A Atenção Domiciliar no âmbito do Sistema Único de Saúde: desafios e potencialidades

Laiane Claudia Rodrigues Procópio Clarissa Terenzi Seixas Raquel Souza Avellar Kênia Lara da Silva Mara Lisiane de Moraes dos Santos Sobre os autores

RESUMO

Este estudo tem por objetivo conhecer a produção científica acerca da Atenção Domiciliar no Brasil, discutindo os desafios e as potencialidades dessa modalidade de assistência no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Trata-se de uma revisão integrativa em bases de dados eletrônicas na área da saúde, no período entre 2006 e 2017, cuja amostra final incluiu 23 artigos. Da análise emergiram três categorias: ‘Potencial substitutivo da Atenção Domiciliar e articulação com a rede’; ‘O usuário e sua família na Atenção Domiciliar’; ‘Satisfação dos usuários e a relação com a equipe’. A análise aponta como potencialidades da Atenção Domiciliar a configuração como rede substitutiva de cuidado, o vínculo e as relações horizontais entre equipe, usuários e familiares. Os principais desafios são a fragmentação do cuidado e a falta de articulação com os outros pontos da rede de atenção. A Atenção Domiciliar é um espaço singular da saúde e pode constituir um espaço potente para reinvenção das relações entre usuários, cuidadores e equipes, questionando os modos hegemônicos de se produzir cuidado.

PALAVRAS-CHAVE
Assistência domiciliar; Serviços de assistência domiciliar; Políticas públicas de saúde; Cuidadores; Sistema Único de Saúde

Introdução

A Atenção Domiciliar (AD) é definida como uma modalidade de atenção à saúde que envolve ações de promoção da saúde, prevenção, tratamento, reabilitação e paliação em domicílio, de forma integrada com as Redes de Atenção à Saúde (RAS)11 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 825, de 25 de abril de 2016. Redefine a Atenção Domiciliar no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e atualiza as equipes habilitadas [internet]. Brasília, DF: Ministério da saúde; 2016 [acesso em 2019 mar 16]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2016/prt0825_25_04_2016.html.
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. Essa modalidade tem se expandido em resposta às mudanças demográficas, epidemiológicas, sociais e culturais que vêm tomando lugar, tanto no Brasil quanto no cenário mundial, para atender à necessidade de viabilidade e sustentabilidade econômica dos sistemas de saúde, bem como pela busca de uma proposta de cuidado que promova maior bem-estar aos usuários e às suas famílias, reduzindo as iniquidades em saúde22 Seixas CT, Souza CG, Silva KL et al. Experiências de atenção Domiciliar em saúde no mundo: lições para o caso brasileiro. In: Brasil. Ministério da Saúde. Atenção domiciliar no SUS: resultados do laboratório de inovação em atenção domiciliar [internet]. Brasília, DF: Ministério da saúde; 2014. [acesso em 2019 mar 17]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_domiciliar_sus_resultados_laboratorio_inovacao.pdf.
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A AD, como aposta no cuidado de alguns perfis de usuários não alcançados em outros espaços, tem levado gestores, trabalhadores, pesquisadores, usuários e famílias a repensarem o modelo de atenção à saúde e as ofertas existentes, com vistas à produção da integralidade33 Brasil. Ministério da Saúde. Caderno de Atenção Domiciliar [internet]. Brasília, DF: Ministério da saúde; 2012 [acesso em 2019 mar 17]. Disponível em: http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/geral/cad_vol1.pdf.
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,44 Feuerwerker LCM, Merhy EE. A contribuição da atenção domiciliar para a configuração de redes substitutivas de saúde: desinstitucionalização e transformação de práticas. Rev. Panam Salud Publica [internet]. 2008 [acesso em 2019 mar 17]; 24(3):180-188. Disponível em: https://scielosp.org/pdf/rpsp/v24n3/a04v24n3.pdf.
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. Além disso, na perspectiva de reorganização da rede de cuidados, tem-se percebido o potencial da AD na articulação dos serviços55 Carvalho LC, Feuerwerker LMC, Merhy EE. Disputas en torno a los planes de cuidado en la internación domiciliaria: una reflexión necesaria. Salud colectiva [internet]. 2007 [acesso em 2019 mar 17]; 3(3):259-269. Disponível em: http://www.scielo.org.ar/pdf/sc/v3n3/v3n3a04.pdf.
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,66 Lopes MLS, Lima JVC, Baduy RS, et al. Sim, é possível fazer conexões entre as equipes da atenção básica e domiciliar. In: Merhy EE, Baduy RS, Seixas CT, et al, organizadores. Avaliação compartilhada do cuidado em saúde: surpreendendo o instituído nas redes [internet]. Rio de Janeiro: Hexis; 2016 [acesso em 2019 mar 17]. Disponível em: http://historico.redeunida.org.br/editora/biblioteca-digital/colecao-micropolitica-do-trabalho-e-o-cuidado-em-saude/politicas-e-cuidados-em-saude-livro-1-avaliacao-compartilhada-do-cuidado-em-saude-surpreendendo-o-instituido-nas-redes-pdf/view.
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por meio da comunicação e da discussão de projetos terapêuticos compartilhados com os demais pontos da rede33 Brasil. Ministério da Saúde. Caderno de Atenção Domiciliar [internet]. Brasília, DF: Ministério da saúde; 2012 [acesso em 2019 mar 17]. Disponível em: http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/geral/cad_vol1.pdf.
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Ademais, pelas características que lhe são inerentes, a AD desafia a lógica tradicional de produção do cuidado ao ultrapassar os muros das instituições de saúde33 Brasil. Ministério da Saúde. Caderno de Atenção Domiciliar [internet]. Brasília, DF: Ministério da saúde; 2012 [acesso em 2019 mar 17]. Disponível em: http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/geral/cad_vol1.pdf.
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e torna-se uma modalidade substitutiva ao possibilitar a produção de novos modos de cuidar que transcendem o modelo hegemônico medicalizante44 Feuerwerker LCM, Merhy EE. A contribuição da atenção domiciliar para a configuração de redes substitutivas de saúde: desinstitucionalização e transformação de práticas. Rev. Panam Salud Publica [internet]. 2008 [acesso em 2019 mar 17]; 24(3):180-188. Disponível em: https://scielosp.org/pdf/rpsp/v24n3/a04v24n3.pdf.
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. Exige, portanto, que as equipes trabalhem na complexidade do território da casa, na multiplicidade de dinâmicas familiares, incorporando seus valores e saberes ao cuidado.

A regulação da AD no Brasil iniciou-se com a publicação da Resolução RDC nº 11/2006 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)/Ministério da Saúde (MS)77 Agência Nacional de Vigilância Sanitária. RDC nº 11, de 26 de janeiro de 2006. Dispõe sobre o regulamento técnico de funcionamento de serviços que prestam atenção domiciliar [internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2006 [acesso em 2019 mar 17]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/anvisa/2006/res0011_26_01_2006.html.
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, que dispunha sobre o funcionamento dos serviços. Contudo, apesar da existência dessa resolução, poucas foram as mudanças de fato percebidas no cotidiano dos serviços existentes à época.

O ano de 2011 foi profícuo para a expansão da AD, com a criação, por meio da portaria GM/MS nº 2.029/201188 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.029, de 24 de agosto de 2011. Institui a Atenção no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) [internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2011 [acesso em 2019 mar 17]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt2029_24_08_2011.html.
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, do Programa Melhor em Casa e da Política Nacional de AD no âmbito do SUS, que, entre outras determinações, estabelecia a participação do gestor federal no financiamento dos serviços. Essa proposta tinha uma ação indutora importante para a abertura e ampliação de serviços no Sistema Único de Saúde (SUS)22 Seixas CT, Souza CG, Silva KL et al. Experiências de atenção Domiciliar em saúde no mundo: lições para o caso brasileiro. In: Brasil. Ministério da Saúde. Atenção domiciliar no SUS: resultados do laboratório de inovação em atenção domiciliar [internet]. Brasília, DF: Ministério da saúde; 2014. [acesso em 2019 mar 17]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_domiciliar_sus_resultados_laboratorio_inovacao.pdf.
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. Atualmente, a portaria em vigor é a Portaria nº 825, de 25 de abril de 2016, que redefine a AD no âmbito do SUS e atualiza as equipes habilitadas11 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 825, de 25 de abril de 2016. Redefine a Atenção Domiciliar no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e atualiza as equipes habilitadas [internet]. Brasília, DF: Ministério da saúde; 2016 [acesso em 2019 mar 16]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2016/prt0825_25_04_2016.html.
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No entanto, apesar dos avanços, tanto com relação à legislação que regulamenta a AD no Brasil quanto à qualidade do cuidado prestado, sua construção não fez parte do projeto que originou o SUS, assumindo um lugar de modalidade complementar na atenção à saúde99 Rehem TCMSB, Trad LAB. Assistência domiciliar em saúde: subsídios para um projeto de atenção básica brasileira. Ciênc. Saúde Colet. [internet]. 2005 [acesso em 2019 mar 17]; 10(supl):231-242. Disponível em: https://www.scielosp.org/pdf/csc/2005.v10suppl0/231-242/pt.
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,1010 Silva KL, Sena RR, Leite JCA, et al. Atenção domiciliar no Brasil: avanços e desafios para mudança no modelo tecnoassistencial em saúde. SIICsalud (Buenos Aires). 2007; 18:1.. Assim, a sua oferta permanece aquém das necessidades no País, e ela encontra-se vulnerável às mudanças governamentais e prioridades econômicas1111 Castro EAB, Leone DRR, Santos CM, et al. Organização da atenção domiciliar com o Programa Melhor em Casa. Rev. Gaúcha Enferm [internet]. 2018 [acesso em 2019 mar 17]; 39:e2016-0002. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rgenf/v39/1983-1447rgenf-39-01-e2016-0002.pdf.
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Nesse sentido, e tendo em vista o impacto que os serviços de AD têm produzido na vida dos usuários que recebem o cuidado das equipes nessa modalidade de atenção, faz-se necessário aprofundar o conhecimento acerca da produção do cuidado na AD, buscando contemplar seus desafios e potencialidades.

Investigações têm sido conduzidas a fim de conhecer e compreender como a organização das equipes e o cuidado estão ocorrendo na AD; entretanto, são poucos os estudos de revisão que apresentam de forma abrangente as evidências produzidas sobre a AD no Brasil, no âmbito do SUS.

Frente a isso, estabeleceu-se, para este estudo, a seguinte questão norteadora: ‘Sobre quais questões vertem a produção científica contemporânea acerca da AD no SUS?’. Procurando responder a essa questão, o objetivo do estudo é conhecer a produção científica acerca da AD e discutir as potencialidades e os desafios dessa modalidade de assistência no âmbito do SUS.

Métodos

Trata-se de um estudo de Revisão Integrativa (RI) referente às publicações sobre AD no âmbito do SUS. Optou-se por essa modalidade de pesquisa por se tratar de um método que proporciona uma síntese do conhecimento produzido por meio de estudos primários desenvolvidos mediante desenhos de pesquisa diversos, que requer uma análise de dados rigorosa1212 Souza MT, Silva MD, Carvalho R. Integrative review: what is it? How to do it? Einstein (São Paulo) [internet]. 2010 [acesso em 2019 mar 17]; 8(1):102-106. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-5082010000100102&lng=en.
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e fornece subsídios para a melhoria da assistência à saúde1313 Mendes KDS, Silveira RCCP, Galvão CM. Revisão Integrativa: métodos de pesquisa para a incorporação de evidências na saúde e na enfermagem. Texto Contexto Enferm [internet]. 2008 [acesso em 2019 mar 17]; 17(4):758-764. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-07072008000400018.
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Para a elaboração deste estudo, foram seguidas as seguintes etapas: (1) identificação do tema e elaboração da questão norteadora; (2) busca ou amostragem na literatura; (3) coleta de dados; (4) análise crítica dos estudos incluídos; (5) apresentação da revisão/síntese do conhecimento1212 Souza MT, Silva MD, Carvalho R. Integrative review: what is it? How to do it? Einstein (São Paulo) [internet]. 2010 [acesso em 2019 mar 17]; 8(1):102-106. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-5082010000100102&lng=en.
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Realizou-se a busca na Biblioteca Virtual de Saúde (BVS-Bireme) pelas seguintes bases de dados: Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs), Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MedLine) e portal da Scientific Electronic Library Online (SciELO). Utilizaram-se os indexadores ‘Serviços de Assistência Domiciliar’ OR ‘Assistência Domiciliar’, contidos nos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS).

Como critérios de inclusão, utilizaram-se: artigos que abordassem as modalidades de AD no SUS previstos na legislação brasileira referente ao tema11 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 825, de 25 de abril de 2016. Redefine a Atenção Domiciliar no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e atualiza as equipes habilitadas [internet]. Brasília, DF: Ministério da saúde; 2016 [acesso em 2019 mar 16]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2016/prt0825_25_04_2016.html.
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,77 Agência Nacional de Vigilância Sanitária. RDC nº 11, de 26 de janeiro de 2006. Dispõe sobre o regulamento técnico de funcionamento de serviços que prestam atenção domiciliar [internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2006 [acesso em 2019 mar 17]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/anvisa/2006/res0011_26_01_2006.html.
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,88 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.029, de 24 de agosto de 2011. Institui a Atenção no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) [internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2011 [acesso em 2019 mar 17]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt2029_24_08_2011.html.
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; com disponibilidade online na íntegra; nos idiomas português, inglês ou espanhol; publicados no período de 2006 a 2017. Tal período temporal toma como referência a data de publicação da Resolução RDC nº 11/2006 da Anvisa/MS77 Agência Nacional de Vigilância Sanitária. RDC nº 11, de 26 de janeiro de 2006. Dispõe sobre o regulamento técnico de funcionamento de serviços que prestam atenção domiciliar [internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2006 [acesso em 2019 mar 17]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/anvisa/2006/res0011_26_01_2006.html.
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, que dispõe sobre a regulamentação técnica de funcionamento de serviços que prestam AD no Brasil.

Considerando que a literatura traz diferentes conceitos e definições sobre a AD, é importante indicar a definição adotada para essa RI, que é a estabelecida pela Portaria nº 825, de 25 de abril de 201611 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 825, de 25 de abril de 2016. Redefine a Atenção Domiciliar no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e atualiza as equipes habilitadas [internet]. Brasília, DF: Ministério da saúde; 2016 [acesso em 2019 mar 16]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2016/prt0825_25_04_2016.html.
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: AD é uma modalidade de atenção à saúde que envolve ações de promoção da saúde, prevenção, tratamento, reabilitação e paliação em domicílio de forma integrada com as Redes de Atenção à Saúde (RAS).

Os critérios de exclusão foram: artigos que abordassem serviços e/ou práticas sem vinculação com as modalidades de AD no SUS previstos na legislação brasileira referente ao assunto11 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 825, de 25 de abril de 2016. Redefine a Atenção Domiciliar no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e atualiza as equipes habilitadas [internet]. Brasília, DF: Ministério da saúde; 2016 [acesso em 2019 mar 16]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2016/prt0825_25_04_2016.html.
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,77 Agência Nacional de Vigilância Sanitária. RDC nº 11, de 26 de janeiro de 2006. Dispõe sobre o regulamento técnico de funcionamento de serviços que prestam atenção domiciliar [internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2006 [acesso em 2019 mar 17]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/anvisa/2006/res0011_26_01_2006.html.
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,88 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.029, de 24 de agosto de 2011. Institui a Atenção no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) [internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2011 [acesso em 2019 mar 17]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt2029_24_08_2011.html.
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; artigos de revisão; teses e dissertações; artigos que abordassem a AD realizada pelas equipes de Atenção Básica (AB).

Após a identificação dos artigos, de acordo com a questão norteadora e com os critérios de inclusão previamente definidos, procedeu-se com a leitura dos títulos e resumos, e, nos casos em que os títulos e resumos não foram suficientes para definir a seleção inicial, a leitura da íntegra da publicação foi realizada. Após essa etapa, foram excluídos os artigos de revisão, artigos que tratavam da AD realizados pelas equipes de AB ou por instituições privadas; estudos que relatavam experiências de AD desenvolvidas em outros países; estudos que abordavam práticas desenvolvidas no domicílio por profissionais de forma isolada, os artigos que abordavam visitas domicilares e as dissertações. Foram também agrupados os estudos em duplicidade.

Para análise, os artigos incluídos foram lidos exaustivamente; na sequência, procedeu-se à extração dos dados para a construção da primeira matriz, com as especificações individuais dos trabalhos, contendo: título, bases de dados, periódico em que foi publicado, ano de publicação, autores e cidade de procedência do primeiro autor, objetivo, abordagem metodológica, principais resultados, conclusões e observações dos pesquisadores. Posteriormente, realizou-se o agrupamento em categorias temáticas que configuram o escopo central deste estudo. O agrupamento foi realizado em função da(s) temática(s) tratada(s) no artigo original analisado, buscando-se responder à questão norteadora do estudo. Alguns artigos abordavam mais de um aspecto no campo da AD e, portanto, foram utilizados em mais de uma das categorias temáticas, considerando as potencialidades e os desafios dessa modalidade de assistência no âmbito do SUS.

Os aspectos éticos e legais foram respeitados, tendo em vista que foram utilizadas publicações de periódicos cujos autores foram citados em todos os momentos em que os artigos foram mencionados.

Resultados

A partir dos critérios de inclusão e exclusão, foram selecionados 23 artigos, 14 deles disponíveis na Lilacs, 7 na Medline e 12 na SciELO. Todos os 23 artigos foram mantidos após a leitura dos textos na íntegra e constituíram a amostra final desta revisão, como representado na figura 1.

Figura 1
Diagrama de fluxo para a seleção dos artigos

Com relação ao ano de publicação, observou-se que 2013 foi o ano com maior número de publicações (4), e, nos anos de 2014 e 2015, não foram identificadas publicações que atendessem aos critérios de inclusão. A distribuição dos artigos pelo ano de publicação está representada no gráfico 1.

Gráfico 1
Distribuição dos artigos sobre AD no SUS por ano de publicação

Os artigos selecionados foram organizados em um quadro sinóptico para a apresentação sistematizada do conhecimento produzido sobre o tema, contendo os seguintes tópicos: número, base de dados ou portal, título, autoria, periódico, ano de publicação, objetivos, procedência do primeiro autor e abordagem metodológica (quadro 1). Quanto à abordagem dos estudos, pode-se verificar que 14 eram de abordagem qualitativa (60,9%), 7 de abordagem quantitativa (30,4%) e 2 de abordagem mista (8,7%). Quanto ao estado de procedência do primeiro autor de cada artigo, verificou-se uma concentração nas Regiões Sul e Sudeste, com 13 (56,5%) e 8 (34,8%) artigos, respectivamente, sobretudo nos estados do Rio Grande do Sul (12 artigos - 52,2%) e de Minas Gerais (5 artigos - 21,7%).

Quadro 1
Fontes bibliográficas incluídas na revisão integrativa, publicadas de 2006 a 2017

Discussão

Após a leitura crítica e a sistematização dos dados, os artigos foram agrupados em três categorias temáticas de discussão: ‘Potencial substitutivo da AD e articulação com a rede’, ‘O usuário e sua família na AD’ e ‘A satisfação dos usuários e a relação com a equipe’, discutidas a seguir.

Potencial substitutivo da Atenção Domiciliar e articulação com a rede

A análise dos artigos indica que a AD, nas suas diferentes conformações, tem protagonizado mudanças nas redes na perspectiva da substitutividade da organização da atenção, ou seja, como dispositivo para a produção de cuidados que não vêm sendo produzidos nos hospitais, ambulatórios e outros espaços tradicionais do cuidado em saúde.

Os artigos XVI, V, VII e VIII indicam que a AD, nas suas diversas modalidades, tem contribuído para a reordenação tecnoassistencial com enfoque em redes substitutivas de cuidado, ainda que o caráter de racionalização de gastos por meio da abreviação ou da substituição da internação hospitalar seja um dos principais motivadores da implantação em grande parte das experiências brasileiras.

O artigo XVI, que apresenta um estudo realizado em quatro serviços ambulatoriais de AD da Secretaria Municipal de Saúde e um serviço de um hospital filantrópico do município de Belo Horizonte (MG), indicou que a AD forma uma rede de cuidados com potencial para contribuir para a continuidade e a integralidade da assistência. O artigo V, que analisou um serviço de AD de uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de uma capital brasileira, constatou as articulações com a AB, apesar da necessidade de superação da atuação fragmentada na articulação com a rede de serviços, e reforça a centralidade do trabalho da AD nas necessidades singulares dos usuários.

Porém, ainda que diversos artigos apontem para a contribuição da AD para a reestruturação do modelo assistencial - pela tensão que estabelece entre os distintos saberes, realidades e dinâmicas de vida, por exemplo -, sendo capaz de gerar mudanças significativas na abordagem da saúde, o artigo VIII levanta o baixo poder de pressão dos usuários na relação com os profissionais como um entrave à sua concretização.

No que tange à classificação e à distinção entre as modalidades de AD (AD1, de responsabilidade das equipes de AB e dos Núcleos de Atenção à Saúde da Família (Nasf); AD2 e AD3, de responsabilidade dos serviços específicos de AD) expressas na Política Nacional da AD no SUS11 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 825, de 25 de abril de 2016. Redefine a Atenção Domiciliar no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e atualiza as equipes habilitadas [internet]. Brasília, DF: Ministério da saúde; 2016 [acesso em 2019 mar 16]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2016/prt0825_25_04_2016.html.
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, os autores do artigo VIII avaliam que são as variáveis do contexto social, familiar e clínico que determinam o tipo de oferta da AD de que os usuários necessitam. Os autores afirmam que a classificação nas modalidades AD1, AD2 e AD3 contribui para a gestão do cuidado nas redes de atenção à saúde, além de auxiliar na abordagem integral e na tomada de decisão pela equipe.

O artigo XX, ao analisar sete experiências de cuidado domiciliar em cinco municípios brasileiros, constata que a AD pode adotar diferentes conformações e se inserir em diversos pontos da rede de atenção à saúde, seja na AB, nas UPAs ou em hospitais. Quando a AD se configura como uma modalidade substitutiva na organização da atenção, ela possibilita a produção de práticas mais cuidadoras. A Portaria nº 963/2013, que redefine a AD no âmbito do SUS, insere em seu texto o potencial substitutivo ou complementar à internação hospitalar ou ao atendimento ambulatorial dos serviços de AD e alerta para a importância de considerar outros espaços e formas de organizar as tecnologias do cuidado, como os cuidados paliativos1414 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 963, de 27 de maio de 2013. Redefine a Atenção Domiciliar no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) [internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2013 [acesso em 2019 mar 17]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2013/prt0963_27_05_2013.html.
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.

A articulação da AD com a rede de atenção à saúde também tem sido um grande desafio, como identificado pelos autores do artigo V, que evidenciam a falta de entendimento acerca do papel da AD gerando obstáculos a essa visão sistêmica. Com isso, há de se ter melhorias na comunicação e na capacitação dos sujeitos envolvidos para a atuação em rede. O artigo VII, que relatou a experiência de integração de dois programas de AD com diferentes equipamentos da rede local, observou as dificuldades em superar a fragmentação das práticas assistenciais e que essas fragilidades precisam ser enfrentadas, melhorando a comunicação entre os serviços, com vistas à integralidade do cuidado.

O artigo XVI sustenta que a interrupção do cuidado acontece, na maioria das vezes, após a alta da AD, devido à impossibilidade de as equipes de saúde da família absorverem essa demanda em função do fluxo e do ritmo de trabalho que já possuem.

De maneira geral, os artigos analisados destacam o potencial da AD para produção de uma outra lógica de cuidado nas redes, promovendo a sua reorganização centrada nas necessidades singulares dos usuários e de suas famílias, o que é corroborado por outros estudos1515 Weykamp JM, Siqueira HCH, Cegagno D. Modalities of Home service of the Unified Health System (SUS) articulated to Health Care Networks. Enferm glob [internet]. 2016 [acesso em 2019 mar 17]; 15(43):506-517. Disponível em: http://scielo.isciii.es/pdf/eg/v15n43/pt_revision5.pdf.
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,1616 Silva KL, Sena RR, Leite JCA et al. Home care in the Brazilian National Health System (SUS). Rev Saúde Públ. [internet]. 2005 [acesso em 2019 mar 17]; 39(3):391-397. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rsp/v39n3/24792.pdf.
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. Tal concepção é evidenciada pela constatação de que diversos serviços têm se organizado em função do perfil de seus usuários, modelando sua oferta - modalidades, local de inserção na rede etc. -, o que nem sempre vai ao encontro dos critérios expressos nas políticas. Ainda assim, constata-se que a inserção de usuários em serviços de AD não garante o caráter substitutivo do cuidado, o que já foi percebido por outros autores55 Carvalho LC, Feuerwerker LMC, Merhy EE. Disputas en torno a los planes de cuidado en la internación domiciliaria: una reflexión necesaria. Salud colectiva [internet]. 2007 [acesso em 2019 mar 17]; 3(3):259-269. Disponível em: http://www.scielo.org.ar/pdf/sc/v3n3/v3n3a04.pdf.
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,1717 Silva KL, Sena RR, Feuerwerker LCM, et al. Challenges of homecare from the perspective of cost reduction/expenditure optimization. J Nurs UFPE online [internet]. 2014 [acesso em 2019 mar 17]; 8(6):1561-7. Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/view/9846.
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, podendo haver a simples transferência do lócus do cuidado para o domicílio, sem que a sua lógica de produção seja interrogada.

O usuário e sua família na Atenção Domiciliar

O perfil dos usuários atendidos pelos serviços de AD e a participação da família no cuidado também foram temas que apareceram nos artigos analisados.

No programa analisado pelo artigo XIV, o público é majoritariamente composto por mulheres idosas, de baixa renda e com períodos de internação curtos; assim como no artigo XXIII, no qual maioria era composta por mulheres idosas, viúvas, com 1 a 4 anos de estudo, renda entre 2 e 4 salários mínimos e que residiam com família multigeracional.

Nessa mesma direção, o artigo IV, que apresenta os resultados de estudo transversal realizado com idosos de 23 estados brasileiros, apontou que as mulheres mais velhas, com menor escolaridade e poder aquisitivo, com diagnóstico de morbidade crônica, história de queda, hospitalização prévia e consulta médica nos últimos três meses, eram as que mais utilizavam assistência domiciliar. A associação prioritária da AD com um determinado perfil sociodemográfico - sexo feminino, baixo poder socioeconômico, doenças crônicas e dependência funcional - é corroborada por outros estudos22 Seixas CT, Souza CG, Silva KL et al. Experiências de atenção Domiciliar em saúde no mundo: lições para o caso brasileiro. In: Brasil. Ministério da Saúde. Atenção domiciliar no SUS: resultados do laboratório de inovação em atenção domiciliar [internet]. Brasília, DF: Ministério da saúde; 2014. [acesso em 2019 mar 17]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_domiciliar_sus_resultados_laboratorio_inovacao.pdf.
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,1818 Bajotto AP, Witter A, Mahmud SJ, et al. Perfil do paciente idoso atendido por um Programa de Atenção Domiciliar do Sistema Único de Saúde em Porto Alegre. Rev HCPA [internet]. 2012 [acesso em 2019 mar 17]; 32(3):311-317. Disponível em: seer.ufrgs.br/hcpa/article/download/31055/22054.
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e condiz com as tendências do envelhecimento populacional no Brasil.

Quanto à participação da família no cuidado aos usuários, o artigo XVIII aponta que a família, como cuidadora, assume atividades de cuidados relativos a higiene, vestuário, alimentação, medicamentos, curativos e mobilização no leito. Os artigos X e XIII, que têm como participantes cuidadores familiares de pacientes terminais vinculados a um programa de internação domiciliar, demonstram que o envolvimento da família nos cuidados diários aos usuários, embora seja capaz de proporcionar sentimentos de liberdade, conforto, segurança, qualidade de vida e preservar o convívio com as pessoas de seu círculo social, também origina sentimentos negativos como cansaço físico e emocional, perda da liberdade e falta de apoio social.

Além do desgaste que o cuidado de um familiar pode gerar, outra dificuldade está relacionada ao momento da alta, haja vista que a dificuldade de articulação dos diferentes pontos da rede, incluindo a continuidade dos cuidados após a AD. O artigo XXII identificou que as mães de bebês inseridos em um programa de internação domiciliar neonatal sentiam-se inseguras ante a alta, pois teriam menos apoio para construir possibilidades de cuidado integral para seus filhos em redes de atenção à saúde desarticuladas.

Tais achados reforçam a necessidade de se estabelecerem espaços de articulação interinstitucionais onde a pactuação de fluxos seja uma prioridade, sobretudo com a AB. Os autores do artigo XXI corroboram esse entendimento, ao pontuarem que o cuidado em domicílio com apoio da rede de atenção é fundamental, necessitando de uma articulação dinâmica em diferentes níveis de atenção e serviços.

O artigo IX aborda a perspectiva do óbito no domicílio como um fator que frequentemente provoca sentimentos de insegurança e angústia nas famílias, sobretudo em situações de insuficiência material, o que, não raro, exige a transferência do usuário e o óbito fora do núcleo familiar e da casa.

Frente às demandas diárias no cuidado ao paciente, devem-se buscar estratégias que permitam diminuir o sofrimento das famílias, tanto no momento da alta quanto durante o atendimento domiciliar. Os artigos I e XI evidenciam que a comunicação - verbal e não verbal - entre profissionais, usuários e cuidadores, buscando solucionar dúvidas, apaziguar medos e diminuir a ansiedade, pode ser uma importante ferramenta nesse sentido a ser desenvolvida pelas equipes. No entanto, a disponibilidade de estrutura material mínima para garantir o atendimento domiciliar de intercorrências, ou mesmo para evitá-las, assim como a facilitação do acesso aos demais serviços da rede de saúde nos casos que não são passíveis de resolução no domicílio, são elementos fundamentais para garantir a tranquilidade das famílias e a integralidade do cuidado na AD. Essas, entretanto, dependem, principalmente, de articulações institucionais e de investimento adequado de recursos na AD.

A satisfação dos usuários e a relação com a equipe

A análise revelou que, de um modo geral, os usuários se sentem satisfeitos com relação ao trabalho desenvolvido pelas equipes de AD. Essa percepção positiva da AD apareceu tanto no artigo XIX, que trata de pesquisa realizada junto a usuários e cuidadores do programa de AD de um hospital do Sul do Brasil, quanto no artigo XV, que discute os resultados do processo avaliativo de um serviço público de AD brasileiro. Porém, esses mesmos estudos identificam que tal avaliação pode estar ligada a sentimentos de gratidão pelo caráter público e, portanto, gratuito dos serviços avaliados e pela não percepção da saúde como direito, mascarando possíveis críticas e insatisfações relacionadas aos serviços.

No que tange à relação com a equipe, o artigo XXII relata que a equipe de saúde de um programa de internação domiciliar neonatal de uma capital brasileira tornou-se mediadora das mães no cuidado aos seus filhos. As tecnologias leves empregadas pela equipe contribuíram para a construção de vínculos entre as mães e a equipe de saúde, facilitando a informação, a educação e a comunicação entre esses atores. Nessa mesma perspectiva, o artigo III ressalta que a construção de vínculos com a equipe e o estímulo a novos hábitos de vida auxiliaram no desenvolvimento de autonomia, qualidade de vida e melhora da saúde dos usuários.

Do mesmo modo, o artigo VI conclui que a criatividade e a invenção frente às necessidades e demandas singulares de usuários fazem parte, de um modo geral, do processo de trabalho das equipes na AD e que sua conformação facilita a incorporação da família como foco do cuidado. O artigo XV também aponta para a AD como locus privilegiado para o desenvolvimento de processos de avaliação compartilhada entre trabalhadores e usuários e que a sua não realização culmina na exclusão do usuário da produção de melhorias nos serviços.

A análise também sugere que a enfermagem ocupa um lugar fundamental no trabalho na AD. O artigo XVII relata que os cuidadores têm no enfermeiro um profissional de referência na gestão do cuidado, auxiliando a família a se organizar frente às dificuldades do cuidado no domicílio. O artigo II indica que, desde o século XX, a enfermagem foi uma das primeiras profissões da saúde a adentrar o domicílio para a realização de cuidados, na figura das enfermeiras visitadoras.

Em um outro estudo, abordou-se que os trabalhadores de enfermagem têm sido apontados como essenciais na realização do cuidado domiciliar, trazendo benefícios aos usuários e às suas famílias quando suas práticas são executadas com entendimento e responsabilidade1919 Machado GLA, Silva JM, Freitas AHC. Assistência domiciliária em saúde: um olhar crítico sobre a produção científica de enfermagem. Rev Bras Enferm [internet]. 2011 [acesso em 2019 mar 17]; 64(2):365-369. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/reben/v64n2/a23v64n2.pdf.
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. O enfermeiro desempenha papel fundamental na AD, tanto por coordenar o plano de cuidados no domicílio quanto pelo vínculo que estabelece com os usuários, familiares e cuidadores2020 Andrade AM, Silva KL, Seixas CT, et al. Nursing practice in home care: an integrative literature review. Rev Bras Enferm [internet]. 2017 [acesso em 2019 mar 17]; 70(1):199-208. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/reben/v70n1/en_0034-7167-reben-70-01-0210.pdf.
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.

Assim, é inegável, ao se analisarem a relação com a equipe e a satisfação dos usuários frente ao cuidado realizado na AD, que esta tem se confirmado como uma modalidade de cuidado que, em diversas experiências, tem potencializado a produção de vínculos; numa compreensão de vínculo como algo construído em relações simétricas a partir do reconhecimento dos nossos não saberes e da necessidade de uma ação ativa na busca de compartilhar a produção do cuidado com o usuário de forma viva e singular2121 Seixas CT, Baduy RS, Cruz KT, et al. O vínculo como potência para a produção do cuidado em Saúde: o que usuários-guia nos ensinam. Interface (Botucatu) [internet]. 2019 [acesso em 2019 mar 17]; 23:e170627. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-32832019000100205&lng=pt.
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.

Porém, o artigo XII demonstrou que o biopoder ainda sustenta, em boa parte, o fazer das equipes, através de atitudes e discursos normativos e disciplinadores com relação àqueles que consideram inferiores na produção do cuidado - usuários e cuidadores -; entretanto, observou-se, também, o desejo de mudança desses trabalhadores na direção de relações menos assimétricas.

Nesse sentido, o artigo VI defende que os currículos devem abranger elementos que possibilitem o desenvolvimento de competências e de uma ética que abranjam a complexidade e a especificidade do trabalho na AD. Assim, o desenvolvimento de uma prática vinculada às demandas da sociedade exige que se volte o olhar para a formação de profissionais, os quais serão pilares para os cuidadores informais e familiares2222 Braga PP, Sena RR, Seixas CT, et al. Oferta e demanda na atenção domiciliar em saúde. Ciênc. Saúde Colet. [internet]. 2016 [acesso em 2019 mar 17]; 21(3):903-912. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csc/v21n3/1413-8123-csc-21-03-0903.pdf.
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.

Além das mudanças na formação, para sustentar a AD em direção a um diferente modelo tecnoassistencial, são necessárias transformações no processo de trabalho em saúde, principalmente nas relações entre os profissionais e os usuários dos serviços. É essencial a incorporação de tecnologias leves nesse processo, pois só assim é possível superar o paradigma biomédico. Dessa forma, fica evidente que a AD pode constituir um espaço potente para reinvenção das relações entre usuários, cuidadores e equipes, questionando os modos hegemônicos de se produzir cuidado.

Esta revisão foi realizada em três importantes bases de dados - Lilacs, MedLine e o portal SciELO -, nas quais encontra-se um percentual bastante expressivo dos estudos desenvolvidos no Brasil, entretando, não esgotou a totalidade de bases que eventualmente poderiam ter publicações sobre o tema pesquisado, o que pode ser considerada uma limitação deste estudo. Assim, não há pretensão em esgotar o assunto nem extenuar possibilidades relativas às pesquisas sobre a AD no País no âmbito do SUS. Considera-se que esta RI contribui ao apresentar uma sistematização e uma análise de conhecimento produzido sobre o tema e que pode subsidiar reflexões relacionadas às potencialidades e aos desafios dessa modalidade de assistência, o que é essencial para qualificarmos a atenção à saúde no SUS.

Considerações finais

A pesquisa evidenciou a potência complementar da AD na produção do cuidado e no processo de trabalho em saúde, ao considerar a complexidade e a singularidade de usuários, equipes e contextos na sua modelagem. Entretanto, isso não é uma garantia a priori, pois, sem questionar a lógica vigente da produção do cuidado, a AD pode simplesmente reproduzir no espaço do domicílio práticas hegemônicas de outros espaços da saúde.

Outro aspecto relevante identificado é a dificuldade de articulação da AD com os demais serviços da RAS, evidenciando que há um caminho a ser percorrido para a integralidade do cuidado, sobretudo na relação com a AB. Os autores propõem a criação de espaços e dispositivos que facilitem a comunicação entre os diversos pontos da rede e que possibilitem que os demais serviços compreendam o papel e o processo de trabalho das equipes de AD.

Igualmente importante, chama a atenção a realidade dos cuidadores familiares na AD que vivem experiências permeadas por afeto, confiança, segurança, mas, também, por esgotamento emocional e físico, insegurança e falta de apoio. Nesse sentido, a singularidade da produção do cuidado na AD exige um olhar para a multiplicidade da vida de usuários e cuidadores, que não cabe na ‘organização da rede e seus fluxos pré-estabelecidos’, o que impele a pensar estratégias capazes de dar visibilidade e dizibilidade às necessidades de usuários e suas famílias.

Isso não é tarefa simples. Exige de todos os atores implicados com a AD - gestores, trabalhadores, movimentos sociais, pesquisadores etc. - que adotem um olhar desterritorializante que questione as formas instituídas de produção do cuidado na saúde; exige pensar soluções e estratégias que tomem as demandas e necessidades de usuários e suas famílias como centrais, seja na elaboração de políticas, na gestão das redes ou no cotidiano do trabalho no domicílio. Trata-se de um exercício que convoca a problematizar e reinventar o cuidado, com abertura às múltiplas possibilidades de produção de saúde e de vida no singular e complexo espaço dos domicílios.

  • *
    Orcid (Open Researcher and Contributor ID).
  • Suporte financeiro: não houve

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Ago 2019
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2019

Histórico

  • Recebido
    07 Ago 2018
  • Aceito
    02 Abr 2019
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde RJ - Brazil
E-mail: revista@saudeemdebate.org.br