CARVALHO, G. C. M. Participação da comunidade na saúde. Campinas: Saberes, 2014.

Maria Célia Delduque José Agenor Álvares Silva Sobre os autores
2014

A segunda edição do clássico livro de Gilson Carvalho, 'Participação da comunidade na saúde', foi lançada em 2014, logo após sua triste despedida. Em um momento no qual a participação democrática perde importância no âmbito do SUS e "a ética na vida social parece estar saindo pela porta dos fundos, exigindo mais ativismo social e cívico" (SANTOS, 2014SANTOS, L. Apresentação. In: CARVALHO, G. Participação da Comunidade na Saúde. Campinas: Saberes, 2014. p. 13., p. 13), o lançamento dessa segunda edição, pela Editora Saberes, representa um sopro de esperança para esta atividade, que é um dos mais importantes alicerces constitucionais para o Sistema Único de Saúde: a participação.

Gilson Carvalho, um sanitarista-poeta ou poeta-sanitarista, consegue fazer do seu livro uma lição de vida e esperança. Inicia convencendo que todo aquele que desempenha a função de ajudar os outros a ter saúde, em verdade, é provedor de gente feliz.

Reforça que a participação é tão natural quanto necessária, posto que o coletivo sempre esteve presente em sua vida, seja na numerosa família, na grande vizinhança integrada (na rua, da cidade do interior), no colégio interno, desde os nove anos, na república de estudantes. Foi escoteiro, participou de movimentos religiosos, lutas políticas e, especialmente, lutas pela saúde. Foi no coletivo que se forjou gente.

Lamenta que, a partir de 1990, tenha havido uma diminuição da importância da participação na saúde, que se apresentava crescente em décadas anteriores, e se pergunta onde está a chama daqueles que antes estavam engajados, dada a dificuldade de trazer para a participação novos companheiros. Reflete o poeta-sanitarista que, quiçá, é pela deformação do termo 'controle social' (sequer referido na Constituição de 1988) que acabou a essência da participação do cidadão. Defende que a tríade da participação da comunidade: ação, proposição e controle, não deve ser distorcida ao se referir, exclusivamente, ao controle social, porque é mais que controle, é engajamento para a ação, é desafio para a proposição.

No que se refere à paridade na composição dos conselhos, Gilson Carvalho é categórico: "a paridade foi colocada como essência e destacada num parágrafo: paridade entre o segmento dos usuários e o conjunto dos demais segmentos" (p. 65). Defende que a paridade não pode ser jamais quebrada e que é ilegal indicar um servidor público para ocupar assento no conselho como usuário dos serviços de saúde. Tal fato quebra física e filosoficamente a paridade exigida na Lei n.º 8142/90, retardando o processo de democratização na área da saúde.

Quanto à natureza jurídica dos conselhos de saúde, Gilson Carvalho defende que tais instâncias de poder pertencem ao Executivo, em cada esfera de governo, e que, portanto, abrigar um membro do Ministério Público ou mesmo do Poder Judiciário seria ferir o princípio da independência entre os poderes. Tampouco as listas tríplices ou sêxtuplas para que o prefeito escolha os conselheiros é legal, visto que a indicação deve ser sempre dos pares. A discussão sobre saúde nos conselhos, portanto, transcende a esfera executiva de governo, para abarcar, também, outras instâncias governamentais.

As decisões dessas instâncias participativas, seja em sede de conselho ou em conferência de saúde, deixaram registrado o saudoso sanitarista. Elas devem, sempre, passar por um crivo legal antes da implementação, a fim de assegurar-lhes a legalidade e a juridicidade, porque, muitas vezes, a decisão não é implementada por se tratar de ato ilegal.

Quando discute as decisões das conferências, Gilson Carvalho se esmera. Com postura crítica e incomum inteligência, discute sobre a soberania das assembleias, que não pode ser absoluta, pois há regras maiores no País que devem ser observadas, e que alterações no regimento interno das conferências, sendo legais, só podem entrar em vigor na conferência seguinte. O direito em vigência é soberano e imutável, até que o conselho que convocar a conferência seguinte reconheça o novo direito, na nova regra, que regerá a nova assembleia.

E sobre os horários de exposição e funcionamento dos grupos durante as conferências, o nobre poeta da saúde é enfático:

Temos que aprender e ensinar que os horários democraticamente estabelecidos devem ser despoticamente cumpridos... porque inúmeros finais de conferências madrugada a fora, dominados, muitas vezes, por pequenos grupos presentes, têm sido um ato duramente antidemocrático que alguns pensam legitimar cantando de mãos dadas o Hino Nacional. (p. 102).

Muitas vezes, porém, alguns ficam até tarde por responsabilidade e compromisso com a causa.

Encerra sua obra com um tema muito caro: a educação permanente para a participação. Para Gilson Carvalho, a ferramenta da educação é essencial para a mudança dos condicionantes e determinantes do estado de saúde e da qualidade de vida das pessoas. Deixa em seu livro, registrada para as futuras gerações, a Lei dos 5, como a única saída para a garantia de saúde no Brasil: educação, educação, educação, educação e educação.

O grande médico, o sanitarista, o poeta, o pensador, o radical defensor da participação cidadã viveu o suficiente para ver o exemplo da participação da saúde se espraiar por toda a Administração Federal, pelo Decreto n.º 8.243, de 23 de maio de 2014, que criou a Política Nacional de Participação Social e o Sistema Nacional de Participação Social.

AbraSUS,

Gilson!

Referências

  • SANTOS, L. Apresentação. In: CARVALHO, G. Participação da Comunidade na Saúde. Campinas: Saberes, 2014. p. 13.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2015
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