Crianças e adolescentes acolhidos no estado do Rio de Janeiro: a adoção é a solução?

Sandro Pitthan Espindola Marcos Besserman Viana Maria Helena Barros de Oliveira Sobre os autores

RESUMO

A finalidade deste artigo foi debater se a adoção, na forma em que está sistematizada no Brasil, por meio do Cadastro Nacional de Adoção, pode ser a solução para o grave problema do acolhimento institucional de crianças e adolescentes em situação de risco, especialmente aqueles que vivem no estado do Rio de Janeiro. Para tanto, foram analisados os dados secundários de dois sistemas informatizados oficiais: o Módulo Criança e Adolescente, do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, e o Cadastro Nacional de Adoção, do Conselho Nacional de Justiça. Concluiu-se que, da forma com que o sistema está concebido, a adoção está longe de ser a solução para a violação do direito fundamental à convivência familiar dessas crianças e adolescentes, podendo, quando muito, constituir uma grande oportunidade, e isso caso ocorram mudanças nos critérios estabelecidos pelo Conselho Nacional de Justiça, de seleção de crianças e adolescentes de acordo com as suas características físicas pelas pessoas interessadas em adotar.

PALAVRAS-CHAVE
Acolhimento; Adoção; Adolescente institucionalizado; Criança acolhida; Racismo oculto

Introdução

A adoção, tal como concebida pelo Brasil, pode ser a solução, ou apenas uma das alternativas, para um drama que marca a história de muitas crianças e adolescentes brasileiros: crescer em uma entidade de acolhimento institucional – popularmente conhecidas pelo nome de abrigos ou orfanatos – sem conviver com uma família.

Estudiosos de diversas áreas vêm apontando os malefícios causados pela longa permanência de crianças e adolescentes em entidades de acolhimento institucional, especialmente àqueles de tenra idade.

Segundo Passeti11 Passeti E. Crianças Carentes e Políticas Públicas. In: Priore MD, organizadora. História das Crianças no Brasil. 7. ed. São Paulo: Contexto; 2006. p. 347-375., nas instituições, as crianças são criadas sem vontade própria, prevalecendo sempre o interesse coletivo em detrimento de suas individualidades, além de receberem formação escolar insatisfatória e, muitas vezes, direcionada para a ocupação de posições consideradas de baixo escalão dentro da sociedade.

Na mesma linha, Cuneo22 Cuneo M. Abrigamento prolongado: os filhos do esquecimento - a institucionalização prolongada de crianças e as marcas que ficam. In: Módulo Criança e Adolescente. 3º Censo da População Infanto-juvenil Abrigada no Estado do Rio de Janeiro [internet]. Rio de Janeiro: Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro; 2009. [acesso em 2019 fev 26]. Disponível em: http://mca.mp.rj.gov.br/censos/3o-censo/.
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afirma que as instituições não são o espaço natural para o desenvolvimento integral de crianças e adolescentes, que, repentinamente, passam a ser cuidados por pessoas que lhes são estranhas, e sem os estímulos que somente uma atenção individualizada poderia lhes fornecer, formando vínculos afetivos e emocionais precários, com graves prejuízos à formação de suas integridades psicológicas.

Ariès33 Ariès P. História social da criança e da família. 2. ed. Rio de janeiro: LTC; 2017. destaca que, desde o início da Idade Moderna, a família passou a ocupar um papel central na formação de crianças e adolescentes, deixando de ser apenas uma instituição de direitos e transformando-se em uma entidade na qual seus integrantes estão unidos pelo amor e voltados para os cuidados e para a afetividade com as suas crianças.

Nesse contexto, como uma das formas de colocação em família substituta é que exsurge a adoção (art. 28 do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, Lei nº 8.060/9044 Brasil. Lei nº 8.069, de 13 de julho 1990. Dispõe sobre o estatuto da criança e do adolescente, e dá outras providências. Diário Oficial da União. 16 Jul 1990.), carregando a esperança de ser a solução para essa grave violação dos direitos humanos de tantas crianças e adolescentes, mantidos alijados de uma saudável e imprescindível convivência familiar, que acaba por acarretar sérios danos às suas integridades psicológicas e, portanto, à saúde, já que estão em fase de plena formação e desenvolvimento.

No ordenamento jurídico pátrio, a adoção encontra-se regulamentada pelo ECA44 Brasil. Lei nº 8.069, de 13 de julho 1990. Dispõe sobre o estatuto da criança e do adolescente, e dá outras providências. Diário Oficial da União. 16 Jul 1990., com as modificações que lhe foram introduzidas pelas Leis nº 12.010/0955 Brasil. Lei nº 12.010, de 03 de agosto de 2009. Dispõe sobre adoção; altera as Leis nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente, nº 8.560, de 29 de dezembro de 1992; revoga dispositivos da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, e da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943; e dá outras providências. Diário Oficial da União. 4 Ago 2009. e nº 13.509/1766 Brasil. Lei nº 13.509, de 22 de novembro de 2017. Dispõe sobre adoção e altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil). Diário Oficial da União. 23 Nov 2017., com destaque para a criação e para a implementação do cadastro nacional de crianças e adolescentes disponíveis à adoção e de pessoas interessadas em adotá-los (art. 50, § 5º do ECA)44 Brasil. Lei nº 8.069, de 13 de julho 1990. Dispõe sobre o estatuto da criança e do adolescente, e dá outras providências. Diário Oficial da União. 16 Jul 1990..

Antes mesmo das primeiras modificações no instituto da adoção, introduzidas pelo legislador, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão de fiscalização do Poder Judiciário, já havia criado o mencionado Cadastro Nacional de Adoção (CNA)77 Brasil. Conselho Nacional de Justiça. Cadastro Nacional de Adoção [base de dados] [internet] Brasília, DF: CNJ; [data desconhecida]. [acesso em 2018 dez 31]. Disponível em http://www.cnj.jus.br/cnanovo/pages/publico/index.jsf.
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, por meio da Resolução CNJ nº 54/200888 Brasil. Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 54, de 29 de abril de 2008. Dispõe sobre a implantação e o funcionamento do Cadastro Nacional de Adoção. Diário Oficial da União. 1 Dez 2009..

Encontram-se cadastrados no CNA77 Brasil. Conselho Nacional de Justiça. Cadastro Nacional de Adoção [base de dados] [internet] Brasília, DF: CNJ; [data desconhecida]. [acesso em 2018 dez 31]. Disponível em http://www.cnj.jus.br/cnanovo/pages/publico/index.jsf.
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9.419 crianças e adolescentes e 45.182 pretendentes habilitados à adoção.

A adoção continua na pauta do dia.

No Congresso Nacional, tramita um Projeto de Lei do Senado (PLS nº 394/17)99 Brasil. Projeto de Lei do Senado nº 394, de 2017. Dispõe sobre o Estatuto da Adoção de Criança ou Adolescente. Diário do Senado Federal. 19 Out 2017. que pretende criar um estatuto próprio para tratar da adoção.

Ocorre que, para que uma criança e adolescente acolhidos seja considerada adotável, e então inseridas no cadastro como disponível à adoção, seus pais deverão ser previamente destituídos do poder familiar, por meio de uma ação judicial, exceto se forem falecidos ou aquiescerem com a colocação dos filhos em uma família substituta (art. 166 do ECA)44 Brasil. Lei nº 8.069, de 13 de julho 1990. Dispõe sobre o estatuto da criança e do adolescente, e dá outras providências. Diário Oficial da União. 16 Jul 1990..

O afastamento de crianças e adolescentes de suas famílias, por intermédio da medida protetiva de acolhimento institucional, não significa que os pais foram destituídos do poder familiar, e, portanto, que eles estejam aptos a serem adotados e inseridos no CNA.

Dessa forma, inicialmente, buscou-se pesquisar, no estado do Rio de Janeiro, quais as principais motivações que acarretavam o afastamento de crianças e adolescentes acolhidos de suas famílias, para saber se tais razões poderiam ensejar a extinção do poder familiar dos pais com o encaminhamento de crianças e adolescentes para adoção.

Nessa primeira etapa, como material de pesquisa, foram utilizadas as informações relativas a crianças e adolescentes acolhidos no estado do Rio de Janeiro, disponibilizadas pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ), por meio do sistema informatizado denominado Módulo Criança e Adolescente (MCA)1010 Brasil. Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Módulo Criança e Adolescente [base de dados]. [internet] . Rio de Janeiro: MPRJ; [data desconhecida]. [acesso em 2019 fev 26]. Disponível em: http://mca.mp.rj.gov.br.
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, por ainda não existir, no âmbito do CNA77 Brasil. Conselho Nacional de Justiça. Cadastro Nacional de Adoção [base de dados] [internet] Brasília, DF: CNJ; [data desconhecida]. [acesso em 2018 dez 31]. Disponível em http://www.cnj.jus.br/cnanovo/pages/publico/index.jsf.
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, uma ferramenta de sincronização automática no sistema informatizado, para saber os perfis (cor/raça/etnia; faixa etária e grupo de irmãos) de todas as crianças e adolescentes acolhidos no País e em cada estado da federação e, entre eles, aqueles já disponíveis à adoção.

Em um segundo momento, como o objetivo da pesquisa é saber se a adoção pode ser a solução para o acolhimento institucional no estado do Rio de janeiro, consideraram-se adotáveis todas as crianças e adolescentes acolhidos, o que não é o caso, comparando-se três de suas principais características (cor/raça/etnia; faixa etária e grupo de irmãos) com o perfil desejado pelos habilitados à adoção, por meio da extração das informações constantes no CNA77 Brasil. Conselho Nacional de Justiça. Cadastro Nacional de Adoção [base de dados] [internet] Brasília, DF: CNJ; [data desconhecida]. [acesso em 2018 dez 31]. Disponível em http://www.cnj.jus.br/cnanovo/pages/publico/index.jsf.
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Partiu-se da seguinte hipótese: a adoção não é a solução para o problema do acolhimento de crianças e adolescentes e, caso repensados os critérios do CNA, poderá vir a ser uma real esperança para os acolhidos à convivência familiar.

A verdadeira face do acolhimento institucional no Brasil

Crianças e adolescentes brasileiros são cotidianamente afastados de suas famílias e encaminhados, sob a responsabilidade do Estado, para alguma instituição pública ou não governamental, à título de aplicação de uma medida protetiva de acolhimento institucional, em decorrência de situação de risco causada por ação ou omissão da sociedade ou do Estado; falta, omissão ou abuso dos pais; ou de suas próprias condutas (arts. 98 e 101, incisos VII e VIII do ECA44 Brasil. Lei nº 8.069, de 13 de julho 1990. Dispõe sobre o estatuto da criança e do adolescente, e dá outras providências. Diário Oficial da União. 16 Jul 1990.).

A história do Brasil é marcada pelo afastamento de crianças e adolescentes de suas famílias de origem. Em 14 de janeiro de 1738, foi fundada, por Romão de Mattos Duarte, na Santa Casa da Misericórdia, a Casa dos Expostos, que possibilitava aos pais a entrega dos filhos ao Estado, lançando-os, sem qualquer tipo de identificação, especialmente os de tenra idade, através de uma grande roda giratória1111 Melo F. A história da história do menor no Brasil. Rio de Janeiro: Estabelecimentos Gráficos Borsoi S.A. Indústria e Comércio; 1986.. Com o primeiro Código de Menores de 1926 (Decreto nº 5.083)1212 Brasil. Decreto nº 5083, de 1º de dezembro de 1926. Institui o Código de Menores. Diário Oficial da União. 4 Dez 1926., substituído um ano depois pelo Código Mello Mattos (Decreto nº 17.943-A)1313 Brasil. Decreto nº 17.943-A, de 12 de outubro de 1927. Consolida as leis de assistência e protecção aos menores. Diário Oficial da União. 31 Dez 1927., iniciou-se a fase em que a carência e a pobreza passaram a ser sinônimos de delinquência e, consequentemente, institucionalização de crianças e adolescentes. Tal período, conhecido como Doutrina da Situação Irregular, perdurou quando foi revogado o Código de Menores de 1979 (Lei nº 6.697/79)1414 Brasil. Lei nº 6.697, de 10 de outubro de 1979. Institui o Código de Menores. Diário Oficial da União. 11 Out 1979., em 1990, e teve como ápices o Serviço de Assistência ao Menor (SAM) e a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem) 1515 Amin A. Evolução histórica do direito da criança e do adolescente. In: Maciel K, coordenadora. Curso de direito da criança e do adolescente: aspectos teóricos e práticos. 6. ed. Rio de Janeiro: Saraiva; 2013..

Com a chegada da Constituição Federal de 1988 (CF)1616 Brasil. Constituição, 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal; 1988., da edição do (Lei nº 8.069/90)44 Brasil. Lei nº 8.069, de 13 de julho 1990. Dispõe sobre o estatuto da criança e do adolescente, e dá outras providências. Diário Oficial da União. 16 Jul 1990., e da ratificação da Convenção Internacional dos Direitos da Criança (CIDC – Decreto nº 99.710/90)1717 Brasil. Decreto nº 99.710, de 21 de novembro de 1990. Promulga a Convenção sobre os Direitos da Criança. Diário Oficial da União. 21 de Nov 1990., surgiu um novo paradigma para o atendimento infantojuvenil, conhecido como Doutrina da Proteção Integral. Desde então, crianças e adolescentes passaram a ser considerados como sujeitos de direitos, que devem receber tratamento prioritário do Estado, da comunidade, da sociedade e da família, para que possam ter pleno desenvolvimento físico e psicológico, pois estão em condição peculiar de desenvolvimento (art. 227 da CF)1616 Brasil. Constituição, 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal; 1988.. Logo, o acolhimento passou a ser excepcional e provisório, não importando em privação de liberdade (art. 101, parágrafo único do ECA)44 Brasil. Lei nº 8.069, de 13 de julho 1990. Dispõe sobre o estatuto da criança e do adolescente, e dá outras providências. Diário Oficial da União. 16 Jul 1990..

Mesmo com a chegada do novo paradigma, o acolhimento de crianças e adolescentes pelo Estado, principalmente em instituições, continua presente, como uma das primeiras medidas para uma infância e juventude desvalida.

De fato, a cultura da institucionalização de crianças pobres, iniciada no período colonial, perdurou durante todo o século XX, como a opção para uma população carente, que continuou a vivenciar com seus filhos o estigma da pobreza imposto pelo Estado, diante da falta de implementação efetiva de políticas públicas voltadas às famílias1818 Venâncio R. Famílias abandonadas: assistência à criança de camadas populares no Rio de Janeiro e em Salvador - séculos XVIII e XIX. Campinas: Papirus; 1999..

O Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária, de dezembro de 20061919 Brasil. Ministério do Desenvolvimento Social. Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária. [internet] Brasília, DF: Ministério do Desenvolvimento Social; 2016. [acesso em 2019 fev 26]. Disponível em: https://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Cadernos/Plano_Defesa_CriancasAdolescentes%20.pdf.
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, descreveu essa triste realidade, já no século atual, quando definiu famílias em situação de vulnerabilidade ou risco social, como grupos familiares que enfrentam condições socioculturais negativas ao cumprimento de seus deveres, com ameaças ou violações flagrantes de seus direitos.

Nos últimos anos, com a promulgação das Leis nº 12.010/0955 Brasil. Lei nº 12.010, de 03 de agosto de 2009. Dispõe sobre adoção; altera as Leis nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente, nº 8.560, de 29 de dezembro de 1992; revoga dispositivos da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, e da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943; e dá outras providências. Diário Oficial da União. 4 Ago 2009. e nº 13.509/1766 Brasil. Lei nº 13.509, de 22 de novembro de 2017. Dispõe sobre adoção e altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil). Diário Oficial da União. 23 Nov 2017., o ECA44 Brasil. Lei nº 8.069, de 13 de julho 1990. Dispõe sobre o estatuto da criança e do adolescente, e dá outras providências. Diário Oficial da União. 16 Jul 1990. sofreu profundas modificações, com o objetivo de abreviar ao máximo a permanência de crianças e adolescentes nas instituições de acolhimento e, por conseguinte, torná-los disponíveis à adoção, caso não possam retornar para o convívio de suas famílias. Dentre tantas alterações, destacam-se: a) a entrada e saída de crianças e adolescentes das instituições somente ocorrerá por meio de decisão e guia judiciais (art. 01, §s 2º e 3º do ECA44 Brasil. Lei nº 8.069, de 13 de julho 1990. Dispõe sobre o estatuto da criança e do adolescente, e dá outras providências. Diário Oficial da União. 16 Jul 1990.); b) o estabelecimento de um plano individual de atendimento de cada criança/adolescente acolhido (art. 101, § 4º do ECA44 Brasil. Lei nº 8.069, de 13 de julho 1990. Dispõe sobre o estatuto da criança e do adolescente, e dá outras providências. Diário Oficial da União. 16 Jul 1990.); c) a introdução de um prazo máximo para reavaliação da medida de acolhimento – 6 meses, em 2009, para 3 meses, a partir de 2017 (art. 19, §1º do ECA44 Brasil. Lei nº 8.069, de 13 de julho 1990. Dispõe sobre o estatuto da criança e do adolescente, e dá outras providências. Diário Oficial da União. 16 Jul 1990.); d) o tempo máximo de acolhimento institucional – 2 anos, em 2009, para 18 meses, a partir de 2017 (art. 19, §2º do ECA44 Brasil. Lei nº 8.069, de 13 de julho 1990. Dispõe sobre o estatuto da criança e do adolescente, e dá outras providências. Diário Oficial da União. 16 Jul 1990.); e) a preferência na manutenção ou reintegração da criança ou adolescente em sua família, com relação a qualquer outra providência (art. 19, § 3º do ECA44 Brasil. Lei nº 8.069, de 13 de julho 1990. Dispõe sobre o estatuto da criança e do adolescente, e dá outras providências. Diário Oficial da União. 16 Jul 1990.); f) o prazo máximo de até 90 dias para busca da família extensa (art. 19A, §3º do ECA44 Brasil. Lei nº 8.069, de 13 de julho 1990. Dispõe sobre o estatuto da criança e do adolescente, e dá outras providências. Diário Oficial da União. 16 Jul 1990.); g) o encaminhamento para adoção dos recém-nascidos não procurados em até 30 dias por suas famílias (art. 19, A, § 10 do ECA44 Brasil. Lei nº 8.069, de 13 de julho 1990. Dispõe sobre o estatuto da criança e do adolescente, e dá outras providências. Diário Oficial da União. 16 Jul 1990.); h) a falta ou carência de recursos materiais, por si só, não constituir motivo para a retirada da criança de sua família, devendo esta ser obrigatoriamente incluída em programas oficiais de auxílio (art. 23 e parágrafo único do ECA44 Brasil. Lei nº 8.069, de 13 de julho 1990. Dispõe sobre o estatuto da criança e do adolescente, e dá outras providências. Diário Oficial da União. 16 Jul 1990.); i) a prevalência da família, na promoção de direitos e na proteção da criança e do adolescente (art. 100, parágrafo único, X do ECA44 Brasil. Lei nº 8.069, de 13 de julho 1990. Dispõe sobre o estatuto da criança e do adolescente, e dá outras providências. Diário Oficial da União. 16 Jul 1990.) e j) o prazo de 15 dias para o ingresso da ação de destituição do poder familiar pelo Ministério Público e de 120 dias para a conclusão da ação judicial (arts.. 101, § 10 e 163 do ECA44 Brasil. Lei nº 8.069, de 13 de julho 1990. Dispõe sobre o estatuto da criança e do adolescente, e dá outras providências. Diário Oficial da União. 16 Jul 1990.).

Diante de tantas mudanças, constata-se, ao menos do ponto de vista formal, que a institucionalização de crianças e adolescentes deve ser sempre excepcional e provisória. Nota-se, também, que o legislador vem indicando outras opções, como o acolhimento familiar (art. 101, inciso VIII do ECA44 Brasil. Lei nº 8.069, de 13 de julho 1990. Dispõe sobre o estatuto da criança e do adolescente, e dá outras providências. Diário Oficial da União. 16 Jul 1990., introduzido pela Lei nº 12.010/0955 Brasil. Lei nº 12.010, de 03 de agosto de 2009. Dispõe sobre adoção; altera as Leis nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente, nº 8.560, de 29 de dezembro de 1992; revoga dispositivos da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, e da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943; e dá outras providências. Diário Oficial da União. 4 Ago 2009.), prioritário em relação ao institucional, bem como os programas de apadrinhamento de crianças institucionalizadas, para minimizar os estigmas da institucionalização (art. 19-B do ECA44 Brasil. Lei nº 8.069, de 13 de julho 1990. Dispõe sobre o estatuto da criança e do adolescente, e dá outras providências. Diário Oficial da União. 16 Jul 1990., acrescentado pela Lei nº 13.509/1766 Brasil. Lei nº 13.509, de 22 de novembro de 2017. Dispõe sobre adoção e altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil). Diário Oficial da União. 23 Nov 2017.).

Considerando que, ressalvados os casos de concordância dos pais ou orfandade, faz-se necessária a prévia destituição do poder familiar, via ação judicial própria, em face dos pais, para que os acolhidos fiquem disponíveis à adoção, será preciso compreender, primeiramente, os principais motivos que ensejam os acolhimentos de crianças e adolescentes, afastando-os de suas famílias de origem (art. 166 do ECA44 Brasil. Lei nº 8.069, de 13 de julho 1990. Dispõe sobre o estatuto da criança e do adolescente, e dá outras providências. Diário Oficial da União. 16 Jul 1990.).

Motivos do acolhimento e as causas de destituição do poder familiar

De acordo com o Código Civil (art. 1.638 do CC)2020 Brasil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União. 11 Jan 2002., a perda do poder familiar poderá ocorrer pelas seguintes causas: castigos imoderados; abandono; prática de atos contrários à moral e aos bons costumes; entrega irregular do filho para adoção; ou caso haja a prática de homicídio, feminicídio, lesão corporal de natureza grave ou seguida de morte, estupro, ou crime diverso contra a dignidade sexual, com pena de reclusão contra o outro titular do poder familiar, filho, filha ou descendente.

Segundo os dados do 22º censo do MCA2121 Brasil. Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. 22º Censo do Módulo Criança e Adolescente. [base de dados] [internet]. Rio de Janeiro: MPRJ; [data desconhecida]. [acesso em 2019 fev 26]. Disponível em: http://mca.mp.rj.gov.br/22o-censo/.
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, encerrado em 31 de dezembro de 2018, crescem, no estado do Rio de Janeiro, longe de suas famílias, 1.650 crianças e adolescentes, sendo 1.515 em acolhimento institucional, e 135 em acolhimento familiar. Entre eles, apenas 166 estão aptos à adoção.

Por sua vez, consta também no aludido censo2121 Brasil. Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. 22º Censo do Módulo Criança e Adolescente. [base de dados] [internet]. Rio de Janeiro: MPRJ; [data desconhecida]. [acesso em 2019 fev 26]. Disponível em: http://mca.mp.rj.gov.br/22o-censo/.
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que as principais motivações para o acolhimento de crianças/adolescentes no estado, entre outras, foram: negligência (35,64%); abandono (8,18%); situação de rua (8,00%); em razão de sua conduta (6,18%); abusos físicos ou psicológicos (5,76%); suspeita ou abuso sexual (3,94%).

A categoria negligência (35,64%), apontada como o principal motivo para o acolhimento institucional, consiste na falta do cumprimento de um dever de cuidado pela omissão do agente, no caso, os pais. Segundo o Código Civil, a negligência, isso é, a omissão dos pais, por si só, não poderá dar ensejo à destituição do poder familiar, salvo nos casos de prática reiterada da conduta omissiva pelo agente (arts. 1637 c/c 1638, III do CC)2020 Brasil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União. 11 Jan 2002..

Outrossim, verifica-se que, sozinhas, duas outras motivações apontadas pelo 22º censo do MCA2121 Brasil. Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. 22º Censo do Módulo Criança e Adolescente. [base de dados] [internet]. Rio de Janeiro: MPRJ; [data desconhecida]. [acesso em 2019 fev 26]. Disponível em: http://mca.mp.rj.gov.br/22o-censo/.
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– situação de rua (8,00%), em razão de sua própria conduta (6,18%) – não darão ensejo à extinção do poder familiar, já que apenas indiretamente relacionadas com alguma conduta atribuída aos pais.

Consequentemente, apenas o abandono (8,18%) e o acolhido ser vítima, seja de abusos físicos/psicólogos (5,76%), seja sexuais (3,94%), poderão acarretar a destituição do poder familiar e a disponibilização dos acolhidos para a adoção.

Portanto, em regra, crianças e adolescentes encaminhados para o acolhimento estatal, pelas motivações apresentadas para a aplicação da medida de proteção, não estão aptos à adoção, pois não há causa para a destituição do poder familiar de seus pais.

Logo, o acolhimento institucional não pode ser compreendido como sinônimo de crianças e adolescentes disponíveis à adoção.

Não obstante, o Brasil maciçamente tem fomentado a colocação em família substituta por meio da adoção, como a grande resposta à questão do acolhimento de crianças e adolescentes.

O Sistema Nacional de Adoção e algumas iniciativas do Estado

No dia 29 de abril de 2008, o CNJ, órgão de fiscalização do Poder Judiciário, editou a Resolução CNJ nº 5488 Brasil. Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 54, de 29 de abril de 2008. Dispõe sobre a implantação e o funcionamento do Cadastro Nacional de Adoção. Diário Oficial da União. 1 Dez 2009. implementando um Banco Nacional de Adoção, que consolidou os dados de todas as serventias judiciais do País, relativos a crianças e adolescentes disponíveis à adoção e aos habilitados à adoção domiciliados no Brasil.

Na prática, o CNA77 Brasil. Conselho Nacional de Justiça. Cadastro Nacional de Adoção [base de dados] [internet] Brasília, DF: CNJ; [data desconhecida]. [acesso em 2018 dez 31]. Disponível em http://www.cnj.jus.br/cnanovo/pages/publico/index.jsf.
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é um grande gerenciador de informações, que busca cruzar as características de crianças e adolescentes disponíveis à adoção com as preferências dos pretendentes inscritos de todo o Brasil, denominados habilitados. Dessa forma, desde a sua implantação, o CNJ sempre autorizou, no CNA77 Brasil. Conselho Nacional de Justiça. Cadastro Nacional de Adoção [base de dados] [internet] Brasília, DF: CNJ; [data desconhecida]. [acesso em 2018 dez 31]. Disponível em http://www.cnj.jus.br/cnanovo/pages/publico/index.jsf.
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, que os habilitados escolhessem crianças e adolescentes pelos seguintes critérios: idade; sexo; grupo de irmãos; raça/cor/etnia; com ou sem deficiência física e mental, HIV e outras doenças.

Segundo o ECA44 Brasil. Lei nº 8.069, de 13 de julho 1990. Dispõe sobre o estatuto da criança e do adolescente, e dá outras providências. Diário Oficial da União. 16 Jul 1990. (art. 50, § 13, incisos I, II e III), toda e qualquer adoção somente será concedida aos pretendentes habilitados no CNA, salvo em três situações legais: 1. adoção unilateral (padrasto ou madrasta adotam a/o enteada/o), 2. pedidos formulados por parentes com quem o adotando conviva e mantenha laços de afetividade; 3. requerimentos formulados por aqueles que detenham a guarda ou tutela de criança, ou adolescente maior de 3 anos.

Mesmo após a regulamentação de um sistema nacional pela Lei nº 13.010/0955 Brasil. Lei nº 12.010, de 03 de agosto de 2009. Dispõe sobre adoção; altera as Leis nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente, nº 8.560, de 29 de dezembro de 1992; revoga dispositivos da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, e da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943; e dá outras providências. Diário Oficial da União. 4 Ago 2009., o Poder Legislativo, além de introduzir novidades por intermédio da Lei nº 13.514/1766 Brasil. Lei nº 13.509, de 22 de novembro de 2017. Dispõe sobre adoção e altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil). Diário Oficial da União. 23 Nov 2017., continua debatendo no Congresso Nacional Projetos de Lei (PL) sobre o tema, com o objetivo de fomentar ainda mais a adoção de crianças e adolescentes acolhidos. Destaca-se o Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 394, de 201799 Brasil. Projeto de Lei do Senado nº 394, de 2017. Dispõe sobre o Estatuto da Adoção de Criança ou Adolescente. Diário do Senado Federal. 19 Out 2017., que estabelece um Estatuto da Adoção, subtraindo a matéria do ECA, que sempre sistematizou todos os direitos de crianças e adolescentes.

No âmbito do Poder Executivo, responsável pela instituição de políticas públicas em prol de crianças, adolescentes e famílias brasileiras, há também estímulos à adoção. Exemplificando, o governo do estado do Rio de Janeiro, com a Lei Estadual nº 3.499/20002222 Brasil. Lei Estadual nº 3.499, de 8 de dezembro de 2000. Cria o Programa “Um Lar para Mim”, institui o auxílio-adoção para o servidor público estadual que acolher criança ou adolescente órfão ou abandonado, e dá outras providências. Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro. 12 Nov 2000., criou o programa Um Lar para Mim, instituindo um auxílio-adoção para o servidor público estadual ocupante de emprego público, cargo efetivo ou cargo em comissão, civil ou militar, ativo ou inativo, que adotar criança ou adolescente órfão ou abandonado.

O Poder Judiciário caminha no mesmo sentido, por meio da iniciativa de seus diversos Tribunais de Justiça, ao organizarem várias campanhas de adoção. Como exemplos de boas práticas, destacam-se os projetos Adote Um Vencedor, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro2323 Brasil. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Adote Um Vencedor [internet]. [Rio de Janeiro]: TJRJ; [data desconhecida]. [acesso em 2019 jul 1]. Disponível em: http://adoteumvencedor.com.br/.
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; Adote um Boa Noite, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo2424 Brasil. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Adote Um Boa Noite [internet]. São Paulo: TJSP; [data desconhecida]. [acesso em 2019 fev 26]. Disponível em: http://www.tjsp.jus.br/AdoteUmBoaNoite.
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; Esperando por Você, do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo2525 Brasil. Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo. Esperando por Você [internet] Espírito Santo. TJES; [data desconhecida]. [acesso em 2019 fev 26]. Disponível em: http://www.tjes.jus.br/esperandoporvoce/.
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; e Deixe o Amor te Surpreender, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul2626 Brasil. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Deixe o Amor te Surpreender. TJRS; [data desconhecida]. [acesso em 2019 fev 26]. Disponível em: http://tjrs.jus.br/site//imprensa/noticias/?print=true&idNoticia=454055.
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.

O próprio MPRJ, em 2017, criou um sistema próprio de busca ativa de crianças disponíveis à adoção denominado Quero Uma Família2727 Brasil. Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Quero Uma Família. [internet]. Rio de Janeiro: MPRJ ; [data desconhecida]. [acesso em 2019 fev 26]. Disponível em: http://queroumafamilia.mprj.mp.br/. Acesso em 26 fev. 2019.
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.

Recentemente, o CNJ, por meio da Resolução nº 289, de 14 de agosto de 20192828 Brasil. Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 54, de 29 de abril de 2008. Dispõe sobre a implantação e funcionamento do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento - SNA e dá outras providências. Diário de Justiça Eletrônico. 15 Ago 2019., implantou o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), ainda em fase de testes, revogando a Resolução nº 54, de 29 de abril de 2008, que criou o CNA.

Metodologia

Crianças e adolescentes acolhidos no estado do Rio de Janeiro foram eleitos como o público-alvo da pesquisa. Para tanto, foram coletados como instrumentos os dados empíricos multifocais secundários do MCA1010 Brasil. Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Módulo Criança e Adolescente [base de dados]. [internet] . Rio de Janeiro: MPRJ; [data desconhecida]. [acesso em 2019 fev 26]. Disponível em: http://mca.mp.rj.gov.br.
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, resultados do 22º censo2121 Brasil. Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. 22º Censo do Módulo Criança e Adolescente. [base de dados] [internet]. Rio de Janeiro: MPRJ; [data desconhecida]. [acesso em 2019 fev 26]. Disponível em: http://mca.mp.rj.gov.br/22o-censo/.
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dos acolhidos do estado do Rio de Janeiro, encerrado em 31 de dezembro de 2018. O MCA1010 Brasil. Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Módulo Criança e Adolescente [base de dados]. [internet] . Rio de Janeiro: MPRJ; [data desconhecida]. [acesso em 2019 fev 26]. Disponível em: http://mca.mp.rj.gov.br.
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consiste em um sistema de dados gerenciados pelo MPRJ, com informações detalhadas de todas as crianças e adolescentes acolhidos no estado do Rio de Janeiro, que é alimentado diariamente pelos Conselheiros Tutelares, Poder Judiciário e o próprio Ministério Público. Semestralmente, o MPRJ realiza censos dessa população, encerrando-se a 22ª compilação2121 Brasil. Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. 22º Censo do Módulo Criança e Adolescente. [base de dados] [internet]. Rio de Janeiro: MPRJ; [data desconhecida]. [acesso em 2019 fev 26]. Disponível em: http://mca.mp.rj.gov.br/22o-censo/.
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de acesso público em 31 de dezembro de 2018.

Como a pergunta da pesquisa consiste em verificar se a adoção pode vir a ser a solução para o problema do acolhimento institucional do estado do Rio de Janeiro, bem como diante da pequena quantidade de crianças e adolescentes acolhidos no estado aptas à adoção (apenas 166, segundo os dados do 22º censo do MCA2121 Brasil. Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. 22º Censo do Módulo Criança e Adolescente. [base de dados] [internet]. Rio de Janeiro: MPRJ; [data desconhecida]. [acesso em 2019 fev 26]. Disponível em: http://mca.mp.rj.gov.br/22o-censo/.
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), o que representa pouco mais de 10% do número total de acolhimentos, decidiu-se partir da seguinte premissa para possibilitar a apresentação dos dados: todos os 1.650 acolhidos cadastrados no MCA2121 Brasil. Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. 22º Censo do Módulo Criança e Adolescente. [base de dados] [internet]. Rio de Janeiro: MPRJ; [data desconhecida]. [acesso em 2019 fev 26]. Disponível em: http://mca.mp.rj.gov.br/22o-censo/.
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(100%) estavam disponíveis à adoção na data de 31 de dezembro de 2018.

Para constatar as reais oportunidades de o público acolhido no estado do Rio de Janeiro vir a ser adotado, foram eleitas três de suas características para análise: cor/raça/etnia; integrar um grupo de irmãos e a faixa etária.

Tais informações dos acolhidos foram comparadas com as preferências dos habilitados à adoção de todo o Brasil, cadastrados no CNA, uma vez que crianças e adolescentes são disponibilizados à adoção para qualquer habilitado do País, respeitando-se a ordem cronológica de inscrição do pretendente.

Os dados colhidos no CNA, sobre as preferências dos habilitados à adoção, também foram extraídos no dia 31 de dezembro de 2018, pois o 22º censo do MCA2121 Brasil. Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. 22º Censo do Módulo Criança e Adolescente. [base de dados] [internet]. Rio de Janeiro: MPRJ; [data desconhecida]. [acesso em 2019 fev 26]. Disponível em: http://mca.mp.rj.gov.br/22o-censo/.
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encerrou nessa data.

Resultados e discussões

Os dados serão apresentados em três grupos, mediante as figuras 1 e 2, mantendo-se as categorias e as variáveis utilizadas nos bancos de dados oficiais do 22º censo do MCA2121 Brasil. Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. 22º Censo do Módulo Criança e Adolescente. [base de dados] [internet]. Rio de Janeiro: MPRJ; [data desconhecida]. [acesso em 2019 fev 26]. Disponível em: http://mca.mp.rj.gov.br/22o-censo/.
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e do CNA77 Brasil. Conselho Nacional de Justiça. Cadastro Nacional de Adoção [base de dados] [internet] Brasília, DF: CNJ; [data desconhecida]. [acesso em 2018 dez 31]. Disponível em http://www.cnj.jus.br/cnanovo/pages/publico/index.jsf.
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.

Figura 1
Relação entre a cor/raça/etnia das crianças/adolescentes acolhidos no 22º censo do Módulo Criança e Adolescente
Figura 2
Preferências dos habilitados à adoção de todo o Brasil do Cadastro Nacional de Adoção

Algumas dificuldades merecem ser apontadas, antes da análise dos resultados.

A primeira é que o CNA77 Brasil. Conselho Nacional de Justiça. Cadastro Nacional de Adoção [base de dados] [internet] Brasília, DF: CNJ; [data desconhecida]. [acesso em 2018 dez 31]. Disponível em http://www.cnj.jus.br/cnanovo/pages/publico/index.jsf.
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não adota a nomenclatura raça/etnia negra, tal como fez o 22º censo MCA2121 Brasil. Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. 22º Censo do Módulo Criança e Adolescente. [base de dados] [internet]. Rio de Janeiro: MPRJ; [data desconhecida]. [acesso em 2019 fev 26]. Disponível em: http://mca.mp.rj.gov.br/22o-censo/.
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, de acordo com a definição do Estatuto da Igualdade Racial (art. 1º, inciso IV da Lei nº 12.288/10)2929 Brasil. Lei nº 12.288 de 20 de julho de 2010. Institui o Estatuto da Igualdade Racial. Diário Oficial da União. 21 Jul 2010. como o conjunto das pessoas que se autodeclaram pretas e partas, segundo a classificação adotada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Ademais, a inclusão dos dados de crianças e adolescentes, com base no quesito cor/raça/etnia, é realizada por terceiros, os profissionais que alimentam os sistemas, (heterodeclaração), e não por eles próprios (autodeclaração), como determina o Estatuto da Igualdade Racial2929 Brasil. Lei nº 12.288 de 20 de julho de 2010. Institui o Estatuto da Igualdade Racial. Diário Oficial da União. 21 Jul 2010..

A terceira é a imprecisão de tais informações, já que cor/raça/etnia são conceitos relacionais, a depender de diversos fatores para que possam ser categorizados, não apenas a simples aparência física. Exemplificando, a definição de alguém considerado da cor/raça/etnia negra/preta ou parda, para alguém domiciliado na região Sul poderá ser diferente da atribuída por uma pessoa que vive na região Norte.

Por último, a impossibilidade de simplesmente somar os números dos habilitados que aceitam crianças/adolescentes da cor/raça descrita no CNA77 Brasil. Conselho Nacional de Justiça. Cadastro Nacional de Adoção [base de dados] [internet] Brasília, DF: CNJ; [data desconhecida]. [acesso em 2018 dez 31]. Disponível em http://www.cnj.jus.br/cnanovo/pages/publico/index.jsf.
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como pretas e pardas, para fins de encontrar o quantitativo daqueles que aceitam os acolhidos da coluna raça negra (pretos e pardos) do 22º censo MCA2121 Brasil. Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. 22º Censo do Módulo Criança e Adolescente. [base de dados] [internet]. Rio de Janeiro: MPRJ; [data desconhecida]. [acesso em 2019 fev 26]. Disponível em: http://mca.mp.rj.gov.br/22o-censo/.
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, pois, quando os adotantes escolhem as suas preferências, podem apontar mais de uma cor/raça/etnia, sendo essa a regra.

Dito isso, analisando os resultados, observa-se que a maioria dos acolhidos cadastrados no 22º censo MCA2121 Brasil. Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. 22º Censo do Módulo Criança e Adolescente. [base de dados] [internet]. Rio de Janeiro: MPRJ; [data desconhecida]. [acesso em 2019 fev 26]. Disponível em: http://mca.mp.rj.gov.br/22o-censo/.
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é da raça negra (77,52%), considerada a junção das pardas (44,06%) e pretas (33,45%), representando as brancas apenas o percentual de 19,21%. Por outro lado, o percentual dos habilitados que aceitam adotar crianças negras/pretas (55,35%) ou pardas (82,49%) é bem menor do que os que aceitam as brancas (92,4%).

Destarte, as oportunidades de um acolhido classificado como de cor/raça/etnia branca encontrar alguém que deseje adotá-lo são bem maiores do que aqueles da raça negra (pretas e pardas). Consequentemente, os acolhidos da cor/raça/etnia negra (pretos e pardos) tendem a permanecer mais tempo em regime de acolhimento, e, dependendo de outros fatores (faixa etária e grupo de irmãos), com poucas chances de serem adotados.

De acordo com a análise dos dados, essa opção de escolha da cor/raça/etnia de um filho autorizada pelo CNJ no CNA77 Brasil. Conselho Nacional de Justiça. Cadastro Nacional de Adoção [base de dados] [internet] Brasília, DF: CNJ; [data desconhecida]. [acesso em 2018 dez 31]. Disponível em http://www.cnj.jus.br/cnanovo/pages/publico/index.jsf.
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constitui a prática reconhecida como racismo institucional.

Segundo Jurema Werneck3030 Werneck J. Racimo institucional e saúde da população negra. Saúde Soc [internet]. 2016 [acesso em 2019 fev 26]; 25(3):535-549. Disponível em: http://doi.org;10.1590/S0104-129020162610.
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(543), o racismo institucional

equivaleria a ações e políticas institucionais capazes de produzir e/ou manter a vulnerabilidade de indivíduos e grupos sociais vitimados pelo racismo.

Para Thula Pires3131 Pires T. Criminalização do racismo entre política de reconhecimento e meio de legitimação do controle social dos não reconhecidos [tese]. Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro; 2013. 323 p.(257), o racismo institucional, como uma consequência da atuação das instituições,

decorre necessariamente do alto grau de naturalização da hierarquia racial e dos estereótipos que inferiorizam determinado grupo enquanto afirmam a superioridade do outro.

Saliente-se a ausência de voluntariedade para que o racismo institucional esteja configurado, uma vez que ele é apenas uma consequência do atuar das instituições, no caso, a autorização concedida pelo CNJ para que crianças e adolescentes sejam escolhidos dessa forma.

Registre-se, ainda, que o percentual de habilitados que aceitam crianças/adolescentes classificadas como pardas (82,49%), ou seja, mais próximas das brancas, é bem maior do que o das categorizadas como negras/pretas (55,35%). Esse fenômeno é conhecido como 'colorismo' ou 'pigmentocracia', que consiste em verificar a quantidade de privilégios, ou prejuízos, que é concedida entre pessoas da raça negra, baseadas apenas na cor da pele, isto é, quanto mais clara for a tonalidade de sua pele, ou seja, bem próxima da branca, maiores serão os privilégios de que gozará, comparativamente com aquelas de tom de pele mais escuro3232 Norwood K. If you is white, you’s alright…: stories about colorism in America. Wash. U. Global Stud. L. Rev. [internet]. 2015 [acesso em 2019 abr 2]; 14(4):585-607. Disponível em: http://openscholarship.wustl.edu/law_globalstudies/vol14/iss4/8.
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. No caso, crianças e adolescentes pardos, mais parecidas com o padrão dominante desejado pelos habilitados – crianças/adolescentes brancas –, terão mais chances de adoção do que os negros/pretos.

É importante também ressaltar, considerando o alto número de habilitados no País (45.182), que, caso fossem cadastrados no CNA77 Brasil. Conselho Nacional de Justiça. Cadastro Nacional de Adoção [base de dados] [internet] Brasília, DF: CNJ; [data desconhecida]. [acesso em 2018 dez 31]. Disponível em http://www.cnj.jus.br/cnanovo/pages/publico/index.jsf.
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apenas pessoas que aceitassem adotar independentemente da cor/raça/etnia (22.483 – 49,76%), já haveria candidatos suficientes para a adoção de todas as crianças e adolescentes acolhidos no estado do Rio de Janeiro (1.650 – 22º censo MCA2121 Brasil. Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. 22º Censo do Módulo Criança e Adolescente. [base de dados] [internet]. Rio de Janeiro: MPRJ; [data desconhecida]. [acesso em 2019 fev 26]. Disponível em: http://mca.mp.rj.gov.br/22o-censo/.
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), e os do Brasil já cadastrados no CNA (9.419)77 Brasil. Conselho Nacional de Justiça. Cadastro Nacional de Adoção [base de dados] [internet] Brasília, DF: CNJ; [data desconhecida]. [acesso em 2018 dez 31]. Disponível em http://www.cnj.jus.br/cnanovo/pages/publico/index.jsf.
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(Figura 3).

Figura 3
Relação entre os acolhidos por grupos de irmãos do 22º censo do Módulo Criança e Adolescente e as preferências dos habilitados à adoção do Cadastro Nacional de Adoção

Enquanto apenas 16 (0,96%) crianças e adolescentes acolhidos no estado do Rio de Janeiro não possuem irmãos, a maioria dos habilitados manifesta a preferência por não adotar crianças e adolescentes com irmãos (62,75%).

Ressalte-se que, caso fossem admitidos no CNA apenas os habilitados que aceitassem adotar grupo de irmãos, já existiria mais do que o dobro de pretendentes para adotar todas as crianças e adolescentes do Brasil cadastrados no CNA77 Brasil. Conselho Nacional de Justiça. Cadastro Nacional de Adoção [base de dados] [internet] Brasília, DF: CNJ; [data desconhecida]. [acesso em 2018 dez 31]. Disponível em http://www.cnj.jus.br/cnanovo/pages/publico/index.jsf.
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(9.419), quiçá dos acolhidos no estado do Rio de Janeiro (1.650 – 22º censo MCA)2121 Brasil. Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. 22º Censo do Módulo Criança e Adolescente. [base de dados] [internet]. Rio de Janeiro: MPRJ; [data desconhecida]. [acesso em 2019 fev 26]. Disponível em: http://mca.mp.rj.gov.br/22o-censo/.
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(Figura 4).

Figura 4
Relação entre as crianças/adolescentes cadastrados por faixa etária no 22º censo do Módulo Criança e Adolescente e a preferência dos habilitados à adoção do Cadastro Nacional de Adoção

Nota-se que 85,23% dos habilitados à adoção de todo o Brasil desejam crianças até a faixa etária de 6 anos de idade, enquanto esse público representa apenas 29,88% das crianças e adolescentes que estão acolhidos no estado do Rio de Janeiro.

As adoções no estado do Rio de Janeiro, portanto, em sua grande maioria, serão tardias (a partir de 7 anos de idade).

Não se pode perder de vista que, diante do grande número de habilitados já inscritos no CNA, são desnecessárias novas habilitações para crianças de tenra idade (de 0 a 6 anos de idade).

Considerações finais

O desrespeito ao direito fundamental à convivência familiar de crianças e adolescentes, com a sua inclusão e manutenção em regime de acolhimento pelo Estado, especialmente em instituições, constitui um grave problema de falta de implementação efetiva e contínua de políticas públicas, que garantam às famílias mais vulneráveis direitos sociais mínimos – habitação, saúde, educação e oportunidade de trabalho.

As famílias brasileiras mais vulneráveis precisam ser tratadas pelo Estado por meio de ações preventivas, e com oportunidades concretas de acesso a programas de planejamento familiar, isso porque os números demonstram que quase a totalidade dos acolhidos do estado do Rio de Janeiro possuem irmãos.

Para que o acolhimento de crianças e adolescentes seja excepcional e, quando inevitável, provisório, como determina a lei, será preciso uma efetiva transformação sociocultural, para que todos os operadores do sistema de garantia de direitos enxerguem, antes da aplicação da drástica medida, os efeitos negativos na formação da integridade psicológica daqueles que passaram por alguma experiência de institucionalização.

Constatou-se que o principal fato gerador do acolhimento de crianças e adolescentes no estado do Rio de Janeiro foi a negligência dos pais, que poderia ser evitada, caso existisse um efetivo acompanhamento das famílias mais vulneráveis pelas municipalidades, por intermédio dos seus serviços de assistência social e das equipes de atenção básica da Estratégia Saúde da Família, com a imprescindível participação dos Conselhos Tutelares. Somente assim a medida protetiva de acolhimento, seja familiar ou institucional, seria uma última forma, pois já esgotadas as possibilidades de manutenção de crianças e adolescentes em sua família.

Faz-se urgente, portanto, além de aumentar o número de Conselhos Tutelares da grande maioria dos municípios que compõem o Estado, que os já existentes sejam devidamente estruturados, para que a sociedade enxergue o conselheiro como um agente indispensável para o sistema de garantia e proteção de direitos, especialmente por estar em sua ponta, dando o pontapé inicial para o acolhimento, quase sempre sem conhecer a realidade familiar daquela criança ou adolescente.

Não se pode perder de vista que, quando crianças e adolescentes permanecem por longos períodos acolhidos, os vínculos familiares acabam impreterivelmente por se romper, pois muitas famílias, diante da precariedade de recursos, acabam restringindo o seu convívio com os filhos a meras visitas, quando muito, semanais.

Reitera-se que a medida de acolhimento deve ser esvaziada, e aplicada apenas para situações peculiares, em que a criança e o adolescente estejam concretamente correndo grave risco em permanecer com os seus pais e sem possibilidades de ficar aos cuidados de outros parentes.

A adoção, como uma das formas de colocação em família substituta, mesmo que não seja a solução, pode, sim, ser uma grande esperança para crianças e adolescentes acolhidos pelo Estado.

Como o CNA foi estabelecido em favor de crianças e adolescentes à espera de uma família, seus critérios de seleção de filhos devem ser rediscutidos, por privilegiarem muito mais o interesse de adultos do que o dos acolhidos, sujeitos de direito para quem o cadastro foi criado.

Isso porque não há qualquer previsão legal que estabeleça o dever de o Estado fornecer filhos por meio do instituto da adoção, muito menos com as características desejadas pelos adotantes. Caso não existissem tantas crianças e adolescentes vivendo sem uma família, certamente a adoção não seria tão difundida no País.

O critério cor/raça/etnia, de conteúdo sociocultural, não deve integrar um sistema informatizado de cruzamento de dados, diante de sua notória imprecisão, notadamente entre as categorias pardos e pretos. Além disso, a opção de escolha de filhos com base nessa categoria, conforme demonstrado, caracteriza a prática de racismo institucional pelo CNJ, que é o criador e gestor do CNA.

A adoção, portanto, não deve ter cor, uma vez que a filiação adotiva tem por sua essência a ausência de semelhanças físicas entre pais e filhos. Essa realidade não deve ser mascarada, e aqueles que foram considerados habilitados à adoção pelo Estado têm que estar preparados para enfrentar juntos com seus filhos todos os preconceitos que a filiação adotiva lhes reserva, especialmente nos casos de adoção inter-racial.

Precisamos refletir se o Estado ainda tem interesse em habilitar pessoas que estão interessadas em adotar apenas crianças de tenra idade e que não possuam irmãos, já que os acolhidos, em sua grande maioria, não possuem esses perfis.

É chegada a hora de investir nos habilitados do CNA que fizeram a opção de adotar crianças e adolescentes independentemente de cor/raça/etnia; que aceitam grupos de irmãos e que estão abertos para as adoções tardias. Neles devemos depositar as nossas esperanças e estimular que conheçam os acolhidos que estão à espera do amor de uma família.

Pelo número de pretendentes já cadastrados no CNA, que supera em quatro vezes o número de crianças e adolescentes disponíveis à adoção, a suspensão de novos pedidos de habilitação à adoção, salvo os casos de interessados em adoções necessárias (grupos de irmãos, tardias, crianças/adolescentes com doença ou deficiências), apresenta-se como uma realidade que deve ser debatida com a sociedade.

O processo de habilitação à adoção, ainda que parcialmente descentralizado, com a participação dos grupos de apoio à adoção, continua custoso ao Estado, e acaba gerando frustrações aos interessados, que não encontram o filho idealizado e imputam esse desencontro a uma suposta burocracia estatal.

As portas das entidades de acolhimento institucional têm que ser abertas, para que, de forma supervisionada pelas equipes técnicas, os habilitados à adoção tenham efetivo contato com a realidade de crianças e adolescentes acolhidos, e, desse encontro, possa surgir o amor que une pais e filhos. O ECA já recomenda a visitação às entidades de acolhimento, mas pouca importância os habilitados e os juízos com competência em infância e da juventude vêm dando a essa fundamental etapa para o processo de construção de laços afetivos.

Concluindo, somente com o estabelecimento de um funil ainda menor na porta de entrada do sistema de acolhimento, e uma profunda mudança no perfil dos habilitados à adoção, a institucionalização de crianças e adolescente poderá deixar de ser um problema ainda atual no Brasil. Ademais, caso não aconteçam mudanças e a exclusão de alguns dos critérios do CNA, estabelecidos sem base legal, a adoção, tal como organizada no País, terá uma aplicação restrita, atendendo muito mais aos interesses daqueles que pretendem adotar do que o de crianças e adolescentes à espera de uma família. Talvez não seja por acaso que ela tenha surgido pela primeira vez em um ordenamento jurídico na Idade Antiga, muito antes do reconhecimento de quaisquer direitos a crianças e adolescentes, o que aconteceu apenas no final do século XX.

Há, finalmente, que se destacar que a adoção é, antes de tudo, um ato de amor que deve estar envolvido por questões éticas e responsabilidades extremas. A dignidade da criança e do adolescente é um marco definidor e indicativo que a questão da adoção deve sempre ser vista no bojo dos direitos humanos.

  • Suporte financeiro: não houve

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    Dez 2019

Histórico

  • Recebido
    11 Ago 2019
  • Aceito
    15 Out 2019
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