Qualidade da assistência e adesão aos antirretrovirais em serviços especializados em HIV em Pernambuco/Brasil, 2017-2018

Danielle Chianca de Andrade Moraes Juliana da Rocha Cabral Regina Célia de Oliveira Vanessa Alves de Souza Sobre os autores

RESUMO

O objetivo deste estudo foi avaliar a qualidade da assistência à saúde e a adesão à medicação em pessoas vivendo com vírus da imunodeficiência humana em serviços de assistência especializada. Trata-se de um estudo transversal, avaliativo, com abordagem quantitativa, realizado em dez serviços em Pernambuco. Utilizaram-se dois instrumentos validados e analisados por testes estatísticos, dos quais participaram 306 adultos e os respectivos gerentes dos serviços. O padrão de qualidade foi equivalente para a maioria dos indicadores. Apenas no interior, os indicadores referentes à disponibilidade de antirretrovirais e atendimento na falta do medicamento foram associados à baixa adesão (p-valor=0,033 e p-valor=0,011), sendo o último preditor para baixa adesão. Serviços com padrão de qualidade insuficiente apresentaram uma ocorrência 19% maior de baixa adesão à medicação. 81% dos usuários apresentaram baixa adesão aos antirretrovirais. Há deficiência na adesão aos antirretrovirais, e aqueles assistidos nos serviços do interior apresentam mais fatores complicadores relacionados à qualidade da assistência à saúde para uma adesão satisfatória.

PALAVRAS-CHAVE
Qualidade da assistência à saúde; Adesão à medicação; Antirretrovirais

Introdução

O início precoce da Terapia Antirretroviral (Tarv) possibilita uma condição fundamental para a prevenção e o controle da epidemia pelo potencial de intervir na cadeia de transmissão a partir da redução dos níveis de carga viral no sangue das pessoas vivendo com HIV (Human Immunodeficiency Virus). Tal perspectiva aponta um retardo da elevação da epidemia e redução da mortalidade por doenças relacionadas à aids ao longo dos anos, atribuindo à infecção pelo HIV o caráter de uma doença crônica, com possibilidades de controle, sendo imprescindível uma adesão satisfatória aos antirretrovirais, o que representa uma frequência regular e diária na tomada das doses da terapia medicamentosa11 Monteiro SS, Brigeiro M, Vilella WV, et al. Desafios do tratamento como prevenção do HIV no Brasil: uma análise a partir da literatura sobre testagem. Ciênc. Saúde Colet. 2019 [acesso em 2020 set 20]; 24(5):1793-1807. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018245.16512017
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,22 Bezabhe WM, Chalmers L, Bereznicki LR, et al. Adherence to antiretroviral therapy and virologic failure: a meta-analysis. Adherence to Antiretroviral Therapy and Virologic Failure. A Meta-Analysis. Medicine. 2016 [acesso em 2020 set 20]; 95(15):1-9. Disponível em: https://doi.org/10.1097/MD.0000000000003361
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Cerca de 23,3 milhões de pessoas vivendo com HIV fazem uso da Tarv no mundo, sendo, aproximadamente, 1,3 milhão dessas pessoas na América Latina. Entre os anos de 2010 e 2018, observou-se uma rápida e progressiva diminuição dos óbitos relacionados à aids no mundo, correspondendo a 14%33 Joint United Nations Programme on HIV. Unaids data 2019. Geneva: Joint United Nations Programme on HIV/AIDS. [acesso em 2020 out 18]. Disponível em: https://www.unaids.org/sites/default/files/media_asset/2019-UNAIDS-data_en.pdf
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A promoção da adesão ao tratamento do HIV por meio da assiduidade às consultas, da realização de exames e ingestão diária dos antirretrovirais caracterizam-se como fatores essenciais, em que a preservação do cuidado deve partir da qualidade da assistência prestada, com intervenções focadas no ambiente de saúde, na disponibilidade de recursos, organização do processo de trabalho, atenção clínica e farmacêutica de qualidade e no comportamento dos profissionais de saúde, de modo a garantir a continuidade do cuidado44 Holtzman CW, Brady KA, Yehia BR. Reten¬tion in care and medication adherence: current challenges to antiretroviral therapy success. Drugs. 2015 [acesso em 2020 set 20]; 75:445-54. Disponível em: https://doi.org/10.1007/s40265-015-0373-2 DOI: 10.1007/s40265-015-0373-2.
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A adesão à medicação não é uma condição estática e sofre influência de vários fatores, sendo que a organização do serviço e a qualidade da assistência à saúde prestada possuem aspectos importantes nesse cenário e que interferem no cuidado pelas possibilidades de aumento na expectativa de vida das pessoas vivendo com HIV assistidas em serviços que garantem um completo acesso à Tarv55 Kessler J, Nucifora KLL, Uhler L, et al. Impact and cost-effectiveness of hypothetical strategies to enhance retention in care within HIV treatment programs in East Africa. Value in Health. 2015 [acesso em 2020 out 19]; 18(8):46-955. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.jval.2015.09.2940
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A crescente interiorização da epidemia no País e as singularidades das diversas regiões fazem submergir a preocupação quanto à organização dos serviços para promover a adesão à Tarv, uma vez que as barreiras geográficas, ou seja, a distância até os grandes centros urbanos pode tornar-se fator complicador para o acompanhamento da condição de saúde das pessoas vivendo com HIV no interior. Além disso, o aumento da infecção em municípios com menor renda per capita inclui problemas de ordem financeira e social, além de deficiências na disponibilidade de recursos humanos e materiais para a assistência em HIV, o que, por sua vez, fragiliza a integralidade do cuidado66 Miranda WA, Medeiros LB, Nascimento JA, et al. Modelo predictivo de retención en el cuidado especializado en VIH/SIDA. Cad. Saúde Pública. 2018 [acesso em 2020 set 19]; 34(10):e00209416. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0102-311x00209416
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,77 Biscotto CR, Lopes FP, Carvalho CAR, et al. Interiorização da epidemia HIV/Aids. Rev. Bras. Med. 2013; 70(8/9).
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Nesse contexto, tornam-se necessárias uma análise sobre a qualidade da assistência à saúde para pessoas vivendo com HIV e a adesão à medicação dessas pessoas assistidas em serviços distribuídos em diferentes localidades, para que se possa conhecer melhor a realidade e investir esforços direcionados às regiões mais vulneráveis88 Garbin CAS, Gatto RCJ, Garbin AJI. Adesão à terapia antirretroviral em pacientes HIV soropositivos no Brasil: uma revisão da literatura. Arch Health Invest. 2017 [acesso em 2020 out 10]; 6(2):65-70. Disponível em: http://dx.doi.org/10.21270/archi.v6i2.1787
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. Assim, diante do exposto, objetivou-se avaliar a qualidade da assistência à saúde e a adesão à medicação em pessoas vivendo com HIV em Serviços de Assistência Especializada (SAE).

Material e métodos

Trata-se de um estudo quantitativo, avaliativo e transversal, desenvolvido em dez SAE, distribuídos no estado de Pernambuco, região Nordeste do Brasil, sendo dois serviços localizados na capital do estado e oito no interior. A escolha dos locais deu-se por meio da parceria com a Escola de Saúde Pública de Pernambuco, que teve o interesse mútuo pelo estudo a partir do Programa de Residência em Saúde Coletiva com Ênfase em Gestão de Redes, que apresentava residentes instalados nas Regiões de Saúde correspondentes do interior do estado e que, após treinamento prévio, colaboraram para a coleta de dados sob monitoramento dos pesquisadores. O estado de Pernambuco possui 37 SAEs.

Para avaliação da adesão, participaram do estudo as pessoas vivendo com HIV com mais de 18 anos de idade, em uso da Tarv há pelo menos 6 meses. Excluíram-se as pessoas com dificuldade de comunicação verbal, as gestantes e os indivíduos cujos prontuários não foram identificados. Utilizou-se um plano amostral estratificado para garantir a proporcionalidade em cada serviço de saúde avaliado, a partir de cálculo com população finita, resultando em 306 pessoas. Para avaliação da qualidade da assistência à saúde dos serviços de referência que atendem pessoas vivendo com HIV, participaram os 10 gerentes dos respectivos serviços. Ambos os grupos constituíram-se de amostragem não probabilística por conveniência.

Os dados foram coletados em duas etapas. A primeira etapa correspondeu à coleta dos dados relacionados à adesão à Tarv e ocorreu entre os meses de junho de 2017 e maio de 2018, por meio de entrevistas realizadas nas instalações do SAE de cada Região de Saúde, em sala predeterminada pela coordenação do serviço, para fim específico de coleta de dados, de modo a resguardar a privacidade dos entrevistados.

Os participantes eram abordados na sala de espera para consulta e coleta de material para contagem de CD4 e carga viral. Aqueles que atenderam aos critérios de elegibilidade foram informados sobre a pesquisa, os objetivos do estudo e convidados a participar. A participação foi confirmada mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Nessa etapa, utilizaram-se dois instrumentos para coleta de dados, que foram coletados por meio de entrevista face a face: um formulário de entrevista semiestruturado para descrever o perfil sociodemográfico e econômico, comportamental e clínico das pessoas que realizam a Tarv; e, para classificar a adesão à medicação, Tarv, utilizou-se a versão validada para a língua portuguesa do ‘Cuestionario para la Evaluación de la Adhesión al Tratamiento Antiretroviral’ (CEAT-VIH). Trata-se de um instrumento autoinforme, composto por 20 questões, que considera boa adesão à Tarv um percentual igual ou superior a 8599 Remor E. Manual del cuestionario para la evaluación de la adhesión al tratamiento Antirretroviral: CEAT-VIH. Madrid: Department of Psychobiology and Health. Faculty of Psychology, UAM; 2002.,1010 Remor E, Milner-Moskovics J, Preussler G. Adaptação brasileira do “Cuestionario para la Evaluación de La Adhesión al Tratamiento Antiretroviral”. Rev Saúde Pública. 2007 [acesso em 2020 out 10]; 41(5):685-94. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102006005000043
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A pontuação mínima do CEAT-VIH é 17, e a máxima 89, permitindo classificar a adesão em 3 níveis. Para favorecer as análises bivariadas, facilitando a associação e, consequentemente, a identificação ou não de significância estatística, como também pelo fato de a literatura apontar a importância da manutenção da adesão elevada para o sucesso terapêutico33 Joint United Nations Programme on HIV. Unaids data 2019. Geneva: Joint United Nations Programme on HIV/AIDS. [acesso em 2020 out 18]. Disponível em: https://www.unaids.org/sites/default/files/media_asset/2019-UNAIDS-data_en.pdf
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, a classificação da adesão foi adaptada para boa adesão (pontuação ≥ 79 pontos), que equivale a uma adesão ≥ 85%, e baixa adesão (pontuação ≤ 78 pontos), que representa menos de 84% de adesão à Tarv99 Remor E. Manual del cuestionario para la evaluación de la adhesión al tratamiento Antirretroviral: CEAT-VIH. Madrid: Department of Psychobiology and Health. Faculty of Psychology, UAM; 2002.,1010 Remor E, Milner-Moskovics J, Preussler G. Adaptação brasileira do “Cuestionario para la Evaluación de La Adhesión al Tratamiento Antiretroviral”. Rev Saúde Pública. 2007 [acesso em 2020 out 10]; 41(5):685-94. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102006005000043
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A segunda etapa correspondeu à coleta de dados relacionados aos indicadores de qualidade do serviço e aconteceu no período de maio a agosto de 2018. Construiu-se um formulário eletrônico, por meio da ferramenta Google forms, a partir da adaptação de 6 (seis) questões do questionário Qualiaids, que se propõe a avaliar a qualidade da assistência à saúde dos serviços públicos no Brasil que assistem pessoas vivendo com HIV em nível ambulatorial: organização do processo de assistência, gerenciamento técnico do trabalho e disponibilidade de recursos relacionados à adesão à medicação, com seus respectivos domínios e critérios de indicador de avaliação1111 Universidade de São Paulo, Departamento de Medicina Preventiva, Faculdade de Medicina, Equipe Qualiaids. Sistema de avaliação Qualiaids, São Paulo: Universidade de São Paulo. 2016. [acesso em 2020 abr 10]. Disponível em: http://www.qualiaids.fm.usp.br/
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(quadro 1).

Quadro 1
Questões, dimensões, domínios e critérios de indicador da qualidade da assistência à saúde relacionados à promoção da adesão à Terapia Antirretroviral considerados para o estudo

O formulário foi enviado por correio eletrônico aos gerentes responsáveis pelos respectivos serviços para serem respondidos pelos próprios gerentes e/ou pela equipe de saúde local. As questões (indicadores de qualidade) receberam os valores 0, 1 ou 2, em que a pontuação representa, respectivamente: valor zero (0): padrão de qualidade insuficiente; um (1): padrão de qualidade aceitável; e o dois (2): padrão de qualidade esperado1111 Universidade de São Paulo, Departamento de Medicina Preventiva, Faculdade de Medicina, Equipe Qualiaids. Sistema de avaliação Qualiaids, São Paulo: Universidade de São Paulo. 2016. [acesso em 2020 abr 10]. Disponível em: http://www.qualiaids.fm.usp.br/
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Os dados foram analisados por meio de estatística descritiva e inferencial a partir do Software SPSS 18.0. As análises foram realizadas por meio dos testes: Qui-quadrado. Nos casos em que as suposições do teste Qui-quadrado não foram satisfeitas, aplicou-se o teste Exato de Fisher. O teste de Wald foi utilizado na comparação dos riscos entre os níveis dos fatores avaliados. As variáveis que apresentaram significância estatística de até 20% na análise bivariada foram incluídas no ajuste do modelo de Poisson com variância robusta para análise multivariada, a fim de determinar quais são os fatores que influenciam na baixa adesão à Tarv. Todas as conclusões foram tiradas, considerando nível de significância de 5%.

Visando a facilitar as análises multivariadas, no que se refere aos indicadores de qualidade da assistência do serviço, considerou-se o nº de participantes assistidos, respectivamente, em cada SAE, de acordo com os padrões de qualidade da assistência encontrados para cada indicador.

Considerou-se como variável dependente o nível de adesão à medicação (baixa adesão e boa adesão à Tarv). Como variáveis independentes, consideraram-se aquelas que apresentavam dados de qualidade do serviço: intervalo entre consultas médicas, no início ou na troca de Tarv; acompanhamento do uso de antirretroviral dos pacientes; condutas para pacientes com dificuldade no uso da medicação; formas de atendimento para paciente que ficou sem medicamento; monitoramento das taxas de adesão à Tarv; e disponibilidade de medicamentos antirretrovirais.

Para desenvolvimento do estudo, obteve-se a aprovação prévia do Comitê de Ética em Pesquisa do complexo hospitalar da Universidade de Pernambuco (UPE), por meio do Parecer nº 2122011, de 15 de junho de 2017, atendendo às exigências éticas da Resolução nº 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde.

Resultados e discussão

A amostra foi caracterizada por prevalência do gênero masculino (57,2%), autodeclarados pardos (44,1%), com 1º grau completo/incompleto (44,1%), casados ou morando com o companheiro (46,4%), na faixa etária de 40 a 59 anos (60,8%) e renda familiar mensal média de até 1 (um) salário mínimo1212 Brasil. Decreto Federal nº 8.948, de 29 de dezembro de 2016. Dispõe sobre o valor do salário-mínimo e a sua política de valorização de longo prazo. Diário Oficial da União. 30 Dez 2016. [acesso em 2021 out 20]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/decreto/d8948.htm
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(41,5%). Maior percentual (32,4%) de pessoas em uso da Tarv no período de 1 a 5 anos, 54,9% utilizavam o esquema da Tarv com dois comprimidos/dia, 69,9% apresentavam último registro no prontuário de carga viral indetectável, e apenas 21,9% registro de baixa adesão à Tarv.

Quanto à classificação do nível de adesão à Tarv das pessoas vivendo com HIV (tabela 1), observou-se elevado índice de baixa adesão (81,0%) em todo o estado. Ressalta-se que o nível de baixa adesão à medicação é maior no interior (91,5%) do que na capital (77,9%), sendo esse achado significativo (p-valor < 0,05).

Tabela 1
Nível de adesão à medicação das pessoas vivendo com HIV em tratamento antirretroviral, segundo localidade, em Serviços de Assistência Especializada. Pernambuco, Brasil, 2019 (n=306)

A baixa adesão à Tarv verificada corrobora estudos brasileiros1313 Goulart S, Meirelles BHS, Costa VT, et al. Adesão à terapia antirretroviral em adultos com HIV/AIDS atendidos em um serviço de referência. REME - Rev. Min. Enferm. 2018 [acesso em 2020 mar 8]; (22):e-1127. Disponível em: http://www.dx.doi.org/10.5935/1415-2762.20180050
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14 Oliveira RC, Moraes DCA, Oliveira ECS, et al. Associação do uso de álcool e drogas e a adesão ao tratamento antirretroviral. Rev. enferm. UFPE on line. 2017 [acesso em 2020 maio 11]; 11(10):3862-68. Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/view/69702/24409.
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15 Pedrosa SC, Lima ICV, Vasconcelos BA, et al. Intervenção telefônica na adesão à terapia antirretroviral de mulheres com vírus da imunodeficiência humana. Rev Rede Enferm. Nordeste. 2017 [acesso em 2020 set 11]; 18(3):300-06. Disponível em: http://doi.org/10.15253/2175-6783.2017000300003
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-1616 Zuge SS, Primeira MR, Remor EA, et al. Fatores associados à adesão ao tratamento antirretroviral em adultos infectados pelo HIV: estudo transversal. Rev Enferm. UFSM. 2017 [acesso em 2020 set 10]; 7(4):577-89. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018247.22312017
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, realizados em distintas regiões do Brasil, e outros estudos1717 Silva-Villanueva M, Alvarez-Risco A, Del-Aguila-Arcentales S, et al. Impacto de la Atención Farmacéutica en la adherencia de los pacientes con VIH en el Hospital San Pablo de Coquimbo, Chile. Pharm. Care España. 2017 [acesso em 2020 set 10]; 19(1):3-15. Disponível em: https://www.pharmcareesp.com/index.php/PharmaCARE/article/view/369/274
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18 Salmanton-García J, Herrador Z, Ruiz-Seco P, et al. Self-reported adherence to antiretroviral therapy in HIV+ population from Bata, Equatorial Guinea. AIDS care. 2016 [acesso em 2020 out 10]; 28(5):543-53. Disponível em: https://doi.org/10.1080/09540121.2015.1124976
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-1919 Dima AL, Scweitzer AM, Diaconit R, et al. Adherence to ARV medication in Romanian young adults: self-reported behaviour and psychological barriers. Psychol. Health Med. 2013 [acesso em 2020 set 11]; 18(3):343-54. Disponível em: https://doi.org/10.1080/13548506.2012.722648
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realizados no Chile, Guiné Equatorial e Romênia, em que o CEAT-VIH foi o instrumento utilizado para analisar o nível de adesão à Tarv.

A baixa adesão é preocupante, uma vez que a adesão aos medicamentos antirretrovirais é o foco principal para o sucesso terapêutico individual, pela possibilidade de reduzir as chances de infecção, minimizando, assim, a incidência do HIV. Índices elevados de baixa adesão significam que as pessoas vivendo com HIV apresentam dificuldades com a Tarv e não estão aderindo ao tratamento de forma segura e regular2020 Baggaley R, Dalal S, Johnson C, et al. Beyond the 90-90-90: refocusing HIV prevention as part of the global HIV response. J. Inter. AIDS Soc. 2017 [acesso em 2020 out 10]; 19(1):e21348. Disponível em: https://dx.doi.org/10.7448/IAS.19.1.21348
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As dificuldades para o uso da Tarv podem ser agravadas durante o percurso do tratamento pelo deficit de suporte familiar e social, pelo desconforto do tempo de terapia, pela falsa crença de cura relacionada à espiritualidade e, ainda, pela falta de percepção da doença e da gravidade que se pode gerar em torno da falha na supressão viral e de doenças oportunistas2121 Santos EI, Silva AL, Santana PPC, et al. Evidências científicas brasileiras sobre adesão à terapia antirretroviral por pessoas que vivem com HIV/AIDS. Rev. Eletr. Gest. Saúde. 2016 [acesso em 2020 set 11]; 7(1):454-70. Disponível em: http://publicacoes.unigranrio.edu.br/index.php/rcs/article/view/2554/1506
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É importante que a equipe de saúde organize-se a fim de prestar uma assistência que envolva a pessoa vivendo com HIV para discutir os principais problemas enfrentados visando a melhorar a adesão ao tratamento, criando espaços e fomentando a troca de experiências e de vivências2222 Silva JAG, Dourado I, Brito AM, et al. Fatores associados à não adesão aos antirretrovirais em adultos com AIDS nos seis primeiros meses da terapia em Salvador, Bahia, Brasil. Cad. Saúde Pública. 2015 [acesso em 2020 set 10]; 31(6):1188-98. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00106914
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Quanto à qualidade dos serviços (tabela 2), os indicadores avaliados com padrão insuficiente foram ‘acompanhamento do uso de antirretroviral dos pacientes’ (95,1%), ‘monitoramento das taxas de adesão à Tarv’ (94,8%) e ‘disponibilidade de medicamentos antirretrovirais’ (75,2%). Já o indicador que apresentou maior percentual de padrão aceitável foi ‘condutas para pacientes com dificuldade no uso da medicação’ (94,8%). O padrão de qualidade esperado foi encontrado em maior percentual nos indicadores ‘intervalo entre consultas médicas, no início ou na troca de Tarv’ e ‘formas de atendimento para paciente que ficou sem medicamento’, com 78,1% e 64,1%, respectivamente, sendo esses achados significativos em todos os indicadores (p-valor < 0,05).

Ainda, no que diz respeito ao padrão de qualidade do indicador ‘formas de atendimento para paciente que ficou sem medicamento’, a capital apresentou 75,3% de serviços com padrão esperado, enquanto que o interior apresentou 64,8% com padrão insuficiente.

Tabela 2
Indicadores da qualidade do serviço na perspectiva da promoção da adesão à medicação antirretroviral, segundo localidade, nos Serviços de Assistência Especializada. Pernambuco, Brasil, 2019 (n=306)

A adesão à medicação antirretroviral em pessoas vivendo com HIV envolve múltiplos aspectos que devem ser explorados nos serviços que prestam assistência a essas pessoas. Ao se mensurar o grau de adesão à Tarv e a qualidade da assistência à saúde, é possível reorganizar e planejar práticas de cuidado, identificando-se, assim, as melhores estratégias para o fortalecimento da adesão no campo da gestão do cuidado88 Garbin CAS, Gatto RCJ, Garbin AJI. Adesão à terapia antirretroviral em pacientes HIV soropositivos no Brasil: uma revisão da literatura. Arch Health Invest. 2017 [acesso em 2020 out 10]; 6(2):65-70. Disponível em: http://dx.doi.org/10.21270/archi.v6i2.1787
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,1313 Goulart S, Meirelles BHS, Costa VT, et al. Adesão à terapia antirretroviral em adultos com HIV/AIDS atendidos em um serviço de referência. REME - Rev. Min. Enferm. 2018 [acesso em 2020 mar 8]; (22):e-1127. Disponível em: http://www.dx.doi.org/10.5935/1415-2762.20180050
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O início da terapia, bem como a troca de medicamentos antirretrovirais, é um momento delicado, que envolve, além da aceitação do diagnóstico, a adaptação da pessoa vivendo com HIV às novas mudanças que o tratamento acarreta. Sabe-se que os antirretrovirais podem apresentar efeitos colaterais que, se não forem acompanhados, contribuem para a irregularidade do tratamento ou até mesmo o abandono2323 Pires PN, Marega A, Creagh JM. Adesão à terapia antirretroviral em pacientes infetados pelo VIH nos cuidados de saúde primários em Nampula, Moçambique. Rev. Port. Med. Geral e Fam. 2017 [acesso em 2020 maio 9]; 33(1);30-40. Disponível em: http://dx.doi.org/10.32385/rpmgf.v33i1.12021
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Nesses presságios, se os intervalos entre as consultas forem longos, pode ocorrer uma fragilidade no acompanhamento dessas pessoas, favorecendo maior vulnerabilidade para não adesão e posterior abandono da terapia2222 Silva JAG, Dourado I, Brito AM, et al. Fatores associados à não adesão aos antirretrovirais em adultos com AIDS nos seis primeiros meses da terapia em Salvador, Bahia, Brasil. Cad. Saúde Pública. 2015 [acesso em 2020 set 10]; 31(6):1188-98. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00106914
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. Diante dessa importância, os SAE apresentaram um processo de trabalho satisfatório, uma vez que o padrão de qualidade foi esperado para o indicador correspondente.

Na análise do nível de adesão à medicação antirretroviral segundo os indicadores de qualidade do serviço (tabela 3), no estado, de modo geral, apenas o indicador de qualidade ‘formas de atendimento para paciente que ficou sem medicamento’ foi significativo para modificar o nível de adesão (p-valor = 0,005), sendo verificada uma maior predominância de baixa adesão à Tarv no grupo de pessoas em que o serviço apresentou padrão de qualidade insuficiente para esse indicador (97,8%).

Na capital, não houve indicadores de qualidade significativos para alterar o nível de adesão à Tarv das pessoas vivendo com HIV avaliadas. Contudo, para o interior do estado, os indicadores de qualidade que apresentaram significância para a adesão à Tarv foram ‘formas de atendimento para paciente que ficou sem medicamento’ (p-valor = 0,011) e ‘disponibilidade de medicamentos antirretrovirais’ (p-valor = 0,033).

As pessoas atendidas pelos serviços com padrão de qualidade aceitável no indicador ‘formas de atendimento após ficarem sem medicamento’ e padrão de qualidade insuficiente para o indicador ‘disponibilidade de medicamento antirretrovirais’ foram as que apresentaram maior percentual de baixa adesão à Tarv (100,0% e 96,2%, respectivamente).

Tabela 3
Nível de adesão à Terapia Antirretroviral das pessoas vivendo com HIV, de acordo com os indicadores de qualidade, segundo localidade, em Serviços de Assistência Especializada. Pernambuco, Brasil, 2019 (n=306)

De todos os fatores que apresentaram significância estatística de até 20% na análise multivariada, apenas a ‘forma de atendimento para paciente que ficou sem medicamento’ é fator determinante para a baixa adesão aos antirretrovirais (tabela 4).

Verificou-se nos serviços com padrão de qualidade insuficiente uma ocorrência de baixa adesão à Tarv 19% maior quando comparados aos serviços com padrão de qualidade esperado (RP=1,19; p-valor < 0,001). Para o grupo de pessoas vivendo com HIV em que o serviço apresentou o padrão de qualidade aceitável, verificou-se que não foi significativa (p-valor = 0,476) a ocorrência de baixa adesão (RP=1,05).

Tabela 4
Ajuste do modelo de Poisson para a baixa adesão à Terapia Antirretroviral das pessoas vivendo com HIV, em Serviços de Assistência Especializada. Pernambuco, Brasil, 2019 (n=306)

Apesar de o indicador ‘formas de atendimento para paciente que ficou sem medicamento’ ser considerado como um cenário positivo na avaliação dos serviços do estado de modo geral e da capital, como foi apresentado na tabela 2, ele contrastou com o cenário dos serviços do interior, sendo evidenciado, também na tabela 3, como um importante fator para a baixa adesão à Tarv. Esse achado denota uma fragilidade no processo de trabalho desses SAE, visto que a forma de atendimento para o paciente que ficou sem antirretrovirais fragiliza o tratamento, afeta a qualidade do cuidado, a segurança do paciente e, em longo prazo, aumenta os custos do tratamento e as chances de falhas virológicas2424 Rosa MB, Reis AMM, Perini E. Descontinuação de medicamentos: um problema. Cad. Saúde Pública. 2016 [acesso em 2020 abr 10]; 32(10):e00086916. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00086916
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.

Além disso, a ‘disponibilidade de medicamentos antirretrovirais’ é outro achado importante para a adesão, uma vez que os SAE de ambas as localidades apresentaram-se insuficientemente estruturados, e a indisponibilidade foi preditora para a adesão à Tarv nos serviços interioranos. Existe a necessidade da organização e da disponibilidade de recursos pelos serviços, visto que a literatura2525 Shubber Z, Mills EJ, Nachega JB, et al. Patient-reported barriers to adherence to antiretroviral therapy: a systematic review and meta-analysis. PLoS medicine. 2016 [acesso em 2020 mar 20]; 13(11):e1002183. Disponível em: https://doi.org/10.1371/journal.pmed.1002183
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comprova que a falta de medicamentos foi significativamente relatada por pessoas vivendo com HIV como sendo uma barreira para a adesão à medicação.

A fragilidade da dispensação dos antirretrovirais desestimula a continuidade do tratamento em serviços com péssimos indicadores de qualidade, uma vez que estes apresentam um risco maior para não adesão à Tarv quando comparados com aqueles que possuem melhores indicadores de qualidade44 Holtzman CW, Brady KA, Yehia BR. Reten¬tion in care and medication adherence: current challenges to antiretroviral therapy success. Drugs. 2015 [acesso em 2020 set 20]; 75:445-54. Disponível em: https://doi.org/10.1007/s40265-015-0373-2 DOI: 10.1007/s40265-015-0373-2.
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,2626 Nemes MIB, Castanheira ERL, Helena ETS, et al. Adesão ao tratamento, acesso e qualidade da assistência a AIDS no Brasil. Rev. Assoc. Med. Bras. 2009 [acesso em 2020 set 2]; 55(2):207-12. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-42302009000200028 DOI: 10.1590/S0104-42302009000200028.
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Achado na literatura brasileira2727 Astolfo S, Kehrig RT, Oliveira LR. Disponibilidade de recursos dos serviços ambulatoriais do Sistema Único de Saúde destinados a pessoas vivendo com HIV em Mato Grosso, 2016. Epidemiol. Serv. Saúde. 2018 [acesso em 2020 set 10]; (27):e2017406. Disponível em: http://dx.doi.org/10.5123/s1679-49742018000300001 DOI: 10.5123/s1679-49742018000300001.
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verificou que apenas a metade dos serviços encontra-se com padrão de qualidade esperado para a disponibilidade de antirretroviral. Tal achado põe em risco o conceito de cuidado às pessoas vivendo com HIV, que visa a proporcionar uma adesão satisfatória, a fim de garantir o aumento de pessoas com supressão viral e reduzir a transmissão da doença2828 Perdigão REA, Bonolo PF, Silveira MR, et al. Oportunidade de vinculação de pessoas vivendo com HIV em um serviço especializado de saúde, Belo Horizonte (MG). Rev. Bras. epidemiol. 2020 [acesso em 2020 mar 20]; (23):E200020. Disponível em: https://www.scielosp.org/pdf/rbepid/2020.v23/e200020/pt
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O deficit de suprimento dos medicamentos é uma situação complexa e multifatorial, influenciada por elementos referentes aos fatores políticos, ao financiamento e à gerência farmacêutica2929 Pauwels K, Simoens S, Casteels M, et al. Insights into European Drug Shortages: A Survey of Hospital Pharmacists. PLoS ONE. 2015 [acesso em 2020 maio 11]; 10(3):e0119322. Disponível em: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0119322
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. O abastecimento suficiente e de boa qualidade de recursos é essencial para que seja ofertada melhor assistência. A gestão e o financiamento dos serviços de saúde são tão responsáveis pela qualidade do cuidado quanto os profissionais que prestam assistência3030 Donabedian A. An introduction to quality assurance in health care. Nova York: Oxford University Press; 2003..

Nessa perspectiva, apesar de os serviços de ambas as localidades terem apresentado padrão de qualidade de assistência à saúde aceitável para o indicador ‘condutas para pacientes com dificuldade no uso da medicação’, inferiu-se que esse representa que a assistência prestada para aquelas pessoas que estão com dificuldades de adaptação ao uso dos antirretrovirais ainda não está ocorrendo de modo satisfatório.

No que se refere aos indicadores ‘acompanhamento do uso de antirretroviral dos pacientes’ e ‘monitoramento das taxas de adesão à Tarv’, os serviços de ambas as localidades apresentaram padrão de qualidade insuficiente, sendo um achado preocupante, visto que o serviço deve desenvolver estratégias e dispor de meios que permitam acompanhar o uso da Tarv por cada indivíduo. Estudos observaram que, na maioria dos serviços brasileiros de referência para o HIV, a adesão da pessoas vivendo com HIV à Tarv foi verificada nos atendimentos individuais mediante questionamento sobre o uso correto dos medicamentos2828 Perdigão REA, Bonolo PF, Silveira MR, et al. Oportunidade de vinculação de pessoas vivendo com HIV em um serviço especializado de saúde, Belo Horizonte (MG). Rev. Bras. epidemiol. 2020 [acesso em 2020 mar 20]; (23):E200020. Disponível em: https://www.scielosp.org/pdf/rbepid/2020.v23/e200020/pt
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Os serviços do estado, sem distinção de localidade, apresentam precariedade no monitoramento da adesão à Tarv, o que reforça a fragilidade da assistência desses serviços no que diz respeito ao acompanhamento do uso da Tarv pelos pacientes e ao monitoramento da adesão aos medicamentos.

De modo geral, apesar das fragilidades encontradas nos serviços, verifica-se que aqueles situados no interior do estado apresentam-se mais vulneráveis, na perspectiva da adesão, a uma assistência fragmentada. Esse achado denota um maior comprometimento nas ações de promoção da adesão à Tarv, as quais são consideradas fundamentais no tratamento do HIV.

Como se percebe, a adesão à Tarv é um processo complexo, influenciado por diversos fatores que devem ser explorados nos serviços que prestam atendimento a essas pessoas. Dessa forma, compreender as dificuldades na adesão à Tarv é um processo essencial e requer decisões compartilhadas e corresponsabilizadas entre o usuário e o serviço, a equipe de saúde e a rede social de apoio, a fim de atender às singularidades socioculturais e subjetivas da população assistida1313 Goulart S, Meirelles BHS, Costa VT, et al. Adesão à terapia antirretroviral em adultos com HIV/AIDS atendidos em um serviço de referência. REME - Rev. Min. Enferm. 2018 [acesso em 2020 mar 8]; (22):e-1127. Disponível em: http://www.dx.doi.org/10.5935/1415-2762.20180050
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Diante desse cenário, os SAE devem articular-se em prol de ações para a promoção e o monitoramento da retenção dos pacientes em seguimento com o intuito de melhorar a adesão e a permanência dos usuários nos serviços. Espera-se que os gestores sejam sensibilizados a avaliar e monitorar os indicadores relacionados à qualidade da assistência à saúde e à adesão à medicação antirretroviral, a fim de planejarem estratégias para alcançar a meta 90-90-90, principalmente no que concerne ao acesso satisfatório ao tratamento e, com isso, à supressão virológica2828 Perdigão REA, Bonolo PF, Silveira MR, et al. Oportunidade de vinculação de pessoas vivendo com HIV em um serviço especializado de saúde, Belo Horizonte (MG). Rev. Bras. epidemiol. 2020 [acesso em 2020 mar 20]; (23):E200020. Disponível em: https://www.scielosp.org/pdf/rbepid/2020.v23/e200020/pt
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Considerações finais

Os SAEs do estado de Pernambuco, onde realizou-se este estudo, ainda não apresentam padrão de qualidade esperado para manter uma assistência integral às pessoas vivendo com HIV. A disponibilidade de recursos e o modo como se organiza o processo de trabalho foram importantes para a adesão à Tarv.

A indisponibilidade de medicamentos antirretrovirais foi um fator associado à baixa adesão no estado. Trata-se, portanto, de uma problemática de cunho administrativo e que envolve aspectos de ordem financeira e logística. Entende-se que sejam empenhados esforços a fim de minimizar empecilhos para o abastecimento regular e contínuo de medicamentos antirretrovirais, conforme a demanda.

As pessoas assistidas nos SAEs interioranos apresentam fatores complicadores para a adesão à Tarv. As formas de atendimento à pessoa que ficou sem medicação, por um deficit no serviço, foram um fator preditor para a baixa adesão. Trata-se de uma deficiência no processo do cuidado e que, com a indisponibilidade dos antirretrovirais, pode comprometer todo o trabalho que a equipe de saúde realiza sobre a importância da adesão ao tratamento, favorecendo falhas tanto virológicas como na continuidade na tomada diária desses medicamentos.

Somando a isso, a baixa adesão encontrada exige a implementação de ações de educação continuada aos profissionais de saúde atuantes nos SAEs, haja vista que nessa situação é importante um atendimento humanizado e acolhedor que possibilite uma escuta e considere as singularidades de cada indivíduo, visando a minimizar o desestímulo para continuidade do tratamento e até mesmo fortalecer o vínculo entre o usuário e o serviço.

Como limitação do estudo, no que diz respeito à análise dos indicadores de qualidade da assistência nos SAEs, destaca-se a possibilidade de terem ocorrido conflitos de interesse, uma vez que os formulários foram preenchidos pelos gerentes dos respectivos serviços. Outras limitações incluem a fonte secundária de dados: os prontuários incompletos, no que se refere à carga viral e ao registro de baixa adesão, o que resultou em uma coleta informativa, feita a partir de registros antigos. Acredita-se que houve omissão desses dados.

Espera-se contribuir para um melhor entendimento acerca do comportamento da adesão à Tarv e da qualidade dos serviços de referência no estado de Pernambuco, mas principalmente nas localidades da capital e do interior, uma vez que, no contexto do HIV, estas apresentam características distintas e que necessitam de planejamento e intervenções específicas, condizentes com cada realidade. Desse modo, os achados desta pesquisa podem auxiliar na estruturação e no fortalecimento das políticas públicas de saúde direcionadas ao HIV em Pernambuco.

  • Suporte financeiro: não houve
  • *
    Orcid (Open Researcher and Contributor ID).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    10 Mar 2021
  • Aceito
    20 Set 2021
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