Saúde coletiva e agroecologia: necessárias conexões para materializar sistemas alimentares sustentáveis e saudáveis

Collective health and agroecology: necessary connections to build healthy and sustainable food systems

Natália Ferreira de Paula Islandia Bezerra Nilson Maciel Paula Sobre os autores

RESUMO

O artigo traz uma discussão sobre a conexão entre saúde coletiva e agroecologia como promotoras de saúde, como expressão de sistemas alimentares sustentáveis e saudáveis orientados pelo princípio de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (SSAN). A noção de regime alimentar corporativo ou neoliberal orienta a interpretação das transformações do sistema alimentar no contexto da ordem global neoliberal, a partir da qual é possível detectar suas fragilidades. Assim, é dada atenção a tendências contra-hegemônicas impulsionadas por movimentos sociais e formas alternativas de produção e abastecimento alimentar. O regime alimentar neoliberal concentrado no poder das grandes corporações, capazes de capturar o aparelho de Estado, é marcado por práticas desiguais e destrutivas, que expulsam povos dos seus territórios, expropriam a natureza, contaminam solos, água, ar e alimentos, adoecem e matam pessoas e o ambiente. Em oposição, entendem-se a agroecologia e a saúde coletiva como campos contra-hegemônicos que promovem sistemas alimentares sustentáveis e saudáveis. Dessa forma, apoiado nessa análise, é necessário construir uma base de conhecimento interdisciplinar que dê solidez conceitual e visibilidade a outro sistema alimentar coeso e sustentado nos princípios da SSAN, no direito humano à alimentação adequada, na valorização da vida humana e respeito à natureza.

PALAVRAS-CHAVES
Segurança Alimentar e Nutricional; Política nutricional; Saúde; Produção de alimentos; Agricultura sustentável

ABSTRACT

The connection between collective health and agroecology is discussed in this article as an expression of a sustainable and healthy food system oriented by the principle of nutritional food sovereignty and security. The notion of the corporate or neoliberal food regime is the basis for analyzing the transformations undergone by the food system in the context of the neoliberal global order, whose fragilities are stressed. Attention is given to counter-hegemonic trends impelled by social movements and alternative structures of food supply. The neoliberal food regime is anchored in the power of large corporations, able to control the state, shaped by unfair and destructive practices that evict local populations from their territories, deplete nature, poison soil and water flows, air and food, and sicken or kill people and the environment. On the other side, agroecology and collective health are regarded counter-hegemonic fields, in which sustainable and healthy food systems are built. Based on this analysis, it is necessary to build an interdisciplinary knowledge that provides a conceptual strength and promote visibility to a coherent food system, resting on the principles of nutritional food sovereignty and security, the human right to adequate food, the valorization of human life and respect to nature.

KEYWORDS
Food security; Nutrition policy; Health; Food production; Sustainable agriculture

Introdução

Neste artigo, é analisada a conexão entre a saúde coletiva e a agroecologia como promotora de saúde, por meio da construção de sistemas alimentares sustentáveis e saudáveis orientados pela noção de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (SSAN), explorada com base no arcabouço teórico do regime alimentar corporativo, ou neoliberal. Inicialmente, é destacada incompatibilidade entre aquela noção e a dinâmica do sistema alimentar hegemônico, conduzido por estratégias de corporações transnacionais centradas na acumulação de capital, na expansão dos mercados e controle das cadeias globais de valor. Essa noção de regime alimentar explicita os conflitos imersos nas relações de poder no campo regulatório das relações econômicas e das regras que involucram a trajetória do sistema alimentar desregulando o comércio agroalimentar mundial e o sistema financeiro, na esteira da liberalização dos mercados. Impulsionado pelas inovações biotecnológicas, tal processo tem aumentado a fragilidade de segmentos sociais envolvidos na produção de alimentos, a destruição ambiental, a fome e má nutrição, além de precarização das condições de saúde de massivos segmentos da população. Tais desdobramentos são agravados pela disseminação e imposição ao consumo de produtos comestíveis por parte das indústrias de alimentos e redes varejistas, em cuja retaguarda habitam investidores do mercado financeiro, agroexportadores vinculados aos mercados globais, grandes supermercados e redes de fast-food.

No entanto, movimentos de resistências têm contestado essas regras do jogo e, mais especificamente, as ações do Estado em favor dos negócios agroindustriais sob o comando das corporações alimentares globais. Além disso, políticas contra-hegemônicas têm sido adotadas para atender a necessidades alimentares e nutricionais, em particular, de populações vulneráveis, para estimular emprego e renda que viabilizam o acesso aos alimentos seguros e nutritivos, bem como estruturas produtivas com base na agricultura familiar e práticas agrícolas que respeitem o ambiente. Trata-se assim de uma agenda alternativa para reverter tendências dominantes, respaldada por atores políticos que propagam os princípios da SSAN, e dão visibilidade a sistemas alimentares orientados pela sazonalidade e particularidades territoriais. Ao destacar essa contratendência, entende-se que há fissuras no interior do capital agroindustrial, de forma que suas estruturas, moldadas pelos grandes mercados, não são uniformes e coesas, apesar de sua extensa capilaridade sob uma poderosa coordenação global. As perspectivas de ruptura desse sistema, ou de aprofundamento de suas contradições, estão sediadas nas forças contra-hegemônicas forjadas por organizações sociais movidas pelos princípios da alimentação adequada sob a ótica do direito humano. Tendo como referência inicial a interface entre o sistema alimentar hegemônico e o fenômeno da insegurança alimentar, essa discussão é pautada em um viés analítico que vislumbra fendas abertas na ordem alimentar contemporânea por forças contra-hegemônicas engajadas na construção de um sistema alternativo orientado pelos princípios da alimentação adequada como direito humano.

Na primeira parte deste artigo, a evolução do sistema alimentar é descrita sob a ótica dos regimes alimentares, com ênfase no papel das forças hegemônicas que soldaram estruturas comerciais, industriais, financeiras em torno de uma dinâmica global. Em seguida, as análises sobre o terceiro regime alimentar, no contexto do capitalismo neoliberal, são cotejadas com a emergência de movimentos sociais pautados por princípios que prezam pela valorização da vida humana e em sintonia com a preservação da natureza. Por isso, na terceira parte, esta análise explora a sinergia entre saúde coletiva e agroecologia como parâmetros de sistemas alimentares sustentáveis e saudáveis. Por fim, as considerações finais trazem constatações sobre a agroecologia que movimenta as forças contra-hegemônicas que destacam o que está em curso no Brasil, e as possibilidades de sua reverberação em outros países, especialmente na América Latina.

A trajetória do sistema alimentar hegemônico e sua insustentável coesão

O entendimento de que a alimentação está imersa na sinergia entre atividades e estruturas produtivas, comerciais e financeiras situadas em todos os estágios de transformação dos alimentos da produção ao consumo propiciou a superação de abordagens baseadas em uma visão setorial das estruturas socioeconômicas. As interfaces entre os diferentes setores desse encadeamento resultaram em uma diluição de suas individualidades e coesões internas na medida em que novas sinergias se formaram. Mais ainda, um sistema alimentar de dimensões globais emergiu da interação entre nações industrializadas e periféricas predominantemente agrícolas em uma única engrenagem cuja evolução foi traduzida pela noção de regime alimentar. Assim, a organicidade do sistema alimentar e sua contínua metamorfose refletem o arcabouço regulatório do capitalismo prevalecente em cada momento histórico.

As bases do sistema alimentar que emergiu no final do século XIX pavimentaram a consolidação da hegemonia estadunidense ao longo do século XX perante um sistema de Estados nacionais ampliado com a descolonização de vários países. Paralelamente, a transformação industrial da agricultura conduzida por grandes corporações sediadas naquele país redefiniu a essência da alimentação. Desse modo, as relações comerciais, bem como os aspectos de um processo de acumulação de alcance transnacional, limitaram a autonomia dos governos nacionais na organização de seus sistemas produtivos e comerciais11 Friedmann H, McMichael P. Agriculture and the state system: rise and decline of national agricultures, 1870 to the present. Sociologia Ruralis. 1989; (XXIX).. À luz dessa trajetória, o conceito de regime alimentar articula as relações de produção e consumo de alimentos às formas de acumulação específicas de cada período das transformações estruturais do capitalismo. Friedmann e McMichael11 Friedmann H, McMichael P. Agriculture and the state system: rise and decline of national agricultures, 1870 to the present. Sociologia Ruralis. 1989; (XXIX). demarcaram dois regimes alimentares na evolução do sistema agroalimentar: o primeiro se refere ao período entre a década de 1870 e a década de 1930, quando predominava uma divisão de trabalho entre regiões coloniais exportadoras de commodities alimentares e matérias primas; já o segundo teve início após o final da Segunda Guerra Mundial, quando a agricultura foi transformada pela força do capital industrial, cuja dinâmica deslocou a indústria processadora se tornou o núcleo do sistema alimentar.

Em um processo contra determinação, à luz da noção de regime alimentar, o sistema alimentar evoluiu como suporte para sustentação do poder hegemônico no capitalismo. Nesses termos, durante o primeiro regime alimentar, a estratégia do hegemon britânico conectou a riqueza de um capitalismo industrial com zonas produtoras de alimentos, particularmente no Hemisfério Sul. Já no segundo regime, os Estados Unidos da América (EUA) usaram de ajuda alimentar para estabelecer laços, mercados e oportunidades para manter e fomentar seu modelo agrícola de alta escala, gerador de excedentes exportáveis, articulado a corporações transnacionais de processamento industrial e de distribuição de alimentos22 McMichael P. Regimes Alimentares e Questões Agrárias. São Paulo; Porto Alegre: Editora Unesp; Editora da UFRGS; 2016.. Com base nessa referência conceitual, a alimentação não está relacionada apenas com a extensão dos circuitos comerciais e com as repercussões das políticas que regem o sistema alimentar, mas, sobretudo, a uma ordem mundial em constante mudança22 McMichael P. Regimes Alimentares e Questões Agrárias. São Paulo; Porto Alegre: Editora Unesp; Editora da UFRGS; 2016., para a qual contribuiu a agenda de livre comércio do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT) e outras instituições multilaterais.

Nas décadas de 1960 e 1970, a simultaneidade da difusão internacional de um modelo de produção e consumo por meio da Revolução Verde e da internacionalização do capital agroindustrial, ambos capitaneados por corporações multinacionais, ampliou as dimensões globais do sistema alimentar. Mais do que a confluência entre atividades agrícolas, industriais, comerciais e financeiras voltadas aos alimentos, como detectado por sucessivas formulações conceituais (complexos, sistemas, cadeias produtivas etc.), aquele contexto revelava as forças dominantes de uma estrutura historicamente determinada de acordo com o processo de acumulação de capital e sua relação com a força de trabalho. Nesses termos, além de uma imbricação entre agricultura e indústria, alavancada pela disseminação de novas tecnologias e de relações de trabalho capitalistas no meio rural, o sistema alimentar repercutia a permeabilidade dos Estados nacionais às estratégias de capitais multinacionais agroindustriais e dos interesses geopolíticos das nações hegemônicas, em particular, dos EUA.

A partir dos anos de 1980, o jogo de forças envolvido na reconfiguração do sistema alimentar após o esgotamento do modelo até então vigente fez emergir um novo regime alimentar sob uma ordem neoliberal, restringindo o papel do Estado e convertendo governos, empresas e indivíduos à falácia do mercado autorregulado. Nesse contexto, além da proeminência das grandes corporações atuantes nas rotas comerciais, exploração dos recursos produtivos, disseminação de inovações tecnológicas e influência na formulação de políticas nacionais, novos atores e instâncias de mercado entraram em cena. Com isso, seguindo seu caráter histórico adaptável às novas circunstâncias globais, a noção de regime alimentar foi ajustada com novas rotulações para expressar o sentido das mudanças em curso no mundo da alimentação a partir do final do século XX, sugerindo a conformação do terceiro regime alimentar.

Sob a denominação de regime alimentar corporativo, McMichael33 McMichael P. The power of food. J. Agri. Human Values. 2000; (17):21-33. manteve em evidência as forças hegemônicas das grandes corporações comerciais, agroindustriais e financeiras, acopladas a uma estrutura agrária centrada na prevalência de monoculturas de larga escala e das inovações biotecnológicas, bem como de uma alimentação alheia às tradições locais, em um ambiente social crescentemente desigual. Todavia, destaque foi dado às iniciativas para liberalização do comércio agrícola, respaldada pelos organismos multilaterais, como a Organização Mundial do Comércio (OMC) e o Fundo Monetário Internacional (FMI), cuja agenda preconizava o fim de políticas nacionais de proteção e estímulo à produção, cabendo ao livre comércio o equilíbrio entre oferta e demanda, como forma de evitar eventuais crises alimentares. Essa reestruturação indicava a transição da regulação nacional do sistema agroalimentar para estratégias globais de corporações transnacionais organizadas em torno da indústria de insumos, do cultivo, do processamento e distribuição, às quais pequenos agricultores e agricultoras, pelas vias comerciais, vinculam-se como força de trabalho global mediante relações contratuais22 McMichael P. Regimes Alimentares e Questões Agrárias. São Paulo; Porto Alegre: Editora Unesp; Editora da UFRGS; 2016..

Como sintetizado por Holt Giménez e Shattuck44 Holt Giménez E, Shattuck A. Food crises, food regimes and food movements: rumblings of reform or tides of transformation? The J. Peasant Stud. 2011; (1):109-144., o regime corporativo está sustentado pelo poder de mercado e lucratividade das corporações envolvidas em todas as atividades agroalimentares, pela revolução varejista dos supermercados, pela liberalização comercial, agricultura de alta escala, atribuindo um status menos relevante à natureza. Tendo em vista a prevalência do neoliberalismo como ordem política e econômica global, quando a obsessão pelo crescimento econômico sepultou a agenda desenvolvimentista, emergiu o Estado neoliberal, deslocando suas atribuições para o mercado, o que sugere a denominação de regime alimentar corporativo neoliberal.

Enquanto espaços do movimento geral do capital em suas diferentes expressões, as atividades de produção, processamento e distribuição de alimentos não são exclusivas de empresas aí formadas. O escopo de oportunidades que surgem nesse ambiente de negócios se ampliou largamente pela sinergia entre as indústrias alimentares, químicas e farmacêuticas, em um dinamismo que gerou maior diversificação de produtos comestíveis, estendeu seus espaços comerciais e redefiniu o significado da alimentação. Com isso, novas frentes de consumo foram abertas por intermédio de práticas mercadológicas que fortalecem a capacidade competitiva das empresas da indústria alimentícia, crescentemente oligopolizada55 Paula NM. Evolução do sistema agroalimentar mundial: contradições e desafios. Curitiba: CRV; 2017.. Essa apropriação da alimentação por todas as vertentes do capital não apenas redefiniu o que, onde, como e para quem produzir, mas também metamorfoseou a essência dos alimentos artificializando-os segundo a lógica industrial e esterilizando--os nos circuitos financeiros. Como um traço adicional do regime corporativo neoliberal, o mercado financeiro invadiu o sistema alimentar em uma íntima interface com o sistema produtivo ao mesmo tempo que passou a incluir as próprias commodities alimentares no jogo especulativo.

Segundo Kaufman66 Kaufman F. The Food Bubble: How Wall Street Starved Millions and Got Away With It. New Democracy. 2010 jul 16. [acesso em 2020 jan 2]. Disponível em: https://www.democracynow.org/2010/7/16/the_food_bubble_how_wall_street.
https://www.democracynow.org/2010/7/16/t...
, no início dos anos de 1990, os alimentos foram tomados pela abstração financeira quando a Goldman Sachs converteu gado, café, cacau, milho, suínos etc. em uma fórmula matemática, simplificada em um algoritmo negociável em Wall Street. Mais ainda, terra agricultável se tornou um alvo do capital financeiro. A afirmação do especulador George Soros de que, diante da perspectiva de aumento dos preços de alimentos, a aquisição de terra se tornou um excelente investimento é referendada pelo disseminado interesse de agentes financeiros, incluindo fundos de pensão, bancos, fundos de private equity, na propriedade de terras77 Grain. The new farm owners: corporate investors and the control of overseas farmland. In: Magdoff F, Tokar B, editores. Agriculture and food in crisis: conflict, resistance, and renewal. New York: Ed. Monthly Review Press; 2010.. Portanto, como sugerido por Burch e Lawrence88 Burch D, Lawrence G. Towards a third food regime: behind the transformation. Agri. Human Val. 2009; (26):267-279., a penetração do capital financeiro no sistema alimentar potencializou o sistema alimentar hegemônico de produção industrial, tornando-se a face proeminente do regime alimentar da ampliação das possibilidades de lucro enquanto subordinam as estruturas produtivas e mercantis à lógica financeira. Assim, as estratégias competitivas das empresas agroalimentares não estão mais restritas à comercialização de seus produtos, mas envolvem decisões a serem tomadas no mercado financeiro e uma captura de instâncias governamentais ao interferirem na formulação de políticas públicas. A rentabilidade do capital envolvido nas atividades agroalimentares já não depende só da competitividade no mundo real das mercadorias, mas de sua miscigenação com as práticas rentistas.

A expansão das redes varejistas em escala global é outro aspecto estruturante do regime alimentar corporativo neoliberal, como integrantes do bloco hegemônico situados no interior das cadeias produtivas componentes do sistema alimentar industrial. Os supermercados já não são meros intermediários passivos nas relações comerciais, assumindo agora um papel ativo que subordina produtores e influenciam decisões de consumo, transmutados em fábricas que vendem produtos com sua própria marca. Mais ainda, por estarem em sintonia imediata com os consumidores, detêm o elo entre a demanda e as fontes globais de suprimento enquanto captam mais facilmente as preferências de consumo formadas em cada espaço social. Nessa posição, adotam práticas de rastreabilidade, arregimentando quem produz segundo as exigências de quem consome, fazendo com que a ideia de alimento oriundo de qualquer lugar (food from nowhere), para descrever o sistema alimentar, seja adicionada à de alimento de algum lugar específico (food from somewhere)99 Smith K, Lawrence G, Richards C. Supermarkets’ governance of the agri-food supply chain: is the corporate-environmental food regime evident in Australia? Inter. J. of Agricult. Food. 2010; 17(2):140-161..

Por outro lado, ainda na esfera do varejo, a rede de serviços de alimentação, como lanchonetes e restaurantes, está diretamente conectada às mudanças nos hábitos alimentares que materializam a noção de dieta neoliberal. O modelo de consumo no contexto do regime alimentar neoliberal tem se propagado em toda a extensão do espectro social, inclusive nos segmentos mais vulneráveis, sobretudo nos países em desenvolvimento, em que há o consumo de fast-food e produtos alimentícios ultraprocessados, mais baratos e acessíveis, produzidos a partir de milho, soja e canola (transgênicos), ricos em calorias, sal, açúcares, gorduras, aditivos químicos e pobres em nutrientes.

Nesse cenário, os alimentos in natura, grãos integrais, carnes magras não processadas (alimentos saudáveis), por serem mais caros, estão acessíveis à população com renda mais alta, principalmente aquelas que residem nos países ricos1010 Otero G, Pechlaner P, Gürcan EC. The Neoliberal Diet: Fattening Profit and People. In: Haymes SN, Haymes MV, Miller RJ, editores. The Routledge Handbook of Poverty in the United States. Londres: Routledge; 2015.. Esse cotidiano alimentar desigual reflete a lógica dominante da globalização e liberalização do comércio, na qual a circulação dos alimentos reflete os desequilíbrios sociais, de forma que produtos de melhor qualidade nutricional tendem a ser mais consumidos pelos que detêm maior poder de compra enquanto os grupos sociais mais vulneráveis aderem a uma alimentação que eleva os índices de sobrepeso, obesidade e doenças crônicas não transmissíveis1010 Otero G, Pechlaner P, Gürcan EC. The Neoliberal Diet: Fattening Profit and People. In: Haymes SN, Haymes MV, Miller RJ, editores. The Routledge Handbook of Poverty in the United States. Londres: Routledge; 2015..

O papel das forças não hegemônicas na ruptura do sistema alimentar global

A dinâmica do sistema alimentar conduzida por forças hegemônicas, segundo a definição do regime alimentar corporativo neoliberal acima exposta, não pode ser traduzida como uma avalanche unidirecional incontida de transformações. Por mais avassalador que seja esse movimento, agricultores familiares e produtores de baixo rendimento econômico, incapazes de seguir as normas competitivas e as exigências dos grandes compradores, ou voluntariamente imersos em sistemas alimentares locais alternativos, conseguem sobreviver, ainda que não estejam imunes à voracidade destrutiva de um paradigma produtivista e de livre mercado. A abertura dos mercados, combinada com atitudes protecionistas dos EUA e da Europa – dominantes no estabelecimento das regras do jogo do comércio internacional, sob a guarda das instituições multilaterais, em particular, a OMC e o FMI –, aprofundou a fragilidade competitiva de vastos setores produtivos agrícolas, assim como restringiu a efetividade de políticas de segurança alimentar. O amálgama da agenda dessas instituições com a ação de grandes corporações agroalimentares, (Cargill, Monsanto/Bayer, ADM), da indústria de processamento de alimentos e bebidas (Nestlé, PepsiCo, Anheuser-Busch InBev, JBS) e das redes varejistas (Tyson, Carrefour, Walmart), além do capital filantrópico (Bill & Melinda Gates), da financeirização das commodities alimentares e do mercado de terras, constitui a força hegemônica do sistema alimentar, cuja consequência tem sido um aprofundamento da insegurança alimentar e nutricional da população44 Holt Giménez E, Shattuck A. Food crises, food regimes and food movements: rumblings of reform or tides of transformation? The J. Peasant Stud. 2011; (1):109-144.,55 Paula NM. Evolução do sistema agroalimentar mundial: contradições e desafios. Curitiba: CRV; 2017.,66 Kaufman F. The Food Bubble: How Wall Street Starved Millions and Got Away With It. New Democracy. 2010 jul 16. [acesso em 2020 jan 2]. Disponível em: https://www.democracynow.org/2010/7/16/the_food_bubble_how_wall_street.
https://www.democracynow.org/2010/7/16/t...
,77 Grain. The new farm owners: corporate investors and the control of overseas farmland. In: Magdoff F, Tokar B, editores. Agriculture and food in crisis: conflict, resistance, and renewal. New York: Ed. Monthly Review Press; 2010.,88 Burch D, Lawrence G. Towards a third food regime: behind the transformation. Agri. Human Val. 2009; (26):267-279.,99 Smith K, Lawrence G, Richards C. Supermarkets’ governance of the agri-food supply chain: is the corporate-environmental food regime evident in Australia? Inter. J. of Agricult. Food. 2010; 17(2):140-161.,1010 Otero G, Pechlaner P, Gürcan EC. The Neoliberal Diet: Fattening Profit and People. In: Haymes SN, Haymes MV, Miller RJ, editores. The Routledge Handbook of Poverty in the United States. Londres: Routledge; 2015.,1111 Ploeg JDV. Camponeses e impérios alimentares: lutas por autonomia e sustentabilidade na era da globalização. Porto Alegre: Editora da UFRGS; 2008.,1212 Grupo Etc. Tecno-fusiones comestibles: mapa del poder corporativo em la cadena alimentaria, classificación de empresas por sector e ingressos en 2018. [acesso em 2020 jan 23]. Disponível em: https://www.etcgroup.org/sites/www.etcgroup.org/files/files/etc_platetechtonics_nov_spanish-fin.pdf.
https://www.etcgroup.org/sites/www.etcgr...
. Assim, como destacado por Yardak1313 Yardak S. Challenges of Neoliberal Corporate Food Regime: Food Sovereignty Alternative. [acesso em 2020 jan 22]. Disponível em: https://www.academia.edu/11073580/Challenges_of_Neoliberal_Corporate_Food_Regime_Food_Sovereignty_Alternative.
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, esse arranjo estrutural orientado pela busca de oportunidades proporcionadas pela liberalização dos mercados e pela conversão desenfreada de governos e agentes econômicos ao credo neoliberal não está sintonizado com as necessidades alimentares da população nem com as expectativas de sobrevivência de produtores agrícolas familiares de pequena escala.

Embora McMichael33 McMichael P. The power of food. J. Agri. Human Values. 2000; (17):21-33. explicite as propensões globalizantes incontroláveis do sistema alimentar, além das contenções que se manifestam entre seus componentes, movimentos de resistência atuantes tanto local quanto internacionalmente têm atuado para inibir decisões de governos e corporações. Desse modo, frentes contra-hegemônicas são impulsionadas pela defesa da agricultura familiar, criação e/ou fortalecimentos de redes locais e/ou regionais de abastecimento, estímulo à produção e ao consumo de alimentos ecologicamente sustentáveis, reivindicação por políticas públicas em sintonia com princípios de SSAN e pela valorização de uma ciência cidadã que inclua os saberes dos povos em toda sua diversidade.

Com isso, longe de expressar um movimento coeso, a noção de regime alimentar corporativo neoliberal incorpora um embate inerente nas relações de poder em torno da regulação das atividades e das relações econômicas que definem a trajetória do sistema alimentar. A orientação dominante de maximização dos lucros, favorecida pela desregulação do mercado mundial de alimentos e do sistema financeiro, pelo controle das inovações biotecnológicas, tem resultado na fragilidade de segmentos sociais envolvidos na produção de alimentos, na destruição ambiental e na piora das condições de saúde em função da proliferação de hábitos alimentares pouco saudáveis. Não apenas movimentos de resistência emergem para contestar as regras do jogo, mas também conflitos são formados entre os próprios integrantes do sistema hegemônico. Políticas nacionais favoráveis aos interesses dos negócios agroindustriais e à estabilização do consumo alimentar no âmbito nacional são questionadas e removidas por representarem obstáculos às estratégias de corporações alimentares globais.

Em uma descrição sintética desse regime, McKeon1414 McKeon N. Food Security Governance: Empowering communities, regulating corporations. Routledge: London and New York; 2015. ressalta os efeitos da proteção aos direitos de propriedade, a centralização dos capitais do agronegócio, as políticas de subsídios, a disseminação de um padrão de consumo engendrado por redes varejistas globais, amparadas por um modelo agroexportador que conecta agricultores a grandes supermercados e redes globais de fast-food e assemelhados. Ou seja, o poder das grandes corporações está no centro da evolução do sistema alimentar, estabelecendo as condições de produção e consumo. As oportunidades de investimento na exploração de matérias-primas, na montagem de redes e infraestrutura de comercialização e abastecimento emergiram mais claramente como reflexo da liberalização dos mercados, propiciando a liberdade necessária para comercializar e investir e difundir produtos de inovação protegidos por direitos à propriedade privada1515 Friedmann H. International political economy of food: a global crisis. New left Rev. 1993; (197):29-57..

Diante dessas contradições, os governos nacionais têm sido pressionados para adotar políticas contra-hegemônicas e, em alguma medida, democráticas, orientadas pelas necessidades alimentares e nutricionais das populações, alinhadas à preservação dos valores culturais e ambientais, à geração de oportunidades ao trabalho e renda que viabilizem o acesso aos alimentos seguros e nutritivos, bem como às práticas agrícolas que respeitem o ambiente. Esses aspectos compõem uma agenda alternativa para reverter as tendências globais, por meio da ampliação da participação democrática e fortalecimento de atores políticos orientados pelos princípios da SSAN (que mencionaremos mais adiante), para a qual são essenciais sistemas locais de produção-consumo de alimentos que respeitem a sazonalidade e potencializem as particularidades territoriais. Todavia, em que pese a limitada potência dessa contratendência, seu avanço está condicionado ao papel de instituições governamentais e organizações sociais locais e internacionais alinhadas a estratégias de transformação1616 Friedmann H. From Colonialism to Green Capitalism: Social Movements and Emergence of Food Regimes. In: Buttel F, McMichael P, editores. Research in Rural Sociology and Development: New Directions in the Sociology of Global Development. Amsterdam: Elsevier; 2003. p. 227-264..

A proeminência do capital industrial não tem resultado na uniformidade das formas de produzir, comercializar e consumir alimentos, a partir dos desígnios dos grandes mercados. O avanço do capitalismo no campo da alimentação não é absoluto e uniformizador, uma vez que formas pretéritas ou alternativas de produção e de consumo persistem à sua margem, mesmo que conectadas, em graus distintos às estruturas hegemônicas. A capacidade de agregar sistemas produtivos locais e suas redes de suprimento sob uma coordenação global facilitada por um sofisticado aparato de informações logísticas sobre toda a gama de produtos33 McMichael P. The power of food. J. Agri. Human Values. 2000; (17):21-33. não garante, todavia, uma coesão absoluta do sistema alimentar. A voracidade do capitalismo sobre produção, processamento, distribuição e consumo de alimentos tem sido acolhida por uma ordem política que negligencia a corrosão dos ecossistemas e a desvinculação das fontes de abastecimento alimentar das necessidades humanas22 McMichael P. Regimes Alimentares e Questões Agrárias. São Paulo; Porto Alegre: Editora Unesp; Editora da UFRGS; 2016.. A globalização do alimento, traduzido em sua conversão em mercadoria, exposto continuamente nas prateleiras das redes varejistas, contrasta com o estado de insegurança alimentar e nutricional, em particular, de grupos sociais mais vulneráveis tanto em países considerados desenvolvidos quanto nos mais pobres ou em desenvolvimento. Ou seja, com base nessa trajetória, a alimentação enquanto condição de vida, estranhamente, não compõe a essência do sistema alimentar. Tal constatação é mais incontroversa no contexto atual de aumento das desigualdades sociais, subproduto da ordem econômica neoliberal, quando as renovadas expectativas de desenvolvimento se divorciaram do Estado e foram preponderantemente depositadas na engrenagem dos mercados globais.

Saúde coletiva e a agroecologia: diálogos necessários para a construção de sistemas alimentares sustentáveis e saudáveis

Refletir sobre sistemas alimentares sustentáveis e saudáveis implica problematizar distintas e complexas variáveis que, em alguma medida, influenciam nas dimensões do produzir, colher, processar, distribuir, alimentar a si e aos demais, comer individual e coletivamente, e nutrir ‘nutricionalmente falando’, mas também simbolicamente. Outrossim, para debater sobre esse tema, torna-se imperativo ampliar a noção de sistema alimentar para além dos sentidos material e econômico, cuja dinâmica industrial é sustentada por práticas destrutivas que expulsam povos dos seus territórios, expropria a natureza, contamina solos, água, ar e alimentos, adoece e mata pessoas e o ambiente. Dessa forma, alinhados aos aspectos enaltecidos por Friedmann1616 Friedmann H. From Colonialism to Green Capitalism: Social Movements and Emergence of Food Regimes. In: Buttel F, McMichael P, editores. Research in Rural Sociology and Development: New Directions in the Sociology of Global Development. Amsterdam: Elsevier; 2003. p. 227-264. e McMichael22 McMichael P. Regimes Alimentares e Questões Agrárias. São Paulo; Porto Alegre: Editora Unesp; Editora da UFRGS; 2016. destacados acima, Larson et al.1717 Larson J, Aguilar C, González F, et. al. Si más es menos, menos podría ser más: alimentación, medio ambiente y salud. In: Rubio B, Pasquier A, organizadores. Inseguridad alimentaria y políticas de alivio a la pobreza: una visión multidisciplinaria. Cidade do México. Universidad Nacional Autónoma de México, Instituto de Investigaciones Sociales; 2019.(42) definem o sistema alimentar, embora em um viés normativo, como

[...] um conjunto de regras ou princípios da própria alimentação, entrelaçados entre si, que de uma forma organizada contribuem para que a produção e o consumo de alimentos estejam extintos de risco.

Segundo essa reflexão, para que tais sistemas alimentares sejam sustentáveis,

[...] a agricultura deve produzir mais em menos superfície, reduzir seu impacto nos ecossistemas naturais e transformados, e usar de maneira mais eficiente a água e a umidade, assim como a fertilidade dos solos1717 Larson J, Aguilar C, González F, et. al. Si más es menos, menos podría ser más: alimentación, medio ambiente y salud. In: Rubio B, Pasquier A, organizadores. Inseguridad alimentaria y políticas de alivio a la pobreza: una visión multidisciplinaria. Cidade do México. Universidad Nacional Autónoma de México, Instituto de Investigaciones Sociales; 2019.(43).

Com base nessa interpretação, a agroecologia e a saúde coletiva são vistas

[...] como resistências ao discurso hegemônico que apregoa uma normatização e homogeneização das diversas esferas da vida e que conclamam, diante da crise alimentar e climática, por novos paradigmas1818 Giordani RCF, Bezerra I, Anjos MCR. Semeando agroecologia e colhendo nutrição: rumo ao bem e bom comer. In: Sambuichi RHR, Moura IF, Mattos LMA, et al. A política nacional de agroecologia e produção orgânica no Brasil: uma trajetória de luta pelo desenvolvimento rural sustentável. Brasília, DF: IPEA; 2017.(434).

Ainda segundo essas autoras, destaque deve ser dado ao consumo para uma compreensão mais consistente dos sistemas alimentares sustentáveis e saudáveis.

A produção e o consumo do alimento agroecológico acionam diferentes redes de sentido, como a integração e a dependência com o espaço; e o conceito ampliado de saude, que envolve um bem--estar que se completa na tomada de consciência em relação a necessidade de integração socieda-de-natureza. São discussoes em que o alimento e referido como comida de verdade, potencialmente produtiva de significados que extrapolam a função biológica e nutricional. E nessa perspectiva que se traz o conceito do bem viver e seus desdobramentos imediatos, como o bem e bom comer1818 Giordani RCF, Bezerra I, Anjos MCR. Semeando agroecologia e colhendo nutrição: rumo ao bem e bom comer. In: Sambuichi RHR, Moura IF, Mattos LMA, et al. A política nacional de agroecologia e produção orgânica no Brasil: uma trajetória de luta pelo desenvolvimento rural sustentável. Brasília, DF: IPEA; 2017.(434).

A crise climática que resulta de um sistema alimentar de produção industrial que expulsa, expropria, contamina e mata também difunde e impulsiona uma alimentação baseada em produtos comestíveis de alta densidade energética com elevadas concentrações de açúcares e gorduras, pobre em micronutrientes e de baixo custo, causando doenças relacionadas com obesidade e desnutrição. O termo ‘Sindemia Global’ expressa essa complexa relação e favorece a reflexão acerca de fenômenos distintos, mas que convergem entre si, quando associados à determinação social, política e econômica do processo saúde- doença que os recolocam no centro do debate. Segundo a comissão The Lancet (iniciativa interdisciplinar que inclui líderes de ciências da saúde, negócios, finanças e políticas públicas para formular recomendações sobre os mais distintos temas), o termo ‘Sindemia Global’1919 Swinburn BA, Kraak VI, Allender S, et al. A Sindemia Global da Obesidade, da Desnutrição e das Mudanças Climáticas: o relatório da Comissão The Lancet. Lancet. 2019 [acesso em 2020 set 1]. Disponível em: https://alimentandopoliticas.org.br/wp-content/uploads/2019/08/idec-the_lancet-sumario_executivo-baixa.pdf.
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foi cunhado como referência à simultaneidade no espaço e no tempo de três pandemias: obesidade, desnutrição e mudanças climáticas, como explicitado:

[...] o conceito aponta que as três pandemias interagem umas com as outras, compartilham determinantes e, portanto, exercem uma influência mutua em sua carga para a sociedade. Suas causas passam pelos interesses comerciais que orientam o modelo hegemônico do sistema agroalimentar global, pela falta de vontade das lideranças políticas e pela frágil e insuficiente ação da sociedade em geral1919 Swinburn BA, Kraak VI, Allender S, et al. A Sindemia Global da Obesidade, da Desnutrição e das Mudanças Climáticas: o relatório da Comissão The Lancet. Lancet. 2019 [acesso em 2020 set 1]. Disponível em: https://alimentandopoliticas.org.br/wp-content/uploads/2019/08/idec-the_lancet-sumario_executivo-baixa.pdf.
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.

É a partir dessa compreensão que a abordagem teórica e epistemológica da saúde coletiva, assim como da agroecologia, é necessária para debate e proposição de alternativas. Tais pandemias vêm afetando significantemente a saúde humana e do ambiente ao longo das últimas décadas, sendo que obesidade e desnutrição, associadas a outras comorbidades, têm sido responsáveis por 19% do adoecimento e das mortes prematuras no mundo. Para além do seu caráter de denúncia, o referido relatório contém sugestões para a criação e/ou fortalecimento de estratégias para enfrentamento desse fenômeno.

Os sistemas alimentares sustentáveis e saudáveis, capazes de promover ‘o bem e o bom comer’, passam, portanto, pela necessidade de reconstrução e aprofundamento de conhecimentos. Também estão alinhados ao que se preconiza como sendo ‘comida de verdade’, uma vez que esta possui de forma explícita o atributo da saudabilidade. Tanto o ‘Guia Alimentar da População Brasileira’2020 Brasil. Ministério da Saúde. Guia Alimentar da População Brasileira. 2. ed. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2014. [acesso em 2022 mar 30]. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assun-tos/saude-brasil/publicacoes-para-promocao-a--saude/guia_alimentar_populacao_brasileira_2ed.pdf/view.
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como o relatório The Lancet1919 Swinburn BA, Kraak VI, Allender S, et al. A Sindemia Global da Obesidade, da Desnutrição e das Mudanças Climáticas: o relatório da Comissão The Lancet. Lancet. 2019 [acesso em 2020 set 1]. Disponível em: https://alimentandopoliticas.org.br/wp-content/uploads/2019/08/idec-the_lancet-sumario_executivo-baixa.pdf.
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evocam a necessidade de mudanças nos hábitos alimentares de forma prática e cotidiana, para as quais são necessárias outras dimensões do produzir-comer.

Para Giraldo e Rosset2121 Giraldo OF, Rosset PM. La agroecología en una encrucijada: entre la institucionalidad y los movimientos sociales. Guaju-Matinhos. 2016 [acesso em 2020 out 5]; 2(1):14-37. Disponível em: https://goo.gl/jB5FFg.
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, a ciência agroecológica traz elementos fundamentais para repensar a relação produção-consumo, já que a conexão produzir-comer está imbricada na sociedade e, portanto, na natureza. A agroecologia permite um questionamento da ordem alimentar neoliberal em curso, visto que, enquanto ciência--prática-movimento, traz concepções e visões de mundo localizadas no tempo e no espaço, heranças culturais, saberes e conhecimentos locais e territoriais além dos movimentos que dinamizam os territórios, exatamente pela sua capacidade de romper com paradigmas destrutivos da sociedade e da natureza. Em essência, a construção de conhecimentos que preze pela saúde e o bem-estar da sociedade e da natureza é essencial. Segundo documento de criação ‘Unión de Científicos Comprometidos con la Sociedad y la Naturaleza de América Latina’2222 Unión de Científicos Comprometidos con la Sociedad y la Naturaleza de América Latina. Documento Constitutivo de la Unión de Científicos Comprometidos con la Sociedad y la Naturaleza de América Latina (UCCS- NAL). 2015. [acesso em 2020 jan 10]. Disponível em: http://uccsnal.org/documento-constitutivo-de-la-union-de-cientificos--comprometidos-con-la-sociedad-y-la-naturaleza-de-america-latina/.
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(UCCSNAL), em 2015,

[...] o conhecimento científico e tecnológico, em particular aquele desenvolvido em um contexto reducionista, sem o devido controle social, tem contribuído para criar problemas ambientais e de saude, com alcances muitas vezes catastróficos e irreversíveis2222 Unión de Científicos Comprometidos con la Sociedad y la Naturaleza de América Latina. Documento Constitutivo de la Unión de Científicos Comprometidos con la Sociedad y la Naturaleza de América Latina (UCCS- NAL). 2015. [acesso em 2020 jan 10]. Disponível em: http://uccsnal.org/documento-constitutivo-de-la-union-de-cientificos--comprometidos-con-la-sociedad-y-la-naturaleza-de-america-latina/.
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Para Massarini2323 Massarini A. ¿Tecnociencia de mercado o Ciencia Digna? Artículo de reflexión. Ciencia Digna. Amer. Latina. 2020. 1(1)., a expansão do agronegócio é um dos principais pilares dos processos de exploração e expropriação nos territórios que vem culminando na convergência das crises social, ambiental, de saúde e sanitária atuais. No entanto, como ressalta o documento, a América Latina tem, nos últimos anos, testemunhado a formação de vários coletivos da sociedade civil organizada, movimentos sociais e grupos e/ou organizações de pesquisa que vêm denunciando os inúmeros impactos e danos à saúde (das pessoas, dos solos, da água, do ambiente em geral) decorrentes do sistema alimentar industrial de produção e consumo que reverbera nas mais distintas violações de ser/estar/existir. A autora menciona ainda que esses mesmos atores visibilizam experiências agroecológicas transformadoras que convergem na concretização cotidiana do diálogo entre saúde e agroecologia nos territórios, já que estes constroem resistências e resiliências mediante um caminho solidário de recuperação e construção de saberes e práticas. Segundo Wallace2424 Wallace R. Pandemia e agronegócio: doenças infecciosas, capitalismo e ciência. São Paulo: Editora Elefante; 2020.(529),

O surgimento de patógenos ao longo dos circuitos de produção e reproduzido de modos diversos de acordo com cada região e, apesar de diferentes em suas particularidades, os circuitos locais de produção operam por meio da mesma rede de expropriação global, com impactos ambientais subjacentes. [...] a exploração madeireira, a mineração e a agricultura intensiva, dirigidas pelo capital simplificam a complexidade natural. [...] nessas fronteiras neoliberais, enquanto diversos patógenos morrem como resultado do desaparecimento de especies de hospedeiros, um subconjunto de infecçoes que antes era interrompido de forma relativamente rápida nas florestas, agora se propaga com maior amplitude2424 Wallace R. Pandemia e agronegócio: doenças infecciosas, capitalismo e ciência. São Paulo: Editora Elefante; 2020.(529).

Por isso, para os sistemas alimentares serem efetivamente sustentáveis e saudáveis, precisam ser pautados nos princípios da agroecologia, que, em sua essência, preza pela saúde e direito das pessoas e da natureza. De acordo com documento da Fundação Oswaldo Cruz1212 Grupo Etc. Tecno-fusiones comestibles: mapa del poder corporativo em la cadena alimentaria, classificación de empresas por sector e ingressos en 2018. [acesso em 2020 jan 23]. Disponível em: https://www.etcgroup.org/sites/www.etcgroup.org/files/files/etc_platetechtonics_nov_spanish-fin.pdf.
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, a agroecologia é

[...] compreendida enquanto um conjunto de princípios e práticas que orientam nossas formas de habitar e conviver, circunscrita por dimensoes, como a cultural, a ecológica, a econômica, a social e a política.

A esse entendimento, podem ser acoplados os princípios de soberania alimentar e direito humano à alimentação adequada, os quais, segundo Maluf2626 Maluf R. Soberania Alimentar no Continente das Desigualdades. In: Bezerra I, Perez-Cassarino J. Soberania Alimentar (SOBAL) e Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) na América Latina e Caribe. Curitiba: UFPR; 2015.(259) “[...] foram fundados em direitos, que devem orientar os programas e as ações públicas voltadas para promover a Segurança Alimentar e Nutricional”. Tem-se assim os parâmetros para captar a extensão das distintas violações e seus impactos nas condições de saúde (das pessoas e do ambiente), mas, sobretudo, para propor estratégias de enfrentamento e fortalecer processos transformadores nos mais distintos territórios (físicos e geográficos, do intelecto e simbólicos), assim como nas narrativas formuladas em torno da saúde coletiva e da agroecologia. No mesmo sentido, a definição de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN), segundo a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Losan), dá um respaldo institucional e normativo a essa argumentação, definindo SAN como

[...] a realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saude que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis2727 Brasil. Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006. Cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional-SISAN com vistas em assegurar o direito humano à alimentação adequada e dá outras providências. Diário Oficial da União. 15 Set 2006. [acesso em 2022 mar 30]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11346.htm.
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Sobre o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA), é importante destacar que o Estado brasileiro assinou o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Pidesc), no qual a alimentação é considerada um direito humano. A materialização deste, no entanto, segundo Bezerra e Isaguirre2828 Bezerra I, Isaguirre K. Direito Humano à Alimentação Adequada /DHAA: a discussão da “Geografia da Fome” à sua proteção jurídica no Brasil. In: Corrêa L, organizador. Diálogos sobre o Direito Humano à Alimentação Adequada. Juiz de Fora: Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora; 2019.(197),

[...] requer uma compreensão do sistema social, político e econômico dominante para suscitar novos caminhos para o processo de tomada de decisoes que configura o(s) modelo(s) de SAN a ser(em) adotado(s) por cada país ou região.

A alimentação é vital para a existência, não sendo suficiente apenas produzir e comer qualquer alimento, mas aqueles produzidos segundo princípios de sustentabilidade e respeito à natureza e com características saudáveis e adequadas, sob a ótica da DHAA. Essas são exigências não atendidas pelo modelo de produção de monoculturas em larga escala incrustado na dinâmica do sistema alimentar hegemônico.

Embora, como destacado acima, tenha lastreado o sentido de segurança alimentar, a concepção de soberania alimentar foi concebida em 1996 pela Via Campesina Internacional (VCI) e referendada no Fórum Mundial de Soberania Alimentar em 2001:

[...] é o direito dos povos de definir suas próprias políticas agropecuárias e de alimentação, bem como proteger e regulamentar a produção agropecuária e o mercado nacional objetivando alcançar o desenvolvimento sustentável. [...] a soberania alimentar não nega o comercio internacional, porem defende a opção de formular políticas e fomentar práticas comerciais que sirvam aos direitos das populaçoes disponibilizando metodos e produtos alimentícios inócuos, nutritivos e ecologicamente sustentáveis2929 Via Campesina Internacional. “Declaración Final del Foro Mundial sobre Soberanía Alimentaria”. Havana. 2001 set 7. [acesso em 2020 jan 10]. Disponível em: http://www.movimientos.org/cloc/show_text.php3?key=1178.
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Da mesma forma, Bezerra3030 Bezerra I. “Nesta terra, em se plantando dá?” Política de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional no meio rural parananese, o caso do PAA. [tese]. Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte; 2010.,3131 Bezerra I. Verbete: Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional/SSAN. Dicionário de Agroecologia e Educação. No prelo 2021. articula esses princípios à concepção de SAN, incorporando outras dimensões da vida em sociedade em sinergia com a natureza, de forma a direcionar ações do Estado por meio de estratégias territoriais sustentáveis em toda a extensão do circuito da alimentação pautadas pelo direito dos povos. Mais ainda, a junção da noção de soberania à de segurança alimentar é resultado do protagonismo individual e coletivo das populações rurais e urbanas ao mesmo tempo que, ao garantir o acesso aos recursos necessários para produção e acesso aos alimentos, proporciona o DHAA. Para tanto, é essencial que os sistemas alimentares agroecológicos, com práticas e processos sintonizados aos direitos humanos e da natureza que promovam saúde, estejam na base de uma sociedade na qual prevaleça a justiça social, cultural, ambiental e alimentar3030 Bezerra I. “Nesta terra, em se plantando dá?” Política de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional no meio rural parananese, o caso do PAA. [tese]. Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte; 2010..

No mesmo sentido, Salcido3232 Salcido GT. Seguridad y soberanía alimentarias. Ética y alternativas locales. In: Rubio B, Pasquier A, organizadores. Inseguridad alimentaria y políticas de alivio a la pobreza: una visión multidisciplinaria. Cidade do México. Universidad Nacional Autónoma de México, Instituto de Investigaciones Sociales, 2019. afirma que a concepção de soberania alimentar contém a objetividade de ser política e social, já que, no contexto do atual sistema alimentar de produção industrial, a noção de SAN desconsidera o poder excessivo que grandes empresas agroalimentícias acumulam, especialmente na oferta global de produtos comestíveis (ultraprocessados) a preços acessíveis. Com isso, a sociedade, em diferentes partes do mundo, vivencia os efeitos da obesidade e de suas comorbidades, e ainda são diretamente afetadas pela crise climática e pela prática de dumping (exploração nas relações comerciais) que agravam ainda mais desigualdades sociais. Por fim, a elevação do custo de manutenção dos sistemas de saúde como efeito do uso indiscriminado de agrotóxicos, que contamina, polui e mata (pessoas e natureza), representa uma inquestionável negligência de governos e demais agentes públicos a sistemas agroecológicos sustentáveis e saudáveis, além de fortes incentivos ao modelo hegemônico de produção.

A partir dessa compreensão, toma-se então, como fundamento teórico no campo da saúde coletiva, a perspectiva da epidemiologia crítica, a qual, segundo Breilh3333 Breilh J. Epidemiología crítica: Ciência emancipadora e interculturalidad. Buenos Aires: Lugar Editorial; 2009., é fundamental para a problematização dos processos destrutivos em seus diversos níveis e temporalidades. Estes se manifestam de forma concreta e contínua nas violações dos direitos humanos e da natureza, com impactos devastadores em suas práticas produtivas e sociais. Desse modo, as análises dos sistemas alimentares sustentáveis e saudáveis devem não apenas adotar uma abordagem problematizadora e crítica, mas também ser propositiva e fundadora de novos modelos de produção e consumo de alimentos.

A agroecologia, por sua vez, enquanto ciência-prática-movimento, promove e, ao mesmo tempo, materializa processos transformadores nos territórios nas mais distintas dimensões. Para Laranjeira3434 Laranjeira NPF, Carcelle SJA, Miranda D, et al. Para uma ecologia de saberes: trajetória da construção do conhecimento agroecológico na Associação Brasileira de Agroecologia/ABA. Rev Bras Agroec. 2019; 14(2):65-79., os princípios que movem a agroecologia vêm de uma “[...] abordagem interdisciplinar, sistêmica e participativa, com base no diálogo de saberes”, o qual é necessário para a construção do conhecimento agroecológico, na forma de um alinhamento entre o tradicional, ou popular, e o científico, base para a formação de sistemas alimentares sustentáveis e saudáveis no âmbito de seus territórios. Na mesma linha, para Mota3535 Motta VD. Editorial: Pesquisa-Ação e visibilização do sujeito: mulher e raça. Rev Bras. Agro. 2020; 15(2):47-48., agroecologia, diferentemente de outras ciências, contém elementos transformadores que se traduzem em novos paradigmas, essenciais para uma sociedade mais justa e solidária. Essa concepção é fundamental para vislumbrar a construção de sistemas alimentares sustentáveis e saudáveis alinhados às raízes epistemológicas da saúde coletiva.

Considerações finais

As reflexões apresentadas nesta análise sobre a dinâmica nefasta do sistema alimentar hegemônico de produção industrial – e suas implicações sociais, ambientais e de saúde – acabam evidenciando as limitações da ação do Estado para corrigir aqueles efeitos. Tem-se assim que, ao se converter em um suporte do capitalismo neoliberal, o Estado é capturado pelas estratégias das grandes corporações ao mesmo tempo que seu papel regulador e de mitigador das mazelas do mercado perde relevância. A extinção de instâncias de controle social como o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), que, historicamente, promove o enfrentamento do modelo que eleva a sociedade brasileira a uma condição de vulnerabilidade social, econômica e alimentar e que vinha em intensos processos de construção coletiva propondo ações e estratégias concretas de SSAN, ilustra bem essa assertiva. De forma similar, também ilustra as inúmeras decisões políticas tomadas pelo próprio governo brasileiro em 2019, cuja agenda de proteção da saúde coletiva se desvanece.

Dessa forma, há uma fragilização de instituições envolvidas na democratização do acesso aos meios de produção e reprodução social (terra, água, recursos financeiros), na garantia dos direitos de povos e comunidades tradicionais para a manutenção dos seus saberes e práticas nos seus territórios, e no fortalecimento da agricultura familiar e camponesa, guardiã da transição agroecológica. Embora limite, essa situação não impede que os movimentos sociais continuem engajados no fortalecimento e na disseminação de práticas agroecológicas nos seus territórios (rurais e urbanos), rejeitando o cultivo de sementes geneticamente modificadas, democratizando o acesso a alimentos em quantidade e de qualidade, preservando sementes crioulas entre outras práticas. Como é o caso do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Sem Terra (MST) e do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) que têm protagonizado a luta no campo e na cidade, pelo direito a terra e moradia, mas também por uma produção agroecológica e pelo acesso universal e equitativo à alimentação saudável e sustentável. Esses temas se entrelaçam na compreensão teórica e, sobretudo, assumem um caráter prático no âmbito das políticas públicas e da ação estratégica de coletivos e/ou organizações da sociedade civil com vistas à construção de sistemas alimentares sustentáveis e saudáveis nos quais a saúde (das pessoas e do ambiente) é uma dimensão prioritária de ação/ feitura, atenção e cuidado. Paralelamente, tais ações devem estar sintonizadas com uma agenda contra-hegemônica visando à desconstrução dos sistemas dominantes por meio de ações como a Campanha Permanente contra Agrotóxicos e pela Vida, que, ao longo dos últimos anos, esclarece a sociedade sobre os riscos à saúde (das pessoas e do ambiente) do uso indiscriminado de agrotóxicos e de sementes transgênicas. Processos transformadores têm sido estimulados por intermédio de anúncios e eventos, a exemplo das Jornadas de Agroecologia ocorridas em vários estados com o apoio de inúmeras organizações como o MST. Para tanto, é fundamental a formação de uma base de conhecimento que dê solidez conceitual e visibilidade a um sistema alimentar coeso e sustentado nos princípios da SSAN, no DHAA, na valorização da vida humana e respeito à natureza. Nesse caminho, algumas organizações têm se destacado, como a Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), o Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN), a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (RedePenSSAN), a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), a Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e, ainda, a recém-criada Ação Coletiva Comida de Verdade, que congrega uma rede de organizações, entre tantas outras. O protagonismo dessas organizações é capaz de destituir a ordem alimentar atual de sua proeminência e conectar a sociedade a um modelo de alimentação social, cultural e ambientalmente sustentável e saudável.

  • Suporte financeiro: não houve

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    Jun 2022

Histórico

  • Recebido
    29 Set 2020
  • Aceito
    12 Nov 2021
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