Saúde global e responsabilidade sanitária brasileira: o caso da erradicação da poliomielite

Global health and brazilian health responsibility: the case of polio eradication

Ana Luísa Teixeira da Costa Durante Mario Roberto Dal Poz Sobre os autores

Resumos

A poliomielite foi declarada uma emergência global em 2012, após surtos ocorridos em países anteriormente livres da doença. Estudos apontam que, se a erradicação global falhar, haverá o ressurgimento mundial da doença. Apesar da pólio já ter sido erradicada no Brasil, o país tem um valioso papel a cumprir no cenário internacional, particularmente nos aspectos técnicos e no apoio político à Iniciativa Global de Erradicação da Pólio. As estratégias adotadas têm sido utilizadas como referências e replicadas em muitos outros países. Além disso, a liderança brasileira na erradicação ajudou a abrir caminhos para ampliar a imunização nas Américas e no mundo.

Poliomielite; Erradicação de Doença; Saúde Mundial; Cooperação Internacional


Polio was declared a global emergency in 2012 after outbreaks in previously polio-free countries. Studies indicate that if the global eradication of polio fails the resurgence of this disease will take place worldwide. Although polio has been eradicated in Brazil, the country has a valuable role to play in the International Community, particularly in technical and political support to the Global Polio Eradication Initiative. The strategies adopted have been used as references and replicated in many other countries. Moreover, Brazil's leadership in eradicating polio helped pave the way to broaden immunization in the Americas and worldwide.

Poliomyelitis; Disease Eradication; World Health; International Cooperation


Introdução

Em 2012, a poliomielite foi declarada uma emergência global, depois de serem registrados surtos considerados explosivos em países que, até então, estavam livres da doença. Esta ação da Organização das Nações Unidas (ONU) vem na esteira da decisão tomada em maio de 2012, na Assembleia Mundial da Saúde, que declarou a erradicação da pólio como sendo uma "emergência programática para a saúde pública global". (ROTARY INTERNATIONAL, 2012).

De acordo com Aylward (2012), nos anos de 2010 e 2011 ocorreram grandes surtos de poliomielite em três continentes : Europa, África e Ásia. Em alguns casos, 50% dos infectados morreram. Embora o vírus esteja restringido a somente Afeganistão, Paquistão e Nigéria, outras nações estão em risco de importá-lo desses países. Ainda de acordo com esse autor, tais surtos mostram que, se a erradicação falhar, ocorrerá um ressurgimento maligno e em grande escala da doença, com consequências difíceis de serem previstas.

Com a declaração de emergência global é provável que mais estados-membros da ONU deem suporte à iniciativa de erradicação, lançada em 1988 pelo Rotary em parceria com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância - em inglês, United Nations Children's Fund) e o CDC (Centers for Disease Control and Prevention, sem tradução para o português). Os mais novos parceiros na iniciativa são a Fundação Bill e Melinda Gates e a Fundação das Nações Unidas. (ROTARY INTERNATIONAL, 2012).

Este artigo discute e traz evidencias sobre os esforços globais e regionais para a erradicação da pólio, buscando examinar os investimentos correntes, além das tendências de financiamento e os sucessos alcançados.

Sobre a doença

A poliomielite é uma doença infectocontagiosa viral aguda, descrita desde a Antiguidade, porém, reconhecida como problema de saúde pública somente no final do século XIX, quando epidemias começaram a ser registradas em vários países do mundo.

A nomenclatura Poliomielite tem origem greco-latina, a saber: pólios = cinzento, mielos = medula e ite = inflamação (CAMPOS ET AL., 2003, P. 596).

Sua etiologia infecciosa foi descoberta somente em 1908. É causada por três tipos de poliovírus (I, II e II) e manifesta-se, em grande parte, por infecções inaparentes ou quadro febril inespecífico, entre 90% e 95% dos casos. Nos quadros mais severos, a poliomielite pode manifestar-se com meningite asséptica, formas paralíticas e causar óbito.

As formas paralíticas representam cerca de 1% a 1,6% dos casos e possuem características típicas: paralisia flácida de início súbito, em geral, nos membros inferiores, de forma assimétrica; diminuição ou abolição de reflexos profundos na área paralisada; sensibilidade conservada e arreflexia no segmento atingido, e persistência de alguma paralisia residual após 60 dias do início da doença. A transmissão pode ocorrer de pessoa a pessoa, através de secreções nasofaríngeas, ou principalmente através de objetos, água e alimentos contaminados com fezes de doentes ou portadores. O período de incubação varia de 2 a 30 dias, e 3 tipos de enterovírus (os polivírus tipos 1, 2 e 3) podem causar a poliomielite. São esses agentes que determinam a imunidade sorotipo específica de longa duração (SILVA; CAMARA, 2011).

Quando um indivíduo suscetível à doença é exposto à infecção, na maioria das vezes desenvolve uma infecção inaparente ou tem sintomas leves (febre, mal-estar, náuseas, vômitos, constipação, dor abdominal e, eventualmente, sinais meníngeos); menos de 1% das infecções pelos poliovírus resultam na forma paralítica da doença, que ocorre após um período de incubação de 7 a 14 dias. As taxas de letalidade variam entre 5% e 10%, sendo mais elevadas em adultos do que em crianças.

A pólio no Brasil

No Brasil, os primeiros relatos de casos esporádicos de poliomielite foram registrados no início de 1911, em São Paulo (SP), pelo Dr. Luiz Hoppe - Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, e, no Rio de Janeiro (RJ), pelo Dr. Oswaldo Oliveira - Hospital Misericórdia. Porém, a primeira descrição de um surto no País, foi feita pelo pediatra carioca Fernandes Figueira, também em 1911. Posteriormente, em 1917, Francisco de Salles Gomes descreveu outro surto em Vila Americana, no Estado de São Paulo (MAYNARD; HEADLEY, 2000).

Em 1986, foi criado, no Brasil, o Grupo de Trabalho para a erradicação da poliomielite (GT-poliomielite), com os objetivos de dar maior eficiência ao programa de vacinação, fazer um acompanhamento mais refinado do comportamento epidemiológico da poliomielite e desencadear as medidas de controle necessárias, supervisionadas e avaliadas adequadamente.

O último caso de infecção pelo poliovírus selvagem diagnosticado no Brasil ocorreu em 1989, na cidade de Souza (PB) (BRASIL, 2009).

Em 1990, o Brasil direcionou o programa para o cumprimento dos critérios estabelecidos pela Comissão Internacional de Certificação da Erradicação da Poliomielite. A estratégia adotada para a erradicação no País foi centrada na realização de campanhas de vacinação em massa com a vacina oral contra a pólio (VOP), que, além de propiciar imunidade individual, aumenta a imunidade de grupo na população em geral, através da disseminação do poliovírus vacinal no meio ambiente, em curto espaço de tempo (BRASIL, 2009).

Dois fatores foram decisivos para a erradicação da poliomielite no Brasil: os elevados níveis de cobertura vacinal obtidos nas campanhas nacionais, a partir de 1988, e o aumento do poder imunogênico da vacina utilizada no País, pela substituição do componente P3 até então utilizado (BRASIL, 2009).

Observa-se que, no período imediatamente após a certificação da erradicação do poliovírus selvagem nas Américas, houve uma redução na sensibilidade do Sistema de Vigilância Epidemiológica, que foi recuperada somente na década atual, como resultado de um intenso esforço institucional para aprimorar a vigilância da poliomielite, junto às unidades da federação.

No momento atual, chama-se a atenção para um fenômeno já observado, em algumas ocasiões, em países com coberturas vacinais insuficientes e/ou heterogêneas: a emergência de cepas de vírus derivados da vacina, que passam a readquirir neurovirulência e patogenicidade, provocando surtos de poliomielite em países que já tinham a doença sob controle parcial ou total. O primeiro surto causado por um vírus derivado vacinal (PVDV) foi detectado na ilha de Hispaniola (que pertence ao Haiti e à República Dominicana), em 2000/2001, e teve uma grande importância no processo de erradicação da poliomielite, quando foram registrados 21 casos (50% na faixa etária de 1 a 4 anos). Outros surtos de menor magnitude, ocorridos no período entre 1988 e 2002, foram registrados no Egito, em Guizhou (China), nas Filipinas e em Madagáscar. De 2004 a 2009, ocorreram outros surtos envolvendo seis países (Nigéria, Congo, Mianmar, Níger, Camboja e Indonésia), totalizando 226 casos. O fator-chave para o controle do poliovírus derivado da vacina é o mesmo daquele necessário para controlar a circulação do poliovírus selvagem: alcançar e manter altas e homogêneas as coberturas vacinais (BRASIL, 2009).

Chama também a atenção o risco de importações de casos de países onde ainda há circulação endêmica do poliovírus selvagem (Nigéria, Índia, Paquistão e Afeganistão), o que demanda ações permanentes e efetivas de vigilância da doença e níveis adequados de proteção imunológica da população (BRASIL, 2009).

Em 1994, o Brasil recebeu da OMS/OPS o Certificado de Erradicação da Transmissão Autóctone do Poliovírus Selvagem nas Américas. Desde então, o Brasil tem reafirmado seu compromisso de manter altas coberturas vacinais e uma vigilância epidemiológica ativa sobre todo o quadro de paralisia flácida aguda (PFA), possibilitando, assim, a identificação imediata e precoce da reintrodução do poliovírus, bem como a adoção de medidas de controle para impedir sua disseminação (DDTHA/CVE, 2006).

A pólio no mundo

Em quase 25 anos, desde que foi aprovada a resolução da Organização Mundial da Saúde para erradicar a poliomielite, o número de casos da doença diminuiu mais de 99%, para apenas 650 casos, em 2011. As Américas foram declaradas livres da poliomielite, assim como a Europa e a China. Campanhas de massa, envolvendo 20 milhões de trabalhadores e voluntários, alcançam 500 milhões de crianças em dezenas de países, anualmente (CHIH, 2012).

Segundo Barbosa (2013), os esforços para combater a pólio deram bons resultados, ainda que o plano de erradicar a doença até o ano 2000 não tenha sido totalmente cumprido. Em 1988, a doença era endêmica em 125 países; atualmente, é apenas em três. A Índia, que anos atrás era considerada um dos países mais afetados pela pólio, conseguiu ficar livre da doença em fevereiro de 2012, deixando mais de 172 milhões de crianças protegidas da doença. Porém, mesmo com esses avanços, houve surtos recentes na África, no Tadjiquistão e na China; algumas dessas regiões registraram seus primeiros casos da doença em mais de uma década.

Existem duas grandes dificuldades no controle da pólio: a primeira é conseguir eliminar a doença de países pobres, muito populosos e de zonas de conflito ou guerra; a segunda é evitar o risco de exportação dos poliovírus dessas regiões para os países onde a pólio já está sob controle ou já foi eliminada (BRICKS, 1997).

Gráfico 1.
Número de casos confirmados de poliomielite e notificados de paralisia flácida aguda, Brasil, 1979 a 2008.

Fonte: SVS/MS

Apesar de erradicada na maior parte dos países, o poliovírus continua circulando na Ásia e na África, o que impõe a manutenção de uma vigilância ativa para impedir sua reintrodução nas áreas erradicadas. Em 2005 e 2006, devido à epidemia africana, além de se espalhar em países com casos devido à baixa cobertura vacinal, o vírus reinfectou outros países que estavam sem casos de pólio desde 1995. Até o momento, 16 países apresentaram casos derivados da importação do vírus; destes, seis tiveram a transmissão restabelecida: Sudão, Mali, Burkina Faso, Chad, República Africana Central e Costa do Marfim (SILVA; CAMARA, 2011). A menos que a transmissão do poliovírus seja interrompida nos países ainda endêmicos, haverá o ressurgimento mundial da doença com um risco real de surtos graves em áreas que há muito tempo estão livres da pólio.

Segundo estudo da Universidade de Harvard, se a erradicação fosse interrompida e trocada por uma política de controle baseada em programas de imunização, teríamos cerca de 200 mil casos de paralisia por pólio nos próximos 20 anos (CHIH, 2012). De acordo com Bruce Aylward, coordenador da Iniciativa Global para a Erradicação da Pólio, "controlar a pólio significa ter alto custo e poucos casos, ou ter baixo custo e muitos casos - mas nunca baixo custo e poucos casos -, o que somente irá acontecer se continuarmos a ter alto custo no curto prazo até erradicarmos a pólio" (CHIH, 2012).

A ameaça da continuação da transmissão da doença, devido à falta de financiamento e de vacinação, levou a Iniciativa Mundial para a Erradicação da Pólio (GPEI - Global Polio Eradication Initiative) a lançar um Plano de Ação de Emergência (PAE) (WHO, 2010).

O objetivo primordial do PAE é ajudar o restante dos locais ainda infectados pela pólio, como áreas da Nigéria, do Paquistão e do Afeganistão, a alcançarem a erradicação através de uma abordagem de emergência, com liderança adequada, fiscalização e prestação de contas, com o apoio de parceiros internacionais.

Em 2010-2011, as atividades de erradicação da poliomielite resultaram em vários sucessos marcantes. A Índia tornou-se livre da pólio, os casos globais diminuíram 52%, e no Sudão do Sul e em Angola não se registra nenhum caso desde junho de 2009 e julho de 2011, respectivamente. Além disso, os casos caíram substancialmente no segundo semestre de 2011, no Chade e na República Democrática do Congo. Porém, nos três países endêmicos restantes, os casos de pólio aumentaram: no Afeganistão, 220%; na Nigéria, 185%; e no Paquistão, 37%), com um aumento mais dramático na segunda metade de 2011. A pólio também se espalhou internacionalmente a partir da Nigéria e do Paquistão, ressaltando o risco de transmissão do vírus endêmico globalmente (WHO, 2012, P. 3).

A erradicação da pólio está em um ponto de inflexão: caso a imunidade nos três países restantes não suba aos níveis necessários para impedir a transmissão do poliovírus, ela irá falhar. As consequências do fracasso serão imediatas e de longo prazo. O vírus voltará a espalhar-se rapidamente a partir de países afetados pela pólio, provocando grandes surtos da doença em áreas com imunidade fraca, provavelmente, apresentando uma alta taxa de mortalidade. Dentro de uma década, a doença poderia restabelecer-se globalmente, causando paralisia em mais de 200 mil crianças a cada ano e impedindo benefícios financeiros estimados em, no mínimo, U$ 40-50 bilhões até 2035 (WHO, 2012, P. 3).

O quadro 1 detalha as metas descritas no Plano Estratégico 2010-2013.

Quadro 1.
Metas do Plano Estratégico para erradicação da poliomielite 2010-2013.

Em 21 de janeiro de 2012, a Organização Mundial de Saúde declarou a erradicação da poliomielite como uma "emergência programática para o público mundial de saúde" e solicitou à Diretora Geral da OMS para desenvolver um plano intensificado até 2013, a fim de interromper a transmissão global do poliovírus selvagem. Em resposta, o GPEI desenvolveu o Plano de Ação Emergencial Global contra a pólio 2012-2013. Seu objetivo é apoiar a mudança transformacional, levando à erradicação nos três restantes países onde a pólio é endêmica: Nigéria, Paquistão e Afeganistão. O Plano Estratégico de 2012-2013 baseia-se nas abordagens estratégicas descritas no Plano Estratégico 2010-2012 e introduz novas abordagens destinadas a acelerar o progresso em relação aos seus marcos. O Plano também vai servir como um precursor fundamental para a erradicação da pólio e Endgame Estratégia 2014-18.

Saúde global e responsabilidade brasileira

O Brasil tem sido um importante ator no processo de erradicação da pólio, particularmente nos aspectos técnicos, como no apoio político à Iniciativa Global de Erradicação da Pólio. Como pioneiro na erradicação da poliomielite, o Brasil pode e deve dar um forte apoio para ajudar a comunidade global a acabar com essa devastadora doença em todo o mundo.

Nos anos 1980, o Brasil ajudou a desenvolver e realizar uma maneira nova e eficaz de imunizar um grande número de crianças contra a poliomielite. Nos chamados "Dias Nacionais de Imunização", milhões de crianças em todo o País foram vacinadas contra a pólio, sendo esta uma estratégia que tem sido replicada em muitos países do mundo (BARBOSA, 2013).

A liderança do Brasil ajudou a pavimentar o caminho para ampliar a imunização nas Américas e, em 1994, toda a região foi certificada como livre da pólio, porém, enquanto a pólio está erradicada no Brasil, ela continua a debilitar crianças em outras partes do globo. Em uma era de viagens e comércio internacionais, a existência dessa doença em qualquer lugar é uma ameaça às crianças de todo o planeta. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, o fracasso na erradicação da poliomielite pode levar, dentro de uma década, a cerca de 200 mil novos casos, a cada ano, dessa doença mortal, que não conhece fronteiras.

Nos últimos 25 anos, no entanto, os casos de pólio caíram mais de 99%. Esse progresso é o resultado de um esforço iniciado em 1988, chamado Iniciativa Global de Erradicação da Pólio. Essa parceria público-privada é liderada pelos governos nacionais, pela Organização Mundial da Saúde, pelo Rotary International, pelos Centros Americanos para o Controle e a Prevenção de Doenças, e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância. E conta, ainda, com parceiros-chave, incluindo a Fundação Bill & Melinda Gates e a Fundação das Nações Unidas.

Entre outras medidas importantes, a Iniciativa Global de Erradicação da Pólio tem fornecido os recursos necessários para os programas nacionais de vacinação contra a doença. Por exemplo, entre 1986 e 1991, o Brasil recebeu mais de 6 milhões de dólares para os esforços de imunização.

O Brasil tem um importante papel a cumprir no cenário internacional. Assim como recebeu ajuda externa para a eliminação da varíola, precisa contribuir na erradicação da pólio no mundo. O Governo do Brasil deve considerar a importância do seu papel nessa causa. Além disso, pode mobilizar os Brics e grupos do G20 a apoiarem ativamente o esforço de erradicação global da pólio (BARBOSA, 2013).

Como afirmou Barbosa (2013), assim como o Brasil ajudou a liderar a luta contra a pólio anteriormente, pode contribuir com o esforço global nesta nova fase. A responsabilidade de proteger cada criança da paralisia infantil é de todos.

Brasil: cooperação internacional em saúde

A cooperação internacional em saúde é a expressão da solidariedade entre as nações entendida como um direito humano. A legitimação e a consolidação das políticas do Sistema Único de Saúde (SUS), o controle de epidemias, a promoção do desenvolvimento nacional e a redução das desigualdades são contribuições do Brasil na cooperação internacional (BRASIL, 2012).

A cooperação do Brasil na área da saúde mundial é antiga. Em 1945, o país esteve representado na Conferência da ONU sobre Organizações Internacionais, realizada em São Francisco, Califórnia, que resultou na fundação da OMS. Nessa reunião, delegados do Brasil e da China propuseram a convocação de uma conferência geral com a finalidade de estabelecer uma organização internacional de saúde. Além disso, o Brasil se encontrava entre as 61 nações signatárias à Constituição da OMS, em 1946, e um brasileiro, Marcolino Candau, foi seu Diretor-Geral durante 20 anos (1953-1973), representando a mais longa permanência em tal posto, na história da OMS (BUSS, 2011).

No início do século XXI, o Brasil ingressou no cenário internacional com mais determinação e força, posicionando-se como um ator importante, por exemplo, no estabelecimento da Declaração de Doha (na Organização Mundial do Comércio) para o Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS) e para a saúde pública (2001), e da Convenção-Quadro sobre o Controle do Tabaco da OMS (2003) (BUSS, 2011).

A saúde foi um dos destaques na política externa brasileira durante a última década, devido à competência técnica gerada pela originalidade do SUS, e às orientações gerais da política externa brasileira, direcionada ao fortalecimento da cooperação Sul-Sul e à priorização da América do Sul e da África. Uma das organizações mais ativas nessa cooperação tem sido a Fundação Oswaldo Cruz, uma instituição brasileira vinculada ao Ministério da Saúde que se dedica à pesquisa, ao desenvolvimento, à educação, à produção de bens de saúde e à consultoria nas mais variadas áreas da saúde pública.

O modelo de cooperação Sul-Sul adotado pelo Brasil tem sido chamado de 'cooperação estrutural para a saúde' e está baseado fundamentalmente na capacitação para o desenvolvimento. A progressão para além das formas tradicionais de ajuda internacional está centrada no fortalecimento, em nível institucional, da parceria entre os sistemas de saúde nacionais; na combinação de intervenções concretas com estruturação da capacidade local e com a geração do conhecimento; e na promoção do diálogo entre os atores, para que possam assumir a liderança nos processos do setor de saúde e formular uma agenda para futuro desenvolvimento da saúde (BUSS, 2011).

Para melhorar ainda mais a cooperação internacional brasileira na saúde, muitas de suas instituições têm de ser harmonizadas. Discute-se mesmo a possibilidade de elaboração de uma lei que defina um novo quadro e estabeleça mecanismos modernos para os processos de cooperação internacional em saúde do País.

A pauta atual da cooperação brasileira conduzida pelo Ministério da Saúde contempla cerca de 120 projetos, principalmente com países da América Latina, do Caribe e dos países africanos de língua portuguesa. Isso sem falar das diversas ações humanitárias e iniciativas estratégicas para o fortalecimento da gestão, articulação e coordenação com os distintos parceiros (BRASIL, 2012).

Com o objetivo de fortalecer a articulação e a coordenação entre os países membros da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), no que tange à cooperação técnica e ao apoio mútuo para o controle de epidemias e situações de urgência e emergência, o Ministério da Saúde implementou a Rede de Assessoria Internacional e de Cooperação Internacional em Saúde (REDESUL-ORIS).

A troca de iniciativas de sucesso de um país para outro é realizada a partir do princípio de cooperação técnica horizontal baseada no respeito mútuo, onde as ações e as agendas são definidas conjuntamente. Nesse sentido, os temas de saúde não podem ficar restritos, pois são temas globais que precisam de respostas rápidas e integradas para serem eficientes.

No Haiti, por exemplo, após o terremoto de 2010, que praticamente destruiu o sistema de saúde haitiano, o Ministério da Saúde firmou um Memorando de Entendimento entre Brasil, Cuba e Haiti para fortalecer o sistema de saúde e de vigilância epidemiológica daquele país.

O Brasil é responsável por apoiar a recuperação da infraestrutura do sistema de saúde haitiano não só com investimentos em obras - como a construção e a reforma de unidades de saúde -, mas também na capacitação e na formação de mão de obra na área de saúde, baseada na experiência de sucesso do SUS. Além disso, a cooperação apoia, também, o Programa Ampliado de Vacinação do Haiti, que promoveu, este ano, a Campanha Nacional de Vacinação Contra o Sarampo, a Rubéola e a Poliomielite. O Ministério da Saúde já doou ao programa de imunização haitiano 8,7 milhões de doses de vacinas. Na primeira fase da campanha de vacinação, realizada de 21 de abril a 5 de maio deste ano, o Brasil doou 3 milhões de doses da vacina oral contra a poliomielite, disponibilizou 15 veículos com motorista e combustível, e enviou enfermeiros com experiência em áreas de difícil acesso (BRASIL, 2012).

O Ministério da Saúde coordena a cooperação no âmbito brasileiro do projeto tripartite e vem contribuindo para medidas de fortalecimento do Sistema de Atenção Básica do Haiti, baseada na experiência de sucesso do SUS.

A Assessoria Internacional de Assuntos em Saúde, de forma coordenada com as áreas técnicas e instituições vinculadas do Ministério da Saúde, tem cumprido um papel fundamental no sentido de traçar diretrizes e estratégias, elaborar, negociar, monitorar e avaliar projetos de cooperação.

Conclusões

O Brasil tem sido um ator importante no processo de erradicação da pólio, particularmente nos aspectos técnicos e políticos de apoio à Iniciativa Global de Erradicação da Pólio.

As estratégias adotadas no País têm sido utilizadas como referências e foram replicadas em muitos outros países do mundo. Além disso, sua liderança na erradicação ajudou a abrir caminhos para ampliar a imunização da pólio nas Américas e no mundo.

O Brasil tem um importante papel a cumprir no cenário internacional para a erradicação da poliomielite. Além de já ter erradicado a pólio em seu território, deve continuar a cooperar internacionalmente para que o objetivo final, de erradicação dessa doença, seja alcançado.

Referências

  • Suporte financeiro: não houve

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2014

Histórico

  • Recebido
    Set 2013
  • Aceito
    Fev 2014
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