Análise descritiva dos acidentes de trabalho ocorridos em Porto Velho (RO) entre 2002 e 2012

Carlos Alexandre Rodrigues Pereira Mirko Severin Winkler Sandra de Souza Hacon Sobre os autores

RESUMO

Realizou-se análise descritiva da série histórica de acidentes de trabalho ocorridos entre 2002 e 2012, em Porto Velho (RO), a fim de identificar se houve aumento relacionado com a implantação das obras do Programa de Aceleração do Crescimento no município. Foram utilizados dados do Ministério da Previdência Social e da Relação Anual de Informações Sociais. Verificou-se aumento na incidência de acidentes de trabalho em Porto Velho a partir de 2008, quando se iniciaram as grandes obras. Embora não haja informações suficientes para estimar a carga de acidentes atribuíveis às obras, evidencia-se a necessidade de tomar medidas para o controle de riscos em grandes empreendimentos.

PALAVRAS-CHAVE
Saúde do trabalhador; Acidentes de trabalho; Impactos na saúde

Introdução

O trabalho pode ser entendido como um dos fatores necessários para o bom estado de saúde. Porém, no contexto do trabalho, pode haver fatores capazes de provocar efeito contrário e causar danos à saúde ou à integridade do trabalhador. Tais fatores não se resumem aos riscos físicos, químicos ou biológicos existentes no ambiente de trabalho. Eles incluem, também, conforme Oksanen (2011)OKSANEN, T. et al. Workplace social capital and all-cause mortality: A prospective cohort study of 28,043 public sector employees. American Journal of Public Health, Nova York, v. 101, n. 9, p. 1742-1748, 2011., o capital social do ambiente laboral, ou seja, as estruturas sociais, normativas e de convívio interpessoal.

Dos agravos de saúde relacionados ao labor, chama-se a atenção para os acidentes de trabalho, eventos reconhecidos, segundo Gessner (2013)GESSNER, R. et al. As notificações de acidentes de trabalho com material biológico em um hospital de ensino de Curitiba/PR. Saúde debate, Rio de Janeiro, v. 37, n. 99, p. 619-627, dez. 2013., como um problema de saúde pública, dado o potencial de causar efeitos deletérios à saúde do trabalhador. Uma série de medidas, políticas e estratégias de controle de riscos e de proteção do trabalhador, tem sido implementada ao longo dos anos no sentido de diminuir, ou mesmo eliminar, a exposição a fatores de risco capazes de provocar acidentes (LEÃO, CASTRO, 2013LEÃO, L. H. C.; CASTRO, A. C. Políticas públicas de saúde do trabalhador: análise da implantação de dispositivos de institucionalização em uma cidade brasileira. Ciênc. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 18, n. 3, p. 769-778, mar. 2013.).

Além das condições de trabalho, outro aspecto importante é a natureza do trabalho, pois existem diferentes atividades, executadas em diferentes condições, que levam à exposição a diferentes fatores de risco. Ou seja, a natureza do trabalho deve ser considerada como um fator importante ao se falar de trabalho, ambiente e saúde. É nesse sentido que Porto (2000)PORTO, M. F. S. Análise de riscos nos locais de trabalho. São Paulo: Fundacentro, 2000. (Cadernos de Saúde do Trabalhador, 1). destaca a necessidade de, ao se realizar análises de risco, superar os conteúdos gerais das normas e leis que versam sobre a matéria de saúde do trabalhador e prevenção de acidentes, pois elas não são suficientemente capazes de dar conta das especificidades de cada setor ou atividade no que se refere aos riscos inerentes ao trabalho.

No que diz respeito à natureza do trabalho, há mudanças de ordem social, política e econômica que condicionam a oferta de trabalho em determinados setores. No Brasil, um setor que observou crescimento na última década foi o das grandes obras de infraestrutura, muito influenciado pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado pelo governo federal em 2007, por meio do qual se investiu em setores considerados estruturantes, como planejamento urbano e energético, por exemplo (BRASIL, 2015A______. Ministério do Planejamento. Sobre o PAC [Internet], 2015a. Disponível em: <http://www.pac.gov.br/sobre-o-pac>. Acesso em: 7 nov. 2015.
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). Porto Velho foi uma das capitais que receberam grande investimento do PAC. Até novembro de 2015, havia 84 projetos de infraestrutura social e urbana, cinco de infraestrutura logística e quatro de infraestrutura energética em algum estágio de implantação no município. Entre os projetos de infraestrutura energética está a construção de duas usinas hidrelétricas que mobilizaram, durante o pico das obras, em 2011, aproximadamente, 20,5 mil trabalhadores em cada empreendimento (ALVES; THOMAZ JUNIOR, 2012ALVES, J.; THOMAZ JUNIOR, A. A migração do trabalho para o complexo hidrelétrico madeira. In: Jornada do Trabalho, 13., 2012. Presidente Prudente. Anais eletrônicos... Centro de Estudos de Geografia do Trabalho, 2012. Disponível em: <http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=MSC0000000142012000100032&lng=pt&nrm=abn>. Acesso em: 20 nov. 2015.
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; LEME ENGENHARIA, 2005LEME ENGENHARIA. Estudo de Impacto Ambiental dos aproveitamentos hidrelétricos Santo Antônio e Jirau. Porto Velho: Leme Engenharia, 2005. Disponível em: <http://licenciamento.ibama.gov.br/Hidreletricas/Santo%20Antonio%20(Rio%20Madeira)/EIA-RIMA/>. Acesso em: 17 mai. 2015.
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).

Esse cenário de desenvolvimento instalado em Porto Velho e as mudanças ocorridas no mercado de trabalho, tanto no que diz respeito à maior oferta de emprego quanto à natureza do trabalho oferecido, justificam analisar se houve, também, mudanças nas estatísticas de acidentes do trabalho. Uma vez que há maior número de trabalhadores em atividade e há maior oferta de trabalhos em condições insalubres ou periculosas, é possível que mais acidentes de trabalho sejam observados, à medida que vão sendo realizadas as obras e que vai sendo alterado o perfil de emprego e de trabalho local. Dessa maneira, realizou-se análise descritiva da série histórica de acidentes do trabalho ocorridos no município de Porto Velho, entre 2002 e 2012, a fim de identificar se houve relação entre o aumento na ocorrência de acidentes de trabalho e a implantação das grandes obras do PAC, no sentido de contribuir para a discussão sobre trabalho, ambiente e saúde em grandes projetos de infraestrutura no Brasil.

Material e métodos

Porto Velho é a capital do estado de Rondônia, na região Norte do Brasil. A área do município (figura 1), faz parte da Amazônia brasileira, e por ela passa um importante curso d'água, o rio Madeira. O município de Porto Velho foi escolhido para este estudo por fazer parte da Amazônia brasileira - área ambiental e economicamente importante - e devido ao aporte de projetos oriundos do PAC, implementados no município, em especial, as usinas hidrelétricas construídas no rio Madeira, rio de importância estratégica para o setor de energia do Brasil devido ao seu potencial hidroenergético.

Figura 1
Localização do município de Porto Velho (RO) e distritos do município

A análise descritiva de acidentes de trabalho foi realizada com base nas informações publicadas pelo Ministério da Previdência Social (MPS) (BRASIL, 2015C______. Ministério da Previdência Social. Base de Dados históricos de acidentes do trabalho [Internet], 2015c. Disponível em: <http://www3.dataprev.gov.br/aeat/>. Acesso em: 7 out. 2015.
http://www3.dataprev.gov.br/aeat/...
) sobre acidentes de trabalho ocorridos em Porto Velho, no período de 2002 a 2012. Essa base de dados possui informações sobre acidentes típicos e acidentes de trajeto com Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), óbitos por acidente de trabalho e acidentes sem CAT. As informações disponibilizadas pelo MPS abrangem grande número de ocorrências. Contudo, essas informações são disponibilizadas já agregadas, não sendo possível descrever detalhes das ocorrências. Portanto, recorreu-se à base de dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais). Os dados da Rais foram obtidos na página de microdados da Rais para o período de 2002 a 2012 (BRASIL, 2012______. Ministério do Trabalho e Emprego. Microdados RAIS e CAGED em txt. 2012. Disponível em [dados da seleção]: http://acesso.mte.gov.br/portal-pdet/home/. Acesso em: 29 set. 2015.
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). Essa base possui a vantagem de disponibilizar informações específicas sobre cada indivíduo que se afastou do trabalho por quaisquer motivos, inclusive por acidente de trabalho. Como ela só contém informações sobre quem chegou a se afastar do trabalho, a quantidade de casos de acidente de trabalho resgatados nessa base tende a ser menor que a informada pelo MPS, uma vez que nem todo acidente gera, necessariamente, afastamento.

Além disso, existe grande número de afastamentos na base da Rais que não contêm informações sobre seus motivos, o que tende a diminuir ainda mais a quantidade de casos de acidentes de trabalho resgatáveis por essa fonte de dados. Embora haja essa limitação, a base foi considerada nesta pesquisa por disponibilizar informações como sexo, idade, nível de instrução, faixa salarial, tipo de contrato de trabalho e carga horária de trabalho, que dificilmente poderiam ser resgatadas em outra base de acesso público irrestrito.

Como marco temporal relacionado à implementação das obras de infraestrutura em Porto Velho, considerou-se o ano de 2008. Apesar de as mobilizações relacionadas ao PAC terem tido início em 2007, somente em 2008 é que obras realmente tiveram início em Porto Velho, como a construção da usina hidrelétrica Santo Antônio.

Os dados obtidos no MPS foram utilizados para cálculo de incidência de acidentes de trabalho, aplicando no denominador a população residente, com idade entre 18 e 64 anos, inclusive, na tentativa de se aproximar do contingente da população em idade de trabalho. Os dados sobre população residente foram obtidos para o período de 2002 a 2012, diretamente no site do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus), nas informações demográficas e socioeconômicas (DATASUS, 2015DEPARTAMENTO DE INFORMÁTICA DO SUS (DATASUS). Informações demográficas e socioeconômicas: população residente [Internet], 2015. Disponível em: <http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=0206>. Acesso em: 20 out. 2015.
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).

Adicionalmente, na tentativa de verificar o comportamento da série histórica de acidentes do trabalho sem o suposto efeito das obras do PAC em Porto Velho, estimou-se, por meio de função de tendência linear, a quantidade de casos esperados para o período de 2008 a 2012. Para isso, foram tomados os dados reais disponibilizados pelo MPS para o período entre 2002 e 2007, e, com base em uma função de tendência linear, foram estimados os casos esperados para o período de 2008 a 2012. Dessa forma, foi possível comparar o que seria esperado em termos de incidência de acidentes de trabalho no período de 2008 a 2012 com o que realmente foi verificado nesse período.

Os gráficos e tabelas apresentados neste artigo foram elaborados por meio do software Excel 2013. Também no Excel foi feita a análise de tendência linear para o período entre 2008 e 2012.

Resultados e discussão

Observando a série histórica do total de acidentes de trabalho ocorridos em Porto Velho, entre 2002 e 2012 (gráfico 1), expressa em número absoluto de casos, verifica-se uma trajetória ascendente, com um relevante aumento de, aproximadamente, 130% entre 2009 e 2011, encerrando-se a série com relativa estabilização. Porém, cabe ressaltar que desde 2007 tem sido realizado um levantamento com base em informações sobre benefícios acidentários concedidos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), para identificar casos de acidentes para os quais não foi registrada CAT (BRASIL, 2013B______. Ministério da Previdência Social. Anuário estatístico da previdência social 2007: Acidentes do Trabalho [Internet], 2013b. Disponível em: <http://www.previdencia.gov.br/dados-abertos/aeps-2007-anuario-estatistico-da-previdencia-social-2007/anuario-estatistico-da-previdencia-social-2007-acidentes-do-trabalho/>. Acesso em: 10 nov. 2015.
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), o que contribuiu para o aumento de casos de acidentes a partir daquele ano. A série de acidentes sem CAT também está representada no gráfico 1.

Gráfico 1
Evolução dos acidentes de trabalho, por tipologia, e óbitos por acidentes ocorridos em Porto Velho entre 2002 e 2012

Analisando somente a série de casos de acidentes típicos com CAT, verifica-se, também, uma série ascendente, porém, mais suavizada que a série de total de casos. Nessa série de acidentes típicos com CAT, observou-se expressivo aumento do número de casos entre 2008 e 2011, de cerca de 310%. Já as séries sobre acidentes de trajeto com CAT, acidentes por doença com CAT e óbitos por acidentes de trabalho apresentaram magnitude e variação menos expressivas.

Por mais que o expressivo aumento verificado nas séries de acidentes totais e de acidentes típicos com CAT possa ser efeito da melhoria dos processos de identificação e registro de acidentes de trabalho ao longo dos anos, acredita-se que tenha ocorrido um aumento real, não provocado somente por aperfeiçoamentos dos processos de notificação e rastreio de casos de acidente. Diz-se isso porque o próprio Tribunal Superior do Trabalho (TST) deslocou, em 2012, para Porto Velho o seu Programa Nacional de Prevenção de Acidentes de Trabalho, o Programa Trabalho Seguro. Esse programa consiste em ações e atos públicos voltados aos trabalhadores com o intuito de conscientizar para a redução da ocorrência de acidentes de trabalho (TST, 2012TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO (TST). Começa ato pelo "Trabalho Seguro" na Usina Santo Antônio em Porto Velho. Portal do Tribunal Superior do Trabalho, 19 nov. 2012. Disponível em: <http://www.tst.jus.br/web/guest/noticias-teste/-/asset_publisher/89Dk/content/id/3263172>. Acesso em: 17 nov. 2015.
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).

O Programa Trabalho Seguro é aplicado em locais com elevadas estatísticas de acidentes e se volta, principalmente, aos trabalhadores de grandes obras da construção civil, devido à quantidade de acidentes de trabalho que ocorrem nesse setor. Segundo o TST:

o ato público já foi realizado em grandes obras da construção civil e já passou por Porto Alegre, Recife, Salvador, Brasília, Belo Horizonte, São Paulo, Natal, Cuiabá, Rio de Janeiro e Fortaleza. O evento pretende alertar os trabalhadores sobre os riscos das atividades diárias, já que a construção civil é a recordista no número de mortes em acidentes. A cada 100 vítimas no trabalho, pelo menos seis são pedreiros, serventes ou outros trabalhadores de canteiros de obras. (TST, 2012TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO (TST). Começa ato pelo "Trabalho Seguro" na Usina Santo Antônio em Porto Velho. Portal do Tribunal Superior do Trabalho, 19 nov. 2012. Disponível em: <http://www.tst.jus.br/web/guest/noticias-teste/-/asset_publisher/89Dk/content/id/3263172>. Acesso em: 17 nov. 2015.
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, P. 1).

Em Porto Velho, esse programa alcançou, principalmente, os trabalhadores das obras das usinas hidrelétricas, como, por exemplo, o ato pelo trabalho seguro realizado na usina hidrelétrica Santo Antônio (TRT, 2012TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO (TST). Começa ato pelo "Trabalho Seguro" na Usina Santo Antônio em Porto Velho. Portal do Tribunal Superior do Trabalho, 19 nov. 2012. Disponível em: <http://www.tst.jus.br/web/guest/noticias-teste/-/asset_publisher/89Dk/content/id/3263172>. Acesso em: 17 nov. 2015.
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).

Uma vez que a série de números absolutos de casos pode não representar bem o impacto dos acidentes na população de trabalhadores, foram calculadas as incidências anuais de acidentes. No gráfico 2, foi representada a incidência de acidentes do trabalho, considerando-se somente os casos para os quais foi emitida a CAT e tomando como população o total de habitantes com idade de 18 a 64 anos, como uma aproximação da população em idade de trabalho no município. Verificou-se que, mesmo na série de incidências, foi expressivo o aumento da ocorrência de acidentes típicos e, consequentemente, na série total de casos desde 2008.

Gráfico 2
Iincidência por 100.000 habitantes*, por tipologia, de acidentes de trabalho em Porto Velho, entre 2002 e 2012

*População utilizada no denominador das incidências: população residente com idade entre 18 e 64 anos.

Observa-se que tanto a série do total de casos quanto a série de acidentes típicos apresentaram uma pequena flutuação entre 2002 e 2007 e uma trajetória ascendente de 2008 a 2011, seguidas de queda em 2012. A série de acidentes de trajeto também apresentou trajetória ascendente de 2008 a 2011, porém, com pequena amplitude.

No gráfico 2, também foi destacado com uma linha pontilhada vertical o ano de 2008, que marcou o início das obras do PAC em Porto Velho, como a usina hidrelétrica Santo Antônio e obras de infraestrutura urbana, conforme os relatórios do PAC Rondônia de 2008 (BRASIL, 2015B______. Ministério do Planejamento. Publicações regionais: Estado de Rondônia [Internet], 2015b. Disponível em: <http://www.pac.gov.br/sobre-o-pac/publicacoesregionais?estado=ro&ano=&keyword=>. Acesso em: 7 nov. 2015.
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). No gráfico 2, ainda foram representadas por linhas tracejadas as tendências lineares das séries de total de casos, de acidentes típicos e de acidentes de trajeto. Essas tendências foram estimadas para o período 2008-2012 com base nos dados sobre o período 2002-2007. Verificou-se que o comportamento das séries originais, entre 2008 e 2012, diferenciou-se muito do que seria esperado para o mesmo período, com base nas tendências lineares. Isso vai ao acordo da hipótese de que algum fator a partir de 2008 tenha levado a uma acentuada modificação no comportamento da série de acidentes de trabalho em Porto Velho.

Com relação às obras do PAC, além daquelas iniciadas em 2008, citadas anteriormente, tem-se, com base nos relatórios do PAC Rondônia, disponíveis no site do Programa (BRASIL, 2015B______. Ministério do Planejamento. Publicações regionais: Estado de Rondônia [Internet], 2015b. Disponível em: <http://www.pac.gov.br/sobre-o-pac/publicacoesregionais?estado=ro&ano=&keyword=>. Acesso em: 7 nov. 2015.
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), que: em 2009, tiveram início as obras do Terminal Hidroviário de Porto Velho e da Usina Hidrelétrica Jirau, além de outras obras de infraestrutura urbana, como urbanização e provisão habitacional e saneamento básico; em 2010, tiveram início obras na BR-364/RO e obras de transmissão de energia elétrica, como a Subestação de Interligação Madeira - Porto Velho - Araraquara (SE Coletora Porto Velho); em 2011, já na segunda fase do PAC (PAC2), teve início a construção de linhas de transmissão cujo trajeto incluía Porto Velho, como a Linha de Transmissão de Interligação Madeira-Porto Velho-Araraquara e Linha de Transmissão de Interligação Norte-Centro Oeste III (Rio Branco - Porto Velho); em 2012, foram iniciadas as obras da Linha de Transmissão de Interligação Norte-Centro Oeste III (Porto Velho-Jauru) e obras de infraestrutura urbana, como habitação, saneamento e construção de unidades de saúde.

O aumento na incidência de acidentes típicos de trabalho, entre 2008 e 2011, pode estar, em parte, relacionado à realização dessas obras. Já a redução na incidência de acidentes típicos, observada em 2012, pode estar relacionada, em parte, ao fato de que, naquele ano, já havia passado o pico das obras das usinas hidrelétricas que, naquela época, já estavam iniciando a desmobilização de grande contingente de empregados, além do que algumas obras citadas anteriormente já haviam sido concluídas, como trechos de linhas de transmissão de energia e algumas obras de infraestrutura urbana. Diz-se 'em parte' porque nem todos os acidentes podem ser atribuídos a essas obras, faltam evidências que sustentem essa afirmação, uma vez que os dados acessados não informam qual era a empresa contratante nem quais foram as circunstâncias laborais nas quais ocorreu o acidente.

Além disso, é possível que outros serviços e atividades tenham sido implantados no município para atender às necessidades das obras do PAC ou mesmo do contingente de pessoas atraído por elas, o que é comum na oportunidade da instalação de um grande empreendimento. É o caso, por exemplo, de pequenas indústrias e atividades de comércio. Também, essas atividades podem estar relacionadas à modificação no comportamento da série de acidentes de trabalho a partir de 2008 em Porto Velho, embora seja de se esperar que o efeito desses outros empreendimentos seja bem menor comparado ao efeito das grandes obras, devido à sua natureza e ao contingente mobilizado de trabalhadores.

Sem entrar no mérito de questões como o atendimento às normas de segurança do trabalho e da saúde do trabalhador, o comportamento seguro no trabalho ou a responsabilidade pela ocorrência dos acidentes, volta-se à discussão sobre outros fatores com potencial de levar ao aumento as estatísticas de acidentes de trabalho: mais trabalhadores em atividade e maior oferta de trabalhos em condições insalubres ou periculosas.

A partir de 2008, aumentou consideravelmente o número de postos de trabalho em Porto Velho. Somente as duas usinas hidrelétricas chegaram a contratar aproximadamente 20,5 mil trabalhadores, cada uma, no período de pico das obras. Essas vagas foram preenchidas não somente por pessoas naturais da região, mas, também, por muitas pessoas de outros lugares, que foram atraídas a Porto Velho.

Com relação à natureza do trabalho, a partir de 2008, tiveram início obras cuja natureza envolve grande variedade de perigos, como, por exemplo, a construção de um porto, de uma usina hidrelétrica ou de uma linha de transmissão de energia. Em qualquer situação de trabalho pode haver perigos, e, por mais que sejam aplicados controles, existe o risco da ocorrência de acidentes. Contudo, a natureza e a complexidade do trabalho são questões importantes a serem consideradas ao se falar dos riscos da ocorrência de acidentes no trabalho.

No caso de um grande empreendimento econômico, como uma usina hidrelétrica de grande porte, muitos são os fatores de risco e as atividades que demandam controles rigorosos para que não ocorram acidentes na fase de construção: a altura, a coluna d'água, as explosões de rocha, a movimentação de materiais e equipamentos pesados, o manuseio de máquinas e equipamentos complexos são alguns exemplos. As usinas hidrelétricas Santo Antônio e Jirau, instaladas em Porto Velho utilizando recursos do rio Madeira, foram os maiores projetos de desenvolvimento implantados no município por meio do PAC e que mobilizaram maior quantidade de recursos, tanto ambientais quanto financeiros ou humanos.

A Agência Internacional de Energia (IEAHYDRO, 2002INTERNATIONAL ENERGY AGENCY (IEAHYDRO). Environmental and health impacts of electricity generation: a comparison of the environmental impacts of hydropower with those of other generation technologies [Internet], IEAHYDRO, 2002. Disponível em: <http://www.ieahydro.org/media/b9067994/A%20Comparison%20of%20the%20Environmental%20Impacts%20of%20Hydropower%20with%20those%20of%20Other%20Generation%20Technologies%20.pdf>. Acesso em: 10 jun. 2015.
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) destaca os efeitos agudos da construção de hidrelétricas sobre os trabalhadores, o que inclui os acidentes de trabalho. Lerer e Scudder (1999)LERER, L. B.; SCUDDER, T. Health impacts of large dams. Environmental Impact Assessment Review, Nova York, v. 19, n. 2, p. 113-123, mar. 1999. citaram os acidentes e as lesões ocupacionais como possíveis efeitos à saúde que decorrem de condições de perigo observadas durante a construção de hidrelétricas.

Não há base de dados secundários de acesso irrestrito que contenha a informação sobre os casos de acidentes de trabalho ocorridos no âmbito desses empreendimentos, por isso não se pode fazer uma relação direta e quantitativa do efeito da instalação das usinas sobre as estatísticas de acidentes de trabalho em Porto Velho.

Contudo, há relato de manifestações de empregados dessas usinas reivindicando melhores condições de trabalho, como o ocorrido em março de 2011, que resultou na queima de 54 ônibus e de cerca de 70% do alojamento dos trabalhadores na usina Jirau, onde as obras chegaram a ser suspensas (DHESCA BRASIL, 2011DHESCA BRASIL. Violações de direitos humanos nas hidrelétricas do rio Madeira: relatório preliminar de missão de monitoramento. Curitiba: Dhesca Brasil, 2011. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/dados/relatorios/a_pdf/r_dhescas_missao_rio_madeira.pdf>. Acesso em: 28 out. 2015.
http://www.dhnet.org.br/dados/relatorios...
). Nessa oportunidade, foi preparado um relatório pela Relatoria Nacional para o Direito Humano ao Meio Ambiente para apurar denúncias de violações de direitos humanos nas obras das duas usinas hidrelétricas em Porto Velho. Durante a missão de monitoramento para a elaboração desse relatório, foi relatado haver muitas autuações da Superintendência Regional do Trabalho por violação à legislação trabalhista (DHESCA BRASIL, 2011DHESCA BRASIL. Violações de direitos humanos nas hidrelétricas do rio Madeira: relatório preliminar de missão de monitoramento. Curitiba: Dhesca Brasil, 2011. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/dados/relatorios/a_pdf/r_dhescas_missao_rio_madeira.pdf>. Acesso em: 28 out. 2015.
http://www.dhnet.org.br/dados/relatorios...
). Nesse relatório, também foi citada a ação ajuizada em julho de 2010 pelo Ministério Público do Trabalho (Processo nº 756/2010, ajuizado perante a 5ª Vara do Trabalho de Porto Velho, em 17/07/2010) contra a obra da Usina Santo Antônio, alegando situação de extrema gravidade e acentuado grau de negligência, sendo deferidas 51 das 109 medidas liminares que foram requeridas (DHESCA BRASIL, 2011DHESCA BRASIL. Violações de direitos humanos nas hidrelétricas do rio Madeira: relatório preliminar de missão de monitoramento. Curitiba: Dhesca Brasil, 2011. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/dados/relatorios/a_pdf/r_dhescas_missao_rio_madeira.pdf>. Acesso em: 28 out. 2015.
http://www.dhnet.org.br/dados/relatorios...
). Entre as recomendações desse relatório, constavam (DHESCA BRASIL, 2011DHESCA BRASIL. Violações de direitos humanos nas hidrelétricas do rio Madeira: relatório preliminar de missão de monitoramento. Curitiba: Dhesca Brasil, 2011. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/dados/relatorios/a_pdf/r_dhescas_missao_rio_madeira.pdf>. Acesso em: 28 out. 2015.
http://www.dhnet.org.br/dados/relatorios...
, P. 27-29):

Recomendações da Relatoria do Direito Humano ao Meio Ambiente ao poder público quanto às violações de direitos humanos, econômicos, sociais, culturais e ambientais encontradas: [...] 3. Que o 'BNDES' passe a realizar fiscalizações de campo sobre condições trabalhistas e sócio-ambientais em grandes empreendimentos, de forma a suspender o repasse de recursos a esses em caso de violação de normas trabalhistas e/ou condicionantes/medidas mitigadoras previstas no licenciamento ambiental desses; 4. Que o 'Ministério do Trabalho e Emprego' proceda a revisão das normas de saúde e segurança do trabalho em grandes empreendimentos para limitar o tamanho dos alojamentos e a velocidade de implantação dos empreendimentos bem como as condições de vida nos acampamentos, e também para permitir o embargo dessas obras a partir de um determinado nível de desconformidades com a legislação. [...] 8. Que o 'Ministério Público do Trabalho' ajuíze ação civil pública face ao descumprimento de normas de saúde e segurança na obra da hidrelétrica de Jirau. (DHESCA BRASIL, 2011DHESCA BRASIL. Violações de direitos humanos nas hidrelétricas do rio Madeira: relatório preliminar de missão de monitoramento. Curitiba: Dhesca Brasil, 2011. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/dados/relatorios/a_pdf/r_dhescas_missao_rio_madeira.pdf>. Acesso em: 28 out. 2015.
http://www.dhnet.org.br/dados/relatorios...
, P. 27-29).

Essas ações envolvem tanto agentes financiadores das grandes obras quanto instituições ligadas ao trabalho e a sua regulamentação. Isso reforça o ideal de interdisciplinaridade e de corresponsabilidade ao tratar da ocorrência de acidentes no trabalho. Chama-se a atenção, inclusive, para o papel do Sistema Único de Saúde (SUS) no que se refere à saúde do trabalhador. Segundo Aguiar e Vasconcellos (2015)AGUIAR, L.; VASCONCELLOS, L. C. F. A gestão do Sistema Único de Saúde e a Saúde do Trabalhador: o direito que se tem e o direito que se perde. Saúde debate, Rio de Janeiro, v. 39, n. 106, p. 830-840, jul./set. 2015., as ações do SUS carecem de mais efetividade para que tenham efeito sobre as estatísticas de acidentes de trabalho e para que a falta de sintonia entre os órgãos responsáveis pela saúde do trabalhador, que favorece a omissão por parte dos gestores do SUS no tocante a esse tema, seja superada.

Também foram encontrados relatos por parte da Liga Operária - liga de trabalhadores em defesa da classe operária no Brasil - de acidentes de trabalho ocorridos na construção das usinas hidrelétricas em Porto Velho e nas linhas de transmissão. A Liga relata a morte de 44 operários e o desaparecimento de 11 nas obras das usinas e das linhas de transmissão na região (LIGA OPERÁRIA, 2015LIGA OPERÁRIA. Abaixo a matança de operários nas obras de Jirau e Santo Antônio. Portal Liga Operária, 17 jun. 2015. Disponível em: <http://www.ligaoperaria.org.br/1/?p=8560>. Acesso em: 29 out. 2015.
http://www.ligaoperaria.org.br/1/?p=8560...
).

Nenhum desses relatos é suficiente para fazer o nexo causal entre esses empreendimentos e o comportamento da série histórica de incidência anual de acidentes típicos de trabalho em Porto Velho, mas exemplificam situações de risco que existiram no âmbito dessas obras e que podem ter levado à ocorrência de acidentes.

Até aqui, foram apresentados e discutidos resultados com base nos dados disponibilizados pelo MPS. Adicionalmente, foram analisados os dados da Rais na tentativa de encontrar informações mais detalhadas sobre os trabalhadores que se afastaram das atividades devido a acidente de trabalho. Contudo, a qualidade do preenchimento dos dados da Rais sobre a causa do afastamento, conforme tabela 1, comprometeu essa análise. Já se sabia que nem todos os acidentes de trabalho informados pelo MPS estariam na Rais, uma vez que essa última fonte contém registro apenas dos casos que levaram a afastamento, o que não necessariamente ocorre em toda ocasião de acidente.

Tabela 1
Afastamentos informados na Rais, quantidade de registros sem informação da causa do afastamento e afastamentos por acidente de trabalho. Porto Velho, 2002 a 2012

Além disso, a Rais contém notificações individuais, cuja soma representa a quantidade de pessoas afastadas (no caso, acidentadas). Se uma pessoa se afasta (ou se acidenta) mais de uma vez, ela gerará um único registro com a informação de mais de um afastamento. É possível informar na Rais, dentro de um único registro, a causa de até três afastamentos. No MPS, são computados acidentes cuja soma expressa, portanto, o total de acidentes ocorridos no período. Cada acidente, mesmo que tenha sido sofrido pela mesma pessoa, é contado na soma de acidentes informada pelo MPS.

Mesmo sabendo que na Rais haveria menos casos que no MPS, esperava-se, contudo, que os dados provenientes da Rais estivessem melhor preenchidos. Na base de dados da Rais, nos anos de 2002, 2010 e 2011, nenhum registro possuía informação sobre a causa do afastamento, e, para os demais anos, no mínimo, 95% dos afastamentos registrados não possuíam informação sobre a sua causa. Apesar dessa limitação, foi possível descrever algumas características dos casos de acidentes registrados na Rais, conforme demonstrado na tabela 2.

Tabela 2
Análise descritiva dos afastamentos por acidente de trabalho notificados na Rais. Porto Velho, 2003 a 2012

Entre os casos de acidentes de trabalho notificados na Rais, verificou-se que a maior parte ocorreu entre homens, com idade de até 39 anos, com, no máximo, ensino médio completo, trabalhando entre 31 e 44 horas semanais e com rendimento mensal de até três salários mínimos inteiros. Parece não haver mudança importante nesse perfil após 2008, apesar de não haver informações para 2010 e 2011. Apesar de não ser possível inferir essas características ao conjunto de trabalhadores de Porto Velho, devido as inconsistências na base da Rais, esses dados servem como um indício de um possível perfil de mão de obra que mais sofre acidentes em Porto Velho, ou que, pelo menos, chega a ser notificado na Rais.

Fato curioso é observado com relação ao tipo de vínculo. Esperava-se haver mais casos de acidentes entre vínculos temporários, como: (i) trabalhador avulso, (ii) regido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) com prazo determinado ou (iii) com contrato de prazo determinado. Isso porque boa parte dos contratos de trabalho em uma obra tende a ter prazo determinado.

Conforme ilustrado na tabela 2, isso não foi verificado nos dados resgatados na Rais. Como hipóteses que podem ser levantadas para posterior aprofundamento sobre essa situação, serão apresentadas três que podem ser julgadas como as mais plausíveis. A primeira é que, de fato, tenham ocorrido menos acidentes nesse grupo de trabalhadores com vínculos temporários. Contudo, se esse grupo concentrar maior contingente de trabalhadores menos qualificados, mais jovens e com menor salário, essa hipótese se torna pouco provável.

A segunda é que pode haver maior dificuldade de um acidente ocorrido com trabalhador com vínculo temporário chegar a ser notificado na Rais, apesar de todo o controle para que todas as movimentações e afastamentos sejam informados pelos empregadores. O Instituto Pólis (2006, P. 24)INSTITUTO PÓLIS. Parecer sobre o papel do município de Porto Velho frente aos impactos urbanos e o estudo de impacto ambiental do projeto das usinas hidrelétricas do rio Madeira [Internet], Instituto Pólis, 2006. Disponível em: <https://www.google.ch/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&cad=rja&uact=8&ved=0ahUKEwjV3PbGsp_JAhVDzxQKHdriAfQQFggdMAA&url=http%3A%2F%2Fphilip.inpa.gov.br%2Fpubl_livres%2FDossie%2FMad%2FOutros%2520documentos%2FParecer%2520POLIS%2Fparecer%2520polis.doc&usg=AFQjCNGsOfuYRwO8OhKAxaBpWvQTVYbUqA>. Acesso em: 12 out. 2015.
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, ao abordar o caso das usinas hidrelétricas, ilustra esse contexto relatando que "a mão-de-obra temporária não configura relação de emprego (com direitos trabalhistas) e é extremamente flutuante".

A terceira possibilidade é a de, apesar de a obra ser temporária, o vínculo entre o empregador (empresa contratada para execução da obra, não o dono da obra) e o operário poder possuir prazo indeterminado, o que não é improvável no caso de empreiteiras que assumem uma obra e que, ao seu final, deslocam sua mão de obra para outro serviço, atendendo a outro contrato.

Ao considerar os efeitos à saúde do trabalhador provocados por um acidente de trabalho como matéria de saúde pública, observar-se-á a importância de tratar tais acidentes como um dos possíveis impactos decorrentes da implantação de empreendimentos econômicos. Nesse caso, seria fundamental que os instrumentos de avaliação de impacto ambiental e de impacto à saúde vinculados ao licenciamento ambiental provessem meios para que os acidentes de trabalho e a saúde do trabalhador também fossem argumentos para fundamentar a decisão sobre a viabilidade do empreendimento e fossem alvo de monitoramento durante todas as fases da sua implantação.

Havia a obrigação, por meio da Portaria Conjunta MMA/Ibama nº 259, de 2009 (BRASIL, 2009BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Portaria Conjunta MMA/Ibama nº 259, de 07 de agosto de 2009. Dispõe sobre a inclusão no EIA/Rima de capítulo específico sobre as alternativas de tecnologias mais limpas para reduzir os impactos na saúde do trabalhador e no meio ambiente. Diário Oficial [da] União, Brasília, DF, 2009. Disponível em: <http://www.iap.pr.gov.br/arquivos/File/Legislacao_ambiental/Legislacao_federal/PORTARIAS/PORTARIA_CONJUNTA_MMA_IBAMA_259_2009.pdf>. Acesso em: 14 out. 2015.
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), de que houvesse no Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima) um capítulo específico sobre a saúde do trabalhador e que houvesse no Programa Básico Ambiental (PBA) um plano que servisse para nortear os controles ambientais durante a implantação do empreendimento na forma de um programa específico sobre segurança, meio ambiente e saúde do trabalhador. Contudo, essa portaria foi revogada em 2013 (BRASIL, 2013A______. Ministério do Meio Ambiente. Portaria Conjunta MMA/Ibama nº 48, de 04 de março de 2013. Revoga a Portaria Conjunta MMA/Ibama nº 259, de 07 de agosto de 2009. Diário Oficial [da] União, Brasília, DF, 2013a. Disponível em: <http://www.ibama.gov.br/sophia/cnia/legislacao/MMA/PC0048-040313.pdf>. Acesso em: 14 out. 2015.
http://www.ibama.gov.br/sophia/cnia/legi...
), sob a alegação de que "o procedimento de licenciamento ambiental já contempla a avaliação de impactos e redução de danos socioambientais" (BRASIL, 2013A______. Ministério do Meio Ambiente. Portaria Conjunta MMA/Ibama nº 48, de 04 de março de 2013. Revoga a Portaria Conjunta MMA/Ibama nº 259, de 07 de agosto de 2009. Diário Oficial [da] União, Brasília, DF, 2013a. Disponível em: <http://www.ibama.gov.br/sophia/cnia/legislacao/MMA/PC0048-040313.pdf>. Acesso em: 14 out. 2015.
http://www.ibama.gov.br/sophia/cnia/legi...
, P. 1). Analisando o caso de Porto Velho, pode ser que o procedimento de licenciamento ambiental não se mostre suficientemente capaz de dar conta das questões de saúde do trabalhador. Nesse caso, a volta do capítulo sobre saúde do trabalhador seria importante, principalmente, para a redução da ocorrência de acidentes de trabalho em grandes empreendimentos ou em obras vinculadas a programas de governo.

Além disso, a avaliação de impactos à saúde para o licenciamento de empreendimentos não é mandatória no Brasil, ficando a sua realização na dependência da iniciativa do empregador ou da solicitação específica de um órgão competente, como aconteceu no caso das usinas hidrelétricas em Porto Velho, às quais o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) solicitou, já durante a fase de licenciamento de instalação, estudo sobre a exposição humana ao mercúrio. Seria importante que as avaliações de impacto à saúde de grandes empreendimentos econômicos ou de projetos de governo abordassem, também, as questões de saúde do trabalhador, para que, antes mesmo da execução das obras, fossem definidas estratégias de monitoramento e de prevenção de acidentes.

Como limitação do presente estudo, pode-se citar o denominador utilizado para o cálculo das incidências de acidente de trabalho. Pode ser levantada a questão de que esses denominadores não tenham incluído todos os trabalhadores atraídos pelos empreendimentos, principalmente aqueles com contrato temporário ou os residentes em alojamentos - como foi o caso das usinas hidrelétricas de Porto Velho.

Somente para 2010, ano censitário, é que foi possível verificar se setores especiais, como alojamento de empregados, foram incluídos ou não na contagem da população. Na tabela de identificação dos setores do censo de 2010 (IBGE, 2015INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Censo Demográfico 2010: Tabela Básico RO [Internet], 2015. Disponível em: <http://downloads.ibge.gov.br/downloads_estatisticas.htm>. Acesso em: 5 nov. 2015.
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) (dados não mostrados), não foi encontrado nenhum setor classificado como alojamento ou acampamento de trabalhadores em Porto Velho, corroborando a hipótese de que trabalhadores temporários ou em alojamento não tenham sido incluídos na contagem de residentes do município naquele ano. O mesmo pode ter ocorrido nos anos intercensitários, uma vez que as estimativas populacionais nesses anos levam em consideração as contagens da população nos anos censitários. Sendo assim, as incidências poderiam estar subestimadas. Contudo, acredita-se que o efeito da não inclusão daqueles trabalhadores em alojamento ou com contrato temporário tenha sido de alguma forma compensada pelo denominador utilizado no cálculo das incidências, uma vez que é improvável que todos os residentes com idade entre 18 e 64 anos estivessem de fato ocupados no período do estudo.

Conclusão

O aumento na ocorrência de acidentes de trabalho verificado em Porto Velho coincidiu com o período de implantação das grandes obras no município, o que condiz com a hipótese inicial de que haveria aumento na incidência de acidentes de trabalho a partir de 2008. Contudo, não há informações suficientes para fazer o nexo direto entre o excedente de acidentes e a implantação dos empreendimentos do PAC, ou seja, estimar a carga de acidentes atribuíveis a essas obras.

A verificação desse nexo foi dificultada pela falta de informações específicas de cada obra, uma vez que a maior parte das referências e dos dados encontrados se referia apenas às usinas hidrelétricas - consideradas como os maiores e mais relevantes empreendimentos implantados pelo PAC em Porto Velho - ou tratavam da ocorrência de acidentes sem a informação sobre o local específico em que se deram ou sobre o empreendimento em questão.

Apesar de não haver parâmetros suficientes para precisar o impacto das obras sobre a ocorrência de acidentes em Porto Velho, há subsídios para defender a realização de avaliações de impacto à saúde antes da sua execução, com foco nos efeitos sobre os trabalhadores, e a realização de avaliações de monitoramento durante a sua realização. Essas avaliações, bem como as avaliações de impacto ambiental, poderiam servir de instrumento para a prevenção de acidentes e para aprimoramento das formas de abordagem, gestão, identificação e notificação daqueles acidentes que viessem a ocorrer.

Entende-se que os acidentes de trabalho são uma externalidade cujo ônus recai sobre o trabalhador, sobre a sociedade e, muitas vezes, sobre o sistema público de saúde. Sendo assim, é preciso discuti-la desde a etapa do planejamento dos empreendimentos ou projetos de governo, para que seja evitada ou, pelo menos, mais bem internalizada pelo empreendedor.

O aumento verificado em Porto Velho nas estatísticas de acidentes entre 2008 e 2012, comparadas com aquelas do período de 2002 a 2007, gera a necessidade de tomar medidas para o controle dos riscos no ambiente de trabalho e a redução da incidência de acidentes. Além dos trabalhos de conscientização dos trabalhadores, como aquele executado por meio do programa Trabalho Seguro, acredita-se ser viável a volta do capítulo sobre saúde do trabalhador no EIA/Rima de empreendimentos econômicos, pois pode ser que o procedimento do licenciamento ambiental não esteja dando suficiente respaldo para a prevenção de acidentes e gestão da saúde do trabalhador.

Espera-se que este trabalho possa contribuir para a discussão sobre acidentes de trabalho como uma possível externalidade da implantação de empreendimentos econômicos, cabendo, portanto, a sua consideração no estudo da viabilidade e no monitoramento das atividades. Espera-se, também, contribuir para a discussão sobre trabalho, ambiente e saúde na oportunidade da implementação de grandes projetos de infraestrutura.

  • Colaboradores
    Carlos Alexandre Rodrigues Pereira contribuiu substancialmente para a concepção e o planejamento do artigo, bem como na análise e na interpretação dos dados, contribuiu significativamente na elaboração do rascunho do conteúdo e participou da aprovação da versão final do manuscrito. Mirko Severin Winkler e Sandra de Souza Hacon contribuíram substancialmente para a concepção e o planejamento do artigo, contribuíram significativamente na revisão crítica do conteúdo e participaram da aprovação da versão final do manuscrito.
  • Suporte financeiro: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Programa Pesquisador Visitante Especial (Programa PVE). Processo número 88887.100178/2015-00

Referências

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    Fev 2016
  • Aceito
    Ago 2016
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