Análise estratégica sobre a organização de rede assistencial especializada em região de saúde do Rio Grande do Sul

Strategic analysis on the organization of specialized healthcare network in a health region of the Rio Grande do Sul state

Adriana Roese Tatiana Engel Gerhardt Alcides Silva de Miranda Sobre os autores

Resumos

Neste artigo busca-se analisar as principais estratégias intergovernamentais e os arranjos organizacionais instituídos para o incremento da acessibilidade a serviços assistenciais especializados, localizados em região de saúde do Rio Grande do Sul. Trata-se de investigação de natureza exploratória e caráter descritivo, com análise estratégica de abordagem qualitativa, a partir de documentos e entrevistas realizadas com dirigentes governamentais. A análise evidenciou tensões e disposições políticas distintas, com preponderância de estratégias cooperativas, embora tenham sido utilizados meios estratégicos diversos, em razão da assimetria no controle de recursos e de margens de autonomia organizacional.

Regionalização; Acesso aos serviços de saúde; Pesquisa estratégica; Políticas, planejamento e administração em saúde; Sistema Único de Saúde


In this article it was sought to analyze the main intergovernmental strategies and organizational arrangements established to increase the accessibility to specialized social assistance services, located in a health region of Rio Grande do Sul. This is a descriptive exploratory research, with strategic analysis of qualitative approach, from documents and interviews with government leaders. The analysis showed tensions and distinct political provisions, with the preponderance of cooperative strategies, although it has been used several strategic means, due to the asymmetry in resources control and margins of organizational autonomy.

Regional health planning; Health services accessibility; Strategic research; Health policy, planning and management; Unified Health System


Introdução

No decorrer das décadas de 1980 e 1990, no Brasil, em concomitância com a transição política ocorrida após o regime ditatorial, a diretriz de descentralização política e administrativa para sistemas e serviços de saúde emergiu como uma estratégia institucional de propósitos republicanos, visando agregar valores democráticos com participação social, como também buscar a transferência de recursos e uma maior autonomia institucional das esferas e instâncias subnacionais de governo. Mesmo assim, os processos correlatos de descentralização administrativa, desencadeados desde então, caracterizaram-se mais pelas medidas de racionalização econômica, com desconcentração gerencial, do que propriamente pela descentralização intergovernamental de poder político institucional ou pela participação social mais efetiva (ELIAS, 1996).

Ao longo do período aludido, os processos de descentralização intergovernamental e desconcentração gerencial de sistemas e serviços de saúde derivaram de um conjunto de estratégias programáticas de âmbito nacional, regulamentadas por sucessivas normas operacionais instituídas pelo Ministério da Saúde (MS), em pactuação com as representações associativas de secretários estaduais e municipais de Saúde. Apesar das regulamentações normativas para a reordenação de fluxos de recursos e da reorganização de sistemas e serviços de saúde, consideradas excessivas por autores como Carvalho (2001)CARVALHO, G. A inconstitucional administração pós-constitucional do SUS através de normas operacionais. Ciên. Saúde colet., Rio de Janeiro, v. 6, n. 2, p. 435-44, 2001., persistem dificuldades para inovação, consecução, consolidação, modulação e regulação de estratégias e tecnologias institucionais de descentralização política e administrativa entre os entes governamentais, tanto entre si quanto com as instâncias de participação e controle social.

Na década de 1990, houve ênfase discursiva e, ocasionalmente, normativa na estratégia interinstitucional de 'municipalização' com dinâmica ascendente, visando à descentralização intergovernamental de sistemas e serviços de saúde. Instituíram-se modalidades e prerrogativas de autonomia para a gestão municipal em saúde, com as transferências de recursos financeiros federais em blocos, 'fundo-a-fundo', a partir da adesão dos municípios às estratégias programáticas ministeriais (BRASIL, 1990; BRASIL, 2011; VIEIRA, 2009VIEIRA, F.S. Avanços e desafios no planejamento do Sistema Único de Saúde. Ciên. Saúde colet., Rio de Janeiro, v. 14, n. 5, p. 1565-1577, 2009.). A ênfase na estratégia de 'municipalização' tendeu a gerar fragmentação do sistema de saúde e segmentação de níveis assistenciais, além de dificultar a coordenação e a proatividade das Secretarias Estaduais de Saúde (SES) (SANTOS; ANDRADE, 2007SANTOS, L.; ANDRADE, L.O.M. SUS: o espaço da gestão inovada e dos consensos interfederativos: aspectos jurídicos, administrativos e financeiros.Campinas: Instituto de Direito Sanitário Aplicado, 2007.).

Ainda em meados da década de 1980, instituiu-se uma modalidade de Programação Pactuada e Integrada (PPI) com a definição e a regulação de quantitativos e fluxos para recursos financeiros, demandas e atendimentos intermunicipais e interestaduais nos serviços de Assistência Especializada (AE) à saúde. Desde então, tais dispositivo e logística passaram por reformulações e aprimoramentos e continuam vigentes na maior parte do País.

No período de 2000 a 2010, houve a tentativa de organização de Sistemas Regionais de Saúde, a partir de sucessivas versões de Normas de Assistência à Saúde (Noas) com definições de Planos Diretores de Regionalização (PDR), para o referenciamento de AE (módulos e polos assistenciais), de meios e modalidades para programações físicas e financeiras e de tecnologias para o controle e a regulação de fluxos assistenciais. Ainda no decorrer da mesma década, a partir da adesão de estados e municípios à estratégia interinstitucional programática, denominada Pacto pela Saúde (VIEIRA, 2009), houve a definição de prioridades assistenciais com o dimensionamento de metas afins.

Já na presente década, houve a promulgação do Decreto-Lei 7.508/2011 (BRASIL, 2011), que dispõe e regulamenta as regiões de saúde, suas instâncias de gestão Colegiada (Comissões Intergestores Regionais - CIR), suas redes de serviços de 'portas de entrada' e decorrentes fluxos assistenciais, sob a coordenação primordial da Atenção Primária à Saúde. Além de dispor sobre dispositivos para o planejamento (Mapas de Saúde), para a configuração de ofertas (Relações de Serviços e Medicamentos), para a ordenação de fluxos de acessibilidade a partir de algoritmos (Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas) e linhas de cuidado. A conformação prescritiva dos acordos e compromissos intergovernamentais sobre os processos de regionalização (recursos financeiros alocados, percursos e fluxos preestabelecidos, arranjos organizativos e assistenciais correlatos etc) deve ser formalizada em Contratos Organizativos de Ação Pública da Saúde (Coaps). Entretanto, até o início de 2015, somente algumas regiões, em dois estados brasileiros, já haviam formalizado os respectivos Coaps e, portanto, institucionalizado os seus processos de regionalização.

Atualmente, cerca de 3/4 dos municípios brasileiros possuem pequeno porte populacional (menos de 20.000 habitantes) e dispõem somente de serviços restritos à Atenção Básica e a alguns procedimentos de AE, notadamente no nível assistencial de Média Complexidade (MC). Geralmente, nos casos desses municípios, os serviços de AE assistem predominantemente às demandas autóctones com ênfase no manejo de condições agudas ou agudizadas.

O Rio Grande do Sul, por sua vez, conta atualmente, com aproximadamente 83% de municípios de pequeno porte populacional e em condições assistenciais similares às referidas anteriormente. Assim, no estado, também é considerada prioritária a constituição de sistemas e redes regionais para serviços de saúde de AE, visando a uma melhor organização no aporte e na alocação de recursos financeiros e tecnológicos, uma melhor programação de demandas e fluxos assistenciais, uma melhor acessibilidade e um atendimento mais eficiente e bem qualificado.

Ao longo dos últimos 15 anos, as Secretarias Municipais de Saúde do Rio Grande do Sul, representadas por sua associação (inicialmente, denominada Associação dos Secretários e Dirigentes Municipais de Saúde - Assedisa, e, mais tarde, Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Rio Grande do Sul - Cosems-RS), juntamente com as gestões governamentais na Secretaria Estadual de Saúde, buscaram convergências e alinhamentos com as estratégias programáticas nacionais. A definição e a implantação de Planos Diretores Regionais, nos termos das Noas, ocorreram a partir de 2002, com a configuração de 19 Regionais de Saúde (RIO GRANDE DO SUL, 2002RIO GRANDE DO SUL. Secretaria Estadual da Saúde. Plano Diretor de Regionalização da Saúde. Porto Alegre: SEGRAC, 2002.). A adesão aos termos do 'Pacto pela Saúde' foi incrementada a partir de 2008, com a implantação de Comissões Intergestores Bipartites Regionais. Agora, com a vigência do Decreto-Lei 7.508/2011 (BRASIL, 2011), o estado alterou sua configuração para 30 regiões de saúde (RIO GRANDE DO SUL, 2012) e avança, gradualmente, na preparação e consecução de iniciativas preestabelecidas como requisitos para os Coaps.

Ainda, a partir de 2002, no Rio Grande do Sul, ocorreram diversas iniciativas e articulações políticas visando à organização logística e funcional de regiões de saúde, com ênfase na garantia de acesso aos serviços especializados, com maior resolubilidade, melhor eficiência e tecnologia adequada (FERLA et al., 2002FERLA, A. A. et al.Regionalização da atenção à saúde na experiência de gestão estadual do SUS no Rio Grande do Sul. In: FERLA, A. A.;FAGUNDES, S. M. S. (Org.). O fazer em Saúde Coletiva: inovações da atenção à saúde no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Da Casa, 2002.). Particularmente, uma dessas iniciativas ocorreu entre alguns municípios de uma regional de saúde do sul do estado, a partir da organização autônoma de um Consórcio Intermunicipal de Saúde (Centro-Sul - Consórcio ICS). Naquele momento e naquela circunstância, houve um entendimento, por parte dos dirigentes governamentais dos 13 municípios consorciados, de que as instâncias normativas e os serviços existentes (no contexto normativo e em função da Noas) não atendiam minimamente às expectativas e demandas para a organização e a garantia de acesso de suas respectivas populações aos serviços especializados de MC. O foco deste estudo é essa iniciativa particular de articulação intermunicipal e organização autônoma de um sistema e um serviço regional no referido nível de assistência.

No caso da análise sobre a constituição de um sistema regional para serviços assistenciais especializados e em termos de georreferenciamento aplicado a uma determinada logística sistêmica, consideraram-se três variáveis primordiais: o território-vivo, os fixos e os fluxos. Nos termos preconizados por Milton Santos (1988), o território-vivo é um âmbito complexo e permeado por dinâmicas reticulares e intervenientes, mas, em se tratando do enfoque reduzido e específico do estudo, o mesmo é realçado a partir de sua territorialidade como instância de decisões logísticas e funcionais com propósitos determinados (AE de MC). Para o mesmo autor, os fixos podem ser definidos como objetos recursivos, e os fluxos como dinâmicas interativas, relacionais, processuais. Na configuração de redes e dinâmicas interagentes em um dado território-vivo, os fixos e os fluxos são indissociáveis, imbricados e encontram-se relativamente contidos, pois também existem tensões e movimentos centrífugos, linhas de fuga.

No caso dos processos de regionalização em foco, ressalta-se que a configuração de fixos assistenciais em uma dada circunscrição territorial depende da definição prévia da oferta de recursos (financeiros, tecnológicos etc.), de serviços especializados, de trabalho profissional e de procedimentos (ambulatoriais, hospitalares, de apoio diagnóstico e terapêutico etc). A definição de fluxos assistenciais se ampara sobremaneira na previsão de demandas específicas, na programação física e financeira de procedimentos ofertados, na definição de itinerários (diagnósticos, terapêuticos etc.), na capacidade de regulação da acessibilidade (Complexos Regulatórios) e de gestão colegiada (Comissões Intergestores).

As logísticas recursivas e dinâmicas funcionais de ordenação, integração e regulação sistêmicas não podem estar autorreferidas. São sujeitos conscientes, agentes sociais, atores institucionais aqueles que as (re)produzem e/ou transformam. Sendo assim, para analisar os epifenômenos de configuração logística e sistêmica de redes de AE, em âmbito regional, importa identificar atores sociais proativos e implicados em tal cenário, assim como os principais meios estratégicos utilizados, as principais estratégias institucionais dinamizadas.

A análise estratégica situacional de Carlos Matus (1996)MATUS, C. Estratégias políticas: Chimpanzé, Maquiavel e Gandhi. São Paulo:Fundap, 1996., tomada como referencial teórico e metodológico no caso deste estudo, busca evidenciar as distintas leituras de atores institucionais implicados em determinadas tramas e cenário de regionalização de serviços especializados de saúde, assim como os principais meios estratégicos utilizados por eles.

Existem muitas publicações, nacionais e internacionais, acerca de estudos de regionalização de sistemas e serviços de saúde. Alguns com ênfase em revisões históricas e conceituais (MELLO; VIANA, 2012MELLO, G. A.; VIANA, A.L.D.Uma história de conceitos na saúde pública: integralidade, coordenação, descentralização, regionalização e universalidade. Hist. Cienc. Saúde - Manguinhos, Rio de Janeiro,v. 19, n. 4, p. 1219-39, out./dez. 2012.), outros com enfoques em análises de estratégias institucionais, notadamente programáticas (LEMOS et al., 2003LEMOS, M. B. et al. A nova configuração regional brasileira e sua geografia econômica. Estud. Econ., São Paulo, v. 33, n. 4, p. 665-700, 2003.) e análises conjunturais. Também são abundantes as publicações de estudos empíricos correlatos, com relatos de experiências (ARAÚJO; FERREIRA; NERY, 1973), estudos de casos (SPEDO; PINTO; TANAKA, 2010SPEDO, S. M.; PINTO, N. R.S.; TANAKA, O.Y. A regionalização intramunicipal do Sistema Único de Saúde (SUS): um estudo de caso do município de São Paulo-SP, Brasil. Saúde Soc., São Paulo, v. 19, n. 3, p. 533-546, 2010.), inclusive sobre processos de consorciamentos regionais (JUNQUEIRA; MENDES; CRUZ, 1999JUNQUEIRA, A. T. M.; MENDES, A. N.;CRUZ, M.C.M.T. Consórcios intermunicipais de saúde no estado de São Paulo: situação atual. Rev. Adm. Emp., São Paulo, v. 39, n. 4, p. 85-96,1999.) e processos decisórios Intergestores de âmbito regional (REIS; CESSE; CARVALHO, 2010REIS, Y. A. C.; CESSE, E. A. P.;CARVALHO, E.F. Consensos sobre o papel do gestor estadual na regionalização da assistência à saúde no Sistema Único de Saúde (SUS). Rev. Bras. Saúde Mater. Infant., Recife, v. 10, supl. 1, p. s157-s172, 2010.).

Conforme antecipado, a presente publicação busca evidenciar aspectos significativos de uma análise estratégica acerca de processo decisório e configuração logística de rede de serviços especializados e de âmbito regional. Espera-se, assim, contribuir para a produção de mais conhecimentos sobre essa temática e para o intercâmbio de estudos e análises afins.

Aspectos metodológicos

Trata-se de estudo exploratório, com ênfase em análise estratégica (MATUS, 1996) sobre determinado espaço e processo decisório intergovernamental, a partir de abordagem predominantemente qualitativa.

O continente territorial considerado no estudo corresponde a 13 municípios da região sul do Rio Grande do Sul (região Centro-Sul), articulados em uma instância decisória própria, sob a égide do Cosems-RS. A partir dessa instância, instituiu-se um Consórcio Intermunicipal de Direito Privado, em busca de melhor oferta e maior resolubilidade na assistência de serviços com procedimentos de MC.

Por ocasião do estudo, a maioria dos municípios selecionados possuía pequeno porte populacional (menos de 20 mil habitantes), sendo que os mesmos estavam vinculados a duas microrregiões geopolíticas: Costa Doce Sul - Amaral Ferrador, Arambaré, Camaquã, Cerro Grande do Sul, Chuvisca, Cristal, Dom Feliciano, Sentinela do Sul e Tapes; Costa Doce Norte - Barra do Ribeiro, Guaíba, Mariana Pimentel e Sertão Santana.

Nos termos e critérios de seleção para amostragem intencional de abordagem qualitativa, a população do estudo foi composta por atores sociais, de âmbito institucional, implicados diretamente na gestão governamental de saúde: gestão municipal: secretários e ex-secretários de Saúde (AM1-15); gestão regional: dirigentes de serviços regionais de saúde (AR1-3); e gestão estadual: dirigentes da CRS-SES/RS (AE1-3).

A coleta de informações ocorreu por meio de 21 entrevistas semiestruturadas, realizadas entre outubro de 2010 e abril de 2011. Os roteiros eram distintos, de acordo com os âmbitos de gestão dos entrevistados e continham questões sobre a implementação de serviços descentralizados nos municípios e na região, a participação regional e estadual no planejamento regional de saúde, o foco na atenção de MC, os fluxos de referência, além dos obstáculos e facilidades da consolidação do processo de regionalização. Realizou-se, também, uma análise documental com foco em registro de dados e informações referentes às tomadas de decisão na região e ênfase no processo em estudo.

As entrevistas foram gravadas e transcritas literalmente. O material proveniente das entrevistas e dos documentos foi processado com o auxílio do programa NVivo 7. O material processado a partir dos documentos e das entrevistas, inicialmente, foi ordenado em categorias explicativas, a partir de utilização do método de Análise de Conteúdo do tipo categorial e temática (BARDIN, 2011BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.). Em seguida, as categorias temáticas identificadas foram ordenadas em escopo e na perspectiva da análise estratégica.

Considerada a caracterização de elementos "fixos" e "fluxos", proposta por Milton Santos (1988, p. 77), após análise temática do material processado, constituíram-se duas logísticas principais: (1) Logística de elementos fixos: limites territoriais, recursos e infraestrutura de estabelecimentos e serviços, com suas respectivas estratégias organizativas e programáticas; (2) Logística de processos de fluxos: programações de referenciamentos assistenciais, regulação de acesso a serviços, Pactos de Saúde e Pacto de Gestão.

Assim, os elementos fixos estão constituídos como pontos de acesso na rede regional de serviços, a partir da definição de estabelecimentos assistenciais com referenciamentos para procedimentos de MC, no âmbito regional, o que requer estratégias institucionais, notadamente administrativas e programáticas (TESTA, 1995TESTA, M. Pensamento estratégico e lógica da programação: o caso da Saúde. São Paulo: Hucitec, 1995.). Os fluxos estão constituídos como roteiros e itinerários programados para os referenciamentos e a acessibilidade aos serviços especializados.

A partir da definição das logísticas e variáveis, realizou-se a análise estratégica do espaço e do processo decisório em questão, considerado o referencial teórico e metodológico proposto por Carlos Matus (1996), com ênfase na análise de "meios estratégicos" utilizados para o alcance de viabilidade e sustentabilidade política, administrativa e técnica.

O estudo referido neste artigo é um componente derivado de um projeto de pesquisa mais abrangente, o qual foi aprovado pelo Comitê de Ética da Pesquisa da UFRGS (Processo 2006634). No decorrer do mesmo, foram observados os preceitos e efetuados os trâmites e procedimentos de natureza ética para pesquisas envolvendo seres humanos, de acordo com a, então vigente, Resolução 196/1996, do Conselho Nacional de Saúde.

Descrição sumária de resultados

O Consórcio Intermunicipal Centro-Sul, em sua abrangência e confluência territoriais, em sua configuração de fixos e fluxos reticulares, denota a complexidade do processo de regionalização da saúde.

No âmbito territorial em foco, os 13 municípios consorciados provêm de distintas conformações e divisões regionais. Por exemplo, 11 dos municípios consorciados estavam vinculados à 2a Coordenadoria Regional (CRS) da SES-RS, e os dois restantes estavam vinculados à 3a CRS. Em outra configuração, das atuais 'regiões de saúde', os primeiros 11 municípios consorciados estão associados a outros oito municípios (região 9); e os outros dois municípios consorciados estão vinculados a outra região, a 21. Em outros termos e no caso em questão, as definições de abrangência administrativa estadual (CRS) e o PDR não contemplam os arranjos intermunicipais e as dinâmicas cooperativas ascendentes.

Na atual configuração de regiões de saúde, houve ênfase em fluxos centrípetos para fixos de Média e Alta Complexidade assistencial, de acordo com a oferta de tais serviços e procedimentos ('capacidade instalada') existentes em municípios de maior porte populacional e abrangência macrorregional.

Apesar da existência de um PDR com a definição de fixos e fluxos para os referenciamentos da assistência de MC, alguns entrevistados alegam tratar-se, predominantemente, de definições figurativas, de pouca acessibilidade e baixa efetividade.

[...] Pelo mapa, nós teríamos acesso de Média e de Alta complexidade a quase todas as redes para o atendimento integral do usuário. Agora, a crítica que a Assedisa tem é que esse mapa, possivelmente, 70 a 80% dele, não saiu do papel [...]. (AE1).

As dificuldades para a viabilização de referenciamentos programados, para a garantia da acessibilidade e para a realização efetiva de serviços de MC são mais enfatizadas em algumas áreas especializadas. Como exemplo desse tipo de dificuldade, há o relato da crítica de um entrevistado (AE3) sobre os referenciamentos programados para serviços especializados de traumatologia e ortopedia em um município localizado fora da microrregião consorciada, que, segundo ele, habilitou e dispôs tais procedimentos especializados com a anuência da Secretaria Estadual de Saúde, sem contar com condições mínimas para garantir a acessibilidade e a efetivação dos mesmos.

Convém realçar que parte considerável dos referenciamentos para a assistência ambulatorial de MC, tanto nas configurações do PDR como do Consórcio ICS, estava programada para a capital do estado. "Estou para te dizer que mais de oitenta por cento das consultas e procedimentos são encaminhados para Porto Alegre [...]" (AM9).

Assim, Porto Alegre se torna o principal polo referencial para os fluxos assistenciais especializados, principalmente aqueles de Alta Complexidade, além de operar como a principal instância de controle e regulação para a acessibilidade afim. Alguns entrevistados criticam a sistemática e os critérios de regulação para a acessibilidade aos serviços especializados adotados pela capital, uma vez que tenderiam mais a uma "distribuição de cotas" (AE2) do que propriamente a um modo de regulação coordenada.

Alguns dos entrevistados enfatizam a necessidade de diminuir a dependência acerca dos referenciamentos programados para Porto Alegre, alegando a possibilidade de estruturação de serviços compatíveis no âmbito da própria microrregião. Muitos dos entrevistados apontam a necessidade de investimentos para a viabilização dos municípios de Camaquã e de Guaíba como polos de referenciamento microrregional para a assistência ambulatorial especializada e para a hospitalar (AM2, AM3, AM5, AM9, AM12, AE1 e AE3). Tal pretensão foi exaustivamente referida na análise documental e em muitas entrevistas, inclusive com proposições sobre as potencialidades de incremento e viabilização de hospitais regionais (de Barra do Ribeiro, Camaquã, Guaíba e Tapes) como fixos referenciais na microrregião dos municípios consorciados (AM3, 8, 13-14 e AE3).

A organização do Consórcio Intermunicipal Centro-Sul (Consórcio ICS) decorreu da pretensão de se diminuir a dependência para com serviços especializados e programados fora do entorno dos 13 municípios em questão, além do reconhecimento das potencialidades de apoio mútuo em tal âmbito. Segundo alguns dos entrevistados, na definição de abrangência territorial e de confluências funcionais para o Consórcio ICS, houve ênfase em fluxos colaterais para fixos microrregionais, levando-se em conta os hábitos de utilização de serviços especializados por parte das populações dos 13 municípios consorciados.

Os secretários de saúde dos municípios consorciados se mobilizaram e programaram fixos de referência assistencial especializada e fluxos de demandas no seu âmbito de abrangência. Eles esperavam auxílio financeiro em termos de investimentos e custeios, entretanto, mostraram-se frustrados com a falta de iniciativa e apoio por parte do governo estadual. Em um trecho de ata, descrito abaixo, pode-se observar que os secretários municipais de Saúde, implicados na organização do Consórcio ICS, aguardavam apoio financeiro do governo estadual:

A [representante da 2a CRS] diz que o Consórcio, tem por finalidade, reduzir custos e criar competitividade. Mas um gestor diz que o repasse da verba [estadual] não tem vindo e está com dificuldades no Consórcio. A representante da 2a CRS diz que anteriormente existia compromisso da parte do Ex-Secretário Estadual de Saúde para com o Consórcio, mas agora não, pois a governadora diz que não tem recursos e verba para isso. (ASSEDISA CENTRO-SUL, 2010, n.p.).

Alguns entrevistados enfatizam que, desde o período da 'municipalização' (década de 1980), os governos estaduais perderam a capacidade e condição de agentes financiadores, sendo que a União permaneceu como a grande financiadora e, portanto, indutora de estratégias institucionais para as políticas (inter)governamentais de saúde. Em decorrência dessa tendência, os governos estaduais terminaram por se desonerar e se desresponsabilizar pelas iniciativas de organização, incremento e sustentação financeira dos processos de regionalização de serviços assistenciais especializados.

A respeito dos fluxos referenciais programados, alguns entrevistados (AM8 e AM15) realçaram a importância de viabilizar funcionalmente um instrumento formal estabelecido: a Programação Pactuada e Integrada (PPI). Outros referiram a necessidade de atualização constante e periódica dos Planos Diretores de Regionalização (AR3). Nos discursos, evidencia-se uma preocupação em se considerar as necessidades reais e prioritárias de fluxos e acessibilidade de usuários aos serviços especializados no âmbito regional. Entretanto, para muitos, os processos de programação continuam centrados na logística de ofertas e contingenciamento de recursos (financeiros, físicos, tecnológicos). Por exemplo: alguns entrevistados referem que o Cosems-RS vinha trabalhando em programações regionais para referenciamentos dimensionados por necessidades reais, todavia, os procedimentos, assim como seus respectivos valores de custeio, não eram cobertos pelos recursos financeiros disponíveis, notadamente, pelas transferências federais programadas para o custeio.

Na perspectiva da formalização de pactos intermunicipais para a garantia de acesso aos serviços assistenciais especializados (contexto do 'Pacto de Gestão'), muitos entrevistados expuseram o receio de que seus municípios fossem arcar com maiores responsabilidades, especialmente com relação ao financiamento com orçamento próprio (AM1, AM4, AM7, AM11, AM14 e AM15), uma vez que havia a constatação do descumprimento dos termos de financiamento estadual e federal, estabelecidos na, então vigente, Emenda Constitucional 29. Apesar disso, alguns também consideravam promissores os termos estabelecidos na legislação sobre o financiamento, sobretudo a partir da possibilidade de maior autonomia municipal para a utilização dos recursos financeiros transferidos, com maior poder de negociação e 'compra' de serviços (AE2, AM3, AM5, AM9, AM10, AM12-13).

Mesmo com algumas expressões de desconfiança relatadas, havia uma expectativa positiva acerca da implantação do 'Pacto de Gestão' como fator incremental para a viabilização dos processos de regionalização de serviços assistenciais especializados. As melhores expectativas decorriam de apostas na reorganização dos sistemas de saúde de âmbito microrregional, o que, em tese, tornaria os municípios mais participativos e proativos na organização de novas formas de gestão compartilhada, na organização de serviços mais eficientes, em melhores monitoramento e avaliação dos mesmos (AR2-3 e AE3).

Discussão

A diversidade e a sobreposição de distintas configurações e logísticas estabelecidas para os territórios regionais de saúde produzem importantes fragmentações, dissociações e tensões nas relações intergovernamentais de poder e autonomia. Tais características dificultam sobremaneira as discussões, negociações e pactuações acerca dos fixos e fluxos assistenciais especializados regionais. Particularmente, torna-se difícil a programação procedimental sem um planejamento estratégico concomitante, que leve em conta o perfil e as prioridades relativas aos problemas, necessidades e demandas reais para o referenciamento na região, o que corrobora evidências similares em outros estudos correlatos (VIANA; LIMA, 2011).

O descompasso e a dissociação entre os desenhos das regiões também provocam desorganização e descontinuidades a partir dos processos decisórios intergestores no âmbito regional, impossibilitando a consolidação de parcerias e a inovação de estratégias institucionais compatíveis.

Muitos municípios integram distintos arranjos regionais, desarticulados entre si, condição que dificulta a vinculação efetiva e inviabiliza a consolidação do processo de descentralização política, administrativa e funcional - especialmente quando se refere ao planejamento ascendente e aos modos de gestão compartilhada nas regiões de saúde. Tal dissociação tende a induzir a comportamentos mais voluntaristas e eventuais por parte de gestores municipais de Saúde, em busca de menores ônus (políticos, orçamentários etc.) e melhores oportunidades para a garantia de acesso de seus munícipes aos serviços especializados de abrangência regional.

Alguns relatos e discursos analisados evidenciam dificuldades funcionais e operativas de coordenação e problemas na garantia de acessibilidade aos serviços referenciados, especialmente na capital do estado. Denota-se uma concentração unipolar e a dependência dos municípios, que preestabeleceram programações físicas e transferências financeiras para a capital, a uma sistemática vertical e unilateral de regulação da acessibilidade.

No que se refere aos casos referenciados para a AE na capital, os problemas e as dificuldades de acessibilidade tendem a repercutir mal, principalmente nos municípios de pequeno porte populacional, dada a maior proximidade e a visibilidade do poder público. Em muitos casos, em virtude da predominância de expectativas de 'senso comum' acerca de manejos de cunho 'clientelista' para as demandas de acessibilidade aos serviços públicos, as repercussões negativas ocasionadas por interdições ('portas fechadas') ou demandas reprimidas tendem a provocar desgastes políticos.

Os dirigentes governamentais dos municípios de menor porte populacional, por terem pouca governabilidade sobre as condições de oferta de serviços especializados e sobre a regulação de sua acessibilidade, expressam descrédito acerca das normativas de programação e das sucessivas reciclagens de normas operacionais estabelecidas a partir do poder central.

Por sua vez, os dirigentes governamentais dos municípios de maior porte populacional e de maior oferta de serviços especializados precisam lidar tanto com a escassez dos recursos programados para o custeio quanto com demandas não programadas. Os mesmos tendem a se queixar da inoperância ou da debilidade da Secretaria Estadual de Saúde, em termos de apoio (técnico e financeiro) e coordenação. Diante da repercussão negativa dos problemas de acessibilidade aos serviços especializados, referem que há pouca resolubilidade clínica por parte dos municípios menores e excesso de encaminhamentos desnecessários (o que denominam, em termos irônicos, como 'ambulancioterapia').

Os dirigentes do governo estadual referem dificuldades financeiras para justificar o pequeno aporte de recursos próprios no apoio aos serviços especializados de referência regional. Os mesmos são discursivamente propensos a se queixar da inoperância ou da debilidade do Ministério Saúde, em função da concentração federal de recursos financeiros e da verticalidade na definição das respectivas programações.

No contexto e no entorno dos 13 municípios consorciados em âmbito microrregional, a análise das estratégias (inter)institucionais adotadas no decorrer do processo de organização de fixos (estabelecimentos referenciais) e fluxos (SANTOS, 1988) para a acessibilidade aos serviços assistenciais de MC leva em conta pelo menos três lugares institucionais e seus respectivos atores governamentais (MATUS, 1996): (1) Municípios demandantes de assistência especializada, geralmente de pequeno porte populacional e com predominância de serviços de Atenção Básica à Saúde (ABS), associados ao Cosems-RS; (2) Municípios demandados, geralmente de maior porte populacional e com oferta e programação pactuada (PPI) de serviços especializados de MC, também associados ao Cosems-RS; (3) Secretaria Estadual de Saúde e sua Coordenadoria Regional correspondente.

Definidos o cenário e o drama estratégico em foco e, principalmente, os atores governamentais implicados, resta a caracterização dos tipos de operações e meios estratégicos adotados (MATUS, 1996). De um modo geral, adotaram-se como meios estratégicos preponderantes a 'direcionalidade normativa', a 'premiação por adesão', a 'motivação' e a 'negociação cooperativa e de soma positiva'. Como operações estratégicas predominantes: a busca de melhor comunicação intergovernamental, de comprometimentos políticos interinstitucionais e de viabilidade administrativa (notadamente, financeira) e técnica (inovação tecnológica: o consorciamento) (MATUS, 1996).

A 'direcionalidade normativa' implica dinâmicas estratégicas estabelecidas a partir da definição de normas administrativas e programáticas e dos sucessivos marcos regulatórios para o referido processo de regionalização. Em razão de tais normativas programáticas e operacionais, há uma expectativa generalizada de comportamentos regrados, de ênfase em competências normativas. Em alguns aspectos, a 'direcionalidade normativa' opera por imposição e atividades verticais descendentes (mais técnicas e administrativas), respaldadas na dependência e contrapartida de recursos financeiros para os municípios, principalmente aqueles de menor porte populacional e menor capacidade de oferta de serviços especializados. A 'direcionalidade normativa' também opera por indução prescritiva, o deve-ser respaldado pelo discurso tecnocrático (normas técnicas e programáticas), que repercute nos municípios com menor capacidade autóctone de formulação técnica e programática (MATUS, 1996).

De acordo com alguns proferimentos discursivos em análise, a 'direcionalidade normativa' para a regionalização da AE emana de um lugar distante (o 'planalto central'), embora seja produzida por consensos políticos intergestores (pelo menos, em termos procedimentais) acerca de normas administrativas e programáticas. As negociações e os consensos intergestores estabelecidos nos âmbitos estadual e regional (Comissão Intergestores Bipartite, estadual e regional) não dispunham de caráter diretivo, mas somente procedimental, adaptativo.

No caso analisado, os dirigentes estaduais e municipais tenderam a interpretar a 'direcionalidade normativa' com cautela e desconfiança e a representá-la como algo necessário, mas insuficiente para dar conta das especificidades da região. Gradualmente, buscaram adesão às normativas administrativas e programáticas, mas com o intuito primordial de garantir o aporte de recursos financeiros provenientes das transferências federais.

Por sua vez, o MS operou mais com o meio estratégico de 'premiação por adesão' (MATUS, 1996), buscando, na medida de seus limites de oferta orçamentária, o intercâmbio de interesses políticos conciliáveis. Na região analisada, não se observa linha de atuação direta do MS, seja política ou administrativa, ou seja, importou mais a intermediação da SES-RS, principalmente a partir de sua CRS. Assim, embora a SES-RS não tenha operado com o meio de 'premiação por adesão', porque quase não ofertou recursos financeiros complementares, atuou como intermediadora e avalizadora da estratégia ministerial.

Preocupados com as deficiências de oferta de serviços especializados e com problemas afins de acessibilidade, os gestores das Secretarias Municipais de Saúde da região analisada tomaram a iniciativa de organizar uma rede própria, pela via de uma inovação tecnológica e administrativa: o Consórcio Intermunicipal de Direito Privado. Entretanto, para viabilizar e consolidar tal iniciativa, necessitavam de um aporte de recursos financeiros para investimentos e complementos para o custeio, uma vez que era insuficiente a programação financeira convencional de custeio a partir de transferências federais. A estratégia adotada pelo conjunto desses atores municipais era de persuasão da SES-RS e do MS, buscando meios de 'motivação' de ambos, em razão de seus distintos focos de atenção, de sua indiferença (MATUS, 1996). A partir da 'motivação' de dirigentes estaduais e federais para as suas demandas de inovação, os gestores municipais da região esperavam o 'comprometimento' dos mesmos, em termos de financiamento complementar e apoio técnico, mas não obtiveram o sucesso desejado. Em parte, pela mudança de conjuntura política no âmbito estadual (mudança de governo), e, em parte, pela manutenção da 'indiferença' do governo federal.

A criação de uma regional do Cosems e do Consórcio ICS demonstrou a necessidade que os gestores municipais tinham com relação ao planejamento regional e de efetivar estratégias autônomas para que o processo se desenvolvesse. Assim, as estratégias implementadas pelos gestores municipais na região estudada não possibilitaram que as redes pudessem se constituir como fixos viáveis (SANTOS, 1988). Também não houve viabilidade para a expectativa de que o 'planejamento regional' pudesse auxiliar no 'desengessamento' dos respectivos fluxos, uma vez que prevaleceu a lógica programática e normativa vertical.

Considerado o contexto extrínseco à região analisada, convém realçar que os municípios não podem estar confundidos pelas mesmas disposições estratégicas ou naturalmente alinhados politicamente. Dadas as regras do cenário e o jogo estratégico em questão, segundo Matus (1996), há interesses destoantes, disposições diversas e disputas entre os municípios maiores e menores (em termos populacionais e de capacidade de oferta assistencial especializada). Por exemplo, a capital do estado, na sua relação com o MS e a SES-RS, opera com maior autonomia financeira e técnica, com busca constante de negociações de soma positiva (MATUS, 1996). Na sua relação com os municípios da região analisada, em razão de conveniências e interesses muitas vezes destoantes, mas sem ânimo de confronto, a capital opera com propósitos estratégicos de 'intermediação' e meios de 'arbitragem', em termos de regulação da acessibilidade aos serviços especializados ofertados, independentemente da programação (física e financeira) acordada previamente (PPI).

A expectativa das competências normativas é de que a regulação da assistência ajuste a oferta de serviços especializados às necessidades dos cidadãos de maneira 'equânime, ordenada, oportuna e racional', com pressuposto de que os gestores municipais já dispusessem de avaliação acerca das necessidades, além de um planejamento compatível com dispositivos de regulação assistencial e delegação de autoridade sanitária ao regulador.

Todos os atores governamentais em questão sempre buscaram a 'negociação cooperativa' em jogos de soma positiva (todos buscando ganhar algo), em razão de objetivos comuns e interesses, eventualmente ou conjunturalmente, distintos (MATUS, 1996). Entretanto, a disposição assimétrica de capitais e recursos de poder financeiro e técnico restringiu sobremaneira a autonomia organizativa dos municípios da região, apesar de sua iniciativa e inovação.

Considerações finais

Considerada a abrangente produção bibliográfica acerca de processos de regionalização de sistemas e serviços de saúde, o presente estudo reporta uma perspectiva de análise de estratégias interinstitucionais em dado contexto e sucessivas conjunturas.

A análise proporcionou observar que existe uma configuração territorial - em que os fixos e fluxos estão colocados - diversa e, por vezes, sobreposta. Essa situação dificulta negociações e pactuações regionais, visto que promove fragmentações, dissociações e tensões nos espaços decisórios. Por consequência disso, a gestão compartilhada na região fica comprometida.

Somada a essa questão, evidenciou-se que predominam negociações intergovernamentais cooperativas, porém, a partir de disposições políticas distintas e meios estratégicos diversos, em razão da assimetria no controle de capitais e recursos e de margens de autonomia organizacional. Espera-se que esta análise possa contribuir para o debate sobre os processos de regionalização em curso e subsidiar outros estudos similares.

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  • Suporte financeiro: não houve

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    Jun 2015
  • Aceito
    Set 2015
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