Avaliação de serviços de Atenção Básica em municípios de pequeno e médio porte no estado de São Paulo: resultados da primeira aplicação do instrumento QualiAB**Os resultados apresentados referem-se ao trabalho da equipe de pesquisa QualiAB, incluindo como coautores os seguintes pesquisadores: Josiane Fernandes Lozigia Carrapato, Luceime Olívia Nunes, Margareth Aparecida Santini de Almeida, Karina Pavão Patrício, Dinair Ferreira Machado, Stella B. G. Brasil Pissatto, Ivete Dalben Soares (in memoriam).

First application of the QualiAB questionnaire in the assessment of Primary Care services in small and medium-sized cities in the state of São Paulo

Elen Rose Lodeiro Castanheira Maria Ines Battistella Nemes Thais Fernanda Tortorelli Zarili Patrícia Rodrigues Sanine José Eduardo Corrente Sobre os autores

Resumos

Apresentam-se os resultados da primeira aplicação do questionário QualiAB em 2007. Composto por 65 indicadores de organização da assistência e gerência, o QualiAB foi respondido por 598 serviços de Atenção Primária à Saúde de 115 municípios do estado de São Paulo. A média de desempenho foi de 64% do padrão esperado. Agrupamento segundo K-médias produziu três grupos de qualidade. Serviços de saúde da família e serviços localizados em municípios com menos de 50 mil habitantes tiveram maior chance de pertencer ao grupo de melhor qualidade. Focado no ‘como’ organizar o processo local do cuidado, o QualiAB subsidia diretamente os profissionais, e pode compor iniciativas de melhoria da qualidade que envolvem todos os níveis da gestão.

Avaliação em saúde; Gestão em saúde; Organização e administração; Atenção Primária à Saúde


The QualiAB questionnaire involves 65 indicators of health care organization and management. In its first application in 2007, QualiAB was answered by 598 Primary Health Care services from 115 municipalities in the state of São Paulo. The mean performance was 64% of desirable standards. Clustering according to K-means produced three quality groups. Family Health Units and facilities located in municipalities under 50,000 inhabitants were more likely to belong to the best quality group. Focusing on how to organize local health care procedures, QualiAB readily supports professionals and can be included in quality improvement initiatives addressing all levels of management.

Health evaluation; Health management; Organization and administration; Primary Health Care


Introdução

A Atenção Primária à Saúde (APS) representa, atualmente, prioridade no campo das políticas públicas de saúde no Brasil. Diversos estudos têm demonstrado que sistemas nacionais de saúde com ações primárias como eixos organizadores alcançam melhores indicadores de saúde, menores custos e maior satisfação dos usuários (STARFIELD, 2002STARFIELD, B. Atenção Primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília, DF: UNESCO, Ministério da Saúde, 2002.; WHO, 2008World Health Organization (WHO). The World Health Report 2008: primary health care, now more than ever. Geneva: WHO, 2008.; PAIM 2011PAIM, J.; TRAVASSOS, C.; ALMEIDA, C.; BAHIA, L.; MACINKO, J. O sistema de saúde brasileiro: história, avanços e desafios. The Lancet.com[internet], Londres, p. 11-31, 2011. Acesso em: 14 abr. 2014.).

Com a descentralização do Sistema Único de Saúde (SUS), a APS foi municipalizada, ampliando o acesso e avançando no processo de universalização dos serviços, a partir de um cenário com grande heterogeneidade e diferentes acúmulos organizacionais da rede pública entre as várias regiões e municípios brasileiros. Nesse contexto, a qualidade dos serviços tornou-se um dos principais desafios a serem enfrentados, assim como vem ocorrendo em outros países desde os anos 90 do século passado (BRASIL, 2011a______. Ministério da Saúde. PortariaGM nº 1.654 de 19 de julho de 2011. Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde, o Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB) e o Incentivo Financeiro do PMAQ-AB, denominado Componente de Qualidade do Piso de Atenção Básica Variável – PAB Variável. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil.Brasília, DF, 19 jul. 2011a. Disponível em: <http://www.brasilsus.com.br/legislacoes/gm/108814-1654.html>. Acesso em: 14 abr. 2014.
http://www.brasilsus.com.br/legislacoes/...
; PAIM ., 2011PAIM, J.; TRAVASSOS, C.; ALMEIDA, C.; BAHIA, L.; MACINKO, J. O sistema de saúde brasileiro: história, avanços e desafios. The Lancet.com[internet], Londres, p. 11-31, 2011. Acesso em: 14 abr. 2014.; VERAS; VIANNA, 2009VERAS, C. L. S. M.; VIANNA, R. P. T. Desempenho de municípios paraibanos segundo avaliação de características da organização da atenção básica – 2005. Revista de Epidemiologia e Serviços de Saúde, Brasília, v. 18, n. 2, p. 133-140, abr./jun. 2009.; BRASIL, 2006BRASIL. Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Relatórios para gestores. Nacional. Cadastro de Beneficiários. DIDES, 2006. Disponível em: <http://www.ans.gov.br/portal/upload/aans/ouvidoria/relatorios/relatorio_ouvidoria_2006.pdf>. Acesso em: 14 abr. 2014.
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).

No Brasil, a partir dos anos 2000, observam-se várias pesquisas avaliativas com foco na APS, apresentando diferentes escopos avaliativos e distintos graus de institucionalização pelos órgãos públicos de gestão da saúde (BROUSSELLE; CONTRADRIOPOULOS; HARTZ, 2011BROUSSELLE, A.; CONTRADRIOPOULOS, A-P.; HARTZ, Z. (Org.). Avaliação: conceitos e métodos. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2011.; ALMEIDA; MELO, 2010ALMEIDA, D. B.; MELO, C. M. M. Avaliação na atenção básica em saúde: uma revisão de literatura. Revista Baiana de Enfermagem, Salvador, v. 24, n. 1, 2, 3, p. 75-80, jan./dez. 2010.; BRASIL, 2010b______. Ministério da Saúde. Departamento de Atenção Básica. Secretaria de Atenção à Saúde. Melhoria contínua da Qualidade na Atenção Primária à Saúde: conceitos, métodos e diretrizes. Secretaria de Atenção à Saúde. Série B. Normas e Manuais Técnicos. Brasília, DF, 2010b.; VERAS; VIANNA, 2009VERAS, C. L. S. M.; VIANNA, R. P. T. Desempenho de municípios paraibanos segundo avaliação de características da organização da atenção básica – 2005. Revista de Epidemiologia e Serviços de Saúde, Brasília, v. 18, n. 2, p. 133-140, abr./jun. 2009.; FACCHINI 2008______. Avaliação de efetividade da atenção básica à saúde em municípios das regiões sul e nordeste do Brasil: contribuições metodológicas. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 24, supl., 2008, p. S159-S172, 2008.; TANAKA; ESPIRITO SANTO, 2008TANAKA, O. Y.; ESPÍRITO SANTO, A. C. G. Avaliação da qualidade da atenção básica utilizando a doença respiratória da infância como traçador, em um distrito sanitário do município de São Paulo. Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil, Recife, v. 8, n. 3, p. 325-332, jul./set. 2008.; ALMEIDA; MACINKO, 2006ALMEIDA, C.; MACINKO, J. Validação de uma metodologia de avaliação rápida das características organizacionais e do desempenho dos serviços de atenção básica do Sistema Único de Saúde - SUS em nível local.Brasília, DF: Organização Pan- Americana da Saúde. Brasília, 2006. (Série Técnica Desenvolvimento de Sistemas e Serviços de Saúde).; Ibañez 2006IBANEZ, N. ET AL. Avaliação do desempenho da atenção básica no estado de São Paulo. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 11, n. 3, p. 683-703, 2006.; CAMPOS, 2005CAMPOS, G. W. S. El filo de la navaja de la función filtro: reflexiones sobre la función clínica en el Sistema Único de Salud. Revista Brasileira de Epidemiologia, São Paulo, v. 8, n. 4, p. 477-483, 2005.). No campo das políticas de saúde, a principal iniciativa é atualmente representada pelo Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ), do Ministério da Saúde, com abrangência nacional (BRASIL, 2011______. Ministério da Saúde. PortariaGM nº 1.654 de 19 de julho de 2011. Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde, o Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB) e o Incentivo Financeiro do PMAQ-AB, denominado Componente de Qualidade do Piso de Atenção Básica Variável – PAB Variável. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil.Brasília, DF, 19 jul. 2011a. Disponível em: <http://www.brasilsus.com.br/legislacoes/gm/108814-1654.html>. Acesso em: 14 abr. 2014.
http://www.brasilsus.com.br/legislacoes/...
, 2013______. Ministério da Saúde. Portaria GM nº 535, de 03 de abril de 2013. Altera a Portaria nº 1.654/GM/MS, de 19 de julho de 2011, que institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde, o Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB). Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 03 abr. 2013. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2013/prt0535_03_04_2013.html>. Acesso em: 14 abr. 2014.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
).

As avaliações em saúde, enquanto campo de conhecimento e de práticas, encontram-se em permanente construção conceitual e metodológica. Uma alternativa muito utilizada, por sua facilidade operacional e capacidade de instrumentalização de mudanças, são as avaliações que valorizam os processos para definição de indicadores de qualidade, pois esses permitem avaliar e monitorar como o cuidado está sendo prestado e o grau de correspondência com os padrões preconizados, permitindo inferir a qualidade dos resultados esperados (BROUSSELLE; CONTRADRIOPOULOS; HARTZ, 2011BROUSSELLE, A.; CONTRADRIOPOULOS, A-P.; HARTZ, Z. (Org.). Avaliação: conceitos e métodos. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2011.; DONABEDIAN, 1997DONABEDIAN, A. The quality of care: How can it be assessed? Archives of Pathology & Laboratory Medicine, Northfield, p. 1145-1150, nov. 1997., 2005______. Evaluating the quality of medical care. The Millbank Quarterly, New York, v. 83, n. 4, p. 691-729, 2005.).

O instrumento questionário de Avaliação da Qualidade de Serviços de Atenção Básica (QualiAB) soma-se às iniciativas de melhoria da qualidade da APS centradas em avaliações de processo. A metodologia utilizada apoia-se em pesquisas previamente desenvolvidas na avaliação de serviços ambulatoriais a pessoas que vivem com Aids, por meio do questionário QualiAids (NEMES , 2013NEMES M. I. B. ET AL. Avaliação de serviços de assistência ambulatorial em Aids, Brasil: estudo comparativo 2001/2007. Revista de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 47, n. 1, p. 137-146, 2013., 2009______. The variability and predictors of quality of Aids care services in Brazil. BMC Health Services Research, London, v. 9, p. 51, 2009., 2004______. Avaliação da qualidade da assistência no programa de Aids: questões para a investigação em serviços de saúde no Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 20, n. supl. 2, p. S310-S321, 2004.; CASTANHEIRA , 2011______. QualiAB: desenvolvimento e validação de uma metodologia de avaliação de serviços de atenção básica. Revista Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 20, n. 4, p. 935-947, 2011.).

Em linhas gerais, o QualiAB parte dos seguintes pressupostos: todos os serviços de saúde na APS devem possuir um nível aceitável de qualidade; o processo de construção de um novo modelo assistencial passa, necessariamente, pelo envolvimento ativo das equipes locais e por mudanças nos processos de trabalho; instrumentos que avaliam a qualidade de serviços devem valorizar indicadores de processo que reflitam a dinâmica do trabalho; e os padrões de qualidade devem ser atualizados e redefinidos na medida em que sejam conquistados novos patamares.

O presente trabalho apresenta os resultados da pesquisa avaliativa que desenvolveu e validou o questionário QualiAB em sua primeira aplicação em 2007, em serviços públicos de APS localizados em 115 municípios do estado de São Paulo. Os resultados permitem delimitar o perfil de qualidade dos serviços de Atenção Básica no interior paulista no período estudado, assim como, explicitam as potencialidades do instrumento utilizado.

Esse trabalho, em todas suas etapas, de formulação e aplicação da avaliação, foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de Botucatu/Unesp, e todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Método

QualiAB é um questionário estruturado, autoaplicável, composto por 85 questões de múltipla escolha, para serem respondidas pelo profissional responsável (gerente) e equipe técnica de serviços de APS. Foi construído por pesquisa avaliativa realizada por processo de consenso iterativo, que incluiu: metodologias qualitativas, teste-piloto, validação de construto e confiabilidade. A definição dos padrões utilizados se deu a partir do reconhecimento da qualidade como construto definido pelos princípios e diretrizes da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), da literatura científica dessa área e da realidade dos serviços de atenção primária em diferentes contextos políticos e sociais, contemplando, especialmente, aqueles localizados em municípios de pequeno e médio porte do estado de São Paulo. Foi dirigido a todos o serviço de APS das regiões incluídas, independentemente do arranjo organizacional, se pertencente ou não à Estratégia Saúde da Família (CASTANHEIRA ., 2011______. QualiAB: desenvolvimento e validação de uma metodologia de avaliação de serviços de atenção básica. Revista Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 20, n. 4, p. 935-947, 2011.; CASTANHEIRA; DALBEN, 2009CASTANHEIRA, E. R. L. ET AL. Avaliação da qualidade da atenção básica em 37 municípios do centro-oeste paulista: características da organização da assistência. Revista Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 18, n. 2, p. 84-88, 2009.).

Tem como foco avaliativo a organização do trabalho como forma de aproximar-se do modo como as ações assistenciais são gerenciadas e diretamente operadas na atenção aos usuários, dentro dos limites permitidos por um instrumento estruturado. Toma como unidade de análise a qualidade do serviço considerado como um todo, ou seja, pela organização do conjunto de ações que oferece e por sua dinâmica gerencial, diferenciando-se dos instrumentos que avaliam o desempenho de cada equipe.

Os principais componentes do trabalho que orientam a definição dos critérios de qualidade utilizados podem ser sintetizados como: 1 - Atenção integral à saúde; 2 - Organização do trabalho com viabilização do acesso; 3 - Oferta de ações de prevenção primária e secundária; 4 - Cumprimento de protocolos assistenciais preconizados; 5 - Mecanismos de indução ao trabalho em equipe; 6 - Gerenciamento técnico do trabalho; 7 - Mecanismos de articulação com a comunidade; e 8 - Disponibilidade de insumos críticos para atenção primária.

Das 85 questões, 20 descrevem características gerais do serviço não diretamente indicativas de qualidade, tais como: localização e porte. São indicadores de qualidade 65 questões cujas respostas são pontuadas em escala de três níveis, de acordo com o padrão: 0 - insuficiente, 1 - aceitável e 2 - esperado, conforme exemplificado nas duas questões a seguir:

Os resultados dos exames são avaliados:

Assinale apenas uma alternativa

  1. Quando o paciente comparece para atendimento - 0

  2. No dia agendado para atendimento, mesmo que o paciente falte - 1

  3. Quando os resultados chegam na Unidade - 2

  4. Não são avaliados - 0

Na Unidade, as reuniões de equipe no último ano ocorreram com periodicidade:

Assinale apenas uma alternativa

  1. Semanal - 2

  2. Quinzenal - 2

  3. Mensal - 1

  4. Intervalos maiores - 0

  5. Não há periodicidade, ocorrem conforme necessidade do serviço - 0

  6. Não ocorreram reuniões - 0

A média aritmética da pontuação de todas as respostas atribui, ao serviço respondente, um grau de qualidade expresso pela distância do melhor padrão possível correspondente à média dois.

Em 2007, em parceria com a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo (SES-SP) e a partir da adesão voluntária dos gestores municipais, os responsáveis pelos serviços de APS de três Departamentos Regionais de Saúde (DRS) foram convidados a responder o questionário (em versão impressa ou eletrônica). Os DRS participantes foram: Bauru, Registro e Sorocaba, onde se localizam 131 municípios com um total de 650 serviços de APS.

Para caracterização do contexto foram descritas as condições demográficas e sociais dos municípios participantes com base em dados secundários. As características institucionais dos serviços foram definidas a partir das questões descritivas do questionário QualiAB.

Para a análise das respostas ao questionário, foram excluídos os serviços com mais de 10% de questões não respondidas. Foram calculados: as frequências de respostas de todas as questões, a média, o desvio padrão e a mediana das pontuações totais dos serviços respondentes e de cada uma das questões pontuadas.

A fim de se obterem os grupos de qualidade utilizando as questões de acordo com a pontuação recebida, foi utilizada a análise de agrupamentos por meio da aplicação do método de partição das K-médias. Em seguida, utilizou-se uma análise discriminante para a obtenção da probabilidade de erro de classificação dos serviços em cada um dos três grupos (HAIR, 1998HAIR, J. F. ET AL. Análise multivariada de dados. Porto Alegre: Editora eletrônica: Artmed pratice-Hall, 1998.; TIMM, 2002TIMM, H. H. Applied multivariate analysis. Springer. 2002, p. 695.).

A capacidade de discriminação dos indicadores pode ser avaliada pela manutenção de uma diferença >- 0,25 entre as médias dos 65 indicadores, segundo os grupos de qualidade. Por esse critério, apenas três indicadores não tiveram capacidade discriminatória entre os grupos.

Foram ajustados modelos de regressão logística considerando-se, como variáveis respostas, as unidades pertencerem ou não a cada um dos três grupos de qualidade, e, como variáveis explanatórias, o modelo organizacional autorreferido, e a população do município.

A análise dos dados foi realizada por meio dos softwares SAS for Windows, v.9.3. (SAS. Inst., Cary, EUA), e a produção dos quadros e figuras apresentada por meio do software SPSS 10,0 for Windows, (SPSS. Inc, Chicago, EUA).

Os resultados da avaliação foram entregues para cada gestor municipal em reuniões dos Colegiados de Gestão Regional, nas quais foram apresentados os dados consolidados por Região de Saúde, mantendo-se sigilo sobre a identificação de cada um. Para os Departamentos Regionais de Saúde e para a equipe da Atenção Básica do nível central da SES-SP, foi entregue o banco de dados.

Resultados

Nas regiões que integraram o estudo, aderiram à avaliação 115 municípios (88%), com a participação de 598 unidades de atenção primária (92%). Para análise, foram considerados válidos 524 serviços, excluindo-se 44 questionários com 10% ou mais de questões não respondidas.

Contexto da avaliação - características dos municípios

Entre os municípios participantes 98 (85%) possuía menos de 50.000 habitantes, e a maioria apresentava graus desfavoráveis do Índice Paulista de Responsabilidade Social (IPRS). De acordo com esse índice, dividido em cinco grupos de desenvolvimento em escala decrescente, os municípios distribuíram-se do seguinte modo: Grupo 1: 8,39 %, Grupo 2: 7,63%, Grupo 3: 13,74%, Grupo 4: 44,28% e Grupo 5: 25,95%, concentrando-se assim nos grupos de pior índice de desenvolvimento (SEADE, 2007SEADE. Fundação Sistema Estadual de Análise de dados. Índice Paulista de Responsabilidade Social e índice de Desenvolvimento Humano.2007.).

Nesse contexto de elevada concentração de municípios pequenos e de baixo desenvolvimento socioeconômico em relação ao estado, a cobertura média da saúde suplementar era de 27%, bem abaixo dos 44% observado no estado de São Paulo naquele período. Embora com uma grande variação entre os municípios, a saúde suplementar mostrou-se inexpressiva nos municípios menores, em torno de 0,3% a 0,5%, caracterizando a população da maior parte dos municípios que integraram a pesquisa como usuária quase exclusiva do SUS (BRASIL, 2006BRASIL. Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Relatórios para gestores. Nacional. Cadastro de Beneficiários. DIDES, 2006. Disponível em: <http://www.ans.gov.br/portal/upload/aans/ouvidoria/relatorios/relatorio_ouvidoria_2006.pdf>. Acesso em: 14 abr. 2014.
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).

Caracterização geral dos serviços avaliados

A distribuição das unidades, segundo autoclassificação, foi: 234 (39,1%) Unidades de Saúde da Família (USF); 219 (36,6%) Unidades Básicas tradicionais (UBS); 67 (11,2%) UBS, sendo 23 com equipe de saúde da família e 44 com agentes comunitários; 17 (2,8%) unidades mistas (UBS com urgência/emergência) e 20 (3,3%) outras. De um modo geral, as unidades concentram-se em áreas urbanas periféricas (44%), com menor proporção em áreas urbanas centrais (29%) e rurais (26%).

Das 234 USF que integram o universo avaliado, 144 (61,5%) localizam-se em municípios com menos de 50.000 habitantes, enquanto, das 219 UBS, 86 (39,2%) localizam-se em municípios desse mesmo porte.

O volume diário de atendimentos apresentou grande variação: 33,4% com menos de 50 atendimentos diários; 28% entre 50 e 100, e 20,8% entre 100 e 200, e as demais acima de 200.

Qualidade da organização da Atenção Básica

Considerando a média por indicador para cada uma das dimensões avaliadas, observou-se, entre os 19 indicadores de Gerência, uma variação entre 0,73 (principais temas abordados nas reuniões do conselho local de saúde no último ano) e 1,80 (disponibilidade de medicamentos); enquanto, para os 46 indicadores de Assistência, a variação obtida foi entre 0,31 (diversidade de profissionais que realizam coleta de papanicolau) e 1,82 (trimestre de início do pré-natal).

A tabela 1 mostra os indicadores selecionados, por dimensão avaliativa, segundo a média obtida por indicador, apontando os que alcançaram valores mais próximos e os que mais se distanciaram do padrão esperado, representado pela pontuação máxima atribuída (2).

Tabela 1
Indicadores de qualidade organizacional dos serviços de APS por dimensão avaliativa, selecionados segundo valores médios de 80% ou mais e 50% ou menos do padrão esperado (2), QualiAB 2007

Os indicadores que apresentaram melhor desempenho na Gerência apontam ações mais diretamente relacionadas à gestão municipal do que ao gerenciamento local, pois dizem respeito à aquisição de insumos (medicamentos) e a ações de planejamento que dependem do acesso aos dados de produção e de perfil epidemiológico das áreas de cada unidade. Por outro lado, os indicadores de pior desempenho estão mais diretamente vinculados ao gerenciamento local, pois levantamentos sobre o perfil da demanda, liberação de diferentes profissionais para atividades de formação, ou a instituição de ações de educação continuada no próprio serviço, dependem, também, de iniciativas locais, ainda que sempre reflitam a política municipal de saúde.

Na organização da assistência, mostram um bom desempenho os indicadores de ações vinculadas a programas tradicionais, como o pré-natal, à grande demanda de hipertensos e diabéticos, além da oferta diversificada de ações para o atendimento à demanda espontânea. A importância do papel dos enfermeiros nas unidades de atenção primária reflete-se nos indicadores de atividades em geral e na consulta de enfermagem em particular. Já os indicadores de pior desempenho apontam menor incorporação de ações programadas voltadas a idosos e adolescentes, assim como a temas menos tradicionais do trabalho da APS, como a atenção ao alcoolismo e às situações de violência contra a mulher. O indicador de menor desempenho, diversidade de profissionais que coletam o exame de papanicolau, tinha como padrão esperado a inclusão dos técnicos e auxiliares de enfermagem como um desses profissionais, o que explica seu mau desempenho. Esse padrão não mais se aplica em função de resolução do Coren, que não permite que esse procedimento seja realizado por técnicos e auxiliares (COFEN, 2011CONSELHO FEDERAL DE ENFERMAGEM (COFEN). Resolução nº 385, de outubro de 2011. Disponível em: <ftp://ftp.saude.sp.gov.br/ftpsessp/bibliote/informe_eletronico/2011/iels.out.11/Iels190/U_RS-COFEN-385_031011.pdf>. Acesso em: 14 abr. 2014.
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).

A pontuação geral dos serviços permitiu a construção de um ranking de qualidade, com média de 1,29, desvio padrão de 0,28, mediana de 1,28 (mínimo: 0,42 e máximo: 1,89). A partir da aplicação do método de K-médias, os serviços foram divididos em três grupos de qualidade, sendo o Grupo 1 o que melhor se aproxima do padrão esperado, o Grupo 2 o de qualidade aceitável, e o Grupo 3, aquele com qualidade insuficiente para os padrões adotados (tabela 2).

Tabela 2
Classificação dos serviços em três grupos de qualidade, segundo as K-médias, QualiAB, 2007

De acordo com o modelo de regressão logística, observou-se que o serviço ser USF tem chance 4,6 vezes maior de pertencer ao grupo de melhor qualidade (Grupo 1) que as demais, e ser UBS/Pacs/ESF tem chance 2 vezes maior de pertencer ao mesmo grupo. Já os serviços situados em municípios com um número menor de habitantes têm duas vezes mais chance de pertencerem ao melhor grupo de qualidade (tabela 3).

Tabela 3
Modelo de regressão logística para cada grupo de qualidade considerando tipo de unidade e tamanho da população. QualiAB, 2007

Discussão

A diversidade de arranjos organizacionais observada retrata a realidade da APS em regiões do interior do estado de São Paulo em 2007, com uma extensa rede de serviços de APS organizados segundo diferentes arranjos. O predomínio de USF em municípios pequenos e em áreas periféricas poderia ser interpretado como resultado de uma Atenção Básica seletiva, do SUS ‘para os pobres’. Entretanto, a baixa cobertura da saúde suplementar em grande parte deles parece mais ser reflexo de uma política de equidade que favoreceu o acesso das populações antes desassistidas.

O fato de ser Unidade de Saúde da Família, estar localizado em municípios com menos de 50 mil habitantes e mostrarem-se associados ao grupo de melhor qualidade, traz para a discussão o quanto a Estratégia Saúde da Família mostra-se adequada a esses contextos. Por outro lado, a presença de unidades organizadas segundo variados arranjos no grupo de melhor qualidade aponta para a possibilidade de outras estratégias alinharem-se aos padrões de qualidade organizacional baseados na PNAB e no SUS.

A avaliação de serviços de APS em regiões com municípios de pequeno e médio porte contempla realidades de saúde e de organização de serviços que se diferenciam das existentes nas metrópoles e grandes centros urbanos. Permite, assim, uma aproximação com as especificidades dos serviços localizados em municípios com menor densidade populacional, em geral, com menos recursos, e que representam a realidade de muitos municípios brasileiros. Apresentando uma perspectiva complementar às avaliações da Estratégia Saúde da Família (ESF) em municípios de médio e grande porte, ocorridas entre 2001 e 2007 como desdobramento da Fase I do Proesf (Projeto de Expansão e Consolidação da Saúde da Família), e dirigida aos municípios com mais de 100 mil habitantes(BRASIL, 2003______. Ministério da Saúde. Projeto de Expansão e Consolidação do Saúde da Família-PROESF. Ministério da Saúde, Brasília, DF, jun. 2003. Disponível em: <http://www.saude.gov.br/proesf>. Acesso em: 14 abr. 2014.
http://www.saude.gov.br/proesf...
).

A avaliação pelo QualiAB também diferenciou-se de outras avaliações da APS em curso naquele período, por não tomar como objeto somente os serviços organizados segundo a ESF. Até esse período, e de certo modo ainda hoje, as avaliações de serviços de APS no Brasil, com maior frequência, tomam como objeto aqueles que se organizam de acordo com a ESF, considerando-se outros arranjos organizacionais como unidades tradicionais, tomadas mais como referência para comparação do que como propriamente objeto de análise, como nos estudos de Facchini . (2006)FACCHINI, L. A. ET AL. Desempenho do PSF no Sul e no Nordeste do Brasil: avaliação institucional e epidemiológica da Atenção Básica à Saúde. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 11, n. 3, p. 669-681, 2006., Ibanez (2006)IBANEZ, N. ET AL. Avaliação do desempenho da atenção básica no estado de São Paulo. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 11, n. 3, p. 683-703, 2006., Elias . (2006)ELIAS, P. E. ET AL. Atenção Básica em Saúde: comparação entre PSF e UBS por estrato de exclusão social no município de São Paulo. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 11, n. 3. p. 633-641, 2006. e Caldeira, Oliveira e Rodrigues (2010)CALDEIRA, A. P.; OLIVEIRA, R. M.; RODRIGUES, O. A. Qualidade da assistência materno-infantil em diferentes modelos de Atenção Primária. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 15, supl. 2, p. 3139-3147, 2010..

A construção de um instrumento aplicável a serviços com diferentes arranjos organizacionais, baseou-se na experiência paulista que mantém, ainda hoje, muitos serviços organizados segundo diferentes perspectivas técnico-assistenciais, embora componham a rede de APS, o que fica evidenciado pela relativa baixa cobertura da ESF no estado (34,79%) (BRASIL, 2014), apesar da extensa rede de serviços de Atenção Básica previamente existente (MENDES; BITTAR, 2010MENDES, J. D. V.; BITTAR, O. J. N. V. Saúde Pública no Estado de São Paulo – informações com implicações no planejamento de programas e serviços. Revista de Administração em Saúde, São Paulo, n. especial, supl., jan. 2010., IBANEZ., 2006IBANEZ, N. ET AL. Avaliação do desempenho da atenção básica no estado de São Paulo. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 11, n. 3, p. 683-703, 2006.).

O bom desempenho de indicadores de assistência – por exemplo, o início do pré-natal no primeiro trimestre – relativos a programas tradicionais, contrasta com o mau desempenho de outros indicadores relativos ao mesmo programa – como os exames de pré-natal solicitados de rotina (tabela 1). Esses resultados reafirmam o encontrado em outras avaliações da qualidade do pré-natal realizadas no mesmo período, que indicavam que o início precoce do acompanhamento das gestantes se dava em condições de baixa qualidade técnica do cuidado (CALDEIRA; OLIVEIRA; RODRIGUES, 2010CALDEIRA, A. P.; OLIVEIRA, R. M.; RODRIGUES, O. A. Qualidade da assistência materno-infantil em diferentes modelos de Atenção Primária. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 15, supl. 2, p. 3139-3147, 2010.; GONÇALVES; CEZAR; MENDOZA-SASSI, 2009GONÇALVES, C. V.; CESAR, J. A.; MENDOZA-SASSI, R. A. Qualidade e eqüidade na assistência à gestante: um estudo de base populacional no Sul do Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 25, n. 11, p. 2507-2516, nov. 2009.; SUCCI , 2008SUCCI, R. C. M. ET AL. Avaliação da assistência Pré-Natal em unidades básicas do município de São Paulo. Rev Latino-Am.Enfermagem[internet], v. 16, n. 6, nov./dez. 2008. Disponível em:< www.eerp.usp.br/rlae >. Acesso em: 31 jul. 2014.
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). Trabalhos recentes apontam que problemas dessa mesma ordem ainda persistem como desafios para a melhoria da qualidade dos serviços de APS, em seus diferentes modelos organizacionais (OLIVEIRA ., 2013OLIVEIRA, R. L. A. ET AL. Avaliação da atenção pré-natal na perspectiva dos diferentes modelos na atenção primária. Rev. Latino-Am. Enfermagem [internet], v. 21, n. 2, mar./abr. 2013. Disponível em:<www.eerp.usp.br/rlae>. Acesso em: 31 jul. 2014.; GOMES; CÉSAR, 2013GOMES, R. M. T.; CÉSAR, J. A. Perfil epidemiológico de gestantes e qualidade do pré-natal em unidade básica de saúde em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. Revista Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, Rio de janeiro, v. 8, n. 27, 2013, p. 80-89. Disponível em:<http://www.rbmfc.org.br/rbmfc/article/view/241>. Acesso em: 14 abr. 2014.
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; ZANCHI ., 2013ZANCHI, M. ET AL. Concordância entre informações do Cartão da Gestante e do recordatório materno entre puérperas de uma cidade brasileira de médio porte. Cadernos Saúde Pública [internet], v. 29, n. 5, p. 1019-1028, 2013. Disponível em: <http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2013000900019&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 31 jul. 2014.
http://www.scielosp.org/scielo.php?scrip...
).

Os resultados apresentados, assim como no caso da atenção à gestante, caracterizam o cenário da Atenção Básica em municípios do estado de São Paulo no período estudado, fornecendo parâmetros para avaliações posteriores relativas ao próprio estado, assim como contribuindo com o debate sobre a qualidade em outros contextos brasileiros.

A preocupação em contemplar a heterogeneidade dos serviços nos processos institucionalizados de avaliação da APS foi incorporada mais recentemente no segundo ciclo do PMAQ, ocorrido entre 2013 e 2014, que passou a incluir equipes de unidades básicas não organizadas segundo a ESF, de modo parametrizado, como forma de equivalência para fins de avaliação (BRASIL, 2012______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde Mais Perto de Você - Acesso e Qualidade Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ). Manual Instrutivo. Normas e Manuais Técnicos. Brasília, DF, 2012.). Essa mudança possibilitará visualizar o conjunto dos serviços que integram a rede de serviços de APS e desenvolver medidas de apoio técnico e financeiro, respondendo a uma necessidade já contemplada pelo QualiAB desde sua primeira aplicação em 2007.

A discussão dos resultados obtidos na avaliação, pela própria equipe e/ou com o apoio de equipe externa, pode instruir processos de monitoramento e educação continuada. Ao final de cada processo avaliativo, espera-se que os resultados coloquem questões e desafios tanto para a equipe quanto para as gestões municipal e regional. A apropriação dos resultados por todos esses segmentos é parte essencial do ciclo avaliativo, sem o que o mesmo não se completa.

Conclusões

A extensão e heterogeneidade de serviços de APS no território nacional, num contexto de investimento na institucionalização de uma cultura avaliativa, colocam a organização das ações desenvolvidas no cotidiano dos serviços como um foco prioritário para avaliação. Neste contexto, as avaliações de processo, por sua facilidade operacional e capacidade de instrumentalização de mudanças, permitem avaliar e monitorar como o cuidado está sendo prestado e o grau de correspondência com os padrões preconizados (BROUSSELLE; CONTRADRIOPOULOS; HARTZ, 2011BROUSSELLE, A.; CONTRADRIOPOULOS, A-P.; HARTZ, Z. (Org.). Avaliação: conceitos e métodos. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2011.; DONABEDIAN, 1997DONABEDIAN, A. The quality of care: How can it be assessed? Archives of Pathology & Laboratory Medicine, Northfield, p. 1145-1150, nov. 1997.; 2005______. Evaluating the quality of medical care. The Millbank Quarterly, New York, v. 83, n. 4, p. 691-729, 2005.).

O QualiAB toma o processo de trabalho como mote central para a avaliação, considerando-o a partir do modo como se expressa na organização das ações desenvolvidas. O padrão de qualidade, aferido pelo QualiAB, aponta um ‘dever ser’ cujas normas se baseiam, centralmente, nas diretrizes do SUS e em sua expressão na PNAB, como representativo de uma determinada racionalidade técnico-política que orienta o modo de operacionalizar a atenção à saúde, nesse sentido, o modelo assistencial que se quer efetivar (CASTANHEIRA; NEMES, 2011______. QualiAB: desenvolvimento e validação de uma metodologia de avaliação de serviços de atenção básica. Revista Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 20, n. 4, p. 935-947, 2011.; VASCONCELOS, 2011VASCONCELOS, R. D. Avaliação da qualidade da atenção básica no município de Bauru: desafios para um processo de mudança. 2011. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva) - Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Paulista, Botucatu, 2011.; BRASIL-PISSATO, 2011BRASIL-PISSATO, S. B. G. 2011. Avaliação da qualidade da atenção básica nos municípios do Departamento Regional de Sorocaba. 2011. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) - Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Paulista, Botucatu, 2011.).

Os indicadores sinalizam as ações que necessitam de maiores investimentos técnicos, administrativos e financeiros. O QualiAB pode ser utilizado para avaliação da Atenção Básica tanto pelas equipes locais quanto pelos gestores municipais e estaduais de saúde. Mostrou-se viável e com boa acurácia enquanto instrumento de avaliação para gestão, já que pode orientar decisões de incremento da qualidade dos serviços.

Ao abranger um grande número de ações procurando contemplar o complexo conjunto de atividades previstas como de competência da APS num único instrumento, o QualiAB apresenta-se como um instrumento com capacidade de realizar uma avaliação sintética e global do desempenho dos serviços, procurando abarcar a diversidade e complexidade de suas ações. Por outro lado, apresenta os limites de um instrumento estruturado, de autoaplicação, e que não explora em profundidade a avaliação de cada uma das diferentes dimensões e objetos de ações da atenção primária, como, por exemplo, a atenção aos crônicos ou às gestantes, embora permita avaliações mais gerais desses diferentes recortes.

Como desdobramento desse trabalho, o QualiAB foi adotado, em 2010, como parte de um programa de apoio à Atenção Básica da SES São Paulo, sendo respondido por 95% (2.735) dos serviços de 586 municípios (90,8% do estado). Os resultados foram encaminhados a todos os municípios que aderiram, com um guia contendo os critérios e padrões utilizados. A discussão e incorporação dos resultados pelos municípios com menos de 100 mil habitantes foi em muito ampliada pela atuação dos Articuladores da Atenção Básica (ANDRADE; CASTANHEIRA, 2011ANDRADE, M. C.; CASTANHEIRA, E.R. L. Cooperação e apoio técnico entre estado e municípios: a experiência do programa articuladores da atenção básica em São Paulo. Revista Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 20, n. 4, p. 980-990, 2011.).

Em suas duas aplicações, o QualiAB mostrou: factibilidade, aceitabilidade, bom poder de discriminação, e utilidade para auxiliar a gestão da rede de Atenção Básica do SUS em São Paulo. A aplicabilidade em serviços de Atenção Básica de outras regiões brasileiras está sendo avaliada por projeto em andamento (CNPq Processo nº 485848/2012-0).

Focado no ‘como’ organizar o processo local do cuidado, o QualiAB fornece elementos que subsidiam diretamente os profissionais, e pode compor iniciativas de melhoria da qualidade que envolvam todos os níveis da gestão. ■

  • Suporte financeiro: resultados de pesquisa financiada pela Fapesp, linha de fomento PPSUS, Processo nº 05/58652-7

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2014

Histórico

  • Recebido
    Abr 2014
  • Aceito
    Set 2014
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde RJ - Brazil
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