Projeto Mais Médicos para o Brasil: análise crítica do planejamento e gestão do Módulo de Acolhimento e Avaliação

Harineide Madeira Macedo Érika Rodrigues de Almeida José Carlos Silva Sobre os autores

RESUMO

O Módulo de Acolhimento e Avaliação é o primeiro contato do futuro participante do Programa Mais Médicos com o sistema de saúde brasileiro e compõe um dos ciclos formativos do Projeto Mais Médicos para o Brasil, o eixo de provimento de médicos em áreas prioritárias do Sistema Único de Saúde. É uma formação seletiva destinada aos médicos brasileiros formados no exterior e aos estrangeiros que desejam participar do referido Programa. A organização e o sucesso do Módulo de Acolhimento e Avaliação são fundamentais para a continuidade dos ciclos formativos subsequentes, previstos também no Projeto. Este artigo descreve e analisa o planejamento e operacionalização dos Módulos de Acolhimento e Avaliação ocorridos no Brasil e em Cuba, de 2014 a 2017, recomendando ajustes na gestão da educação para que o trabalho na saúde seja qualificado e resolutivo e, assim, contribua para o fortalecimento da atenção básica no País.

PALAVRAS-CHAVE
Atenção Primária à Saúde; Educação; Educação em saúde; Cooperação internacional

Introdução

O Programa Mais Médicos (PMM) está estruturado em três eixos de ação: a melhoria de infraestrutura das unidades básicas de saúde, a expansão de vagas em cursos de graduação e as residências médicas e o provimento emergencial, concretizado pelo Projeto Mais Médicos para o Brasil (PMMB). Esse provimento de profissionais, sob responsabilidade do Ministério da Saúde (MS) e do Ministério da Educação (MEC), é importante parte do PMM, pois busca suprir a necessidade imediata de assistência à saúde em áreas prioritárias do Sistema Único de Saúde (SUS) e prevê etapas formativas para os médicos participantes. É importante ressaltar que o Programa pode ser considerado uma das mais importantes políticas de gestão do trabalho e de gestão da educação em saúde desenvolvidas no âmbito do SUS nos últimos anos, voltadas para resolução de problemas no campo das capacidades humanas em saúde, com foco na formação e no modelo assistencial, particularmente, na área da medicina, mas com rebatimento positivo na gestão da Atenção Primária à Saúde (APS) e, consequentemente, melhorando o acesso aos serviços de saúde e resolvendo situações de iniquidades em saúde, já que o Programa surgiu também com a intenção de resolver problemas de vazios assistenciais.

A gestão do PMM no MEC cabe à Secretaria de Educação Superior (SESu), por meio da Diretoria para o Desenvolvimento da Educação em Saúde (DDES), que tem a incumbência de acolher, acompanhar e desenvolver importantes aspectos da integração ensino-serviço previstas na legislação do PMM, como detalhado por Almeida et al.11 Almeida ER, Macedo HM, Silva JC. Gestão federal do Programa Mais Médicos: o papel do Ministério da Educação. Interface (Botucatu) [internet]. 2019 [acesso em 2019 nov 11]; 23(supl1):e180011. Disponível em: https://doi.org/10.1590/Interface.180011.
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ao se referir sobre o papel desse Ministério no Programa.

As etapas formativas planejadas para acontecer no âmbito do Projeto englobam diversas ações de caráter pedagógico, ofertadas obrigatoriamente ao médico participante como condição para sua permanência no Programa22 Brasil. Lei nº 12.871, de 22 de outubro de 2013. Institui o Programa Mais Médicos, altera as Leis nº 8.745, de 9 de dezembro de 1993, e nº 6.932, de 7 de julho de 1981, e dá outras providências [internet]. Diário Oficial da União. 22 Out 2013. [acesso em 2019 nov 11]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12871.htm.
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. Tais etapas estão contempladas na Lei nº 12.871/2013 e na Portaria MEC nº 585, de 15 de junho de 2015, que são normativas delineadoras da supervisão acadêmica, uma das dimensões educacionais do PMMB responsável pelo fortalecimento da política de Educação Permanente em Saúde (EPS)33 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 1996, de 20 de agosto de 2007. Dispõe sobre as diretrizes para a implementação da Política Nacional de Educação Permanente em Saúde [internet]. 20 Ago 2007. [acesso em 2019 nov 11]. Disponível em: http://www.saude.mt.gov.br/upload/legislacao/1996-%5B2968-120110-SES-MT%5D.pdf.
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por meio da integração ensino-serviço. Desse modo, todo médico participante do PMM deve ser acompanhado regular e periodicamente por um supervisor, que exerce a função orientadora da prática clínica via processos educativos. Não é demais enfatizar que a supervisão possui natureza pedagógica e não fiscalizadora, e ocorre no âmbito do PMMB, estando sua gestão sob a responsabilidade do MEC.

Apesar de não ser considerada oficialmente parte dessas etapas de formação, o PMM desenvolveu e aperfeiçoou, ao longo de quase quatro anos, estratégias para realização da seleção formativa de médicos, subsequente ao recrutamento que ocorria por meio de editais ou proveniente do acordo de cooperação Brasil-Cuba. Esse primeiro momento de contato com o médico candidato ao PMM foi denominado de Módulo de Acolhimento e Avaliação (MAAv), pelo qual passavam os médicos estrangeiros e os médicos brasileiros formados no exterior que desejassem participar do PMM.

Pelas regras do Programa, o médico formado em instituições estrangeiras que não possua diploma revalidado e que seja candidato ao PMM somente ingressará nele após aprovação no MAAv, que se tornou o primeiro momento formativo do médico intercambista no PMMB com o objetivo de integrá-lo para atuação generalista na atenção básica no contexto do SUS44 Brasil. Ministério da Sáude; Ministério da Educação. Portaria Interministerial nº 1, de 21 de janeiro de 2014. Dispõe sobre o Modulo de Acolhimento e Avaliação de Médicos Intercambistas [internet]. 21 Jan 2014. [acesso em 2019 nov 11]. Disponível em: http://www.lexmagister.com.br/legis_25242833_PORTARIA_CONJUNTA_N_1_DE_21_DE_JANEIRO_DE_2014.aspx.
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No PMM, o MAAv foi amparado, em primeiro lugar, pela Portaria Interministerial nº 1, de 21 de janeiro de 201444 Brasil. Ministério da Sáude; Ministério da Educação. Portaria Interministerial nº 1, de 21 de janeiro de 2014. Dispõe sobre o Modulo de Acolhimento e Avaliação de Médicos Intercambistas [internet]. 21 Jan 2014. [acesso em 2019 nov 11]. Disponível em: http://www.lexmagister.com.br/legis_25242833_PORTARIA_CONJUNTA_N_1_DE_21_DE_JANEIRO_DE_2014.aspx.
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, e, a partir de 2015, pela Portaria nº 315. Seus objetivos nessa última legislação foram ampliados e passaram a ser:

  1. Capacitar os médicos intercambistas inscritos no Projeto Mais Médicos para o Brasil para que compreendam a atuação do médico generalista na atenção básica no contexto do Sistema Único de Saúde (SUS);

  2. Fornecer os conceitos e as ferramentas fundamentais para a operação desta realidade de atuação;

  3. Desenvolver habilidades e apresentar conteúdos em língua portuguesa que contribuam para a compreensão e a expressão do médico intercambista em situações cotidianas da prática médica na atenção básica do SUS;

  4. Utilizar e aferir a apropriação pelo médico intercambista das recomendações contidas nos protocolos de atenção básica do Ministério da Saúde e a capacidade de comunicação na prática médica em língua portuguesa.

Esse acolhimento do PMM está estruturado para acontecer em 160 horas, distribuídas entre vivências pedagógicas – essenciais no território onde o profissional será inserido –, conhecimentos do sistema de saúde brasileiro e de língua portuguesa. Assim, 40 horas destinam-se a uma vivência na rede de saúde no estado/município no qual o profissional será lotado; e ao MAAv, são destinadas 120 horas de carga horária, normalmente ininterruptas. O Módulo é organizado com rotinas de estudos de segunda a sábado, em turno integral, durante três semanas, em geral, em uma grade de horários que intercala a área de saúde com a de língua portuguesa.

No que se refere aos conteúdos, o MAAv abrange os seguintes eixos temáticos55 Brasil. Ministério da Sáude; Ministério da Educação. Portaria Conjunta nº 31, de 5 de junho de 2015. Dispõe sobre o Módulo de Acolhimento e Avaliação do Projeto Mais Médicos para o Brasil [internet]. 5 Jun 2015. [acesso em 2019 nov 11]. Disponível em: http://www.lex.com.br/legis_26867022_PORTARIA_CONJUNTA_N_31_DE_5_DE_JUNHO_DE_2015.aspx.
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: I – Eixo de Língua Portuguesa; II – Eixo de Competências em Saúde, podendo abordar, entre outras temáticas: Saúde Coletiva, Prática Médica na Atenção Básica, Acesso à Informações em Saúde, Cuidado Integral e Ética Médica. A legislação prevê que outros arranjos possam ser inseridos ou excluídos, após avaliação de oportunidade e conveniência, desde que tais alterações sejam aprovadas pela coordenação nacional do PMM, que é composta pelo MS e pelo MEC.

Como os Módulos, entre agosto de 2014 a março de 2017, eram destinados a médicos advindos de instituições estrangeiras, visto que alguns eram brasileiros formados no exterior, enquanto outros eram oriundos do acordo de cooperação Brasil-Cuba, havia distinção nos conteúdos de língua portuguesa. Para os brasileiros formados no exterior, a área de português possuía carga horária menor e envolvia competências diferenciadas dos cursos ofertados aos estrangeiros, conhecidos como intercambistas. Para estes últimos, a área de português, envolvia Português como Língua Estrangeira (PLE) e, no caso, as competências exigidas seguiam as diretrizes da Certificado de Proficiência em Língua Portuguesa para Estrangeiros (Celpe-Bras)66 Brasil. Ministério da Educação. Portaria nº 1.350, de 25 de novembro de 2010 - Dispõe sobre o Exame para Certificação de Proficiência em Língua Portuguesa para Estrangeiros - Celpe-Bras [internet]. Diário Oficial da União. 26 Nov 2010 [acesso em 2019 nov 11]. Disponível em: http://download.inep.gov.br/download/celpebras/2010/portaria_n1350_25112010_celpeBras_transferencia_de_responsabilidade_MEC-INEP.pdf.
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, por escolha e orientação dos coordenadores que atuaram nos Módulos nos três primeiros anos do PMM.

Na área de saúde, as competências exigidas aos candidatos, constantes na Portaria nº 31/2015, têm como objetivos específicos levar o médico intercambista a conhecer o contexto social, demográfico, econômico e epidemiológico do Brasil; conhecer o SUS e sua legislação, implementação e articulação com as demais políticas sociais do Brasil; compreender o processo de trabalho da Estratégia Saúde da Família (ESF) e identificar as especificidades no manejo dos agravos de saúde mais prevalentes no Brasil, de acordo com os Protocolos Clínicos do Ministério da Saúde; conhecer os principais sistemas de informação relacionados com a atenção básica do SUS; conhecer os aspectos legais e regulamentação da prática médica no Brasil; e possibilitar o intercâmbio com profissionais de atenção básica do SUS.

Também estão normatizadas as questões relacionadas com a frequência dos alunos e critérios para aprovação, mediante aplicação de provas escritas presenciais. O MAAv era eliminatório; e aos candidatos, havia a exigência de aprovação mínima nas duas áreas: saúde e português, sendo ofertado o recurso da recuperação, caso conseguisse aprovação em apenas uma.

É importante ressaltar os locais em que ocorreram os MAAv no período anteriormente referido. Para os brasileiros formados no exterior, os Módulos foram ofertados majoritariamente em Brasília, DF; para os intercambistas cubanos, houve alteração no local de oferta: primeiro foi ofertado em Brasília, DF, intercalados com algumas experiências em Cuba. No entanto, depois de outubro de 2016, a formação seletiva desses candidatos passou a ser exclusivamente em Cuba, exigindo outras possibilidades de planejamento e de ajustes no processo.

Do ponto de vista logístico, os Módulos ocorridos no período analisado envolveram montante significativo de recursos financeiros para deslocamento, hospedagem e alimentação dos candidatos; deslocamento, hospedagem e alimentação dos docentes e coordenadores do MS e do MEC, quando não realizados na capital brasileira; pagamento de hora/aula aos docentes; elaboração e reprodução das avaliações discentes, entre outros. Além disso, concomitantemente ao Módulo, havia o processo de gestão documental realizado pelo MS, que incluía a emissão de Cadastro de Pessoa Física (CPF) pela Receita Federal, visto de permanência pela Polícia Federal e abertura de conta no Banco do Brasil para recebimento da bolsa-benefício, entre outras importantes ações, como forma de aproveitar a presença dos médicos candidatos ao Programa. Ou seja, o MAAv exigia uma grande estruturação física e de gestão de pessoas – por parte do governo brasileiro e da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) – extremamente necessária para que o processo tivesse lisura e transparência.

Com essa breve introdução, pode-se inferir que o MAAv se tornou, de 2014 a 2017, em potencial, importante aspecto do PMM que permitiria aperfeiçoar a proposta educativa que propunha o Programa. Todavia, apesar de o Programa já estar sendo bastante estudado e analisado desde seu surgimento em 2013, pouca literatura é encontrada que permita compreender ou elucidar o que foi construído no âmbito desse acolhimento, o que justifica este estudo. Ademais, apesar de o PMM ainda estar em atividade, a vinda de profissionais cubanos, em razão da peculiaridade e superioridade numérica, exigiu dos gestores do Programa a criação de estratégias específicas que atendessem às necessidades do País em termos de assistência à saúde e, ao mesmo tempo, que preparassem esses profissionais para atuarem em território brasileiro. Outrossim, algumas dessas estratégias já devem ter sido revistas após 14 de novembro de 2018, quando foi dado por encerrado o acordo de cooperação entre os dois países.

Assim, este estudo intenciona trazer à discussão e provocar análises acerca dos MAAv, ocorridos no período entre 2014 e 2017, ponderando sobre seu papel e sua importância em relação a outras etapas formativas pelas quais passaram os médicos no período, do ponto de vista da gestão do MEC sobre o processo de planejamento e gestão.

Como de 2013 a 2018 o País contou com a participação de médicos advindos da cooperação Brasil-Cuba, no fortalecimento da APS, e essa realidade foi abruptamente modificada, neste artigo, alguns verbos serão apresentados no tempo passado quando se referirem à seleção formativa de profissionais oriundos da cooperação, conhecidos na linguagem técnica do MS como 'intercambistas cooperados'.

Material e métodos

Para realizar a análise neste artigo, foram utilizadas as seguintes estratégias metodológicas: partindo das bases teóricas da pedagogia da problematização para a educação popular, desenvolvida por Paulo Freire77 Freire P. Pedagogia do Oprimido 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1970., aliada às diretrizes da EPS, foram analisadas as experiências de planejamento e gestão dos MAAv88 Brasil. Ministério da Educação. Relatório Anual de Gestão - RAG 2015. Brasília, DF: Secretaria de Educação Superior; 2015.,99 Brasil. Ministério da Educação. Relatório Anual de Gestão - RAG 2016. Brasília, DF: Secretaria de Educação Superior; 2016., de agosto de 2014 a março de 2017, a partir de análise documental e de observações diretas. Trata-se de sistematização de vivências, relatos e construções de documentos e processos por agentes públicos lotados no MEC no período estudado.

Considerando o entendimento dos autores acerca do conceito de educação e sobre a necessidade de alinhamento em formato de um projeto político pedagógico ainda não delineado à ocasião, as referências teóricas foram pautadas em Paulo Freire e nos preceitos da Política Nacional de Educação Permanente em Saúde, o que motivou o grupo à proposição de melhorias no processo, uma vez que o MAAv havia sido construído sob um olhar menos progressista no campo da educação e que seguia caminho contrário ao proposto pela política de EPS.

Em resumo, as estratégias metodológicas utilizadas seguiram três vertentes: a) análise dos aspectos pedagógicos; b) experiências de gestão e planejamento, no período dado, por meio de análise documental; e c) observação direta em três MAAv ocorridos no Brasil e em quatro ocorridos em Cuba, com escuta qualificada em diálogo travado com os envolvidos – docentes de saúde e língua portuguesa.

A análise documental do planejamento e relatórios dos MAAv, assim como das legislações pertinentes, foi realizada sob a técnica de análise de conteúdo, proposta por Laurence Bardin1010 Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2009., considerando as etapas de pré-análise, exploração e tratamento dos resultados. Além disso, a escuta qualificada seguiu a proposta de Pêcheux1111 Pêcheux M. O discurso - estrutura ou acontecimento. Campinas, SP: Pontes; 1990(57) para análise de discurso, que supõe que

[...] através das descrições regulares de montagens discursivas, se possa detectar momentos de interpretação enquanto atos que surgem como tomadas de posição, reconhecidas como tais, isto é, como efeitos de identificação assumidos e não negados.

Resultados e discussão

Os MAAv do PMM ocorridos no período analisado foram 16, no Brasil e em Cuba, com a participação de aproximadamente 10.500 candidatos ao PMM, como demonstrado no quadro 1. Os dados são aproximados porque a contagem considerou que alguns Módulos nos registros oficiais não apresentaram a quantidade de participantes efetivamente matriculados, mas, sim, a quantidade prevista para aquele Módulo.

Quadro 1
Módulos ocorridos no Brasil e em Cuba - 2014 a 2017 - Quantidade aproximada de participantes

Também deve ser considerado que a quantidade de participantes não representa a quantidade de ingressantes ao PMM. De acordo com os registros do MEC88 Brasil. Ministério da Educação. Relatório Anual de Gestão - RAG 2015. Brasília, DF: Secretaria de Educação Superior; 2015.,99 Brasil. Ministério da Educação. Relatório Anual de Gestão - RAG 2016. Brasília, DF: Secretaria de Educação Superior; 2016., o percentual de reprovação desse período foi, em média, menos de 3% dos candidatos, tanto nos Módulos do Brasil quanto nos de Cuba. As especificidades da experiência dos dois locais são pormenorizadas a seguir.

MAAv em Cuba

O ingresso de médicos provenientes da cooperação Brasil-Cuba foi a razão para que se estruturassem propostas para realizar a seleção formativa, após os recrutamentos de candidatos efetuados pelo governo cubano. A parceria envolvia, principalmente, a Opas, como intermediária do acordo de cooperação e gestora dos recursos repassados pelo MS, o próprio MS, o MEC, Ministério das Relações Internacionais (MRE), Ministério da Justiça (MJ), entre outros, e o governo cubano, representado pelo Ministério da Saúde Pública. O papel de cada parceiro esteve claro em linhas gerais, e o MAAv destinado aos cubanos sofreu significativos ajustes até chegar ao modelo desenvolvido até 2017.

A primeira formação de médicos provenientes do acordo de cooperação Cuba-Brasil teve lugar em Havana, em 2013, antes que o PMM tivesse iniciado de fato. Dele participaram os gestores do MS e do MEC, além de professores de PLE e médicos docentes de Instituições de Ensino Superior brasileiras.

No intervalo entre 2014 e 2015, a maioria dos Módulos foi realizada no Brasil, gerando custos altos para trazer os candidatos ao PMM e depois enviá-los de volta ao país de origem, em caso de não aprovação. Essa situação mudou em 2016, quando a estratégia consistiu em levar do Brasil para Cuba a estrutura dos cursos, a coordenação e os docentes de PLE e Saúde, a fim de realizar todo o processo em território cubano, inclusive o de gestão documental. Nessa nova fase, o planejamento previa dois grandes polos ofertando o MAAv: um ocorrendo na capital, Havana, e outro em alguma província de Cuba, definida a partir da quantidade de alunos e do local de origem deles. A maioria ocorreu em dois polos.

Em 2016 e 2017, os MAAv ocorreram intensivamente, com vistas a preparar cerca de 8 mil médicos cubanos para atuarem no Brasil a partir de dezembro de 2016, considerando, sobretudo, a substituição dos médicos atuantes nos três primeiros anos de Programa, conforme previa a legislação. Com isso, houve necessidade de estruturação e de ampliação das equipes técnicas do MS e do MEC; e nesse contexto de chegada de novos técnicos, iniciaram-se as movimentações visando à reformulação do Módulo. Em outubro e dezembro de 2016, os MAAv de Cuba contaram com a participação de um representante do MEC e de dois do MS. Por serem os primeiros nesse formato, houve necessidade de adequações e de criação de processos de trabalho que permitissem o cumprimento dos prazos pactuados com o governo cubano. Nos Módulos de 2017, a quantidade de participantes do MEC ampliou e, em seguida, voltou ao esquema anterior. Nesse sentido, o MEC foi aperfeiçoando seu modus operandi, a começar pela constituição de uma equipe de trabalho que passou a discutir a gestão da educação e a demandar maior espaço nas decisões tomadas pelas equipes do MS. Esse movimento seguiu até não haver mais apoio da DDES/SESu/MEC para tal protagonismo, o qual foi interrompido, acredita-se, pelo processo de ruptura democrática ocorrido à época, com consequente troca dos cargos dirigentes, o que gerou descaso e superposição de interesses partidários e individuais à causa coletiva.

Do ponto de vista pedagógico, os Módulos sofriam com a falta de estruturação de um processo de recrutamento e seleção de docentes eficaz, que permitisse a interação e a discussão sobre os processos de ensino-aprendizagem. Os docentes mudavam a cada edição e ministravam aulas a partir de materiais já elaborados que não eram atualizados regularmente. Contudo, essa fragilidade era mais significativa na área da saúde que na de português, uma vez que a área de PLE contava com dois coordenadores principais, que recrutaram a maioria dos docentes, com o aval do MS, ao passo que a área de saúde não dispunha de coordenadores com tais perfis. Nesse sentido, a área de português encontrava-se bem mais estruturada e avançou bastante no período analisado.

MAAv no Brasil

Por motivos de centralidade geográfica e por ser a sede dos Ministérios, a estrutura para realização dos Módulos no Brasil ficou consolidada em Brasília, DF, de onde os candidatos aprovados eram encaminhados aos locais de atuação, uma vez que já passavam concomitantemente pela gestão documental, como citado anteriormente. A execução desses era similar ao de Cuba, com a diferença marcante na área de português, que passa a ser língua portuguesa e não PLE.

O MS coordenava a parte logística e de gestão documental, e o MEC, diferentemente da gestão do MAAv em Cuba, assumia o recrutamento e a seleção de docentes, a coordenação pedagógica e a aplicação das avaliações da aprendizagem. A carga horária era a mesma, apenas o público apresentava maior diversidade, pois acolhia brasileiros formados no exterior e médicos estrangeiros formados em outros países (intercambistas individuais). É importante destacar que os Módulos ocorridos no Brasil sempre contavam com a participação de técnicos do Departamento de Atenção Básica (DAB) do MS, fato que não se observou nos módulos de Cuba. Tal participação permitiria melhor qualificação dos médicos em temas atuais da Política Nacional de Atenção Básica, sob a gestão do DAB, e aproximaria os profissionais da realidade dos serviços de atenção básica brasileiros.

Havia precariedade no planejamento e na gestão dos MAAv destinados aos brasileiros formados no exterior, principalmente, no que se refere ao recrutamento e à seleção de docentes por parte do MEC. Similar aos de Cuba, não estão estruturadas equipes de docentes que possam discutir, interagir e propor melhorias nos Módulos, nem equipes gestoras no MEC e do MS. Os docentes também mudavam a cada edição e ministravam aulas a partir de materiais previamente elaborados.

Vale destacar que as dificuldades do MAAv no Brasil, igualmente, eram majoritariamente na área da saúde, em face de a maioria dos candidatos participantes possuir formação médica predominantemente hospitalocêntrica1313 Romano VF. Tendências de mudanças na formação médica no Brasil: tipologia das escolas. Jadete Barbosa Lampert. Rio de Janeiro: Hucitec; 2002. – obtida nos países vizinhos que seguem o movimento das escolas tradicionais desde 1960 –, exigindo dos docentes maior empenho para apresentar e levar ao entendimento de todos o sistema de saúde brasileiro e o foco na APS.

Fragilidades e potencialidades do MAAv

Na operacionalização dos Módulos no Brasil e em Cuba, foram observadas fragilidades nos processos, principalmente, por: a) não haver critérios formais para recrutamento e seleção de docentes da área de português e saúde; b) os conteúdos da área da saúde não serem regularmente atualizados; c) não haver interação entre as áreas nem articulação entre os conteúdos ministrados, o que é perceptível pela fraca integração teórica e metodológica entre os docentes da área de saúde e da área de português; d) haver cisão do processo pedagógico, quem elabora(ou) e organiza(ou) os conteúdos não é quem assume a sala de aula; e) a elaboração das avaliações discentes estar única e exclusivamente na responsabilidade do/a coordenador/a selecionado para cada Módulo que, não necessariamente, tem conhecimento e experiência para tal função; f) não haver avaliação de curso instituída; e g) aulas serem ministradas sem discussão acerca da metodologia ou clareza sobre a intencionalidade pedagógica que a situação exige e, principalmente, porque não havia preparação ou capacitação docente.

As críticas aos Módulos realizados até março de 2017 convergem em geral para a falta de estruturação de atendimento às demandas pedagógicas, como já foi apontado por Faria1414 Faria MA, Paula DMP, Rocha CMF. Apontamentos sobre o Módulo de Acolhimento e Avaliação do Programa Mais Médicos. Rev bras educ med. 2016; 40(3):332-336. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbem/v40n3/1981-5271-rbem-40-3-0332.pdf
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, quando se relatou sobre a experiência de acompanhamento de um MAAv em 2013, estabelecendo críticas ao perfil docente adotado, que, naquela ocasião, já se mostrava precário, questionando se

a formação adequada dos docentes que iriam atuar no módulo deveria ser um elemento necessário e indispensável, pois com isso a educação para o SUS seria coerente e direcionada1414 Faria MA, Paula DMP, Rocha CMF. Apontamentos sobre o Módulo de Acolhimento e Avaliação do Programa Mais Médicos. Rev bras educ med. 2016; 40(3):332-336. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbem/v40n3/1981-5271-rbem-40-3-0332.pdf
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(334).

Como isso não aconteceu desde o início dos Módulos, prosseguia a situação de cada docente apresentar práticas pedagógicas que lhe conviessem.

Apesar desses problemas, as maiores dificuldades identificadas no período analisado podem ter como motivo o pouco alinhamento entre o MEC e o MS no que diz respeito à gestão do processo. Havia significativa diferença nas gestões dos Módulos de Cuba e do Brasil.

Nos Módulos de Cuba, o MS encarregava-se formalmente da logística, visto que lhe coube a relação institucional e a gestão dos recursos financeiros na Opas, o que demandou o envolvimento em grande parte do planejamento dos MAAv, como acompanhamento de negociações com o governo cubano, definição de calendários, locais de realização dos Módulos, pagamento de horas-aula aos docentes, deslocamento e hospedagem de alunos e professores, entre outros. Porém, também assumiu outras frentes, como: recrutamento e seleção de docentes, organização de conteúdos, escolha dos coordenadores e as definições teórico-metodológicas, restando ao MEC a reprodução, aplicação e guarda das avaliações discentes, bem como o provimento do suporte jurídico quando este se fazia necessário. O quadro 2 apresenta uma comparação resumida das duas situações.

Quadro 2
Comparativo de especificidades dos MAAv ocorridos no Brasil e em Cuba - abril/2014 a março/2017

Em nossa análise, esses desencontros interministeriais devem-se, provavelmente, ao não cumprimento de um aspecto da Portaria nº 31: deveria ter sido criada uma comissão pedagógica que teria a função deliberativa sobre todas essas questões, principalmente no que tange às escolhas ou à reformulação do arcabouço teórico e metodológico do MAAv, à atualização de conteúdos e aos processos avaliativos. A criação da Comissão está prevista na referida legislação e deveria ter sido nomeada pela Coordenação Nacional do PMMB. Toda e qualquer alteração dos MAAv deve passar pela aprovação da Coordenação Nacional, que deixou de se reunir após maio de 2016. Caberia à

Comissão Pedagógica do Projeto Mais Médicos para o Brasil a elaboração detalhada da programação dos Módulos de Acolhimento e Avaliação em cada um dos polos de formação na etapa nacional55 Brasil. Ministério da Sáude; Ministério da Educação. Portaria Conjunta nº 31, de 5 de junho de 2015. Dispõe sobre o Módulo de Acolhimento e Avaliação do Projeto Mais Médicos para o Brasil [internet]. 5 Jun 2015. [acesso em 2019 nov 11]. Disponível em: http://www.lex.com.br/legis_26867022_PORTARIA_CONJUNTA_N_31_DE_5_DE_JUNHO_DE_2015.aspx.
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A Comissão Pedagógica do PMMB expressaria a parceria e responsabilidades interministeriais previstas na legislação e desenho do PMM.

No período analisado, ocorreram sete formações em Cuba e nove no Brasil; e, em todos, as dificuldades eram similares. Com a dinâmica que vinha sendo desenvolvida na gestão dos Módulos, houve uma clara cisão do processo educativo que deveria ter sido a base da seleção formativa, ao se dissociar o planejamento da prática pedagógica e, esta, da avaliação discente. Essa cisão fica evidente quando, ao docente selecionado, cabe mediar a aprendizagem com um material já estruturado em conteúdos selecionados em processos de planejamento do qual ele não fez parte. Esses recortes obviamente não estavam amparados em metodologias de aprendizagem deliberadas com intencionalidade, visando ao objetivo que se queria alcançar, por desconhecimento ou desinteresse do núcleo gestor. Agir com intencionalidade pedagógica é organizar o processo educativo formal de maneira consciente, planejada, criativa e capaz de produzir um efeito positivo na aprendizagem do aluno1515 Negri PS. Comunicação Didática: A Intencionalidade Pedagógica Como Estratégia de Ensino. Módulo I. Londrina: LABTED/UEL; 2008., de acordo com as competências almejadas. No caso do MAAv, se as escolhas metodológicas existiram, essas não estavam alinhadas com o MEC que, por sua vez, assumiu a aplicação da avaliação de alunos como uma responsabilidade logístico-administrativa e, portanto, dentro de uma perspectiva pedagógica estritamente tradicional e conservadora, sob o conceito da 'educação bancária' descrita por Paulo Freire77 Freire P. Pedagogia do Oprimido 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1970..

Somavam-se a esses desafios a falta de continuidade/integração do MAAv com a etapa subsequente do ciclo formativo, que é a supervisão acadêmica, obrigatória a todos os médicos do PMM, apesar de ser importante no desenho do PMM tal articulação. Atualmente, a única vinculação existente na área da saúde entre essas formações ocorre, sobretudo, pela presença de supervisores e tutores do PMM como docentes do MAAv, o que coloca em posição de maior exigência a qualidade da supervisão acadêmica que o médico tem recebido. Os conteúdos dos Módulos de Acolhimento deveriam ser retroalimentados pela supervisão, se houvesse capacidade técnica e interesse do MEC em atuar nesse nível de envolvimento após 2016.

Além disso, a experiência mostrou que a área da saúde também sofre as consequências das atividades que os profissionais médicos – professores de universidades, tutores, supervisores etc. – exercem. A atuação como docente de um MAAv exige disponibilidade que os profissionais médicos brasileiros geralmente não costumam apresentar, em virtude de suas agendas e dinâmica de trabalho profissional. Assim, manter um grupo ou grupos coesos não se mostrou como possibilidade, principalmente quando se refere aos Módulos ocorridos em Cuba, que exigiam o mínimo de 20 dias dedicados intensiva e exclusivamente ao curso.

Como potencialidades, destacam-se os avanços obtidos na área de português, sobretudo no grupo que atua em PLE nos Módulos que envolveram intercambistas cubanos. A diferença foi observada pela presença mais constante de um mesmo coordenador, ou seja, mesmo com dificuldades de agendas, a liderança dos processos ficou entre dois professores extremamente qualificados e que foram acumulando expertise nesse processo. Outro ponto que merece destaque é o fato de que mesmo que nem todos os professores dessa área tivessem formação em PLE, todos possuíam minimamente experiência como docentes. O grupo de PLE, desse modo, aperfeiçoou-se ao longo dos módulos; e, até março de 2017, estavam propondo melhorias na avaliação discente, de modo a selecionar com mais qualidade os médicos aprovados para vir ao Brasil. Não se tem informação se as propostas foram acatadas pelas equipes que estavam na gestão do processo até 2018.

O processo pedagógico do MAAv, em geral, fragilizou-se aparentemente por ausência de especialistas em ensino-aprendizagem no planejamento e gestão dos Módulos no MS e no MEC. No entanto, o que era frágil ficou ainda mais precário com as mudanças ocorridas nos Ministérios do governo pós-impeachment. De 2014 a 2016, por exemplo, os critérios de recrutamento e de seleção dos docentes – ainda que incipientes – na área da saúde priorizavam os médicos com formação e experiência docente em Medicina de Família e Comunidade (MFC). Esses critérios não foram mais respeitados após março de 2017, quando as equipes do MS, à revelia do MEC, passaram a utilizar critérios não divulgados para escolha dos docentes, e retiraram do processo grande parte de médicos com formação em MFC.

Ressalta-se que, no final de 2016 e início de 2017, ocorreram tentativas do MEC e do MS, por meio do DAB, de reformulação do MAAv. Em novembro e dezembro de 2016, a Coordenação Geral de Gestão da Educação em Saúde/DDES/MEC e DAB/MS reuniram-se com o intuito de planejar a reformulação dos Módulos, tendo sido, inclusive, iniciada a construção de um diagnóstico preliminar, com o auxílio de tutores que haviam sido docentes dos cursos. Esse diagnóstico seria o ponto de partida para a atualização dos eixos de formação para o MAAv, uma vez que este tem como característica a identificação de um marco situacional em processo coletivo. Após essas reuniões presenciais, ainda ocorreu uma conferência virtual em janeiro de 2017, que contou com a participação dos tutores. Entretanto, essa iniciativa não avançou porque: a) já estava havendo mudança das equipes de ambas as instituições, após o impeachment, e o interesse dos novos gestores não coadunaram com os das equipes técnicas, levando à manutenção de uma situação sem estruturação ou compromisso pedagógico; b) havia aparente dificuldade de realizar trabalho coletivo entre setores no MS envolvidos no PMM. Havia dificuldades de interação entre tais setores, o que prejudicou a participação do DAB no esperado protagonismo deste na definição e/ou revisão de conteúdos relativos ao Programa; e c) havia dificuldade por parte da equipe do MEC em defender a natureza pedagógica do MAAv, como se pretendia no final de 2016 e início de 2017.

Esse último esforço que seguia no rumo da nova estruturação do MAAv, de modo a aperfeiçoar as normativas e diretrizes que o orientam, seria uma possibilidade de estabelecimento de vínculo entre a entrada do médico no Programa e sua continuidade na integração ensino-serviço. A atualização do MAAv também caminharia como um meio de integração dos vários saberes preexistentes, permitindo a constante revisão de conteúdos, metodologias e o formato de avaliação, porque nele estariam contidos os objetivos da ação educativa e a linearidade necessária para articular os ciclos, bem como as estratégias que se pretendesse utilizar para alcançar o que se propôs. Tratava-se de organizar a intencionalidade pedagógica do MAAv, sustentada pelas concepções da gestão participativa e das premissas da EPS.

Mesmo com esse cenário, em outubro de 2017, o MEC lançou um edital público, em parceria com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), para contratação de um consultor que analisasse o MAAv e propusesse soluções. No final de 2017, o MEC formou um grupo para discutir o MAAv, sem a participação do MS, não tendo sido divulgados os resultados dessas ações. É interessante refletir que tais iniciativas novamente caminhavam na contramão da legislação vigente, que visava institucionalizar ações interministeriais que culminariam nas reformulações dos Módulos.

Considerações finais

O PMM vem sendo construído e aperfeiçoado, desde 2013, sob a premissa de compartilhamento de gestão, sobretudo, interministerial. Da data de sua criação até meados de 2015, houve a necessidade de criação de novas legislações visando ao aprimoramento do desenho do Programa, bem como ao atendimento às exigências de transparência dos processos perante os órgãos de controle e fiscalização brasileiros. Ademais, ainda prossegue mesmo que reduzidamente e sob outros arranjos, o que torna esta análise um primeiro passo para futuras pesquisas sobre a temática.

Como parte de importantes etapas formativas, é necessário considerar que, apesar de haverem sido previstos no desenho do PMM, a supervisão acadêmica e o Módulo de Acolhimento ainda não possuem gestão linear e intencional, para que fosse superada a vinculação atual entre os ciclos de formação que se dá principalmente pelo recrutamento de docentes da área de saúde entre os supervisores e tutores do PMM, o que já havia se mostrado expressivamente frágil.

No que tange à organização do trabalho pedagógico, mesmo que não haja mais o MAAv destinado aos intercambistas cooperados, recomenda-se que, resguardadas as condições de recrutamento e seleção, seja garantido um espaço para planejamento e trocas de experiências, para que os docentes possam formular instrumentos, metodologias e tecnologias de avaliação mais integradas, e que considerem as recomendações da Política Nacional de Educação Permanente em Saúde em seu Anexo II33 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 1996, de 20 de agosto de 2007. Dispõe sobre as diretrizes para a implementação da Política Nacional de Educação Permanente em Saúde [internet]. 20 Ago 2007. [acesso em 2019 nov 11]. Disponível em: http://www.saude.mt.gov.br/upload/legislacao/1996-%5B2968-120110-SES-MT%5D.pdf.
http://www.saude.mt.gov.br/upload/legisl...
, em que conhecimento não se transmite, mas se constrói a partir das dúvidas e do questionamento das práticas vigentes à luz dos problemas contextuais, inclui a busca de formação no trabalho de equipe, a integração das dimensões cognitivas, de atitudes e competências práticas, priorizando os processos de longo prazo em detrimento das ações isoladas por meio de cursos.

Aliado a isso, que a equipe docente possa desenvolver um processo de sistematização da experiência, constituindo, com isso, um conjunto de informações sobre o que foi vivenciado, em especial, as dimensões sociais, culturais e políticas expressas durante a realização do MAAv. Refere-se singularmente às expressões que dão sentido e significado aos médicos e docentes participantes, em termos dos diferentes saberes e formas de pensar os processos de adoecimento e promoção de saúde, considerando as distintas concepções de saúde e medicina que compõem o repertório filosófico dos participantes do MAAv.

Identificou-se que os objetivos constantes no planejamento institucional de ambos os Ministérios não poderiam ultrapassar os moldes de um processo de aprendizagem pautado no ensino tradicional, compreendendo-se que o que se poderia esperar do processo pedagógico construído e realizado teria que ter intencionalidade e clareza nas opções teórico-metodológicas.

Apesar de todas essas dificuldades, considera-se que essa seleção formativa ainda foi a mais adequada para o Programa, necessitando de fundamentais ajustes na gestão da educação para que o trabalho na saúde seja qualificado e resolutivo e, assim, contribua para o fortalecimento e para a consolidação da APS no Brasil.

  • Suporte financeiro: não houve

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    Dez 2019

Histórico

  • Recebido
    22 Maio 2019
  • Aceito
    06 Nov 2019
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