Oficinas terapêuticas do Centro de Atenção Psicossocial II do município de Montes Claros: percepções de usuários e seus familiares

Therapeutic workshops of the Centro de Atenção Psicossocial II from Montes Claros municipality: perceptions from users and their families

Francielle Batista Veloso Aparecida Rosângela Silveira Fabrícia Vieira de Matos Marielle Alves Silveira Raquel Aparecida Gomes Lopes Márcia de F. Ribeiro Maria Letícia Marques Pinheiro Sobre os autores

RESUMO

Este estudo elucida a percepção de usuários e familiares quanto à participação das oficinas terapêuticas no tratamento no Centro de Atenção Psicossocial - CAPS II, em Montes Claros/MG. Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com oito usuários e oito familiares. Foram identificadas as seguintes categorias de percepção: Ocupar o tempo e Mente vazia oficina do diabo (usuários e familiares), O que você quer fazer hoje? e Eu gostava mesmo era de conversar (apenas usuários) e Eu não tive assim aquele conhecimento (apenas familiares). Os entrevistados percebem as oficinas terapêuticas de forma ainda distanciada do seu propósito de socialização no contexto da atenção psicossocial.

PALAVRAS-CHAVES
Oficinas terapêuticas; Atenção psicossocial; Pesquisa qualitativa

ABSTRACT

The present work investigates users and their families’ perception on therapeutic workshops role in the treatment at Centro de Atenção Psicossocial – CAPS II, in Montes C1aros/MG. Semi structured interviews were carried out with 8 users and 8 family members. The following perception categories were identified: Occupy time and Empty mind, devil’s factory (users and family members), What would you like to do today? and What I really liked was the talking (users only) and I wasn’t aware of it (family members only). The interviewees perceive the therapeutic workshops in a manner that deviates from its purpose of socialization in the psychosocial care context.

KEYWORDS:
Therapeutics workshops; Psychosocial care; Qualitative research

Introdução

No Brasil, o Movimeno da Reforma Psiquiátrica, iniciado na década de setenta e tido como processo histórico de formulação prática e crítica às formas vigentes de cuidado da loucura, teve como fundamento uma nova concepção de homem como ser biopsicossocial (CEDRAZ; DIMENSTEIN, 2005CEDRAZ, A.; DIMENSTEIN, M. Oficinas Terapêuticas no cenário da Reforma Psiquiátrica: modalidades desinstitucionalizantes ou não? Revista Mal-Estar e Subjetividade, v. V, n. 2, 2005, p. 300-327. Disponivel em: <http://redalyc.uaemex.mx/redalyc/pdf/271/27117013006.pdf.> Acesso em: 07 jun. 2011.
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). Tal movimento implicou em reformulações nas práticas dos serviços, com abertura para novas posturas éticas, novas ações e a reestruturação de práticas de cuidados, encre elas as oficinas terapêuticas.

Historicamente, as atividades com fins terapêuticos foram introduzidas nas instituições psiquiátricas no Brasil, ligadas, primeiramente ao trabalho e servindo ao propósito de disciplinar e reabilitar o doente mental à ordem vigente dos manicômios. Essa realidade começa a ser alterada em torno de 1940, quando Nise da Silveira inseriu no Rio de Janeiro a arte-terapia, onde foram aplicadas técnicas elaboradas de fortalecimento e expressão do eu, concebidas a partir da descoberta de estudos psicanalíticos do inconsciente, em oficinas de expressão como dança, escultura, música, pintura e trabalhos manuais, e em atividades recreativas – jogos, passeios e festas (MENDONÇA, 2005MENDONÇA, T. C. P. As Oficinas na Saúde Mental: Relato de uma Experiência na Internação. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Psicologia Ciência e Profissão, v. 25, n. 4, p. 626-635, 2005. Disponível em: <http://pepsic.bvs-psi.org.br/pdf/pcp/v25n41v25n4a11.pdf.> Acesso em: 16 jul. 2011.
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).

A Reforma Psiquiátrica, sob os paradigmas da desinstitucionalização e desospitalização progressiva da assistência psiquiátrica e da reabilitação psicossocial, propõe um modelo baseado no tratamento aberto e de base territorial, que se constitua enquanto um processo social (CEDRAZ, 2006CEDRAZ, A. Nem tudo que reluz ê ouro: oficinas terapêuticas no cenário da Reforma Psiquiátrica. 2006. Disponível em: <http://bdtd.bczm.ufrn.br/tedesimplificado/tde_arquivos/1/TDE-2007-02-16T012418Z-S51/Publico/AriadneC.pdf.> Acesso em: 07 jun. 2011.
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). Nesse sentido, a proposta de desinstitucionalização implicou na criação de serviços substitutivos, como os CAPS – Centro de Atenção Psicossocial, os hospitais-dia, os centros de convivência que são serviços de atenção diária às pessoas com sofrimento mental, instituídos no Brasil a fim de se alcançar os objetivos propostos pela reforma psiquiátrica, promovendo a sociabilidade e a produção de subjetividades (AMARANTE, 2007AMARANTE, P. Saúde Mental e Atenção Psicossocial. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2007.).

Neste contexto de novos serviços, as oficinas estabelecem novas práticas e se deslocam para os novos espaços de convivência, criação e reinvenção do cotidiano. As funções que estas devem desempenhar são de socialização, expressão e inserção social, tendo em vista que perseguem os objetivos de “maior integração social e familiar, a manifestação de sentimentos e problemas, o desenvolvimento de habilidades corporais, a realização de atividades produtivas e o exercício coletivo da cidadania” (BRASIL, 2004, p. 20BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde; Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Saúde Mental no SUS: os Centros de Atenção Psicossocial. Brasília, Ministério da Saúde, 2004.), sendo, portanto, vistas como enriquecedoras, pois possuem uma finalidade política e social que está associada à clínica (GUERRA, 2000GUERRA, A. M. C. Oficinas em Saúde Mental: percurso de uma história, fundamentos de uma prática. In: OFICINAS EM SAÚDE MENTAL: percurso de uma história, fundamentos de uma prática. Rio de Janeiro: Contracapa, 2000.), em que a política e a clínica se articulam por meio das ações que buscam promover a cidadania e autonomia, segundo a singularidade de cada sujeito (CAMPOS, 2005CAMPOS, F. N. Contribuições das Oficinas Terapêuticas de Teatro na Reabilitação Psicossocial de Usuários de um Caps de Uberlândia-MG. Universidade Federal de Uberlândia. 2005. Disponível em: <http://www.webposgrad.propp.ufu.br/ppg/producao_anexos/014_Fernanda%20Nogueira%20Campos.pdf.> Acesso em: 10 fev. 2012.
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; MENDONÇA, 2005MENDONÇA, T. C. P. As Oficinas na Saúde Mental: Relato de uma Experiência na Internação. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Psicologia Ciência e Profissão, v. 25, n. 4, p. 626-635, 2005. Disponível em: <http://pepsic.bvs-psi.org.br/pdf/pcp/v25n41v25n4a11.pdf.> Acesso em: 16 jul. 2011.
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).

Cedraz e Dimenstein (2005)CEDRAZ, A.; DIMENSTEIN, M. Oficinas Terapêuticas no cenário da Reforma Psiquiátrica: modalidades desinstitucionalizantes ou não? Revista Mal-Estar e Subjetividade, v. V, n. 2, 2005, p. 300-327. Disponivel em: <http://redalyc.uaemex.mx/redalyc/pdf/271/27117013006.pdf.> Acesso em: 07 jun. 2011.
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afirmam que as oficinas terapêuticas estão intimamente ligadas ao princípio da Reabilitação Psicossocial, que busca inserir a pessoa com sofrimento mental na sociedade através de ações como a inserção do usuário em atividades artísticas, artesanais, no trabalho, entre outros. Por sua vez, Saraceno (2001)SARACENO, B. Reabilitação psicossocial: uma estratégia para a passagem do milênio. In: PITIA, A. (org.). Reabilitação Psicossocial no Brasil. 2. ed. São Paulo: HUCITEC, 2001. aponta que as oficinas encontram sua potencialidade na capacidade de romper com práticas manicomiais e permitir a conexão com a vida e as redes sociais, enfim, de produzir saúde.

Tendo como pressuposto a configuração das oficinas terapêuticas no contexto da Reforma Psiquiátrica, o presente estudo busca suscitar uma reflexão a seu respeito a partir das práticas de cuidado correntes dos trabalhos e das estratégias desenvolvidas junto aos familiares e usuários do CAPS II do município de Montes Claros, a partir da análise de suas percepções.

Metodologia

A metodologia utilizada foi fundamentada no método qualitativo. Realizou-se a pesquisa de campo com base na realização de entrevistas semi-estruturadas direcionadas aos usuários do CAPS II de Montes Claros e seus familiares.

Os critérios de seleção dos entrevistados se deram de forma intencional, levando-se em consideração: usuários que estavam em alta da permanência dia há no mínimo seis meses e máximo dois anos; o tempo que frequentaram o serviço sendo atendidos na permanência dia do CAPS II por um período de no mínimo três meses em uma das modalidades de atendimento ofertadas pelo serviço (não intensivo, semi-intensivo e intensivo); considerou-se, ainda, se possuíam boas condições de comunicação e os vínculos com esses serviços. A equipe profissional do CAPS II indicou o usuário e seu respectivo familiar.

Foram realizadas dezesseis entrevistas, com oito usuários e um dos seus respectivos familiares. Utilizou-se o critério de saturação para interromper o número de entrevistados. As entrevistas foram gravadas e transcritas. Os Termos de Consentimentos livres e esclarecidos foram assinados em duas vias pelos entrevistados para fins da realização da entrevista. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Estadual de Montes Claros sob o parecer nº 2800/2011.

Para a análise dos dados coletados utilizou-se a análise de conteúdo em que as categorias foram construídas internamente, ou seja, a partir das expressões comuns que emergiram das falas dos sujeitos entrevistados.

Resultados

A partir da leitura exaustiva e análise dos dados foi possível identificar quatro categorias que se destacam das expressões comuns dos usuários entrevistados do CAPS II de Montes Claros, e três dos familiares. É válido ressaltar que os nomes atribuídos a essas categorias são fragmentos das falas dos próprios entrevistados. Sendo que duas categorias coincidem entre familiares e usuários: ‘Ocupar o tempo’ e ‘Mente vazia oficina do diabo’. Como categoria de usuários tem-se: ‘O que você quer fazer hoje?’ e ‘Eu gostava mesmo era de conversar’. E dos familiares: ‘Eu não tive assim aquele conhecimento’.

A partir da análise da fala dos usuários entrevistados do CAPS II foi possível perceber que estes entendem as oficinas terapêuticas como instrumento para ocupar e preencher o tempo. Daí o nome da primeira categoria: ‘Ocupar o tempo’. Eles demonstram que o fato de ocupar o tempo serve para distração, como é percebido na seguinte fala:

Tinha jogar baralho, jogar sinuca esses negócios assim sabe? Para também passar o tempo, para distrair [...] eu achava ruim, depois que eu fui fazer os tapete é que eu descobri que era para fazer os tapetes, que era para ocupar o tempo sabe? (Usuário 7).

No entanto, chama atenção a fala de um usuário que aponta as oficinas terapêuticas como mera ferramenta para ocupação do tempo, não lhe acrescentando em nada, tendo em vista que não considera uma atividade considerada útil no tratamento.

Ah, eu entendia inútil, porque aquilo ali pra não ia me acrescentar em nada, que era uma coisa [...] só mesmo pra passar o tempo mesmo [...] porque igual eu fazer uma coisa que eu que que só pra você passar o tempo né. (Usuário 8).

Por sua vez, os familiares entrevistados compartilham a mesma percepção dos usuários. Demonstram que é mais benéfico ir para o CAPS II desenvolver alguma atividade do que ficar em casa com tempo ocioso.

Uma pessoa que tem o problema que ela teve ficar em casa, às vezes sem fazer nada e lá tendo um acompanhamento com as atividades passando um tempo é muito bom sim. (Familiar 8).

Nesse sentido, para os familiares entrevistados a expressão ‘ocupar o tempo’ representa uma das funções das oficinas terapêuticas:

Ah, ela fazia pra igual eu to falando, pra ocupar o tempo. (Familiar 2).

Pois é, quando ela ficou ruim mesmo né, assim sem condição, ela ia ficava lá o dia todo pra passar o dia e acabava ocupando o tempo. (Familiar 8).

Os usuários entrevistados percebem que as oficinas terapêuticas por eles realizadas no CAPS II serviam para distrair, para ocupar, para melhorar a mente e deixá-la mais leve. A partir de então se obteve a segunda categoria: ‘Mente vazia oficina do diabo’. Eles consideram importante ter sempre algo para fazer, pois muitos relatam que antes de participarem das oficinas terapêuticas tinham pensamentos ruins e depois passaram a pensar em coisas boas. É possível identificar essa ideia no seguinte trecho:

Pra melhoria né, pra ocupar mais a mente, pra gente não ficar com a mente vazia, pensando besteira, então você fazendo as atividades vocês esquece [...] você vai ficar ah, o quê que eu to fazendo nesse mundo e tudo essas coisa, coisinha banais sabe, que acaba prejudicando a saúde da pessoa então assim, pra mim poder ficar parada eu prefiro fazer alguma coisa. (Usuário 4).

Também é possível identificar nas falas dos familiares entrevistados a percepção de que mente vazia é oficina do diabo. Assim, a ocupação da mente é imprescindível para amenizar a ociosidade, que é vista de maneira negativa, como se pode observar:

Inclusive os que têm a mente saudável precisa de atividade, porque a ociosidade, como diz é cabeça fechada é oficina do diabo num é? [...] Então a ocupação, a terapia ocupacional é muito Importante, até pra quem num precisa dela. (Familiar 5).

Quando a pessoa tá fazendo algum tipo de atividade ela tá exercendo a mente e se ela ficasse lá sem fazer nada às vezes assim poderia não tá ajudando. (Familiar 8).

Eu aprendi que a gente tem que fazer alguma coisa na vida, não pode ficar parado, tem que exercer uma função porque mente vazia é oficina do diabo, né? (Usuário 4).

Os familiares entrevistados têm duas percepções quanto à utilidade das oficinas terapêuticas, uma é que elas fazem parte do tratamento ofertado pelo serviço e a outra é que as oficinas atestam o resultado do tratamento. Eles ainda entendem que a ocupação da mente serve para melhorar o desenvolvimento dos usuários:

Através dos trabalhos né, e eu acho que a pessoa ocupa a mente também né, e fala que mente vazia é oficina do diabo [..] essas oficinas também pra eles melhorou bastante né que a pessoa ocupa a mente né e vai trabalhando, desenvolvendo, e vai melhorando essa metade da pessoa. (Familiar 2).

É possível identificar que os usuários entrevistados possuem liberdade para escolher a atividade que querem realizar, uma vez que são indagados com a seguinte expressão: ‘O que é que você quer fazer hoje?’. Alguns afirmam que escolhem o que gostam de fazer. Eles também demonstram que têm autonomia para não fazer alguma atividade se não querem e que as fazem por espontânea vontade.

O paciente escolhia o que queria fazer né, então era assim o que o paciente gostava de fazer, que às vezes um gostava de fazer uma coisa, [...] ai o que ele gostava, participar participava de todas né, o que ele gostava, gostava de fazer, ele fazia. [...] Que você vai desenvolvendo, fazendo a coisa que você gosta, você tem a oportunidade, eles te dão a oportunidade de fazer coisas que você gosta né, não te obriga a nada, você escolhe né, então é importante pro paciente melhorar né. (Usuário 2).

Eu escolhia, porque eu é que escolhi o tapete sabe? Tinha mais atividade, mas aí a menina falou assim para mim escolher, aí eu escolhi fazer o tapete. (Usuário 1).

Entretanto, identificou-se que essa liberdade de escolha está restrita às poucas opções existentes no CAPS II, como se observa:

Ah, lá você escolhe o que você quer fazer, lá ninguém fala: “Você vai fazer isso, você vai fazer aquilo” você escolhe o que você vai fazer, mas, era limitado. (Usuário 8).

Eles falavam: “o que você quer fazer hoje, boneca ou tapete?” às vezes eu queria boneca, às vezes tapete. (Usuário 1).

Mediante a fala dos usuários entrevistados, denota-se que as oficinas terapêuticas propiciam um espaço para o diálogo e vários deles assumem que o que gostavam de fazer era conversar, nas próprias palavras: ‘Eu gostava mesmo era de conversar’. Assim verifica-se:

Eu fazia crochê, aquele fuxico essas coisa, na época né eu até nem gostava de fazer, que na verdade o que eu gostava mesmo era de conversar, porque eu fico muito só, quando eu encontro alguém pra conversar eu converso muito e aí o crochê eu fazia em casa, trazia o bordado e trazia em casa, ficava mais conversando. (Usuário 8).

Nas falas dos familiares entrevistados, verifica-se pouco conhecimento sobre o CAPS II, surge então a categoria: ‘Eu não tive assim aquele conhecimento’. Eles demonstram que há falta de conhecimento sobre a forma como as oficinas terapêuticas funcionam e sua finalidade no tratamento:

Eu conheço, mais ali é pouco né, eu ia lá só pra buscar ela, levar [...] é igualzinho eu falei, que eu tenho pouco conhecimento, eu não posso acrescentar porque ne e não tive assim aquele conhecimento, eu não tive lá assim muito adentro assim pra mim falar. (Familiar 2).

Eu não tive assim aquele contato diretamente dentro do CAPS, [...] eu só ia lá se se quando as pessoas, se os funcionários do CAPS né entravam em contato comigo, ai eu ia até lá, mas só até a portaria, lá dentro mesmo do CAPS mesmo eu nunca tive assim um acompanhamento com eles diretamente. (Familiar 4).

Discussão

“Eu gostava mesmo era de conversar”

Os usuários entrevistados demonstram que as oficinas terapêuticas proporcionam um espaço para conversa. Alguns relatam que gostavam de conversar. Considera-se, nesse sentido, que, ao conversarem, têm a oportunidade de estabelecer uma interação no âmbito do CAPS e no âmbito da sociedade. Esses aspectos se referem a um dos grandes objetivos das oficinas terapêuticas, que diz respeito à reinserção social. Entendida como uma forma de se reconstruir as perdas que possam ter ocorrido, de maneira que a pessoa com sofrimento mental tenha condições de reconstruir sua rede social e exercer de forma plena a sua cidadania (OBID, 2007Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas (OBID). Reinserção Social: definição. 2007. Disponível em:<http://www.obid.senad.gov.br/portais/OBID/index.php.> Acesso em: 18 mar. 2012.
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).

A partir do paradigma da atenção psicossocial, os serviços substitutivos, entre eles o CAPS, enquanto espaço prioritário para o tratamento na crise, objetivam inserir as pessoas com sofrimento mental na teia social, pois o atendimento a essas pessoas pauta-se na “coletividade de seus relacionamentos afetivos, sociais, familiares e comunitários” (AZEVEDO; MIRANDA, 2011, p. 340AZEVEDO, D. M.; MIRANDA, F. A. N. de. Oficinas Terapêuticas como instrumento de Reabilitação Psicossocial: Percepção de Familiares. Escola Anna Nery Revista de Enfermagem, v. 15, n. 2, p. 339-345, 2011.). A reinserção social é, portanto, um meio que possibilita recuperar estas pessoas enquanto cidadãos (RAUTER, 2000RAUTER, C. Oficinas para quê? Uma proposta ético-estético-política para oficinas terapêuticas. In: AMARANTE, P. (org). Ensaios: Subjetividade, Saúde Mental, Sociedade Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2000, p. 267-277. (Loucura e Civilização).). Nesse sentido, as oficinas terapêuticas se inserem na lógica da atenção psicossocial, e se destacam por se constituírem “novas formas de acolhimento, de convivência, de mediações do diálogo e de acompanhamento que associa a clínica à política” (RIBEIRO et al., 2008, p. 517RIBEIRO, L.; SALA, A. L. B.; OLIVEIRA, A. G. B. As Oficinas Terapêuticas nos Centros de Atenção Psicossocial. Revista Mineira de Enfermagem, v. 12, n. 4, p. 516-522, out./dez., 2008. Disponível em: <http://www.enf.ufmg.br/site_novo/modules/mastop_publish/files/files_4c0e44e2ac0fd.pdf.> Acesso em: 22 ago. 2011.
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).

As oficinas terapêuticas também são caracterizadas como atividades grupais que devem proporcionar a socialização, a expressão c a inserção social (BRASIL, 2004BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde; Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Saúde Mental no SUS: os Centros de Atenção Psicossocial. Brasília, Ministério da Saúde, 2004.). Enquanto atividade grupal e não isolada, a lógica dessas atividades consiste na troca de experiências, de ideias, de saberes, o que tem como um dos principais meios de viabilização o diálogo, a comunicação verbal. Nesse sentido, as oficinas terapêuticas buscam dar espaço à subjetividades de cada indivíduo, recuperando-o na sua singularidade e historicidade (GUERRA, 2000GUERRA, A. M. C. Oficinas em Saúde Mental: percurso de uma história, fundamentos de uma prática. In: OFICINAS EM SAÚDE MENTAL: percurso de uma história, fundamentos de uma prática. Rio de Janeiro: Contracapa, 2000.). Como menciona Rauter (2000)RAUTER, C. Oficinas para quê? Uma proposta ético-estético-política para oficinas terapêuticas. In: AMARANTE, P. (org). Ensaios: Subjetividade, Saúde Mental, Sociedade Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2000, p. 267-277. (Loucura e Civilização)., estas também devem ser um caminho para proporcionar aos usuários dos serviços de saúde mental o acesso aos meios de comunicação.

Azevedo e Miranda (2011, p. 341)AZEVEDO, D. M.; MIRANDA, F. A. N. de. Oficinas Terapêuticas como instrumento de Reabilitação Psicossocial: Percepção de Familiares. Escola Anna Nery Revista de Enfermagem, v. 15, n. 2, p. 339-345, 2011. corroboram com esta ideia, afirmando que as oficinas podem ser consideradas terapêuticas “quando possibilitarem aos usuários dos serviços um lugar de fala, expressão e acolhimento”. Segundo Valladares et al., (2003)VALLADARES, A. C. A. et. al. Reabilitação psicossocial através das oficinas terapêuticas e/ou cooperativas sociais. Revista Eletrônica de Enfermagem, v. 5, n. 1, p. 4-9, 2003. Disponível em: <http:/www.fen.ufg.br/revista>. Acesso em: 27 mar. 2012.
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as oficinas terapêuticas configuram-se como um processo que permite aos usuários expressarem seus sentimentos, suas emoções e suas vivências singulares. O diálogo e a conversa constituem-se, assim, como meios de grande importância para o alcance dessas expressões. Ribeiro et al. (2008, p. 518)RIBEIRO, L.; SALA, A. L. B.; OLIVEIRA, A. G. B. As Oficinas Terapêuticas nos Centros de Atenção Psicossocial. Revista Mineira de Enfermagem, v. 12, n. 4, p. 516-522, out./dez., 2008. Disponível em: <http://www.enf.ufmg.br/site_novo/modules/mastop_publish/files/files_4c0e44e2ac0fd.pdf.> Acesso em: 22 ago. 2011.
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consideram que “na atenção psicossocial, a maior conquista se dá na prática do diálogo, no respeito às singularidades e aos direitos daqueles que utilizam os serviços e querem ser ouvidos e considerados em sua totalidade biopsicossocial”.

Os usuários entrevistados, a partir de suas falas, demonstram que sua participação nas oficinas terapêuticas desenvolvidas no CAPS II tem possibilitado que estes desenvolvam a conversa, o diálogo. Entende-se ser este um passo significativo rumo ao alcance dos objetivos das oficinas terapêuticas, uma vez que, compreendê-las como espaço para conversa significa atribuir-lhes o seu caráter interativo e socializador, caráter este que se mostra condizente com os pressupostos da Reforma Psiquiátrica.

‘Eu não tive assim aquele conhecimento’

Ao demonstrarem, através de suas falas, o pouco conhecimento sobre os serviços desenvolvidos no CAPS II, os familiares entrevistados reforçam a ideia de que ainda persiste um grande desafio de inclusão dos familiares no âmbito dos projetos terapêuticos dos usuários voltados para a saúde e para a vida em suas diversas dimensões sociais e afetivas (AZEVEDO; MIRANDA, 2011AZEVEDO, D. M.; MIRANDA, F. A. N. de. Oficinas Terapêuticas como instrumento de Reabilitação Psicossocial: Percepção de Familiares. Escola Anna Nery Revista de Enfermagem, v. 15, n. 2, p. 339-345, 2011.). Além disso, é preciso destacar que a relação entre profissionais de saúde mental e as pessoas com sofrimento psíquico e seus familiares foi historicamente distanciada (CAMATTA; SCHNEIDER, 2009CAMATTA, M. W.; SCHNEIDER, J. F. Visão da família sobre o trabalho de profissionais de Saúde Mental de um Centro de Atenção Psicossocial. Revista de Enfermagem, v. 13, n. 3, p. 477-484, 2009.).

Os familiares entrevistados relatam que iam ao CAPS II apenas levar e buscar seu familiar, o que traz como consequência um desconhecimento destes a respeito dos serviços ofertados pelo CAPS e das atividades desenvolvidas em seu âmbito, dentre elas as oficinas terapêuticas. Tal achado aponta para um distanciamento a ser superado entre familiares e serviços em direção à construção de projetos de vida contextualizados à realidade dos usuários e suas relações. A falta de conhecimento sobre as práticas do serviço, entre elas, as oficinas terapêuticas, poderá se colocar como um grande obstáculo ao desenvolvimento desse serviço. A família deve ser parceira dos serviços de saúde mental, o que se expressa não apenas no conhecimento do serviço no qual o seu familiar está inserido, mas também na participação ativa nos cuidados desenvolvidos.

Diante desse debate, é relevante destacar a importância que os profissionais do CAPS têm no processo de inserção ou aproximação dos familiares ao serviço. Cabendo-lhes a tarefa de desenvolver junto a eles a corresponsabilidade no tratamento do usuário (AZEVEDO; MIRANDA; 2011AZEVEDO, D. M.; MIRANDA, F. A. N. de. Oficinas Terapêuticas como instrumento de Reabilitação Psicossocial: Percepção de Familiares. Escola Anna Nery Revista de Enfermagem, v. 15, n. 2, p. 339-345, 2011.). Entretanto, essa aproximação não é um processo estável, nem fácil, mas é extremamente necessário, pois o trabalho conjunto entre CAPS e família é importante para não se fragmentar o cuidado (SCHRANK; OLSCHOWSKY, 2008SCHRANK, G.; OLSCHOWSKY, A. O Centro de Atenção Psicossocial e as estratégias para inserção da família. Revista Escola de Enfermagem - USP, v. 42, n. 1, p. 127-134, 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v42n1/17.pdf.> Acesso em: 25 mar. 2012.
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). Como apontam Bielemann et al., (2009)BIELEMANN, V. L. M.; et al. A inserção da familia nos Centros De Atenção Psicossocial sob a ótica de seus atores sociais. Texto e Contexto Enfermagem, Florianópolis, v. 18, n. 1, p. 131-139, 2009., sobre a família hoje, o serviço precisa estar com as portas abertas à inserção desta família, integrando-a e incentivando sua participação frente às atividades desenvolvidas pelo serviço, ao mesmo tempo, dando suporte para que essa possa conjuntamente contribuir para a manutenção da saúde do usuário do serviço (BIELEMANN et al., 2009, p. 132BIELEMANN, V. L. M.; et al. A inserção da familia nos Centros De Atenção Psicossocial sob a ótica de seus atores sociais. Texto e Contexto Enfermagem, Florianópolis, v. 18, n. 1, p. 131-139, 2009.).

A proximidade da família com o CAPS e com os profissionais também se mostra pertinente por possibilitar a esta maior condição de enfrentamento das dificuldades vivenciadas no seu cotidiano com o usuário, dando-a possibilidade de enfrentá-las de forma menos dolorosa (CAMATTA; SCHNEIDER, 2009CAMATTA, M. W.; SCHNEIDER, J. F. Visão da família sobre o trabalho de profissionais de Saúde Mental de um Centro de Atenção Psicossocial. Revista de Enfermagem, v. 13, n. 3, p. 477-484, 2009.).

Ocupar o tempo’

A partir da análise dos dados coletados, pode-se inferir que tanto os usuários entrevistados do CAPS II quanto seus familiares entrevistados têm uma visão distanciada das funções das oficinas terapêuticas, que devem se prestar a desenvolver a socialização, expressão e inserção social dos usuários da saúde mental e atenção psicossocial (VALLADARES et al., 2003, p. 5VALLADARES, A. C. A. et. al. Reabilitação psicossocial através das oficinas terapêuticas e/ou cooperativas sociais. Revista Eletrônica de Enfermagem, v. 5, n. 1, p. 4-9, 2003. Disponível em: <http:/www.fen.ufg.br/revista>. Acesso em: 27 mar. 2012.
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). Para a maioria dos entrevistados prevalece a opinião de que o trabalho ali realizado é mera ocupação do tempo. A ideia de que a ociosidade é prejudicial ao tratamento é constante e seria, portanto, atribuição do serviço mantê-los sempre em exercício. Sobre tal perspectiva Cedraz (2006, p. 314)CEDRAZ, A. Nem tudo que reluz ê ouro: oficinas terapêuticas no cenário da Reforma Psiquiátrica. 2006. Disponível em: <http://bdtd.bczm.ufrn.br/tedesimplificado/tde_arquivos/1/TDE-2007-02-16T012418Z-S51/Publico/AriadneC.pdf.> Acesso em: 07 jun. 2011.
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escreve que

há uma expectativa de que as horas passadas no serviço possam ser ocupadas integralmente com atividades que preencham o excesso de tempo disponível e aliviem o sofrimento. [...] Assim sendo, a ausência de oficina significa, para o usuário, ausência de tratamento, ao invés de ser motivo para criação espontânea de uma atividade qualquer ou simplesmente possibilidade de usufruir um tempo livre, para a produção de novos circuitos, redes sociais e afetivas. (CEDRAZ, 2006, p. 314CEDRAZ, A. Nem tudo que reluz ê ouro: oficinas terapêuticas no cenário da Reforma Psiquiátrica. 2006. Disponível em: <http://bdtd.bczm.ufrn.br/tedesimplificado/tde_arquivos/1/TDE-2007-02-16T012418Z-S51/Publico/AriadneC.pdf.> Acesso em: 07 jun. 2011.
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).

Valladares et al., (2003, p. 6)VALLADARES, A. C. A. et. al. Reabilitação psicossocial através das oficinas terapêuticas e/ou cooperativas sociais. Revista Eletrônica de Enfermagem, v. 5, n. 1, p. 4-9, 2003. Disponível em: <http:/www.fen.ufg.br/revista>. Acesso em: 27 mar. 2012.
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expõe que nos antigos moldes de tratamento psiquiátrico, os objetivos dos trabalhos em oficinas eram “ocupação do tempo, entretenimento e não ficar sem fazer nada.” Contudo, após a Reforma Psiquiátrica, a expectativa é de que as habilidades fossem desenvolvidas, a autonomia e o poder contratual fossem aumentados, possibilitando que a singularidade e o desenvolvimento das potencialidades criativas sejam valorizadas e que mais um passo seja dado rumo à reinserção social (VALLADARES et al., 2003VALLADARES, A. C. A. et. al. Reabilitação psicossocial através das oficinas terapêuticas e/ou cooperativas sociais. Revista Eletrônica de Enfermagem, v. 5, n. 1, p. 4-9, 2003. Disponível em: <http:/www.fen.ufg.br/revista>. Acesso em: 27 mar. 2012.
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).

A concepção de que o ócio abre espaço para pensamentos ruins está bem arraigada no pensamento dos usuários e familiares entrevistados. Há o temor de que não participar efetivamente das oficinas terapêuticas possa piorar o estado mental dos usuários. Portanto, eles compreendem que a ocupação da mente é essencial para sua real recuperação. Esse pensamento de que a participação nas oficinas terapêuticas objetiva preencher a mente, parte do pressuposto de que as oficinas estão restritas a terapias de distração capazes de reduzir a expressão agressiva dos indivíduos, sendo este o mecanismo da terapêutica (VALLADARES et al., 2003VALLADARES, A. C. A. et. al. Reabilitação psicossocial através das oficinas terapêuticas e/ou cooperativas sociais. Revista Eletrônica de Enfermagem, v. 5, n. 1, p. 4-9, 2003. Disponível em: <http:/www.fen.ufg.br/revista>. Acesso em: 27 mar. 2012.
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).

No entanto, perceber as oficinas terapêuticas do CAPS II como simples canais para a agressividade e tratamento da crise denota uma perspectiva antiga, condizente com o modo de tratar anterior à Reforma Psiquiátrica. Atualmente, almeja-se com eles o rompimento com o isolamento, bem como a introdução no mundo social, entre outros fatores (VALLADARES et al., 2003VALLADARES, A. C. A. et. al. Reabilitação psicossocial através das oficinas terapêuticas e/ou cooperativas sociais. Revista Eletrônica de Enfermagem, v. 5, n. 1, p. 4-9, 2003. Disponível em: <http:/www.fen.ufg.br/revista>. Acesso em: 27 mar. 2012.
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).

A ideia das oficinas como meios de preencher as lacunas da mente parece estar se consolidando, tendo em vista que esta é recorrente na fala dos usuários e familiares entrevistados do CAPS. Entretanto, deve-se ter em mente que “[...] as oficinas terapêuticas devem ter caráter transformador [...]” (CEDRAZ, 2006, p. 80-81CEDRAZ, A. Nem tudo que reluz ê ouro: oficinas terapêuticas no cenário da Reforma Psiquiátrica. 2006. Disponível em: <http://bdtd.bczm.ufrn.br/tedesimplificado/tde_arquivos/1/TDE-2007-02-16T012418Z-S51/Publico/AriadneC.pdf.> Acesso em: 07 jun. 2011.
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). O caráter de entretenimento das oficinas, segundo Saraceno (2001)SARACENO, B. Reabilitação psicossocial: uma estratégia para a passagem do milênio. In: PITIA, A. (org.). Reabilitação Psicossocial no Brasil. 2. ed. São Paulo: HUCITEC, 2001., apresenta duas vertentes: uma vertente de atividade voltada para reprodução de enfermidades e controle social e outra, de produção de saúde através de construção de laços, relações, descobertas de potencialidades e espaços de expressão e compartilhamento de dificuldades e conflitos. Na perspectiva da atenção psicossocial, as oficinas terapêuticas devem romper com a lógica de entretenimento como ocupação do tempo.

‘O que é que você quer fazer hoje?’

Foi possível identificar que, durante sua permanência no CAPS II, os usuários entrevistados possuíam liberdade para escolher a atividade que queriam realizar. Alguns afirmam que escolhiam o que gostavam de fazer. Também revelam que tinham autonomia para não fazerem alguma atividade se não quisessem. A esse respeito, percebe-se que as oficinas terapêuticas não devem estar embasadas em cronogramas fechados de trabalho, em “[... ] que se dita o quê, como ou quando fazer, em detrimento da escolha, da invenção, das necessidades dos usuários no contexto de sua subjetividade e de seu sofrimento mental ou uso de drogas” (AZEVEDO; MIRANDA, 2011, p. 343AZEVEDO, D. M.; MIRANDA, F. A. N. de. Oficinas Terapêuticas como instrumento de Reabilitação Psicossocial: Percepção de Familiares. Escola Anna Nery Revista de Enfermagem, v. 15, n. 2, p. 339-345, 2011.). No entanto é importante ressaltar que as vivências das oficinas terapêuticas por si só não garantem que os usuários desfrutem das suas próprias vontades, pretensões e anseios, em condições reais de experiências no “trabalho-arte-aprendizagem” (AZEVEDO; MIRANDA, 2011, p. 345AZEVEDO, D. M.; MIRANDA, F. A. N. de. Oficinas Terapêuticas como instrumento de Reabilitação Psicossocial: Percepção de Familiares. Escola Anna Nery Revista de Enfermagem, v. 15, n. 2, p. 339-345, 2011.).

Campos (2005)CAMPOS, F. N. Contribuições das Oficinas Terapêuticas de Teatro na Reabilitação Psicossocial de Usuários de um Caps de Uberlândia-MG. Universidade Federal de Uberlândia. 2005. Disponível em: <http://www.webposgrad.propp.ufu.br/ppg/producao_anexos/014_Fernanda%20Nogueira%20Campos.pdf.> Acesso em: 10 fev. 2012.
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afirma que, em se tratando das oficinas terapêuticas, deve-se saber despertar e respeitar a vontade de cada um, mesmo que em alguns dias a pessoa possa estar quieta e desinteressada e não faça nada. Nem sempre deve-se cobrar sua participação, uma vez que deixá-la procurar de forma espontânea as atividades, acaba fazendo com que novas coisas nasçam, e o que se deve fazer nessas horas é procurar viabilizar sempre que possível o desejo deste usuário.

‘Mente vazia, oficina do diabo’

Um aspecto que merece destaque é a forma frequente com a qual os usuários e seus familiares entrevistados recorrem ao dito popular “Mente vazia, oficina do diabo” para expressar o que lhes representa a participação nas oficinas terapêuticas. Eles compartilham a opinião de que a falta de atividades para preencher a mente faz com que esta fique permeada por pensamentos ruins, os quais são potencialmente prejudiciais ao processo de reabilitação. O que justifica que os entrevistados percebem as oficinas terapêuticas de forma positiva, pois propiciam e estimulam o desenvolvimento de atividades. Tal recorrência exemplifica quão relevante é o senso comum nas múltiplas visões de mundo da sociedade em geral. Sobre a onipresença do senso comum na vida cotidiana Azevedo (2008, p.2)AZEVEDO, R. Senso comum, samba e discurso popular. Boitatá – Revista do GT de Literatura Oral e Popular da ANPOLL. 2008. Disponivel em: <http://www.uel.br/revistas/boitata/Volume-S-2008/Artigo_Ricardo_Azevedo.pdf.> Acesso em: 15 fev. 2012.
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afirma que “[...] o mundo da nossa vida cotidiana, mundo da nossa subjetividade e das nossas idiossincrasias, está impregnado de senso comum e este constitui parte vital do que chamamos de ‘realidade’”.

Rodrigues et. al.(2010)RODRIGUES, R. C.; MARINHA, T. P. C.; AMORIM, P. Reforma psiquiátrica e inclusão social pelo trabalho. Ciência & Saúde Coletiva, 15, n. supl. 1, p. 1615-1625, 2010. Disponível em: <http://www.scielosp.org/pdf/csc/v15s1/073.pdf.> Acesso em: 25 mar. 2012.
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, em um estudo realizado no CAPS de Goiânia (GO), em 2005, identificou a mesma e influente presença do discurso popular quanto ao processo de tratamento de usuários do serviço CAPS II em Montes Claros (MG). Sobre essas percepções, Rodrigues et. al. (2010, p. 1620)RODRIGUES, R. C.; MARINHA, T. P. C.; AMORIM, P. Reforma psiquiátrica e inclusão social pelo trabalho. Ciência & Saúde Coletiva, 15, n. supl. 1, p. 1615-1625, 2010. Disponível em: <http://www.scielosp.org/pdf/csc/v15s1/073.pdf.> Acesso em: 25 mar. 2012.
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relatam que “os participantes narram a necessidade de estarem em atividades, para substituírem preocupações ou pensamentos negativos”. E estes mesmos participantes recorrem também ao dito popular ‘mente vazia, oficina do diabo’.

Segundo Oliveira (2009)OLIVEIRA, D. G. S. A Ciência, o Senso Comum e as suas contribuições para o conhecimento. Revista Acadêmica Eletrônica, v. 2, n. 1, p. 1-8, 2009. Disponível em: <http://www.facsumare.edu.br/Arquivos/1/raes/02/raesed02_artigo01.pdf.> Acesso em: 27 mar. 2012.
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, os ditados, ditos populares e provérbios afirmam a cultura popular passada de geração em geração com base em experimentações naturais e evidências cotidianas. Assim, através desses provérbios, o senso comum apresenta hipóteses, as quais tentam “[...] prever fenômenos naturais ou explicar comportamentos psicológicos ou biológicos [...] Por meio de suas formas de generalizações, percebe-se que o fundamento do senso comum é as observações das evidências e experiências diárias somadas” (OLIVEIRA, 2009, p. 5OLIVEIRA, D. G. S. A Ciência, o Senso Comum e as suas contribuições para o conhecimento. Revista Acadêmica Eletrônica, v. 2, n. 1, p. 1-8, 2009. Disponível em: <http://www.facsumare.edu.br/Arquivos/1/raes/02/raesed02_artigo01.pdf.> Acesso em: 27 mar. 2012.
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).

Nesse sentido, a percepção dos entrevistados neste estudo quanto ao tratamento por meio das oficinas terapêuticas não foge a essa concepção popular, uma vez que infere-se que a opinião deles é extremamente influenciada pelo senso comum.

Considerações finais

As oficinas terapêuticas, a partir da Reforma Psiquiátrica, constituem em uma das principais atividades desenvolvidas no CAPS, enquanto serviços que têm o potencial de empoderamento dos usuários na reconstrução de suas relações e projetos de vida. Pautam-se na compreensão do usuário enquanto cidadão, devendo, portanto promover inserção social, autonomia e desenvolvimento de habilidades.

No âmbito do CAPS II de Montes Claros (MG), os usuários e seus familiares entrevistados demonstraram, na maioria dos casos, uma percepção das oficinas terapêuticas que se afasta de seus objetivos terapêuticos, pois percebem que elas têm a função de preencher o tempo ocioso, distrair a mente para não ‘pensar em coisas ruins’. Já outros objetivos foram alcançados, uma vez que muitos usuários encontraram nelas um espaço aberto ao diálogo, pois propiciam a eles a oportunidade de comunicação e interação social. Percebe-se, também, que o princípio da autonomia é respeitado, porque alguns usuários relatam que possuem a liberdade de escolherem em qual atividade participar. Quanto aos familiares, pôde-se perceber um conhecimento precário quanto à condução do tratamento e participação nas oficinas terapêuticas no âmbito do serviço.

Ao verificar o distanciamento entre o serviço do CAPS e os familiares entrevistados, este estudo aponta para a necessidade de ações para aproximação destes. É preciso, por parte do CAPS, um convite à participação dos familiares no cuidado dos usuários. Apesar de este estudo apresentar as percepções de usuários e familiares quanto às oficinas terapêuticas, entende-se, também, ser de suma relevância conhecer as percepções dos profissionais que estão inseridos nesse contexto, para conhecer se suas percepções aproximam-se ou não do entendimento dos usuários e seus familiares. Deste modo, pode-se obter uma visão mais abrangente do processo das oficinas no tratamento em saúde mental nos novos dispositivos da atenção psicossocial.

Por sua vez, faz-se necessário o desenvolvimento de outros estudos que possam produzir uma análise sobre as ações desenvolvidas pelo serviço, se elas estão conectadas com a produção de transformações rumo à qualidade de vida e saúde de seus usuários.

  • Suporte financeiro: não houve.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Ago 2023
  • Data do Fascículo
    Dez 2013

Histórico

  • Recebido
    01 Mar 2013
  • Aceito
    01 Maio 2013
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