Principais desafios na construção de uma política integrada sobre drogas: descrição da experiência na cidade do Recife/PE

Main challenges in the construction of an integrated policy on drugs: description of experience in Recife/PE

Alda Roberta Campos Rossana Carla Rameh-de-Albuquerque Renata Barreto de Almeida Almeida Serginaldo José dos Santos Sobre os autores

RESUMO

A Prefeitura do Recife, a partir da articulação entre onze distintas Secretarias municipais lançou a Ação Integrada de Atenção ao crack e outras drogas, buscando o fortalecimento de uma rede de cuidado de abordam ampliada, descentralizada e qualificada, que considera o vínculo, o acolhimento, as singularidades, as vulnerabilidades e a responsabilização compartilhada. Este estudo teve como objetivo descrever o processo de implantação dessa política e seu desenvolvimento no período de agosto de 2010 a abril de 2012, bem como a identificação dos principais desafios, avanços e dificuldades encontradas durante este percurso na prevenção e no tratamento de usuários de crack e outras drogas.

PALAVRAS-CHAVE
ação integrada; crack e outras drogas; política sobre drogas

ABSTRACT

The Municipality of Recife, from the articulation of eleven distinct municipal Secretariats lounched the Integrated Action Attention to crack and other drugs, seeking to strengthen a network of care to address larger, decentralized and qualified, which cansiders the bond, the hosl singularities, vulnerabilities and shared accountability. This study aimed to describe the process of implementation of this policy and its development in the period from August 2010 to April 2012, as well as identifying the main challenges, achievements and difficulties encountered during this route in the prevention and treatment of crack users and other drugs.

KEYWORDS
integrated action; crack and other drugs; drug policy

1. Introdução

Nas últimas décadas, indicadores apontam que o consumo e a dependência de drogas têm tomado dimensões preocupantes. São identificadas graves consequências, principalmente para adolescentes e adultos jovens, que se expressam nas várias interfaces da vida cotidiana, comprometendo vínculos afetivos, trabalho, trânsito, família, saúde, inclusive, na disseminação do vírus HIV (BRASIL, 1998BRASIL. Ministério da Saúde. Elaboração de proposta para normalização de serviços de atenção a transtornos por uso e abuso de substância psicoativa: exposição de motivos. Brasília: Ministério da Saúde, 1998. 17 p.).

Deste modo “compreender os caminhos traçados pela Reforma Psiquiátrica até chegar aos serviços existentes no Brasil para o cuidado e atenção aos usuários de drogas, num prisma que contemple a análise da integralidade nestes serviços é fundamental[...]; [...] são pouquíssimos os estudos que avaliam tais serviços numa ótica qualitativa e não apenas na avaliação do avanço obtido pela desinstitucionalização” (RAMEH-DE-ALBUQUERQUE, 2008, p. 72RAMEH-DE-ALBUQUERQUE, R. C. Casas do meio do caminho: um relato da experiência de Recife na busca da atenção integral à saúde dos usuários de álcool, fumo e outras drogas. Dissertação de Mestrado (2008). Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães, Fundação Oswaldo Cruz, Recife.).

Em resposta a essa realidade, a Prefeitura do Recife, a partir da articulação de secretarias de governo, em setembro de 2011, lançou a “Ação Integrada de Atenção ao crack e outras drogas”, que passaremos a denominar apenas de Ação Integrada. A Ação Integrada tem como objetivo ampliar e potencializar os programas, equipamentos e serviços voltados para a prevenção, o cuidado e a reinserção das pessoas na sociedade, desenvolvidos no seu próprio território (RECIFE, 2011RECIFE, Decreto N° 26.068 - Plano Ação Integrada de Atenção ao Crack e outras drogas no âmbito da Administração Municipal. Recife, 19 de setembro de 2011.)

Na realidade de Recife várias ações já foram desenvolvidas pelas Secretarias Municipais, porém, de forma independente e isolada, gerando alguns problemas, principalmente em relação à distribuição igualitária de ações, pois enquanto algumas pessoas se beneficiavam de várias ações, muitas ficavam no lugar do invisível, sem acessarem, nem serem acessadas por qualquer um desses dispositivos.

A Ação Integrada surgiu no primeiro semestre de 2010 para reunir e agregar as ações da assistência, da saúde, da cultura, entre outras políticas públicas. Dessa forma, todas as iniciativas estavam norteadas pela necessidade de se compreender o fcnômeno drogas como reflexo de questões multifatoriais que exigiam múltiplas respostas.

Por se tratar de uma ação ainda em caráter experimental se fez necessária uma permanente avaliação dos seus processos, A comunicação e a interrelação entre as secretarias nessa construção ainda estava pouco comum e requeria um novo olhar e mudanças nos processos de trabalho.

Especialistas apontam que o uso e os problemas relacionados ao consumo de crack são semelhantes aos que acontecem com outras drogas em muitos aspectos, Mas há algumas diferenças e para que as ações empreendidas sejam efetivas, há a necessidade de conhecer de forma mais profunda os problemas relacionados ao uso dessa droga, Há a necessidade de ampliação de conhecimento e de se capacitar os profissionais que lidam com pessoas que usam crack e seus familiares (CRUZ, 2010CRUZ, M. S; VARGENS, R. W; RAMOA, M. L. Crack: Uma abordagem multidisciplinar. Brasília: Ministério da Educação; 2010.).

Com o advento da Aids, no final dos anos oitenta, o Ministério da Saúde por meio da Coordenação Nacional de DST/AIDS (CN-DST/AIDS) iniciou reuniões voltadas para a atenção aos usuários de drogas injetáveis (UDI) e a relação com as DST/AIDS, Alguns programas de trocas de seringas (PTS) entre esses usuários foram iniciados, em Santos-SP, porém abortados pela promotoria local, que não compreendiam esta ação como um cuidado a saúde. Apenas em 1995, foi efetivado o primeiro programa de troca de seringas da América Latina, em Salvador - Bahia, sendo seguido por vários estados e municípios brasileiros. Várias parcerias, acordos internacionais e financiamentos foram sendo estabelecidos, e em muitas partes do mundo como Europa, Estados Unidos e Austrália começaram a direcionar o olhar das políticas públicas para as pessoas que usam drogas, por conta da ameaça da epidemia de HIV/AIDS, E entre 1995 e 2003 foram abertos mais de 200 Programas de Redução de Danos no Brasil, a maioria financiados pela CN-DST/AIDS. Leis municipais autorizando o funcionamento desses Programas, bem como a organização de associações de trabalhadores da área, como exemplo a Associação Brasileira de Redutores de Danos (ABORDA), a Rede Brasileira de Redutores de Danos (REDUC) seguida de outras redes e associações estaduais e municipais em todo o país foram estabelecidas com o intuito de fortalecer o cuidado junto a esses usuários (ANDRADE, 2011ANDRADE, T. M. Reflexões sobre Políticas de Drogas no Brasil. Revista Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 16, n. 12, p. 4665-4674, 2011.).

De acordo com o II Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil realizado nas 108 maiores cidades do país, 0,7% da população adulta relatava já ter feito uso de crack pelo menos uma vez na vida, o que significa um contingente de mais de 380 mil pessoas. A maior porcentagem de uso de crack na vida foi encontrada entre homens, na faixa etária de 25 a 34 anos, constituindo 3,2% da população adulta ou cerca de 193 mil pessoas. Comparando-se a outros estudos constata-se um aumento significativo do consumo de crack na vida (CEBRID, 2005).

Diante desse cenário, o presente artigo buscou descrever o trabalho desenvolvido na Prefeitura do Recife, por meio da Ação Integrada, que reuniu onze secretarias municipais funcionando como gestoras e executoras desse processo. Essa construção política contribuiu para a reflexão da prática integrada, podendo ser utilizada por profissionais, gestores e parceiros, bem como pela população envolvida com esta realidade. Essa experiência pode, ainda, servir como modelo e referência para outros municípios que queiram elaborar uma política integrada sobre o uso e o abuso de drogas mais humana, inclusiva e integral.

O estudo teve um caráter qualitativo, que segundo Minayo (2003)MINAYO, M. C. S. (Org.) Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 22. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2003. é uma atividade científica que visa à construção da realidade, com o olhar para o que não pode ser quantificado, utilizando-se da observação de crenças, valores e significados.

2. Contexto do trabalho desenvolvido: a realidade do Recife

Em Pernambuco a atenção aos usuários de drogas era de responsabilidade estadual. Faziam parte desse rede dois centros especializados, o Centro de Prevenção, Tratamento e Reabilitação do Alcoolismo (CPTRA) e o Centro de Recuperação Humana Eulâmpio Cordeiro (CRHEC), localizados na capital e ofereciam tratamento ambulatorial para toda a região.

Outra iniciativa de cuidado pode ser destacada nessa história com o primeiro PRD desenvolvido em Recife que foi coordenado por uma organização não governamental - Centro de Prevenção as Dependências (CPD), em 1999, com financiamento da CN-DST/AIDS. No ano 2000, também protagonizada pelo terceiro setor, foram criadas a Rede Pernambucana de Redução de Danos e a primeira associação de usuários de drogas da América Latina – SE LIGA.

Em 2004 a Prefeitura do Recife deu início de forma mais consistente as ações de redução de danos e criou o Programa Municipal de Redução de Danos – O Programa Mais Vida, formado até o momento da pesquisa por 06 Centros de Atenção Psicossocial para Álcool e outras Drogas (CAPSad), quatro Casas do Meio do Caminho (CMC), sendo uma referência para mulheres, Unidades de desintoxicação em hospital geral e Consultório de rua – que desenvolvem ações territoriais. As ações foram sendo ampliadas de acordo com as necessidades da população.

Na cidade do Recife, capital de Pernambuco, as ações de enfrentamento a problemática do uso de drogas e a dependência química, até 2010, eram realizadas de forma isolada, por meio de projetos e programas das diferentes Secretarias (Secretarias de Saúde, Assistência Social, Cultura, Mulher, Direitos Humanos e Segurança Cidadã, Juventude, Educação, Esporte e Lazer) tanto na esfera estadual como municipal. Apesar dos esforços já existentes, as ações traziam em si uma grande dificuldade, como a falta da visão integral do indivíduo e a pouca comunicação entre as referidas secretarias, gerando duplicidade de ações para muitos cidadãos e insuficiência da cobertura da atenção para a grande maioria da população.

A Ação Integrada veio na intenção de alinhavar, buscar sintonia e agregar esses processos, contribuindo para a construção, implantação e implementação de equipamentos e serviços que facilitassem o acesso e favorecessem ampliação de vida com dignidade e autonomia para as pessoas que sofrem com problemas decorrentes do consumo de álcool, crack e outras drogas.

Buscando responder a inquietações do tipo: Como vencer a repetição, a busca pelo igual, pelo poder, pelo controle do saber?

Na Ação Integrada, como diz Lancetti (2006)LANCETTI, A. Clínica peripatética. Sâo Paulo: Hucitec, 2006. tem que haver uma atitude de busca de eficácia, rompendo-se com as práticas segmentarizadas e burocráticas. Reforçando a necessidade da atenção integral e intersetorial a pessoa que usa drogas e a sua família.

Dessa forma, todo o processo foi rico em discussões e reflexões para encontrar, na medida do possível, possibilidades de cuidado, bem como encontrar caminhos para minimizar entraves, buscando soluções sustentáveis e viáveis de acordo com a realidade local e em consonância com os planos estadual e federal: “Crack é possível vencer” (BRASIL, 2011).

3. Métodos

Este artigo teve como método a análise documental e a observação participante, objetivando a compreensão de como a política integrada foi elaborada, bem como o seu funcionamento na rotina dos processos de trabalho.

Entendendo-se a vida como um processo de conhecimento, e que este não é passivo e sim construído, e que esta construção se dá através da interação com o mundo (MARIOTTI, 2005MARRIOTTI, H. Apresentação. In: MATURANA, H. R.; VARELA, F. J. A árvore do conhecimento: as bases biológicas da compreensão humana. 5. ed. Sâo Paulo: Palas Athena, 2005.apudMATURANA, 2005MATURANA, H. R.; VARELA, F. J. A árvore do conhecimento: as bases biológicas da compreensão humana. 5. ed, Sâo Paulo: Palas Athena, 2005.) e ainda, que “todo fazer é um conhecer e todo conhecer é um fazer” (MATURANA, 2005MATURANA, H. R.; VARELA, F. J. A árvore do conhecimento: as bases biológicas da compreensão humana. 5. ed, Sâo Paulo: Palas Athena, 2005.), pôde-se compreender a Observação Participante (CRUZ-NETO, 1994CRUZ-NETO, O. O trabalho de campo como descoberta e criação. In: MINAYO, M. C. et al. (Org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Rio de Janeiro: Vozes, 1994. p. 51-66.) como instrumentos que ativamente ajudaram no exercício de revelar o que aparentemente poderia ser o mais óbvio e mais próximo, no entanto tornam-se por vezes mais difíceis de perceber. Com atenção e minúcia, estes instrumentos foram aliados imprescindíveis na busca de constatações, conclusões, considerações; enfim, da vivência, dos processos, do particular, do geral, do cotidiano e funcionamento do serviço de saúde ora estudado.

Desta forma, atuei como membro integrante do Comité Executivo da Ação Integrada, assim, a observação direta se estendeu durante todo o processo. Foi possível observar os eventos do dia-a-dia como “observadora participante” e complementar o material observado através de análises documental posteriormente realizadas.

Para sistematizar esse modelo de intervenção foram consideradas as dimensões política e estrutural da ação, (ALVES, 2009ALVES, V. S. Modelos de atenção à saúde de usuários de álcool e outras drogas: discursos políticos, saberes e práticas. Caderno Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 25, n. 11, p. 2309-2219, nov 2009.). Na dimensão política, tomados como base, os decretos, portarias e diretrizes do Ministério da Saúde e da Assistência Social e na dimensão estrutural a análise das práticas desenvolvidas pelos programas da Prefeitura do Recife das Secretarias de Saúde, Assistência Social, Cultura, Juventude, Educação, Esporte e Lazer, Direitos Humanos e Segurança Cidadã, Especial da Mulher, Fundação de Cultura, Ginásio de Esportes Geraldão e Instituto de Assistência Social e Cidadania (IASC).

A coleta de dados foi realizada por meio de um estudo longitudinal, observando e descrevendo a evolução da política sobre o uso de drogas na cidade do Recife, no período compreendido entre agosto de 2010 e abril de 2012.

Foi realizada uma revisão literária e a análise de atas e documentos das reuniões dos comités gestor, executivo e regionais da Ação Integrada, A revisão da literatura foi realizada por meio de uma pesquisa acerca das políticas públicas sobre drogas, desenvolvida por alguns dos principais municípios brasileiros, entre eles Salvador, São Paulo e Porto Alegre. Teve como base a política adotada pelo Ministério da Saúde, o Plano Emergencial de ampliação do acesso ao tratamento e a prevenção em álcool e outras drogas (PEAD) (2009BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria No 1.190/GM de 4 de junho de 2009. Institui o Plano Emergencial de Ampliação do Acesso ao Tratamento e Prevenção em Álcool e outras Drogas no Sistema Único de Saúde - SUS (PEAD 2009-2010) e define suas diretrizes gerais, ações e metas. Brasília: Ministério da Saúde; 2009.), as ações intersetoriais propostas pela Secretaria Nacional de Políticas sobre drogas (SENAD), órgão responsável pela articulação das políticas nas áreas de prevenção ao uso de drogas, tratamento e reinserção social de usuários e dependentes, vinculada ao Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, em parceria com o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI), do Ministério da Justiça.

Nessa revisão da literatura no cenário brasileiro, também foi possível identificar dois principais posicionamentos políticos para o enfrentamento de questões relacionadas ao consumo de álcool e outras drogas: o proibicionismo e a abordagem de redução de danos, A primeira concentrando esforços na redução da oferta e da demanda de drogas, com intervenções de repressão e criminalização da produção, tráfico, porte e consumo de drogas ilícitas; e a segunda desenvolvendo políticas e programas de redução de danos, onde defendem intervenções orientadas para a minimização dos danos à saúde, sociais e econômicos relacionados ao consumo de álcool e outras drogas sem necessariamente por meio da proibição (RIBEIRO, 2006RIBEIRO, M.M. Aspectos Legais. In: SILVEIRA D, X., MOREIRA, F.G., organizadores. Panorama Atual de Drogas e Dependências. Sâo Paulo: Atheneu, 2006. p.469- 476.).

A redução de danos evoluiu para a concepção atual de uma política de saúde não condicionada a abstinência, mas com o objetivo de reduzir os danos e os riscos relacionados ao consumo de drogas. Tendo como princípios básicos o protagonismo do usuário e o respeito aos direitos humanos (ANDRADE, 2011ANDRADE, T. M. Reflexões sobre Políticas de Drogas no Brasil. Revista Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 16, n. 12, p. 4665-4674, 2011.).

Partindo para o cenário municipal, documentos retratam que o Plano Municipal de Atenção ao crack e outras drogas foi estruturado em eixos, conforme o quadro abaixo, que foi tomado como base para organização do trabalho.

4. Resultados e discussão: em busca de uma política integral para a atenção ao usuário de crack no Recife – tecendo a rede

Após a definição dos representantes do Comitê Executivo da Ação Integrada, foram marcadas reuniões semanais para discussão, planejamento e monitoramento das ações. A escolha e definição do nome da ação foi o primeiro e talvez, mais polêmico embate do grupo. A ideia de sair do lugar comum, de ver a droga como algo que deve ser combatido e vencido, dos modelos de enfrentamento, de combate, da ótica da repressão, trouxe incômodos e mexeu especialmente com os valores e crenças dos próprios representantes. Várias reuniões foram feitas com a Secretaria de Comunicação, com as agências de publicidade até chegar a proposta de Ação Integrada de Atenção ao crack e outras Drogas, A expressão atenção ao usuário surgiu para não se cometer o equívoco de, como diz Antonio Nery em seu blog, “a parte humana dos humanos ser sistematicamente substituída pela parte não humana das drogas” (NERY, 2010NERY, A. VALERIO, A.L.R. (org) Módulo para capacitação dos profissionais do projeto Consultório de Rua. Brasília: SENAD, Salvador: CETAD, 2010.), A ideia era cuidar, dar atenção, olhar para o humano, não para a substância.

Figura 1:
Plano Municipal de Atenção ao crack e outras drogas de Recife

A dificuldade na comunicação apresentou-se como o principal entrave no desenvolvimento das ações propostas. Houve uma ausência constante de algumas secretarias como pode ser vista nas atas de frequência das reuniões do Comitê Executivo, Algumas ausências eram justificadas pelo excesso de atividades e de agendas que coincidiam, mas mostrou também que a Ação Integrada não foi, ou não pôde ser prioridade em todas as secretarias, A participação nas referidas reuniões eram imprescindíveis, pois, segundo Antônio Nery “seria necessário que cada um se destituísse do seu lugar/saber para estar no saber/lugar do outro, companheiro de trabalho, recuperando, depois, nas reuniões de equipe, seu próprio saber revisitado” (CETAD, 2010, p. 09).

Outro aspecto a ser destacado foram as intervenções preventivas que ainda não tinham, como ainda não têm tradição no Brasil, Segundo Noto e Moreira (2006)NOTO, A.R. MOREIRA, F.G. Prevenção ao Uso Indevido de Drogas: Conceitos Básicos e sua Aplicação na Realidade Brasileira. In: SILVEIRA D. X., MOREIRA, F.G., organizadores. Panorama Atual de Drogas e Dependências. Sâo Paulo: Atheneu, 2006. p. 313., a maioria das ações preventivas no Brasil são isoladas, as pesquisas pouco valorizadas e muitos modelos são “importados” de outros países, principalmente dos Estados Unidos, desconsiderando as diferenças substanciais entre as realidades locais. Nas ações observadas nesse processo de implantação da atenção integral ao usuário de crack poucas foram as intervenções preventivas que puderam ser apontadas como efetivas.

Outro desafio foi o de aperfeiçoar os instrumentos de acompanhamento e de geração de informações que tornassem possíveis o monitoramento das ações e os processos avaliativos da gestão, (BRASIL, 2003BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria Executiva. Coordenação Nacional de DST e AIDS. A política do Ministério da Saúde para a atenção integral a usuários de álcool e outras drogas. Brasília: Ministério da Saúde, 2003 (Série B. Textos Básicos de Saúde).) Sempre nos deparávamos com a dificuldade de avaliar e monitorar as ações desenvolvidas. Poucos eram os números, poucos eram os instrumentos de avaliação que dificultavam a sistematização dos dados para o acompanhamento e geração de informações.

Se a constituição de uma rede de serviços substitutivos integrada entre si e com outros equipamentos sociais presentes nas comunidades é algo imprescindível para o avanço da reforma, esse foi um dos aspectos que apresentou mais fragilidades, pois, de fato, ainda não estava disponível para o desenvolvimento da ação integrada uma rede ágil, flexível, resolutiva, onde o trânsito dos usuários fosse facilitado e o mesmo acolhido em suas diferentes demandas. Identificamos muito mais serviços isolados, que não se comunicavam, fechados em suas rotinas (DIMENSTEIN, 2009DIMENSTEIN, M. LIBERATO, M. Desinstitucionalizar é ultrapassar fronteiras sanitárias: o desafio da intersetorialidade e do trabalho em rede. Cadernos Brasileiros de Saúde Mental, v. 1, n. 1, jan/abr. 2009 (CD-ROM).).

A necessidade do eixo Educação Permanente se mostrou presente em cada encontro, A pouca informação, e principalmente, as informações equivocadas sobre drogas, uso, abuso e dependência, baseadas em estigmas e preconceitos construíram barreiras difíceis de serem superadas nessa rede, A necessidade de capacitação e formação, de forma orientada aos profissionais que atuavam na área numa perspectiva multiprofissional era clara, (BRASIL, 2003BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria Executiva. Coordenação Nacional de DST e AIDS. A política do Ministério da Saúde para a atenção integral a usuários de álcool e outras drogas. Brasília: Ministério da Saúde, 2003 (Série B. Textos Básicos de Saúde).) Uma formação de qualidade só é possível para quem tem acesso a educação e a saúde, por isso o investimento científico e tecnológico se fazem necessários para a busca de novos conhecimentos e ofertas de cuidado.

No que se refere aos resultados da Ação Integrada podemos destacar as ações desenvolvidas para a reutilização dos espaços públicos, antes destinados para o consumo de drogas, como por exemplo, praças, terrenos e quadras, pela prática de esportes e atividades culturais e de lazer para população, A requalificação desses lugares contou com a participação direta das diversas secretarias. Por exemplo na Virada Cultural, promovida pela Secretaria de Cultura, em outubro de 2011, houve a participação ativa da Ação Integrada por meio de abordagem social, distribuição de insumos de prevenção as DST/AIDS, garrafas plásticas em substituição da garrafa de vidro para prevenção de acidentes e violências. Roda de diálogo no Festival de HIP-HOP – Uma conversa sobre Drogas, com a participação das secretarias de cultura, juventude e saúde. Foi realizada articulação com artistas locais para divulgação da Ação e a construção de um canal de comunicação com a população geral sobre os riscos e prejuízos do consumo do crack e o abuso de outras substâncias.

Várias outros programas e ações conjuntas com a Ação Integrada podem ser citadas, entre elas: Rodas de Conversas sobre Drogas nas Escolas Municipais, com alunos do terceiro e quarto ciclos, o Programa Multicultural - uma ação estratégica implementada pela Secretaria de Cultura e Fundação de Cultura da Cidade do Recife, que visa democratizar e descentralizar ações culturais por meio da participação popular, contribuindo, assim, para criação e o fortalecimento de uma rede de cultura através do incentivo a formação de adolescentes, jovens e adultos das comunidades do Recife para atuarem no mercado da cultura.

O Programa Nacional de Inclusão de Jovens (Projovem), coordenado pela Secretaria de Educação, Esporte e Lazer do Recife, Academia da Cidade – política de promoção à saúde, que disponibiliza atividade física nas praças das comunidades, enfatizando o lazer e a alimentação saudável. Os Centros de Referência da Assistência Social (CRAS), Repúblicas, Centros POP, casas de acolhidas temporárias, abordagem de rua, Programa de Redução de Danos – Programa Mais Vida, Centro de Referência Clarice Lispector – para mulheres vítimas de violência, Centro de Referência de Direitos Humanos, Círculos populares de Esporte e Lazer – promovendo aprendizagens relacionadas a cultura corporal e esportiva e incentivando a autoorganização comunitária a partir do esporte e do lazer, entre outras.

Seguindo a descrição de alguns resultados positivos da Ação Integrada, outra ação de fundamental importância foi a discussão de casos clínicos realizados pelos comitês regionais para definição de fluxo de atendimento e processo de trabalho, valorizando e reconhecendo o sujeito de forma integral e inserido num contexto sóciocultural (RECIFE, 2010RECIFE. Plano Integrado de Atenção ao Crack e outras drogas. Prefeitura Municipal da cidade do Recife, 2010.).

A promoção da cultura e do lazer como espaço de fazer saúde, A possibilidade de recuperação de uma pessoa com problemas decorrentes do consumo de drogas está na vinculação com sua parte saudável, resgate dos seus vínculos com a vida, assim sendo, as ações de lazer, arte e cultura a aproximavam e destacavam sua saúde, O conhecimento e o respeito as crenças e saberes da população eram considerados um dos principais pilares da prevenção (NOTO, 2006NOTO, A.R. MOREIRA, F.G. Prevenção ao Uso Indevido de Drogas: Conceitos Básicos e sua Aplicação na Realidade Brasileira. In: SILVEIRA D. X., MOREIRA, F.G., organizadores. Panorama Atual de Drogas e Dependências. Sâo Paulo: Atheneu, 2006. p. 313.), A valorização da cultura local por meio da música e da arte, foram desenvolvidas por meio de oficinas culturais nos CAPSad como música, capoeira, teatro, circo e oficina de beleza, incluídas na programação terapêutica semanal ofertada para os usuários. Com a Ação Integrada as oficinas foram ampliadas para ações territoriais, nos mercados, praças e em casas de acolhida da assistência social (RECIFE, 2010RECIFE. Plano Integrado de Atenção ao Crack e outras drogas. Prefeitura Municipal da cidade do Recife, 2010.).

Em análise documental, identificamos exemplos exitosos que corroboraram com a avaliação positiva na relação entre a cultura e o cuidado a jovens em situação de vulnerabilidade social e abuso de substâncias psicoativas. Em São Paulo, o Projeto Quixote em parceria com a Secretaria de Estado da Cultura desenvolveu um projeto com crianças e jovens em situação de rua e usuárias de drogas na região da Luz, famosa Cracolândia, que teve como objetivo buscar por meio do Hip Hop, acolher esses meninos e meninas, despertando o potencial criativo, ético e estético do exercício da cidadania, integrando-os aos serviços de assistência social e saúde (LECHER; RIGATO, 2006, p. 335LECHER, A. RIGATO, F.D. Consumo de Drogas e Privação de Direitos. In: SILVEIRA, D. X., MOREIRA, F.G., (orgs). Panorama Atual de Drogas e Dependências. Sâo Paulo: Atheneu: 2006. p. 335.).

Outro exemplo Nacional que foi usado como referência pelo Ministério da Saúde e pela SENAD e multiplicado em vários municípios brasileiros é o Consultório de Rua de Salvador, desenvolvido pelo CETAD/UFBA, sob a coordenação do prof. Antonio Ncry Filho. Iniciado no final da década de 80 o Consultório de Rua revelou a proposta de um novo olhar para os usuários de drogas e pessoas que estavam nas ruas. Primeiro que essa população pouco ou nunca acessava os serviços formais de saúde e assistência. Em segundo lugar era necessário conhecer o espaço e observá-lo em outra perspectiva, reconhecendo seus signos, hábitos e comunicações próprias. A aproximação com essa realidade possiblitou a equipe a apropriar-se de um novo olhar para a realidade (GONÇALVES; BRAINTENBACH, 2010, p. 43GONÇALVES, P.R.A.; BRAINTENBACH, D.P.F. O Consultório de Rua interdisciplinar: olhares ampliados. In: MÓDULO PARA CAPACITAÇÃO DOS PROFISSIONAIS do projeto Consultório de Rua, Brasília: SENAD, Salvador: CETAD, 2010. p. 43.).

A problemática relacionada ao consumo do crack e outras drogas tem tomado uma magnitude que requer uma atenção que vai além da saúde, A violência doméstica e urbana, a prática de pequenos furtos, envolvimentos com assaltos e com a criminalidade vulnerabilizam ainda mais o usuário de drogas. Questões sociais como a desigualdade de oportunidades, a pouca oferta de educação de qualidade e de profissionalização favorecem o estigma relacionado ao usuário de drogas. E por tratar-se de um tema transversal a outras áreas da saúde, da justiça, da educação, social e de desenvolvimento, requer uma intensa capilaridade para a execução de uma política de atenção integral ao usuário de álcool e outras drogas (BRASIL, 2003BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria Executiva. Coordenação Nacional de DST e AIDS. A política do Ministério da Saúde para a atenção integral a usuários de álcool e outras drogas. Brasília: Ministério da Saúde, 2003 (Série B. Textos Básicos de Saúde).).

De acordo com Organização Mundial de Saúde cerca de 10% da população dos centros urbanos consomem abusivamente substâncias psicoativas, variando de idade, sexo, nível de escolaridade e poder aquisitivo (OMS, 1997ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). CID-10 Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde. 10. rev. Sâo Paulo: Universidade de Sâo Paulo; 1997.).

No Brasil essa realidade não é diferente, em um estudo realizado pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicoativas (CEBRIDCENTRO BRASILEIRO DE INFORMAÇÕES SOBRE DROGAS (CEBRID). Classificação do Uso de Drogas. Disponível em: <http://www.unifesp.br/dpsicobio/cebrid/quest_drogas/classific_uso.htm>. Acesso em: 21 maio 2012.
http://www.unifesp.br/dpsicobio/cebrid/q...
) sobre o uso indevido de drogas por estudantes (n = 2.730) dos antigos 1° e 2º graus em 10 capitais brasileiras (GALDURÓZ et al., 1997 apudBRASIL, 2004BRASIL. Ministério da Saúde. A política do Ministério da Saúde para atenção integral a usuários de álcool e outras drogas. 2. ed. rev. ampl. Brasília: Ministério da Saúde, 2004. 64 p. (Série B. Textos Básicos de Saúde).) revelou que 74,1% de adolescentes já haviam feito uso de álcool na vida. Quanto ao uso frequente, definido como o uso de droga seis ou mais vezes nos últimos 30 dias e para a mesma amostra, che gamos a 14,7%. Constatando ainda, que 19,5% dos estudantes faltaram à escola, após beber, e que 11,5% brigaram, sob o efeito do álcool (BRASIL, 2004BRASIL. Ministério da Saúde. A política do Ministério da Saúde para atenção integral a usuários de álcool e outras drogas. 2. ed. rev. ampl. Brasília: Ministério da Saúde, 2004. 64 p. (Série B. Textos Básicos de Saúde).).

A política de saúde governamental deve ser pautada por princípios que garantam mais igualdade na assistência, que considerem a saúde de todos um bem público, um patrimônio da sociedade, um bem para as pessoas e, assim, um direito de todos e de cada um a uma vida melhor, mais saudável, como consequência inclusive da atuação dos governos na área da saúde (BRASIL, 2004BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. SVS/CN-DST/AIDS. A Política do Ministério da Saúde para Atenção Integral a Usuários de Álcool e outras Drogas. 2.ed. rev. ampl. Brasília: Ministério da Saúde, 2004.).

Várias propostas foram apresentadas para a elaboração de um plano de atenção integral de álcool e outras drogas, o Governo Federal, por meio da Portaria n° 1.190/2009 instituiu o Plano Emergencial de Ampliação do Acesso ao Tratamento e Prevenção em Álcool e outras Drogas no SUS (PEAD 2009-2011) e com o Decreto n° 7.179, maio de 2010, instituiu o Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas. A Política do Ministério da Saúde para Atenção Integral a Usuários de Álcool e outras Drogas, de 2003, aponta para a necessidade de implementar ações intersetoriais, com a assunção da responsabilidade pelo SUS ao cuidado integral em AD (PEAD-2009-2011).

Segundo Merhy (1994)MERHY, E. E. Em busca da qualidade dos serviços de saúde: os serviços de porta aberta para a saúde e o modelo tecno-assistencial em defesa da vida. In: CECÍLIO, L (org.) Inventando a mudança na saúde. Sâo Paulo, HUCITEC, 1994, p. 117-160. trabalhar num modelo assistencial centrado no usuário requer uma gestão comprometida com o coletivo, processos de trabalho desenvolvidos no interior das equipes de saúde. Envolvendo uma equipe multiprofissional e interdisciplinar, pautada por resultados em termos de benefícios gerados para os usuários.

Ações centradas nas necessidades dos usuários, singularizadas e integrais, sendo realizadas onde eles estão, trabalho vivo, produzindo “compromisso permanente com a tarefa de acolher, responsabilizar, resolver e autonomizar.” (MERHY, 1998, p. 05MERHY, E. E. A perda da dimensão cuidadora na produção da saúde uma discussão do modelo assistencial e da intervenção no seu modo de trabalhar a assistência. In: CAMPOS, C. R.; et al. Sistema Único de Saúde em Belo Horizonte: reescrevendo o Público. Sâo Paulo: Xamã, 1998.).

Qualquer abordagem assistencial de um trabalhador de Saúde junto a um usuário-paciente produz-se através de um trabalho vivo em ato, em um processo de relações, isto é, há um encontro entre duas pessoas que atuam uma sobre a outra e no qual se opera um jogo de expectativas e produções, criando-se intersubjetivamente alguns momentos interessantes, como os seguintes: momentos de falas, escutas e interpretações, nos quais há a produção de uma acolhida ou não das intenções que essas pessoas colocam nesses encontros; momentos de cumplicidade, nos quais há a produção de uma responsabilização em torno do problema que vai ser enfrentado; momentos de confiabilidade e esperança, nos quais se produzem relações de vinculo e aceitação. (MERHY, 1998, p. 03MERHY, E. E. A perda da dimensão cuidadora na produção da saúde uma discussão do modelo assistencial e da intervenção no seu modo de trabalhar a assistência. In: CAMPOS, C. R.; et al. Sistema Único de Saúde em Belo Horizonte: reescrevendo o Público. Sâo Paulo: Xamã, 1998.).

As drogas são substâncias inertes, nem boas nem más, o que as fará danosas ou não é a relação estabelecida entre a pessoa que as usa, a substância e o contexto sociocultural em que ela está inserida, (MELCOP; CAMPOS; FRANCH, 2002MELCOP, A. G.; CAMPOS, A. R.; FRANCH, M. Sem preconceitos: um guia sobre o consumo de drogas para profissionais, usuários e curiosos. Recife: Centro de Prevenção às Dependências, 2002.). A dependência de drogas por se tratar de um fenômeno heterogéneo e que atinge as pessoas de diferentes formas, por diferentes causas e em variados contextos exigem uma atenção também heterogénea. É preciso que se desenvolva um trabalho em rede, criando acessos variados visando acolher, encaminhar, acompanhar, prevenir, tratar, construir, reconstruir com compromisso na promoção, prevenção e tratamento, na perspectiva da integração social e produção da autonomia das pessoas. Conceituando autonomia como a capacidade de equilibrar o combate à doença com a produção de vida (BRASIL, 2007BRASIL. Ministério da Saúde. Clínica ampliada: equipe de referência e projeto terapêutico singular. 2a ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2007c 60 p. (Série B. Textos Básicos de Saúde).).

A Secretaria de Saúde de Recife, com a implantação do Programa Mais Vida - programa de redução de danos, prevenção e tratamento ao uso de álcool, fumo e outras drogas e posteriormente com a implantação da Ação Integrada vem buscando um cuidado integral e singular junto aos usuários de crack e outras drogas.

Durante o período definido pelo estudo foram realizadas aproximadamente 60 reuniões do Comitê Executivo, 05 do Comitê Gestor, sendo duas com o prefeito em exercício. Além de reuniões de articulação dos representantes do Comitê Executivo com seus respectivos secretários municipais. As reuniões tinham objetivo de planejamento e de avaliação das ações sendo discutidos os avanços e dificuldades encontradas em cada processo, conforme descritas nas atas de reunião arquivadas na Secretaria Municipal de Saúde.

Com o decorrer dos encontros do Comitê Executivo foi-se descobrindo uma aproximação entre as ações desenvolvidas pelas secretarias e a definição de que por elas poderiam ser iniciadas as ações integradas. Participação em fóruns, debates, rodas de conversa, que envolvessem o tema passaram a contar com a representação integrada das secretarias, principalmente, saúde, assistência social, especial da mulher, direitos humanos e segurança cidadã, educação e juventude.

A utilização de espaços de lazer, como praças e parques para o consumo de drogas sempre foi uma prática comum na realidade do Recife, A requalificação desses espaços e a inclusão de ações coordenadas pelos círculos populares da secretaria de educação, esporte e lazer teve um importante destaque na Ação Integrada.

O reconhecimento do saber do outro, a prática da troca de experiências foram questões que surgiram e que precisavam ser cuidadosamente analisadas. O exercício de reorganizar em movimento, a mudança do olhar do foco da droga em si, para a relação pessoa – droga, inserida em um contexto socioeconômico e cultural foram aspectos importantes que esse trabalho se propôs e com isso identificou os principais desafios e dificuldades de uma política integrada.

Segundo Alves (2009)ALVES, V. S. Modelos de atenção à saúde de usuários de álcool e outras drogas: discursos políticos, saberes e práticas. Caderno Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 25, n. 11, p. 2309-2219, nov 2009. a concepção do problema das drogas vem sendo ampliada no discurso político brasileiro. As drogas vão deixando de ser referidas como ameaça para serem reconhecidas como um problema social complexo que precisa ser enfrentado com políticas públicas intersetoriais e setoriais específicas. equilibrando estratégias de repressão à produção e ao tráfico, com a prevenção, atenção à saúde e a reinserção social dos usuários e dependentes de drogas.

5. Considerações finais

Ações integradas são fundamentais para o desenvolvimento de uma política pública humana, justa e eficaz. A integração das ações sem perder a especificidade de cada política construindo uma rede de atenção ao usuário de crack e outras drogas com comunicação adequada, com fluxos de atendimento integral ao sujeito e aos seus familiares tem uma importância que merece destaque.

Segundo Antonio Nery é preciso promover o encontro entre excluídos-invisíveis e incluídos visíveis e que esse encontro possa ser considerado através de olhares cruzados (CETAD, 2010).

Existem inúmeras políticas públicas de atenção ao uso de drogas no Brasil, mas não existe modelo ideal e que funcione de forma eficaz em todos os lugares, por isso um dos critérios mais importantes é o conhecimento e os respeito as características e as necessidades de cada comunidade onde se pretende atuar (NOTO, 2006NOTO, A.R. MOREIRA, F.G. Prevenção ao Uso Indevido de Drogas: Conceitos Básicos e sua Aplicação na Realidade Brasileira. In: SILVEIRA D. X., MOREIRA, F.G., organizadores. Panorama Atual de Drogas e Dependências. Sâo Paulo: Atheneu, 2006. p. 313.).

A maximização de esforços, como o realizado pelas Ações Integradas, nas diferentes secretarias e departamentos da cidade do Recife/PE, foram fundamentais para ampliação e implementação de políticas públicas à população em situação de risco, como a dos usuários de crack e outras drogas. Pois evita-se duplicidade de ações, que se realizam de forma mais equânimes, quanto à sua distribuições temporal e espacial, sem descaracterizar as políticas de cada área setorial. Dessa forma, pode-se contribuir para a construção de uma rede de apoio e atenção ao usuário de drogas e de seus familiares, de forma integral, como são os objetivos das políticas públicas vigentes em nosso país.

As ações, como foi dito anteriormente, eram desenvolvidas por cada secretaria isoladamente, como músicos que tocam a mesma música em seu respectivo instrumento sem comunicação com os outros, a Ação Integrada visou construir a orquestra, unir os diferentes músicos de forma harmônica e afinada.

A despeito dos avanços, muito ainda precisa ser feito e revisado nas políticas públicas sobre drogas. A necessidade do fortalecimento da ação integrada e intersctorial orientada pela concepção da redução de danos e articulada a outras redes sociais e comunitárias, rumo a consolidação da atenção ao usuário de crack e seus farniliares de forma acolhedora, respeitosa, integral, inclusiva e humanista é uma direcionamento que precisa ser incorporado por todos para que açóes mais exitosas junto a essa população possa ser destacada e valorizada.

  • Suporte financeiro: não houve

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Ago 2023
  • Data do Fascículo
    Dez 2013

Histórico

  • Recebido
    01 Abr 2013
  • Aceito
    01 Jun 2013
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