Acesso aos medicamentos: aplicação da seletividade constitucional no imposto sobre circulação de mercadorias e serviços

Letícia D'Aiuto de Moraes Ferreira Michelli Maria Aglaé Tedesco Vilardo Rondineli Mendes da Silva Sobre os autores

RESUMO

O acesso aos medicamentos pode ser limitado pelos seus altos preços impactados pela tributação, especialmente pelo Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). O artigo problematiza a aplicação do princípio constitucional da seletividade no ICMS e sua repercussão na carga tributária dos medicamentos, com reflexo na capacidade de pagamento de medicamentos pelos cidadãos. O método foi de revisão de literatura, com base em documentos, em normas e no referencial teórico de Carrazza. O artigo está dividido em três seções: Caracterização do panorama geral dos tributos incidentes nos medicamentos; Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços e Princípio da seletividade como vetor da dignidade da pessoa humana. Identificaram-se alguns contrapontos doutrinários, trazendo, importantes debates sobre a aplicação da seletividade prevista na Constituição brasileira. Verificou-se existência de benefícios fiscais envolvendo os tributos federais aplicáveis sobre os medicamentos no sistema tributário nacional. Conclui-se que a não aplicação do princípio da seletividade no ICMS pode ensejar problemas, especialmente no abandono do tratamento e na ocorrência de gastos superiores ao que as famílias podem suportar, o que afronta o princípio da universalidade da saúde tornando difícil sua equidade.

PALAVRAS-CHAVE
Acesso a medicamentos essenciais e tecnologias em saúde; Direito à saúde; Preço de medicamento; Constituição e estatutos

Introdução

A acessibilidade financeira das pessoas e dos governos é condição significativa para efetivação do direito constitucional à saúde, que também deve ser observada quando se discute a incidência dos tributos11 Michelli LAMF. A carga tributária do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços: a aplicação do princípio da seletividade nos medicamentos [dissertação]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz; 2019.. Ao mesmo tempo, os custos em saúde têm sido uma crescente preocupação dos governos e dos setores privados, o que representa um desafio na dinâmica da prestação à saúde e de seu financiamento.

Nesse cenário, os altos preços são barreiras de acesso a medicamentos, pois esses produtos são de primeira necessidade e basilares na atenção à saúde, e, por isso, vêm recebendo atenção por parte dos governos nas discussões relativas às consequências no gasto em saúde nas últimas décadas22 Luiza VL, Bermudez JAZ. Acesso a medicamentos: conceitos e polêmicas. In: Oliveira MA, Bermudez JAZ, Esher A. Acceso a Medicamentos: derecho fundamental, Papel del Estado. Rio de Janeiro: Fiocruz/Opas/OMS; 2004. p. 45-67.,33 Belloni A, Morgan D, Paris V. Pharmaceutical Expenditure and Policies: Past Trends and Future Challenges. Health Working Papers. 2016; 87. 75 p..

As despesas com produtos farmacêuticos possuem impacto nos orçamentos familiares44 Garcia LP, Sant'Anna AC, Magalhães LCG, et al. Gastos das famílias brasileiras com medicamentos segundo a renda familiar: análise da Pesquisa de Orçamentos Familiares de 2002-2003 e de 2008-2009. Cad. Saúde Pública. 2013; 29(8):1605-1616., principalmente para aquelas mais pobres, que, proporcionalmente, comprometem grande parte de seu orçamento para sua aquisição, o que evidencia a existência de problemas de equidade no acesso a medicamentos no Brasil.

Tal situação fica mais patente quando se verifica o grande desequilíbrio nas despesas com medicamentos como consumo final de bens e serviços de saúde por produto, pois mostram que o desembolso direto pelas famílias representa proporção de quase 90%, e o restante, a cargo dos entes governamentais, conforme os dados da conta satélite de saúde, reportado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)55 Brasil. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Conta-satélite de saúde: Brasil, 2010-2015. Rio de Janeiro: IBGE; 2017. 71 p., no período 2010-2015.

O direito tributário brasileiro é complexo, com inúmeros tributos e normas. Há, em regra, cinco classes de tributos: impostos, contribuições especiais, empréstimos compulsórios, taxas e contribuições de melhoria11 Michelli LAMF. A carga tributária do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços: a aplicação do princípio da seletividade nos medicamentos [dissertação]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz; 2019.. Em relação aos impostos, estes não possuem qualquer vinculação de receita, ou seja, os valores arrecadados não precisam ser utilizados em atividade específica estatal, enquanto para os demais, há algum tipo de destinação prevista66 Baleeiro A, Derzi MAM. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense; 2010. 1412 p..

A carga tributária no Brasil se revela uma das maiores do mundo77 Perilo E, Amorim MC, Britto A. Tributos e Medicamentos. São Paulo: Cultura Acadêmica; 2012. 161 p., permanecendo, na década de 2000-2010, em 29,0% do Produto Interno Bruto e chegando a relevantes 47,4% nos produtos de consumo. Tal realidade acaba por impactar todos os setores da economia, o que inclui a assistência farmacêutica.

Ainda que o panorama em questão seja aplicável à tributação de todos os segmentos no Brasil, sua incidência na cadeia produtiva do setor farmacêutico (indústria, distribuição, varejo) mostra-se especialmente relevante não só por existirem regras ainda mais específicas para esses tipos de produtos e serviços, mas, sobretudo, por envolver o tema da saúde.

Nessa área, verifica-se que há grande impacto do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) no preço final levado ao consumidor, tendo em vista as altas alíquotas desse tributo e a sua incidência de maneira geral nos medicamentos88 Magalhães LCG, Tomich FA, Silveira FG, et al. Tributação e dispêndio com saúde das famílias brasileiras: avaliação da carga tributária sobre medicamentos. Planej polít públicas [internet]. 2001 [acesso em 2018 abr 12]. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/ppp/index.php/PPP/article/view/68/78.
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O ICMS é o maior responsável pela alta carga tributária incidente sobre os medicamentos77 Perilo E, Amorim MC, Britto A. Tributos e Medicamentos. São Paulo: Cultura Acadêmica; 2012. 161 p., tendo em vista suas elevadas alíquotas em comparação aos demais tributos e as poucas políticas fiscais de desoneração, por razões que devem ser compreendidas. Assim, temos que o ICMS é verdadeiro imposto indireto, incidente, especialmente, na venda de mercadorias, com o recolhimento realizado pelas sociedades empresárias e cujo repasse e ônus são diretamente suportados pelo consumidor, visto que estão embutidos no preço final do produto.

Nesse sentido, a observação da justiça fiscal e da violação à capacidade contributiva são elementos centrais, isso porque, sendo o montante de atributo igual, independentemente de quem o compra, é evidente que o repasse ensejará maior ônus para os mais pobres, especialmente quando tratamos de produtos essenciais, como os medicamentos. Isso lança luz e crítica ao chamado 'efeito regressivo' da tributação, ou seja, que os valores pagos a título de tributo acabem por ser proporcionalmente maiores, exatamente para população com menor renda, característica dos tributos indiretos, entre os quais, o ICMS99 Danilevicz RBJ. O Princípio da Essencialidade na Tributação. Rev. Fac. Direito Univ. Fed. Rio Gd. Sul. 2011; 28:135155.,1010 Carrazza RA. ICMS. 16. ed. São Paulo: Malheiros Editores; 2012..

Discutir a regressividade implica, ainda, analisar a aplicação justa e constitucional da lei tributária, ou seja, se tal aplicação se coaduna com a concepção de justiça fiscal e quais critérios delimitam uma tributação capaz de promover os objetivos descritos no art. 1º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB), como a dignidade da pessoa humana e a cidadania, observando ainda o papel da capacidade contributiva para a construção desse sistema1111 Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal; 1988..

Essa complexa temática, ainda pouco estudada no campo da saúde coletiva no Brasil, deve ser marcada pelo diálogo entre os profissionais da saúde e do direito, visando melhorar o acesso a medicamentos pela população.

Assim, o objetivo deste artigo é discutir e problematizar a aplicação do princípio da seletividade no ICMS e seus possíveis impactos na carga tributária dos medicamentos a partir da revisão da literatura, em que se incluem desde textos clássicos e seminais, como produções recentes sobre o tema com destaque aos elementos sobre o cenário tributário de medicamentos e a aplicação de dispositivos constitucionais.

O presente artigo tem por base a pesquisa de dissertação de mestrado sobre incidência de imposto, em especial, o ICMS sobre medicamentos e a possibilidade de aplicação do princípio da seletividade para tornar o preço desse insumo mais acessível à população.

Após o percurso metodológico, são apresentados alguns pontos divididos em três sessões. Na primeira, caracteriza-se o panorama geral dos tributos incidentes nos medicamentos. Na segunda, confere-se destaque ao tributo ICMS no contexto brasileiro. Na terceira seção, expõe-se o debate sobre a aplicação do princípio da seletividade, previsto na CRFB, a qual deveria considerar atributos de essencialidade dos bens consumidos, em especial, os medicamentos e seu possível impacto na redução dos preços de medicamentos e melhor acesso a esses produtos, como vetor da dignidade da pessoa humana. Finalmente, é apresentada a conclusão no sentido do benefício da aplicação do princípio da seletividade.

Percurso metodológico

Trata-se de um estudo descritivo e exploratório, desenvolvido a partir de revisão narrativa da literatura, tanto científica quanto normativa, e que envolveu análise de documentos públicos de acesso livre. Além disso, incluiu consulta a livros devidamente publicados sobre o tema e questões correlatas.

A despeito da importância constitucional do princípio da seletividade, o presente trabalho alinhou-se com a doutrina dissonante sustentada por literatura publicada por Roque Carrazza1010 Carrazza RA. ICMS. 16. ed. São Paulo: Malheiros Editores; 2012., a qual advoga a obrigatoriedade de aplicação desse princípio também para o ICMS, tendo em vista sua ligação direta com a garantia da dignidade da pessoa humana no âmbito tributário.

O ICMS foi o tributo escolhido, pois, como anteriormente ressaltado, reflete atualmente o imposto com maior impacto sobre os medicamentos, ante a alta alíquota aplicável. Ademais, o imposto em questão é um dos grandes responsáveis pela arrecadação dos entes públicos estaduais e possui um panorama regulatório complexo, perante a liberdade de os entes federativos legislarem sobre o tema. Existem outros fatos geradores de ICMS, para além da simples circulação de mercadorias, tais como a importação e a exportação. Não obstante, tais hipóteses não foram estudadas no presente trabalho, visto que o foco principal da pesquisa está no fato gerador de maior frequência e impacto no mercado farmacêutico nacional.

Inicialmente, foi realizada busca em diversas bases de dados, como a Biblioteca Digital Jurídica (BDjur), que é um repositório mantido pelo Superior Tribunal de Justiça; a Biblioteca Virtual em Saúde (BVS); o Banco de Teses da Capes e Google Acadêmico, com a utilização das palavras-chave 'carga' and 'tributaria' and 'medicamentos' and 'ICMS'. Outra base consultada foi o repositório SophiA, pertencente ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, com a utilização das palavras-chave 'ICMS', 'seletividade' e 'medicamentos'.

A estratégia de busca com as palavras-chave (rubricas) utilizadas e já supramencionadas retratam os aspectos nodais que buscaram atingir produções acadêmicas que tratem, ainda que de maneira tangencial, os temas em questão, com o objetivo de capturar diferentes reflexões e posicionamentos doutrinários. Selecionaram-se, assim, textos publicados em português ou inglês, pois a temática é muito específica ao contexto brasileiro. No entanto, é preciso considerar que o tema ora abordado envolve questões jurídicas e é extremamente específico, visto que o direito tributário brasileiro é único no mundo. Em que pese a existência de artigos internacionais sobre a carga tributária de medicamentos, o próprio ICMS, principal objeto da pesquisa, não possui equivalente internacional, de maneira que a maior parte das referências importantes poderiam estar publicadas em português.

Essas fontes de informações foram utilizadas tendo em vista sua grande quantidade de acervo envolvendo temas do direito pátrio e de saúde, indústria farmacêutica e área médica. Não foram inseridos regulamentos que abordaram: a) de maneira extremamente genérica o imposto em questão; b) aqueles que envolviam outras áreas do direito que não a tributária e c) os que discutam aspectos dos medicamentos distantes de sua precificação.

Com intenção de levantar o cenário relativo aos convênios de desoneração tributária concernente aos medicamentos, foi realizada busca manual no site do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), de acesso público e que possui, de forma ordenada ano a ano, a publicação dos convênios.

Por todo o exposto, verificou-se que as regulações, leis, convênios e outros instrumentos normativos constituíram-se em fonte de dados de altíssimo valor, visto que, a partir do destaque e da análise de seus dispositivos, foi possível vislumbrar o contexto em que o setor farmacêutico está inserido no Brasil, em termos regulatórios e tributários.

Finalmente, a CRFB, instrumento máximo de efetivação da dignidade humana e diploma legal brasileiro mais importante, foi a fonte de maior relevo, uma vez que nela se origina o conceito de seletividade, essencialidade e justiça tributária, pontos nodais do trabalho.

Caracterização do panorama geral dos tributos incidentes nos medicamentos

No caso da cadeia farmacêutica, os tributos de maior relevância para a atividade são o ICMS, o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o Programa de Integração Social (PIS), Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep) e a Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins)1212 Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Tributos incidentes sobre o setor de produtos para saúde [internet]. Brasília, DF: Anvisa; 2015 [acesso em 2018 set 16]. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/documents/33884/412118/Tributos+incidentes+sobre+o+setor+de+produtos+para+sa%C3%BAde/4eb639c6-26ba-47be-bb79-653932466ca6.
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(quadro 1).

Quadro 1
Tributação da cadeia produtiva do setor farmacêutico (indústria, distribuição, varejo)

Considera-se que a tributação total em medicamentos está estimada em torno de 33,1% de seu preço final de venda77 Perilo E, Amorim MC, Britto A. Tributos e Medicamentos. São Paulo: Cultura Acadêmica; 2012. 161 p., o que revela, desde já, a relevância de estudo do tema.

A composição de preços dos medicamentos no Brasil sofre regulação direta, nos termos do determinado pela Lei nº 10.742/2003, além da expedição de inúmeras Resoluções, entre outros regulamentos, especialmente da Câmara de Regulação de Medicamentos (CMED), para suas normatização e parametrização ante seu evidente impacto na qualidade de vida da população brasileira. A CMED é órgão multiministerial, tendo na Agência Nacional de Vigilância Sanitária a secretaria executiva1313 Miziara NM, Coutinho DR. Problems in the regulatory policy of the drug market. Rev. saúde pública (Online) [internet]. 2015 [acesso em 2018 jan 22]; 49:35. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-89102015000100226&lng=en&tlng=en.
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,1414 Dias LLS, Santos MAB, Pinto CDBS. Regulação contemporânea de preços de medicamentos no Brasil - uma análise crítica. Saúde debate. 2019; 43(121):543-558..

No âmbito brasileiro, entre as estratégias existentes, fez-se a opção de controle de preços por meio do estabelecimento de tetos, quais sejam: preço de fábrica, preço máximo ao consumidor e preço máximo de venda ao governo. Essa Câmara publica resoluções anuais com os preços máximos dos medicamentos a serem observados1414 Dias LLS, Santos MAB, Pinto CDBS. Regulação contemporânea de preços de medicamentos no Brasil - uma análise crítica. Saúde debate. 2019; 43(121):543-558.. Também estabelece os preços a serem estabelecidos pelas empresas que pretendem gozar do regime especial de crédito presumido sob os medicamentos constantes na lista positiva.

Essa classificação em listas, positiva, negativa ou neutra (quadro 2), realizada de acordo com a classe do medicamento, sua relevância e definida pelo poder executivo; ensejará uma maior ou menor tributação de PIS/Cofins. A lista positiva propicia, na prática, a isenção de IPI sobre os medicamentos relacionados. No caso da lista negativa, o tributo somente será pago uma vez ao longo da cadeia, pelo fabricante – regime monofásico –, e o valor pago poderá ser utilizado como crédito ao final da cadeia produtiva. A lista neutra possibilita o regime de tributação comum, com a incidência de PIS/Cofins em cada etapa da cadeia1212 Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Tributos incidentes sobre o setor de produtos para saúde [internet]. Brasília, DF: Anvisa; 2015 [acesso em 2018 set 16]. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/documents/33884/412118/Tributos+incidentes+sobre+o+setor+de+produtos+para+sa%C3%BAde/4eb639c6-26ba-47be-bb79-653932466ca6.
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Quadro 2
Lista de medicamentos para aplicação do PIS/Cofins

Da mesma forma, no caso do IPI, há estipulação de alíquota 0% de tributação para a grande maioria dos medicamentos, conforme se constata da Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados prevista no Decreto nº 8.950, de 29 de dezembro de 20161616 Brasil. Presidência da República. Decreto nº 8.950, de 29 de dezembro de 2016. Aprova a Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados - TIPI. Diário Oficial da União. 12 Dez 2016..

Percebe-se a evolução, na esfera federal, da tributação sobre os medicamentos, visto que eles são tratados de maneira diferenciada no caso dos tributos de competência da União, de forma a beneficiar tais bens de consumo, essenciais para a vida humana.

Não obstante, o mesmo cenário não se aplica à incidência de ICMS, por possíveis motivos: esse imposto é o maior responsável pela alta carga tributária incidente sobre os medicamentos, com altíssimas alíquotas em comparação aos demais tributos e a dificuldade de criação de políticas fiscais efetivas de desoneração, além do fato da tributação ser de jurisdição das unidades federativas brasileiras.

Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços

O ICMS incide sobre 'operações relativas à circulação de mercadorias', envolvendo negócio jurídico mercantil, e não sobre simples mercadorias ou quaisquer espécies de circulação1717 Melo JES. ICMS: Teoria e prática. 11. ed. São Paulo: Dialética; 2009.. Assim, a cada passo da etapa produtiva desde a fabricação, distribuição e venda, incidirá o imposto em questão.

Esse é um tributo de competência dos estados, não cumulativo, cujo fato gerador é a ocorrência de operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior. Adicionalmente, suas características mostram seu caráter extrafiscal1818 Harada K. ICMS: Doutrina e prática. São Paulo: Atlas; 2017.,1919 Bergamini A. O ICMS sobre a comercialização de energia elétrica e o princípio da seletividade. Rev. Estud. Tribut. 2008; 62:36-47..

Os estados, por meio de leis ordinárias, definem seus regulamentos próprios relativos a esse imposto, que envolvem regras internas, como, por exemplo, os mecanismos de transferências aos municípios, percentuais com destinação interna a setores econômicos e/ou sociais, entre outros.

Ademais, a CFRB passou a dispor, em seu art. 155, § 2º, inciso III, a previsão constitucional da aplicação da seletividade ao tributo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços1111 Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal; 1988.,2020 Machado HB. ICMS no fornecimento de energia elétrica: questões da seletividade e da demanda contratada. Rev. Dialét. Direito Tribut. 2008; 155:48-56..

No caso do ICMS, foi previsto o estabelecimento de alíquotas mínimas e máximas nas operações externas, bem como as alíquotas interestaduais, por meio de resolução do Senado Federal. As alíquotas internas serão aplicáveis quando a operação não ultrapassar os limites territoriais daquele estado, enquanto as interestaduais envolvem operações em que a mercadoria se destina ao consumidor final, contribuinte ou não do imposto, com destino em estado diferente daquele de saída da mercadoria1111 Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal; 1988..

Nas operações internas, nas importações e nos serviços prestados ao exterior, os Estados fixam normalmente a alíquota básica de 17% ou 18%, enquanto, nas prestações de serviço de comunicação, as alíquotas são mais elevadas (25% ou mais)2121 Paulsen L, Melo JES. Impostos: federais, estaduais e municipais. 5. ed., rev. e atualizada. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora; 2009. 442 p.. No Brasil, atualmente, a alíquota de ICMS entre os estados varia de 12% a 20%.

Dentro do vasto quadro normativo, a Resolução nº 22, de 19 de maio de 1989, do Senado Federal, estipulou alíquotas de ICMS aplicáveis para operações interestaduais, com valor de 12%. Nos casos de operações e prestações realizadas nas regiões Sul e Sudeste, as alíquotas serão de 7% quando destinadas às regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, e ao estado do Espírito Santo. Ressalte-se que, nas operações interestaduais, terá aplicação o chamado diferencial de alíquota, ou seja, ao estado destinatário caberá a diferença de alíquota entre a interestadual (menor) e a sua alíquota interna (maior). O objetivo desse mecanismo encontra-se em evitar a 'guerra fiscal' e redistribuir os valores de ICMS arrecadados. Isso porque, inexistente tal pagamento, haveria sempre maior venda das mercadorias produzidas em estados com menor alíquota de ICMS2222 Paulsen L. Curso de direito tributário completo. 8. ed. São Paulo: Saraiva; 2017. 519 p..

O imposto realiza uma função na atividade econômica, envolvendo diversas operações. Ainda assim, prevalece a posição sustentada por Paulsen2222 Paulsen L. Curso de direito tributário completo. 8. ed. São Paulo: Saraiva; 2017. 519 p. no sentido de que 'circulação' é transferência de titularidade, ou seja, somente há circulação quando a mercadoria é transferida de propriedade ou posse. Para o caso do ICMS, a base de cálculo será o valor da operação mercantil e o preço dos serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação.

Acerca do ICMS, grande polêmica envolve o denominado 'cálculo por dentro', ou seja, a integração do próprio imposto em sua base de cálculo, que está prevista2323 Brasil. Presidência da República. Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996. Dispõe sobre o imposto dos Estados e do Distrito Federal sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, e dá outras providências. (Lei Kandir). Diário Oficial da União. 16 Set 1996. no art. 13, § 1º, I da Lei Complementar nº 87/96.

Paulsen2222 Paulsen L. Curso de direito tributário completo. 8. ed. São Paulo: Saraiva; 2017. 519 p. expõe a crítica doutrinária, no sentido de que a previsão legal acima acaba por ensejar verdadeiro imposto sobre imposto, ao invés de imposto de operações mercantis, inclusive com violação da competência tributária. Constata-se, portanto, que a sistemática do 'cálculo por dentro' acaba por ensejar um aumento da alíquota efetiva no valor final a pagar, que jamais corresponderá à alíquota nominal fixada2121 Paulsen L, Melo JES. Impostos: federais, estaduais e municipais. 5. ed., rev. e atualizada. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora; 2009. 442 p..

O quadro 3 ilustra a diferença na forma de cálculo do tributo 'por dentro' e 'por fora', tal como ocorre em outros sistemas, como dos Estados Unidos da América. Constata-se a consequência da adoção de tal sistema: enquanto no 'cálculo por fora' a alíquota a ser paga pelo consumidor é de 25%, correspondente à própria alíquota nominal, no 'cálculo por dentro', a mesma alíquota nominal representará uma alíquota efetiva de 33%.

Quadro 3
Exemplo de cálculo do tributo 'por dentro' e 'por fora'

Outro fator relevante aplicado aos medicamentos refere-se à existência de diversos convênios celebrados pelos estados no âmbito do Confaz com o objetivo de concessão de isenção tributária a produtos específicos, como o tratamento do HIV/Aids, itens para tratamento oncológico, entre outros.

Os Convênios são, dessa forma, o instrumento de maior relevância no direito brasileiro para a determinação de valores diferenciados de ICMS aos medicamentos, tendo em vista a restrição determinada pelo art. 155, XII, 'g' da CRFB1111 Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal; 1988..

No entanto, constata-se, que a concessão de isenção de ICMS nos medicamentos abarca apenas um pequeno contingente (quadro 4), restringindo-se, na maior parte, para os casos de compras públicas e, no que se refere às compras privadas, em geral, aplica-se somente para doenças cujo combate foi objeto de grandes políticas governamentais11 Michelli LAMF. A carga tributária do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços: a aplicação do princípio da seletividade nos medicamentos [dissertação]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz; 2019..

Quadro 4
Convênio de isenções de ICMS para medicamentos emitidos pelo Confaz

Princípio da seletividade como vetor da dignidade da pessoa humana

O panorama tributário nacional prevê a existência de múltiplos tributos indiretos, entre os quais, o ICMS, responsável pela maior parte da carga tributária, especialmente no âmbito dos medicamentos, como já amplamente retratado anteriormente.

O Constituinte de 1988, verificando que a existência de mesmas alíquotas para todas as mercadorias desrespeitava o princípio da igualdade e, no viés tributário, a ideia de capacidade contributiva, passou a prever, em seu art. 155, § 2º, III, a seletividade como vetor também para o ICMS1111 Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal; 1988., dispondo que esse imposto poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e serviços.

Assim, instaurou-se grande debate na doutrina pátria acerca da melhor interpretação do dispositivo em questão, dividindo-se entre aqueles que compreendem tratar-se de faculdade do legislador2525 Machado HB. Aspectos fundamentais do ICMS. 2. ed. São Paulo: Dialética; 1999. a determinação de menor oneração tributária sobre determinadas mercadorias e aqueles, como Carrazza1010 Carrazza RA. ICMS. 16. ed. São Paulo: Malheiros Editores; 2012., que entendem que a utilização da seletividade no ICMS é verdadeira determinação constitucional, ou seja, norma cogente. Para esse último autor, o princípio da seletividade é vetor de aplicação da dignidade da pessoa humana no direito tributário e, desde modo, seu marco teórico é base sobre a qual explorou-se a discussão na sequência.

Ainda assim, a CRFB também elencou as chamadas “limitações ao poder de tributar”, dispostas em seu art. 1501111 Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal; 1988.. Dessa forma, o princípio da igualdade, ou seja, a determinação de um tratamento idêntico pela lei; tratando desigualmente os casos desiguais, segundo critérios abrigados pelo sistema jurídico, foi elencado no inciso II do art. 150 como limite ao Estado quando da fixação das diretrizes de tributação2626 Danilevicz RBJ. O Princípio da Essencialidade na Tributação. Rev Fac Direito Univ Fed Rio Gd Sul. 2011; 28:135-55..

No mesmo sentido e derivando da limitação acima apontada, a ideia de capacidade contributiva, ou seja, a capacidade econômica do indivíduo em contribuir para a manutenção do Estado, segundo Danilevicz2626 Danilevicz RBJ. O Princípio da Essencialidade na Tributação. Rev Fac Direito Univ Fed Rio Gd Sul. 2011; 28:135-55., aparece dentro do direito tributário como verdadeiro garantidor da aplicação da igualdade, observando as desigualdades de renda existentes entre os diferentes indivíduos atendendo, ao menos em parte, a equidade na saúde. Desse modo, tais elementos tangenciam com preceitos doutrinários do Sistema Único de Saúde, especialmente no que tange o atributo da equidade.

Nos impostos indiretos, ou seja, naqueles cujo ônus final é repassado ao contribuinte de fato, a capacidade contributiva fica mitigada, visto que, nos termos acima expostos, o repasse da carga tributária é integralmente feito ao consumidor, independentemente de sua renda. Assim, a tributação pesada sobre o consumo enseja evidente efeito regressivo, neste, incluindo a aquisição de medicamentos, já que todos os consumidores, independentemente de sua renda, arcam com o mesmo montante de impostos.

Exemplo desse fato no Brasil é a constatação de que, em 2005, aqueles que ganhavam até dois salários-mínimos pagavam 48,8% da renda em tributos, enquanto os que recebem mais de 30 salários gastavam 26,3%2727 Buffon M, Matos MB. Os malefícios do neoliberalismo no modo de tributar brasileiro. Rev Financ Públicas [internet]. 2013 [acesso em 2018 ago 28]; 1(1):1-23. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/rfptd/article/view/5626/4223.
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A tributação sobre o consumo acaba, assim, por agravar a desigualdade social, onerando ainda mais as camadas desfavorecidas da população. Sobre isso, vale retomar os dados que têm sido apresentados pelas pesquisas de orçamento familiar que já demostram o 'peso' dos medicamentos para as parcelas mais pobres44 Garcia LP, Sant'Anna AC, Magalhães LCG, et al. Gastos das famílias brasileiras com medicamentos segundo a renda familiar: análise da Pesquisa de Orçamentos Familiares de 2002-2003 e de 2008-2009. Cad. Saúde Pública. 2013; 29(8):1605-1616., além dos dados das contas de saúde do IBGE55 Brasil. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Conta-satélite de saúde: Brasil, 2010-2015. Rio de Janeiro: IBGE; 2017. 71 p..

A manutenção desse sistema, segundo Ribeiro2828 Ribeiro RL. Estudos de Direito Tributário - volume 2 - Tributação e Direitos Fundamentais. Rio de Janeiro: Ágora 21; 2016.(13), atende

muito mais aos interesses de arrecadação do Estado, a partir da perspectiva liberal de neutralidade e eficiência econômica do que à ideia de justiça fiscal, de combate à desigualdade ou de fortalecimento do Estado Social.

Por isso, o princípio da seletividade é essencial para, nas palavras de Danilevicz2626 Danilevicz RBJ. O Princípio da Essencialidade na Tributação. Rev Fac Direito Univ Fed Rio Gd Sul. 2011; 28:135-55.(237),

minimizar as consequências da transferência do ônus tributário e aplicar, ainda que minimamente, o princípio da capacidade contributiva àqueles que acabam pagando o tributo inserido no preço do produto, mercadoria ou serviço.

A prevalência da noção de justiça distributiva enseja a concepção de que não só a arrecadação é relevante, mas que a destinação de recursos precisa ser voltada no sentido da equidade, seja para reduzir as desigualdades econômicas entre os grupos e regiões2929 Baleeiro A, Derzi MAM. Direito tributário brasileiro. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense; 2010. 1063 p.,3030 Neto JSR. A tributação e a teoria de justiça de John Rawls: Planejamento tributário e justiça social. Rev. Pensar Direito [internet]. 2013 [acesso em 2018 set 28]; 4. Disponível em: http://revistapensar.com.br/direito/pasta_upload/artigos/a122.pdf.
http://revistapensar.com.br/direito/past...
, investigando-se de que forma cada cidadão pode contribuir com as despesas públicas2626 Danilevicz RBJ. O Princípio da Essencialidade na Tributação. Rev Fac Direito Univ Fed Rio Gd Sul. 2011; 28:135-55. e elegendo-se a capacidade contributiva como verdadeira forma de limite à despesa pública. Portanto, o fundamento moral do direito tributário seria a construção de uma sociedade cooperativa e igualitária2828 Ribeiro RL. Estudos de Direito Tributário - volume 2 - Tributação e Direitos Fundamentais. Rio de Janeiro: Ágora 21; 2016., de um bem comum e universalidade da saúde.

A crítica, já explanada quando da análise da desigualdade gerada pela excessiva tributação sobre o consumo e a necessidade de construção de um sistema tributário voltado para a tributação sobre a renda, culmina na questão da grave oneração gerada pelos impostos indiretos, incidentes justamente sobre o consumo, com implicações à população com menor renda.

Surge, assim, a seletividade como viabilizadora da capacidade contributiva nos impostos indiretos, buscando determinar que a tributação ocorra de maneira proporcional à essencialidade do bem consumido e garantir a redução da regressividade inerente à transferência da repercussão tributária ao consumidor final.

Assim é que o princípio da seletividade está diretamente ligado ao conceito de essencialidade, determinando que o ônus econômico de um tributo recaia sobre mercadorias e serviços na razão direta de sua superfluidade e na razão inversa de sua necessidade, tornando-se como parâmetro o consumo popular, segundo Carraza1010 Carrazza RA. ICMS. 16. ed. São Paulo: Malheiros Editores; 2012..

É lógico afirmar que quanto mais essencial determinado produto é para a vida digna, menor deve ser a tributação de ICMS sobre seu preço final. Isso possibilita menor custo de aquisição de itens básicos e maior acessibilidade, a fim de que seja aplicado o princípio da justiça, reconhecendo-o como direito humano.

Ressalte-se que a seletividade pode ser aplicada por meio de várias formas de alteração quantitativa da carga tributária, não somente por intermédio da variação de alíquotas, mas também a de bases de cálculo, criação de incentivos fiscais e a concessão de crédito presumido, que são exemplos de mecanismos de efetivação da seletividade1010 Carrazza RA. ICMS. 16. ed. São Paulo: Malheiros Editores; 2012..

No caso dos medicamentos, é importante destacar a diferença entre a essencialidade para fins de aplicação da seletividade, prevista na CRFB, daquela classicamente utilizada pela Organização Mundial da Saúde. Essa instância internacional apresentou há muitos anos o clássico conceito de medicamentos essenciais, referindo-se aqueles prioritários segundo sua relevância para a saúde pública, obedecendo critérios de evidência de segurança, eficácia e custo-efetividade22 Luiza VL, Bermudez JAZ. Acesso a medicamentos: conceitos e polêmicas. In: Oliveira MA, Bermudez JAZ, Esher A. Acceso a Medicamentos: derecho fundamental, Papel del Estado. Rio de Janeiro: Fiocruz/Opas/OMS; 2004. p. 45-67..

Sem dúvida, o preço dos medicamentos, de pouca variação da demanda em função do preço, afeta diretamente a capacidade aquisitiva por parte dos pacientes, o que pode levar a situações extremas, como altos gastos das pessoas ou abandono do tratamento3131 Luiza VL, Tavares NUL, Oliveira MA, et al. Gasto catastrófico com medicamentos no Brasil. Rev. saúde pública [internet]. 2016 [acesso em 2018 dez 17]; 50(supl2):15s. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-89102016000300302&lng=en&tlng=em.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
, por isso a importância de tratamento tributário diferenciado como uma forma de melhorar o acesso a medicamentos no País.

Considerações finais

A ideia de justiça fiscal e a efetivação da dignidade da pessoa humana, no prisma do direito tributário, perpassam pela aplicação cogente do princípio da seletividade no ICMS, ampliando o acesso aos bens de primeira necessidade, tais como os medicamentos.

A existência de um sistema tributário não pode, simplesmente, calcar-se nos critérios econômicos, preocupando-se tão somente com a máxima eficiência dos recursos e com a melhor fórmula para o crescimento. Mostra-se necessária, assim, a adoção de um critério ético-legal, capaz de conciliar as buscas econômicas e as questões sociais.

O direito tributário possui impacto diário sobre a vida dos cidadãos brasileiros, mas, devido ao inúmero feixe de regras e especificidades, acaba incompreendido pela maioria da população. Essa situação demonstra-se evidentemente prejudicial, visto que aquilo que é desconhecido permanece imune às críticas e construções, constituindo-se como um saber distante.

Não há dúvidas, portanto, de que, quando efetivada a justiça tributária, reconhecido o caráter essencial dos medicamentos e adequada a incidência de ICMS por meio do princípio da seletividade, o acesso da população ao tratamento pode ganhar amplitude, efetivando-se o direito constitucional à saúde. Privilegia-se, assim, o Direito Tributário como vetor de justiça social e mitigador da desigualdade, que, sem descuidar da arrecadação do Estado, é capaz de atentar-se para as necessidades mais profundas do ser humano, respeitando e reforçando a dignidade da pessoa humana.

  • Suporte financeiro: não houve

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    Dez 2019

Histórico

  • Recebido
    09 Ago 2019
  • Aceito
    15 Out 2019
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