OMS, WHO Recommendations: Intrapartum Care for a Positive Childbirth Experience3737. World Health Organization. WHO recommendations: intrapartum care for a positive childbirth experience. Geneva: World Health Organization; 2018., preconiza não só as recomendações técnicas para prevenir a morbimortalidade da mulher e do recém-nascido, mas também engloba uma filosofia centrada na pessoa, que inclui otimizar a saúde e o bem-estar da mulher. Nessa nova concepção, não basta sobreviver ao parto/nascimento, é importante ter um pleno bem-estar, social, físico e mental para que a mulher e seu bebê possam alcançar sua máxima potencialidade na vida.

A transição para a parentalidade é um evento importante da vida que leva homens e mulheres a se adaptar a uma ampla gama de mudanças biológicas, psicológicas e socioculturais. É uma experiência transformadora que impacta a saúde mental de ambos e aumenta a prevalência de depressão, ansiedade e outros transtornos mentais. Além disso, estudos relatam que a qualidade do relacionamento conjugal está negativamente associada aos sintomas depressivos em homens e mulheres e positivamente relacionada ao envolvimento dos homens com a gravidez e a interação pai-bebê durante o período pós-parto 3838. Faisal-Cury A, Tabb K, Matijasevich A. Partner relationship quality predicts later postpartum depression independently of the chronicity of depressive symptoms. Braz J Psychiatry 2021; 43:12-21.,3939. Pinto TM, Samorinha C, Tendais I, Figueiredo B. Depression and paternal adjustment and attitudes during the transition to parenthood. J Reprod Infant Psychol 2020; 38:281-96.. Países como Reino Unido 4040. National Institute for Health and Care Excellence. Antenatal and postnatal mental health: clinical management and service guidance. http://www.nice.org.uk/guidance/cg192 (accessed on 18/Jan/2023).
http://www.nice.org.uk/guidance/cg192...
e Austrália 4141. Austin MP, Middleton P, Reilly NM, Highet NJ. Detection and management of mood disorders in the maternity setting: the Australian Clinical Practice Guidelines. Women Birth 2013; 26:2-9. já adotaram, rotineiramente, a investigação da depressão perinatal na atenção primária como local prioritário de investigação, tratamento e acompanhamento, de acordo com protocolos bem estabelecidos.

Neste estudo, será estimada a prevalência de diversos indicadores de saúde da mãe e da criança após o nascimento, que permitirá estabelecer comparações com a pesquisa Nascer no Brasil I. Além disso, novos temas - como saúde paterna, maus-tratos na atenção ao parto e outras características que configuram vulnerabilidade da mulher - foram incluídos, permitindo análises mais detalhadas e inter-relação entre indicadores. A pesquisa inclui também mulheres em situação de abortamento, o que possibilita estimar sua prevalência com abrangência nacional, algo inédito no Brasil até este momento. Ainda, pretendemos avaliar as relações entre vários fatores biológicos, comportamentais e psicológicos e o bem-estar materno, paterno e infantil a partir de informações do pré-natal até o pós-parto. Dada a ampla gama de informações coletadas, este estudo permitirá traçar um perfil abrangente da saúde dos novos pais e mães. Acredita-se que os resultados têm o potencial de melhorar a prática clínica e os esforços de prevenção em saúde pública.

Apesar do rigor metodológico proposto nesta pesquisa, algumas possíveis limitações do estudo são aquelas inerentes às pesquisas realizadas por telefone ou online. Essas limitações incluem o não atendimento às chamadas, números de telefones incorretos ou inexistentes, recusa em fornecer informações por telefone ou acessar links enviados por aplicativos de mensagem. Porém, como destacado anteriormente, diversas estratégias serão adotadas para reduzir as perdas. Outro aspecto a ser considerado é a exclusão das maternidades com menos de 100 partos/ano. Entretanto, essas instituições representam apenas 2% dos nascimentos ocorridos no país, com probabilidade muito pequena de introdução de viés nas estimativas.

Vale destacar alguns pontos fortes deste estudo. Primeiramente, trata-se de pesquisa única no Brasil, pois pela primeira vez será realizada uma grande investigação com delineamento de coorte prospectiva, representatividade nacional e abordagem multifatorial do bem-estar perinatal, combinada com medições durante parto e pós-parto. Outro ponto forte do estudo é o tamanho da amostra (24.050 puérperas, seus filhos e companheiros), que permitirá observar possíveis relações entre determinantes psicológicos, fisiológicos e obstétricos. Adicionalmente, o tamanho da amostra possibilitará validar vários instrumentos e usar as versões validadas para responder às questões de pesquisa.

Conclusão

Este estudo fornecerá evidências sobre os transtornos mentais maternos e paternos no pós-parto e a inter-relação entre saúde mental perinatal, fatores sociodemográficos, obstétricos e a atenção ofertada no parto e pós-parto, além de contribuir para melhor compreensão da ocorrência desses transtornos e seus determinantes no Brasil.

Agradecimentos

Ao Fundo Newton no Brasil pelo financiamento.

Referências

  • 1
    Bogdan I, Turliuc MN, Candel OS. Transition to parenthood and marital satisfaction: a meta-analysis. Front Psychol 2022; 13:901362.
  • 2
    World Health Organization. WHO recommendations on maternal and newborn care for a positive postnatal experience. Geneva: World Health Organization; 2022.
  • 3
    Ministério da Saúde; Instituto Sírio-Libanês de Ensino e Pesquisa. Protocolos da atenção básica: saúde das mulheres. Brasília: Ministério da Saúde; 2016.
  • 4
    Baratieri T, Natal S. Postpartum program actions in primary health care: an integrative review. Ciênc Saúde Colet 2019; 24:4227-38.
  • 5
    Domingues RMSM, Dias BAS, Bittencourt SDA, Dias MAB, Torres JA, Cunha EM, et al. Utilização de serviços de saúde ambulatoriais no pós-parto por puérperas e recém-nascidos: dados do estudo Nascer no Brasil. Cad Saúde Pública 2020; 36:e00119519.
  • 6
    Bittencourt SDA, Cunha EM, Domingues RMSM, Dias BAS, Dias MAB, Torres JA, et al. Nascer no Brasil continuity of care during pregnancy and postpartum period for women and newborns. Rev Saúde Pública 2020; 54:100.
  • 7
    Paladine HL, Blenning CE, Strangas Y. Postpartum care: an approach to the fourth trimester. Am Fam Physician 2019; 100:485-91.
  • 8
    Pereira TG, Rocha DMD, Fonseca VM, Moreira MEL, Gama SGN. Factors associated with neonatal near miss in Brazil. Rev Saúde Pública 2020; 54:123.
  • 9
    Leite TH, Carvalho TDG, Marques ES, Pereira APE, Silva AAM, Nakamura-Pereira M, et al. The association between mistreatment of women during childbirth and postnatal maternal and child health care: findings from "Birth in Brazil". Women Birth 2022; 35:e28-40.
  • 10
    Leite TH, Pereira APE, Leal MC, Silva AAM. Disrespect and abuse towards women during childbirth and postpartum depression: findings from Birth in Brazil Study. J Affect Disord 2020; 273:391-401.
  • 11
    Martinez-Vázquez S, Rodríguez-Almagro J, Hernández-Martínez A, Martínez-Galiano JM. Factors associated with postpartum post-traumatic stress disorder (PTSD) following obstetric violence: a cross-sectional study. J Pers Med 2021; 11:338.
  • 12
    Wang Z, Liu J, Shuai H, Cai Z, Fu X, Liu Y, et al. Mapping global prevalence of depression among postpartum women. Transl Psychiatry 2021; 11:640.
  • 13
    Theme Filha MM, Ayers S, Gama SG, Leal MC. Factors associated with postpartum depressive symptomatology in Brazil: the Birth in Brazil National Research Study, 2011/2012. J Affect Disord 2016; 194:159-67.
  • 14
    Ayers S, Bond R, Bertullies S, Wijma K. The aetiology of post-traumatic stress following childbirth: a meta-analysis and theoretical framework. Psychol Med 2016; 46:1121-34.
  • 15
    Dekel S, Thiel F, Dishy G, Ashenfarb AL. Is childbirth-induced PTSD associated with low maternal attachment? Arch Womens Ment Health 2019; 22:119-22.
  • 16
    Dekel S, Ein-Dor T, Dishy GA, Mayopoulos PA. Beyond postpartum depression: posttraumatic stress-depressive response following childbirth. Arch Womens Ment Health 2020; 23:557-64.
  • 17
    Philpott LF, Leahy-Warren P, FitzGerald S, Savage E. Stress in fathers in the perinatal period: a systematic review. Midwifery 2017; (55):113-27.
  • 18
    Gedzyk-Nieman SA. Postpartum and paternal postnatal depression: identification, risks, and resources. Nurs Clin North Am 2021; 56:325-43.
  • 19
    Volling BL, Yu T, Gonzalez R, Tengelitsch E, Stevenson MM. Maternal and paternal trajectories of depressive symptoms predict family risk and children's emotional and behavioral problems after the birth of a sibling. Dev Psychopathol 2019; 31:1307-24.
  • 20
    Leal MC, Esteves-Pereira AP, Bittencourt SA, Domingues RMSM, Theme Filha MM, Leite TH, et al. Protocolo do Nascer no Brasil II: Pesquisa Nacional sobre Aborto, Parto e Nascimento. Cad Saúde Pública 2024; 40:e00036223.
  • 21
    Aquino EML, Reichenheim M, Menezes GMS, Araújo TVB, Alves MTSSB, Alves SV, et al. Avaliação da qualidade da atenção ao aborto na perspectiva das usuárias: estrutura dimensional do instrumento QualiAborto-Pt. Cad Saúde Pública 2020; 36 Suppl 1:e00197718.
  • 22
    Ayers S, Wright DB, Thornton A. Development of a measure of postpartum PTSD: the City Birth Trauma Scale. Front Psychiatry 2018; 9:409.
  • 23
    Donadon MF, Darwin ACR, Bombonatti EA, Pereira-Lima K, Santos RG, Machado-de-Sousa JP, et al. Cross-cultural adaptation of the City Birth Trauma Scale for the Brazilian context. Arch Clin Psychiatry 2020; 47:110-18.
  • 24
    Brockington IF, Oates J, George S, Turner D, Vostanis P, Sullivan M. A screening questionnaire for mother-infant bonding disorders. Arch Womens Ment Health 2001; 3:133-40.
  • 25
    Baldisserotto ML, Theme-Filha MM, Griep RH, Oates J, Renó Junior J, Cavalsan JP. Transcultural adaptation to the Brazilian Portuguese of the Postpartum Bonding Questionnaire for assessing the postpartum bond between mother and baby. Cad Saúde Pública 2018; 34:e00170717.
  • 26
    Cox JL, Holden JM, Sagovsky R. Detection of postnatal depression. Development of the 10-item Edinburgh Postnatal Depression Scale. Br J Psychiatry 1987; 150:782-6.
  • 27
    Figueiredo FP, Parada AP, Cardoso VC, Batista RFL, Silva AAM, Barbieri MA, et al. Postpartum depression screnning by telefone: a good alternative for public health and research. Arch. Womens Ment Health 2015; 18:547-53.
  • 28
    Moreno AL, De Sousa DA, De Souza AMFLP, Manfro GG, Salum GA, Koller SH, et al. Factor structure, reliability, and item parameters of the Brazilian-Portuguese version of the GAD-7 questionnaire. Temas Psicol 2016; 24:367-76.
  • 29
    Bohren MA, Vogel JP, Fawole B, Maya ET, Maung TM, Baldé MD, et al. Methodological development of tools to measure how women are treated during facility-based childbirth in four countries: labor observation and community survey. BMC Med Res Methodol 2018; 18:132.
  • 30
    Costa DDO, Ribeiro VS, Ribeiro MRC, Esteves-Pereira AP, Sá LGC, Cruz JAS, et al. Psychometric properties of the hospital birth satisfaction scale: Birth in Brazil survey. Cad Saúde Pública 2019; 35:e00154918.
  • 31
    Krieger N, Smith K, Naishadham D, Hartman C, Barbeau EM. Experiences of discrimination: validity and reliability of a self-report measure for population health research on racism and health. Soc Sci Med 2005; 61:1576-96.
  • 32
    Kumar R, Robson KM, Smith AM. Development of a self-administered questionnaire to measure maternal adjustment and maternal attitudes during pregnancy and after delivery. J Psychosom Res 1984; 28:43-51.
  • 33
    Spielberger CD, Gorsuch RC, Lushene RE. Manual for the State Trait Anxiety Inventory. Palo Alto: Consulting Psychologists Press; 1970.
  • 34
    Fioravanti-Bastos ACM, Cheniaux E, Landeira-Fernandez J. Development and validation of a short-form version of the Brazilian state-trait anxiety inventory. Psicol Reflex Crit 2011; 24:485-94.
  • 35
    Shafian AK, Mohamed S, Nasution Raduan NJ, Hway Ann AY. A systematic review and meta-analysis of studies validating Edinburgh Postnatal Depression Scale in fathers. Heliyon 2022; 8:e09441.
  • 36
    World Heal Organization; Joint United Nations Programme on HIV/AIDS; United Nations Population Fund; United Nations Children's Fund; UN Women; The World Bank Group. Survive, thrive, transform. Global strategy for women's, children's and adolescents' health: 2018 report on progress towards 2030 targets. Geneva: World Health Organization; 2018.
  • 37
    World Health Organization. WHO recommendations: intrapartum care for a positive childbirth experience. Geneva: World Health Organization; 2018.
  • 38
    Faisal-Cury A, Tabb K, Matijasevich A. Partner relationship quality predicts later postpartum depression independently of the chronicity of depressive symptoms. Braz J Psychiatry 2021; 43:12-21.
  • 39
    Pinto TM, Samorinha C, Tendais I, Figueiredo B. Depression and paternal adjustment and attitudes during the transition to parenthood. J Reprod Infant Psychol 2020; 38:281-96.
  • 40
    National Institute for Health and Care Excellence. Antenatal and postnatal mental health: clinical management and service guidance. http://www.nice.org.uk/guidance/cg192 (accessed on 18/Jan/2023).
    » http://www.nice.org.uk/guidance/cg192
  • 41
    Austin MP, Middleton P, Reilly NM, Highet NJ. Detection and management of mood disorders in the maternity setting: the Australian Clinical Practice Guidelines. Women Birth 2013; 26:2-9.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    29 Dez 2022
  • Revisado
    16 Mar 2023
  • Aceito
    23 Mar 2023
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br