Participação, representação e deliberação no processo decisório do Conselho Municipal de Saúde de Marabá-PA (2018-2020)

Norberto Ferreira Rocha Marcelo Rasga Moreira Sobre os autores

RESUMO

O objetivo deste artigo foi analisar o processo decisório do Conselho Municipal de Saúde de Marabá (CMS-M), no estado do Pará, no período de 2018 a 2020, tendo como foco os temas que foram discutidos nas reuniões ordinárias ocorridas nesse intervalo. Foi utilizado o estudo de caso como método de uma pesquisa de abordagem qualitativa que conjuga fontes primárias e secundárias. As fontes primárias foram obtidas por meio da observação participante nas reuniões realizadas no CMS-M, e as fontes secundárias, mediante análise de documentos públicos, especialmente ‘pautas’ e ‘atas’ produzidas. Tal método está vinculado a um modelo de análise próprio, concebido no escopo deste artigo. Como resultados, foram constatadas: efetiva participação dos conselheiros no processo deliberativo; regras institucionais restritivas à participação da sociedade na apresentação de demandas e denúncias; forte influência da gestão municipal no processo decisório do conselho; e baixa resposta do poder público municipal no cumprimento das deliberações produzidas no CMS-M.

PALAVRAS-CHAVES
Conselhos de saúde; Participação social; Deliberações; Gestor de saúde

Introdução

A participação da sociedade em conselhos gestores de políticas públicas tem sido apontada por diferentes autores como uma das principais experiências institucionais desenvolvidas a partir da Constituição de 198811 Gohn MG. Conselhos gestores: e participação sociopolítica. 2. ed. São Paulo: Cortez; 2003. (Série: Questões da nossa época, v. 84)., 33 Avritzer L. Instituições participativas e desenho institucional: algumas considerações sobre a variação da participação no Brasil democrático. Opin Publica. 2008; 14(1):43-64., 44 Labra ME. Conselhos de saúde: Visões ‘macro’ e ‘micro’. Civitas. 2006; 6(1):199-221.. O setor saúde foi o que mais avançou, construindo uma rede de conselhos (nacional, estadual e municipal), que conjugava, no último estudo censitário publicado, mais de 50 mil conselheiros de saúde, dos quais cerca de 35 mil representavam os usuários e trabalhadores do Sistema Único de Saúde (SUS)55 Moreira MR, Escorel S. Conselhos Municipais de Saúde do Brasil: um debate sobre a democratização da política de saúde nos vinte anos do SUS. Ciênc. Saúde Colet. 2009; 14(3):795-806..

Nesse contexto, o estudo dos artigos que analisam o funcionamento dos conselhos, sua estrutura, a participação e a representação dos segmentos que o compõem, sua capacidade deliberativa e outros temas essenciais representaria a melhor estratégia para construir uma análise baseada em evidências acerca da situação dos conselhos de saúde no Brasil. Por consequência, tais estudos, ainda que indiretamente, poderiam também revelar importantes problemas locais de saúde, permitindo um melhor conhecimento sobre a situação de saúde desse tão díspar conjunto de municípios que o Brasil possui66 Silva BT, Lima IMSO. Conselhos e conferências de saúde no Brasil: uma revisão integrativa. Ciênc. Saúde Colet. 2021 [acesso em 2021 jul 26]; 26(1):319-328. Disponível em: http://old.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232021000100319&lng=pt&nrm=iso.
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Contudo, uma pesquisa na base SciELO mostra que, em 17 de maio de 2021, utilizando-se ‘conselho’ e ‘saúde’ como termos de pesquisa, somente 32 artigos dedicam-se a estudar a atuação de conselhos de saúde, dos quais apenas 2 referem-se a conselhos da região Norte. Ampliando-se a busca com o uso de ‘conselhos’, somente mais um artigo é incluído, chegando-se a um total de 3 artigos sobre conselhos de saúde da região Norte.

O presente artigo aponta essa lacuna científica brasileira, pretendendo contribuir, singelamente e em seus limites, para seu preenchimento. Para tanto, aborda como tema a atuação do Conselho Municipal de Saúde de Marabá (CMS-M), no estado do Pará, Amazônia Oriental brasileira.

Marabá foi fundada em 27 de fevereiro de 1923, contando com 283.542 habitantes. Cidade ‘polo’ da mesorregião Sudeste Paraense, é o quarto município mais populoso e terceiro no ranking dos maiores Produtos Internos Brutos do estado do Pará. Em termos demográficos, apresenta grande miscigenação de pessoas e culturas, como já indica o significado de seu nome: ‘filho da mistura’. É conhecida como ‘Cidade Poema’, pois seu nome é inspirado na obra literária ‘Marabá’, de Gonçalves Dias77 Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA). Sobre a cidade de Marabá. Marabá: CPEE; 2018. [acesso em 2021 jul 26]. Disponível em: https://cpee.unifesspa.edu.br/maraba.html.
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O município está inserido em uma das áreas mais modificadas pela política desenvolvimentista implantada na região amazônica oriental nos anos 197088 Velho OG. Frentes de Expansão e estrutura agrária: estudo do processo de penetração numa área da Transamazônica. Rio de Janeiro: Zahar; 1972. e nas duas primeiras décadas do século XXI99 Biancarelli AM. A Era Lula e sua questão econômica principal: crescimento, mercado interno e distribuição de renda. Rev. Inst. Estud. Bras. 2014 [acesso em 2021 jul 26]; (58):263-288. Disponível em: http://old.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0020-38742014000100012&lng=pt&nrm=iso.
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. Tais políticas promoveram, por um lado, desenvolvimento econômico e social e, por outro, a ocupação desigual do território, o acirramento de disputas de terras tradicionalmente ocupadas por povos tradicionais (indígenas, ribeirinhos e quilombolas) e intervenções danosas ao meio ambiente.

Isso transformou o modo de vida e os processos políticos, sociais e culturais da cidade ao mesmo tempo que favoreceu o surgimento de movimentos de resistência, em especial, o de direito ao acesso a serviços básicos, como saúde, educação, moradia e, com destaque, ao acesso à terra.

No setor saúde, conforme dados disponibilizados pelo DataSUS (http://www2.datasus.gov.br), em 2018 e 2019, houve 32.661 internações, devido, sobretudo, a: gravidez, parto e puerpério (37,8% do total das internações); lesões, envenenamento e algumas outras consequências de causas externas (13,9%); doenças do aparelho digestivo (11,5%); doenças do aparelho respiratório (7,03%); doenças do aparelho circulatório (4,24%); e doenças do aparelho geniturinário (3,53%).

No mesmo período, houve 3.275 óbitos, com destaque para: a) causas externas de morbidade e mortalidade (25% das mortes); b) doenças do aparelho circulatório (21,3%); c) doenças do aparelho respiratório (8,6%); d) neoplasias (5,6%); e) doenças infecciosas e parasitárias (4,9%); e f) doenças do aparelho digestivo (4,76%).

A pandemia da Covid-19 impactou o sistema de saúde municipal, conforme dados publicados pela Prefeitura de Marabá em 31 de dezembro de 2020, os quais apontam a infecção de 11.402 pessoas e 235 óbitos com taxa de letalidade de 2,06% sobre os casos confirmados1010 Marabá. Prefeitura Municipal. Boletim COVID-19. 2020. [acesso em 2021 jul 26]. Disponível em: https://maraba.pa.gov.br/boletim-covid-19-de-31-12-2020/.
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. A rede SUS, na referida data, dispunha de 28 leitos de Unidades de Terapia Intensiva (UTI)/Covid, com taxa de ocupação de 85,7%, sendo 12 leitos com pacientes do município e 12 de outras cidades, o que demonstra a relevância regional de Marabá na disponibilidade dos serviços e equipamentos de saúde aos municípios circunvizinhos1111 Queiroz D, Almeida C, Campos AC. Perfil epidemiológico dos óbitos por COVID-19 no município de Marabá-Pará. Revista de Saúde Pública do Paraná. 2021 [acesso em 2021 jul 29]; 3(2):107-20. Disponível em: http://revista.escoladesaude.pr.gov.br/index.php/rspp/article/view/403.
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Diante desse cenário, adota-se como raciocínio hipotético que o CMS-M tenha, ao longo de 2018 e 2020, incluído em seu processo decisório, de alguma maneira, parte importante dos problemas acima apontados, deliberando sobre eles e, por conseguinte, sobre as políticas municipais de saúde.

Dessa forma, o objetivo deste artigo é analisar o processo decisório do CMS-M, no período de 2018 a 2020, tendo como foco os temas que foram discutidos nas reuniões ordinárias ocorridas nesse intervalo. Para aprofundar esta análise, buscar-se-á compreender a atuação dos diferentes segmentos representados no conselho nos referidos debates (participação), com ênfase nos representantes dos usuários do SUS e dos trabalhadores de saúde (representação) e na homologação das deliberações do Conselho pelo Poder Executivo (deliberação).

Aspectos metodológicos

Para atingir o objetivo do artigo, optou-se pelo estudo de caso como método de uma pesquisa de abordagem qualitativa, que conjuga fontes primárias e secundárias, aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp)/Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), sob o no 27694720.0.0000.5240.

As fontes secundárias foram as ‘Pautas’ e ‘Atas’ das reuniões ordinárias do CMS-M realizadas entre agosto de 2018 e julho de 2020, que, até então, equivaliam a todas as reuniões realizadas pela atual formação do Conselho. Em 23 de março de 2020, por meio do Decreto nº 26, a Prefeitura Municipal tomou medidas de distanciamento social por causa da Covid-19. Em observância, o Conselho interrompeu as reuniões presenciais de 23 de março de 2020 até 31 de julho de 2020, realizando, nesse período, uma única reunião virtual, em abril de 2020.

As atas e pautas, documentos públicos, foram solicitadas ao CMS-M em 11 de março de 2019; 18 de fevereiro de 2020 e 08 de maio de 2020, e recebidas em 15 de abril de 2019; 08 de junho de 2020 e 27 de outubro de 2020.

Como as referidas reuniões são abertas ao público, o autor principal do artigo participou, como ouvinte, das reuniões que aconteceram entre agosto de 2019 e março de 2020, aplicando a técnica de observação participante. Importante destacar que, seguindo a ética em pesquisa, a presença do pesquisador no campo foi informada ao Presidente do CMS-M e, por este, esclarecida ao plenário do Conselho.

Participação, representação e deliberação: aperfeiçoando a democracia

A discussão sobre participação, representação e deliberação precisa ser contextualizada no âmbito do marco democrático. É válido ressaltar que não se pretende, aqui, esg otar o debate sobre democracia, adotando-se como estratégia o enfoque nos aspectos que constroem o arcabouço teórico do artigo.

O ponto de partida – não de chegada – desta discussão é o modelo poliárquico de Dahl1212 Dahl RA. Poliarquia: participação e oposição. São Paulo: EdUSP; 1997., que apresenta dois eixos: participação e liberalização (ou institucionalização). Nele, uma sociedade é tão mais democrática quanto maior a quantidade e a diversidade de cidadãos participando do processo político em instituições legitimadas pela sociedade.

Nesse sentido, o avanço democrático deve favorecer e garantir a contestação, o debate entre os que pensam diferente. Por isso, a participação deve ser estimulada e garantida com ênfase, sobretudo, naqueles que se opõem a quem está no poder. A garantia dos direitos de participação da oposição, em especial, quando minoritária, é, assim, o principal indicador do grau de democratização de uma sociedade.

Essa concepção de democracia, formalista, é capaz de definir, para o objetivo deste artigo, as bases de seu debate. A principal crítica que lhe é feita é a de não abordar diretamente os direitos sociais como base da democracia. Considera-se aqui que tal crítica é pertinente e, por isso, busca-se articular a proposta poliárquica à valorização dos direitos sociais, com foco no direito à saúde.

Dahl1212 Dahl RA. Poliarquia: participação e oposição. São Paulo: EdUSP; 1997. pensa a participação dos cidadãos na política a partir do referencial da democracia representativa, valorizando, como instituições fundamentais, os três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) autônomos e funcionando em sistema de pesos e contrapesos; a liberdade e a autonomia de ação dos partidos políticos de todos os espectros ideológicos da sociedade, em especial, os que são oposição a quem está no governo; e a realização periódica e permanente de eleições universais, livres de influências (coercitivas, patrimonialistas e/ou financeiras) e nas quais todas as vertentes políticas participem sem restrições e interdições externas. Dessa forma, a participação dos cidadãos ocorre, sobretudo, pelo voto, a delegação do eleitor (representado) de seu poder de decisão a um eleito (o representante).

Essa forma de democracia enfrenta uma crise a partir dos anos 1960, quando, de diferentes maneiras e em diferentes sociedades (particularmente europeias e norte-americana), os representados passam a questionar intensamente a atuação dos representantes eleitos, considerando que ela se afasta dos interesses manifestos no voto, o que gera o risco da deslegitimação1313 Manin B, Przeworski A, Stokes SC. Eleições e representação. Lua Nova. 2006 [acesso em 2021 jul 27]; (67):105-138. Disponível em: http://old.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010264452006000200005&lng=pt&nrm=iso.
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A denominada ‘crise da democracia representativa’ parece ainda não ter sido superada, haja vista a abstenção de 66% dos eleitores nas eleições francesas de junho de 20211414 Revista Exame. Revés para Macron e Le Pen em eleição com abstenção recorde na França. 2021. [acesso em 2021 jul 26]. Disponível em: https://exame.com/mundo/reves-para-macron-e-le-pen-em-eleicao-com-abstencao-recorde-na-franca/.
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, cujo motivo principal apontado por analistas é justamente a descrença na representação, situação que repetiu, em maior ou menor escala, o ocorrido nas eleições europeias de 20191515 Rádio França Internacional-RFI. Abstenção pode bater recorde nas eleições europeias. 2021. [acesso em 2021 jul 26]. Disponível em: https://www.rfi.fr/br/europa/20190524-abstencao-pode-bater-recorde-nas-eleicoes-europeias.
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e nas brasileiras1616 Brasil. Câmara dos Deputados. Segundo turno de eleições municipais tem recorde de abstenções. 2020. [acesso em 2021 jul 26]. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/711521-segundo-turno-de-eleicoes-unicipais-tem-recorde-de-abstencoes/.
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de 2018.

Para Pitkin1717 Pitkin HF. The concept of representation. 1. paperback ed. Berkeley: Univ. of California Press; 1972., a representação, por ser uma contradição em si (representar é fazer presente quem não está), introduz no processo de tomada de decisões a necessidade de o representante decidir se sua atuação deve atender aos interesses dos que lhe elegeram (‘postura mandato’) ou ao que considera ser o interesse geral (‘postura autonomia’), instaurando a ‘controvérsia mandato-autonomia’.

Quando os representantes optam constantemente pela postura mandato, tendem a se afastar dos interesses de seus representados, que respondem com a descrença que, mantida ao longo do tempo, tende a se deslocar do representado para seu partido, deste para os demais partidos e daí para o próprio processo eleitoral.

Miguel1818 Miguel LF. Democracia e representação: territórios em disputa. São Paulo: Editora Unesp; 2013., de maneira similar, considera que, em uma democracia representativa, a formação de uma elite política produz uma especialização dos tomadores de decisão que afasta representantes de representados, gerando a possível ruptura dos vínculos entre a vontade dos representados e a dos representantes. Em decorrência disso, há uma grande distância entre as promessas eleitorais e as políticas adotadas pelos eleitos.

Diante desse afastamento, as diferentes sociedades podem produzir distintas propostas para a superação desse ameaçador afastamento entre representantes e representados. Dentre estas, emerge a práxis de uma democracia participativa, na qual os cidadãos não apenas atuem nos processos eleitorais, mas também no processo decisório das políticas públicas. Para seu avanço, é necessário desenhar instituições que, sem dispensar as instituições da democracia representativa1919 Santos BS, Avritzer L. Para ampliar o cânone democrático. In: Santos, BS organizador. Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2002., viabilizem a participação de representantes da sociedade civil diretamente no processo decisório das políticas públicas.

Para Ball2020 Ball SJ. What is policy? Texts, trajectories and toolboxes. Discourse, London. 1993; 13(2):10-17., esse processo decisório é formado por um conjunto de etapas que se articulam sinergicamente em ciclos, o ‘ciclo de políticas’. Partindo desse referencial, adota-se aqui, de maneira modelar (a prática de cada política é a que confere o desenho final), que tal ciclo inicia-se na etapa de formação de agenda, passa pelas etapas de formulação, implementação, execução, monitoramento e avaliação, cujos resultados contribuem para a (re)formulação, e/ou para o aperfeiçoamento da implementação e da execução, e/ou repercutem nas agendas políticas, em um ciclo que pode durar enquanto a política estiver em vigor.

Assim, as instituições da democracia participativa devem propiciar a participação dos cidadãos nas diferentes etapas do ciclo de políticas, considerando-se, neste texto, o destaque para as etapas de formação de agenda e de formulação.

Avritzer33 Avritzer L. Instituições participativas e desenho institucional: algumas considerações sobre a variação da participação no Brasil democrático. Opin Publica. 2008; 14(1):43-64.(45) define essas instituições participativas como “formas diferenciadas de incorporação de cidadãos e associações da sociedade civil na deliberação sobre políticas [...]” que precisam, para serem criadas e legitimarem-se, de: i) inovação no desenho institucional; ii) organização da sociedade civil; e iii) vontade política do governo.

Para Lüchmann2121 Lüchmann LHH. Participação e representação nos conselhos gestores e no orçamento participativo. Caderno CRH, UFBA. 2008; 21(52):87-97., nessas instituições, a tomada de decisão política é autoapresentada e parte daqueles submetidos diretamente ao debate público, aceitando o critério de legitimidade do processo de political decision-making como fundamentado pelo ente participante.

Para que essas instituições da democracia participativa possam realmente introduzir desenhos inovadores, seu processo decisório precisa, também, assumir características peculiares, conjugando busca por consenso e voto. Manin2222 Manin B. On Legitimacy and Political Deliberation. Polit. Theory, Bev. Hills. 1987; 15(3):338-368. concebe a deliberação como a prática de tal processo decisório. Ao reconhecer que deliberação, na literatura democrática, é compreendida tanto como a decisão em si quanto como o processo de busca por consenso, ele defende que o processo deliberativo de uma instituição deliberativa deve submeter a decisão ao processo de discussão e busca por consenso.

Aprofunda, assim, a posição de Habermas que concebe “[...] o modelo deliberativo... mais interessado na função epistêmica do discurso e da negociação do que na escolha racional ou do ethos político”2323 Habermas J. Comunicação política na sociedade mediada: o impacto da teoria normativa na pesquisa empírica. trad. Ângela Marque. Líbero. 2006; (21):9-22.(11).

Fung2424 Fung A. Receitas para esferas públicas: oito desenhos institucionais e suas consequências. In: Coelho VCP, Nobre M. Participação e Deliberação. Teoria Democrática e Experiências Institucionais no Brasil Contemporâneo. São Paulo: Editora 34; 2004. p. 173-209., discutindo a práxis das instituições participativas, produz uma tipologia na qual considera que as instituições que têm maior capacidade deliberativa são aquelas que funcionam com um número menor de participantes, pois é nesse contexto que a busca pelo consenso tende a ter maior sucesso.

O autor denomina esse tipo de instituições participativas como ‘minipúblicos’, evidenciando em sua análise que: i) os custos de transação da produção de consensos elevam-se de acordo com o número de participantes, dificultando e, no extremo, inviabilizando a deliberação; e ii) a participação não exclui a representação, ao contrário, obriga seu aperfeiçoamento sob o risco de reificar a crise de representatividade.

O desafio das instituições participativas é o de serem legitimadas pelas instituições representativas. Em determinadas situações, os representantes de tais instituições podem considerar que seu poder decisório está, por elas, sendo usurpado2525 Przeworski A. Ama a Incerteza e Serás Democrático. São Paulo: Novos Estudos CEBRAP. 1984; (9):36-46 e reagir, seja manietando as condições de funcionamento (estrutura, recursos e autonomia), seja desviando a agenda política para outras instituições ou mesmo não aceitando suas deliberações.

A despeito dos motivos de tais reações, o que as estruturam é a negativa à desconcentração de poder (decisório, de alocação de recursos, de formulação política) das instituições tradicionais para as novas instituições. Quando essa reação ocorre no Poder Executivo, ela reifica uma característica concentracionaista já definida como ultrapresidencialismo2626 Abrucio FL. O ultrapresidencialismo Estadual. In: Andrade RC, organizador. Processo de Governo no Município e no Estado. São Paulo: EDUSP; 1998.. O desafio, portanto, é produzir um equilíbrio entre as diferentes instituições que devem ambientar o processo decisório.

De forma sintética, esse é o arcabouço teórico que embasa o modelo de análise que será aplicado. No tópico seguinte, buscar-se-á mostrar como tais reflexões podem ser aplicadas aos conselhos de saúde (e, por extensão, aos demais conselhos gestores de políticas públicas e mesmo a outras instituições participativas), concluindo o modelo, que será aplicado ao CMS-M nos tópicos posteriores

Análise da participação, representação e deliberação nos Conselhos Municipais de Saúde

Vários autores têm estudado os conselhos de saúde. Do trabalho pioneiro de Carvalho2727 Carvalho AI. Conselhos de saúde no Brasil: participação cidadã e controle social. Rio de Janeiro: IBAM; FASE; 1995. aos recentes2828 Souza CMN, Heller L. O controle social em saneamento e em saúde: análise comparativa com base nos marcos legais federais brasileiros. Ciênc. Saúde Colet. 2019 [acesso em 2021 ago 16]; 24(1):285-294. Disponível em: http://old.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141381232019000100285&lng=pt&nrm=iso.
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, a maioria aborda, de forma mais ou menos ampla, a concepção, o funcionamento e os limites dos conselhos, seja de forma mais ensaística2929 Correia MVC. Que controle social? Os Conselhos de Saúde como Instrumento. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2000., 3030 Cortes SMV. Construindo a possibilidade da participação dos usuários: conselhos e conferências no Sistema Único de Saúde. Sociol. 2002; (7):18-49., 3131 Fuks M. Democracia e participação no Conselho Municipal de Saúde de Curitiba (1999-2001). In: Fuks M, Perissinoto RM, Souza NR, organizadores. Democracia e participação: os conselhos gestores no Paraná. Curitiba: Editora UFPR; 2004. p. 13-44., 3232 Guizardi FL, Pinheiro R. Dilemas culturais, sociais e políticos da participação dos movimentos sociais nos Conselhos de Saúde. Rio de Janeiro: Ciênc. Saúde Colet. 2006; 11(3):797-805., seja por meio de estudos de caso3333 Cristo SCA, Figueiredo ERL. Controle social: uma análise do Conselho Municipal e Saúde de Marabá no sudeste do Pará. In: Anais do 2º Seminário de Iniciação Científica. 2016; Marabá: Unifesspa; 2016. v. 1., 3434 Cárdenas AMC, Silva SR, Mello MVFA. Conselho Estadual de Saúde do Amapá: controle social como forma de empoderamento da sociedade. PRACS: Rev. Eletr. Hum. Curso de Ciênc. Soc. UNIFAP. 2011; (4):59-67., 3535 Medeiros AM, Noronha NM. Conselho Municipal de Saúde de Parintins/AM: quando o Controle Social incomoda a Administração Pública. Marupiara. Revista Científica do CESP/UEA. 2018 [acesso em 2022 set 13]; (2):33-48. Disponível em: http://periodicos.uea.edu.br/index.php/marupiara/article/view/904.
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O estudo desses trabalhos (e de vários outros cujo espaço do artigo não permite citar) contribuiu para a elaboração do modelo teórico acima apresentado; e para sua parte prática, começa aqui a ser discutida por meio de uma reflexão que articula os trabalhos de Moreira e Escorel3636 Moreira MR, Escorel S. Municipal Health Councils of Brazil: a debate on democratization of health in the twenty years of the SUS. Ciênc. Saúde Colet. 2009; 14(3):373-381. e Rezende e Moreira3737 Rezende RB, Moreira MR. Relações entre representação e participação no Conselho Municipal de Saúde do Rio de Janeiro: segmento dos usuários, 2013-2014. Ciênc. Saúde Colet. 2016 [acesso em 2021 ago 16]; 21(5):1409-1420. Disponível em: http://old.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141381232016000501409&lng=pt&nrm=iso.
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Moreira e Escorel3636 Moreira MR, Escorel S. Municipal Health Councils of Brazil: a debate on democratization of health in the twenty years of the SUS. Ciênc. Saúde Colet. 2009; 14(3):373-381. desenvolveram seu modelo em 2007, para analisar o conjunto de conselhos de saúde brasileiros, uma vez que coordenaram o único estudo censitário do País sobre os conselhos municipais e estaduais de saúde, que foram analisados sobre três dimensões: i) Autonomia (estrutura física, recursos humanos e recursos financeiros); ii) Organização (reuniões, capacitação e instâncias internas); e iii) Inclusividade (forma de escolha do Presidente e participação da sociedade nas reuniões).

As cidades de porte populacional similar ao de Marabá (250.000 a 500.001 habitantes) obtiveram desempenhos positivos nas três dimensões de estudo, superando o desempenho das cidades de porte inferior, mas ficando abaixo daquelas que têm maior população, sobretudo as que têm entre 500.001 e 1.000.000 de habitantes. Ao todo, os autores trabalham com 18 indicadores – que serão apresentados no tópico sobre o CMS-M – para os quais as cidades com porte similar ao de Marabá tiveram, em média, desempenho positivo em 13, destacando-se negativamente recursos financeiros, humanos e capacitação.

Os mesmos autores também incluem em sua análise o ano de criação do conselho, a paridade, as entidades que compõem o segmento dos usuários e trabalhadores e a homologação ou não de suas deliberações pelo Poder Executivo. Nesta obra, portanto, há uma proposta de estudo sobre a participação.

Rezende e Moreira3737 Rezende RB, Moreira MR. Relações entre representação e participação no Conselho Municipal de Saúde do Rio de Janeiro: segmento dos usuários, 2013-2014. Ciênc. Saúde Colet. 2016 [acesso em 2021 ago 16]; 21(5):1409-1420. Disponível em: http://old.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141381232016000501409&lng=pt&nrm=iso.
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partem desse modelo, mas buscam acrescentar dimensões que permitam uma análise mais específica, uma vez que realizam um estudo de caso no conselho do município do Rio de Janeiro, tendo como foco a representação e, nos aspectos que aqui interessam, sobre a deliberação.

Esses autores estudaram a atuação dos(as) conselheiros(as) nas reuniões ordinárias, analisando-a a partir de uma tipologia de suas intervenções – votante; informativa; vocalizadora; reivindicativa e avaliativa – que aqui será adaptada para captar os embates entre os diferentes segmentos.

Passe-se, então, ao estudo da atuação do CMS-M.

O Conselho Municipal de Saúde de Marabá: atuação 2018-2020

O CMS-M foi criado em 5 de julho de 1993 (Lei Municipal nº 13.104/1993), porém, seu Regimento Interno (RI) foi aprovado somente em 2014 (Resolução nº 15, de 17 de julho 2014). Em 2007, a Prefeitura Municipal destituiu o CMS-M, alegando que sua atuação atrapalhava a gestão. Essa situação perdurou até 2015, quando o Ministério Público do Estado do Pará restabeleceu o funcionamento do Conselho3333 Cristo SCA, Figueiredo ERL. Controle social: uma análise do Conselho Municipal e Saúde de Marabá no sudeste do Pará. In: Anais do 2º Seminário de Iniciação Científica. 2016; Marabá: Unifesspa; 2016. v. 1..

Com relação à infraestrutura e aos recursos humanos, apenas em 2018, o CMS-M passou a contar com sede própria, situada no núcleo Nova Marabá. Essa sede dispõe de sala para presidência, espaço para as comissões temáticas e auditório para realização das reuniões do colegiado, possuindo mobiliário, computadores, linhas telefônicas, acesso à internet. A Equipe de Apoio é formada por 9 servidores: 2 agentes de portaria, 2 responsáveis pela limpeza, 2 da área administrativa, 1 motorista e 1 secretário executivo.

O CMS-M é composto por 20 conselheiros titulares e 20 suplentes (que representam as mesmas entidades dos titulares) que, respeitando o princípio da paridade, têm um mandato de dois anos com direito a reconduções ilimitadas (Lei municipal nº 13.914, de 1996).

O quadro 1 ilustra a atual composição do CMS-M, iniciada em 2018. Nele, constata-se que o segmento dos trabalhadores da saúde é composto por quatro entidades, pois, na Conferência Municipal de Saúde de 2018, não houve entidades interessadas na quinta vaga. Por sorteio, o Conselho Regional de Odontologia obteve o direito de se fazer representar por dois conselheiros. Percebe-se, também, que os prestadores privados não ocupam nenhuma vaga.

Quadro 1
Entidades que compõem o CMS de Marabá no Biênio: 2018-2020

É importante destacar que, no quadro 1, as entidades foram identificadas por uma codificação composta por uma letra maiúscula e um número (por exemplo: (U1) Associação Projeto Futuro Melhor). Essa codificação será retomada no quadro 2, viabilizando sua construção e apresentação.

O CMS-M conta com orçamento próprio (R$ 164 mil em 2018; R$ 550 mil em 2019 e R$ 150 mil para 2020), Mesa Diretora (MD), Secretaria Executiva e Comissões Permanentes: administrativa, técnica, de licitação e de avaliação da atenção básica.

A lei de criação do CMS-M definia o Secretário Municipal de Saúde como presidente nato do Conselho, situação que foi modificada em agosto de 2000, pela Lei nº 16.489, que define a eleição com voto direto e secreto dos conselheiros titulares (na ausência destes, dos suplentes) como meio de escolha do presidente. Atualmente, a presidência é ocupada por um conselheiro que representa os trabalhadores da saúde.

A MD eleita para o biênio 2018/2020 é, majoritariamente, representada pelos segmentos dos usuários e dos trabalhadores da saúde, que ocupam três das quatro vagas disponíveis, inclusive a presidência e a vice-presidência.

O CMS-M realiza reuniões ordinárias mensais, abertas ao público, mas seu RI define que, para o público exercer o direito a voz, é necessária a prévia aprovação do Plenário. No período estudado, foram realizadas 25 reuniões ordinárias, colocadas em pauta e discutidas, 126 pontos. A tabela 1 sistematiza esses pontos de pauta, categorizando-os em 3 grandes Temas (F-SUS: Funcionamento do SUS; F-CMS: Funcionamento do CMS-M; e D-POP: Denúncias da População) e 13 Subtemas.

Tabela 1
Pontos de Pauta discutidos nas Reuniões Ordinárias do CMS-M, distribuídos por Temas, Subtemas e Ano da Reunião. Agosto de 2018 a julho de 2020. (n=126)

Desses 126 pontos de pauta, 54 (42,8%) produziram, ao longo do processo de deliberação, debates entre os Conselheiros. A tabela 2 apresenta a dinâmica desses debates no que se refere à entidade que propôs a pauta; à forma – convergente ou divergente – como as demais entidades do CMS-M posicionaram-se no debate das propostas; e ao resultado do processo deliberativo, isto é, se a pauta proposta foi ou não aprovada. Quando entidades não se manifestaram, atribuiu-se o sinal ‘-’.

Tabela 2
Debates gerados pelos Pontos de Pauta nas Reuniões Ordinárias do CMS-M entre agosto de 2018 e julho de 2020: distribuição por entidades e seus segmentos, proponentes, posição divergentes e convergentes e se a pauta foi aprovada ou não. (n=54)

O quadro 2 aprofunda esse cenário. Seu propósito é mapear, nos embates travados durante o processo de deliberação e tomada de decisões sobre as 54 propostas apresentadas na tabela 2, as convergências e as divergências entre as entidades que compõem o CMS-M e, por conseguinte, os segmentos nele representados. Perceba-se que as propostas são classificadas pelos temas apresentados na tabela 1 e que as Entidades são identificadas pelos códigos no quadro 1.

Quadro 2
Processo decisório do CMS-M, julho/18 a agosto/2020: propostas debatidas distribuídas pelas entidades proponentes, posições convergentes e divergentes das entidades, tema a que se referem as propostas e aprovação ou não pelo pleno do CMS-M. (n=54)

Finalizando este tópico, a tabela 3 mantém como foco os 54 itens de pauta que geraram debates nas reuniões mensais do CMS-M, voltando-se para a reação do Poder Executivo às deliberações do CMS-M, isto é, se as homologou ou não. Importante destacar que a tabela 3, retoma a distribuição por temas e subtemas da tabela 1, a fim de viabilizar a análise dos dados, realizada no próximo tópico.

Tabela 3
Deliberações do CMS-M no período de agosto/2018 a julho/2020: distribuição por Temas, Subtemas, Ano e Reação do Poder Executivo. (n=54)

Análise da atuação do CMS-M 2018-2020

A composição atual do CMS-M apresentada no quadro 1 obedece à paridade entre os usuários e os demais segmentos. Os usuários por 10 entidades de diversas áreas de atuação: 5 de ‘gênero, etnia e faixa etária’ (50%); ‘Associações de moradores’ (30%); ‘Instituições de portadores de deficiência e patologias’ (10%) e de ‘Educação, esporte e cultura’ (10%) completam a representatividade, o que diverge em parte com os achados em nível nacional por Moreira e Escorel1010 Marabá. Prefeitura Municipal. Boletim COVID-19. 2020. [acesso em 2021 jul 26]. Disponível em: https://maraba.pa.gov.br/boletim-covid-19-de-31-12-2020/.
https://maraba.pa.gov.br/boletim-covid-1...
em que mais de 60% das entidades dos usuários são caracterizadas por ‘Associação de Moradores’ (25%); ‘Grupos Religiosos’ (21%); e ‘Entidades de Trabalhadores’ (20%).

O segmento dos trabalhadores da saúde tem 5 vagas preenchidas por sindicatos de classes profissionais dos enfermeiros, médicos e odontólogos e pelo Sindicato Estadual dos trabalhadores em saúde. À gestão e aos prestadores privados, são atribuídos 5 lugares, sendo 4 vagas pelos gestores municipais, e 1 pelo estadual.

Nota-se a inexistência de prestadores privados, que preferem tratar de suas demandas diretamente com os gestores em detrimento da participação na arena política nos Conselhos44 Labra ME. Conselhos de saúde: Visões ‘macro’ e ‘micro’. Civitas. 2006; 6(1):199-221..

O CMS-M é estruturado com sede própria, equipe de apoio de 9 servidores para assessoramento e orçamento próprio de R$ 864 mil no triênio 2018-2020. Conta com MD eleita com mandato de dois anos, presidida atualmente por um representante dos trabalhadores.

Em funcionamento, há quatro comissões permanentes: Administrativa, Técnica, Licitação e Avaliação da Atenção Básica; compostas por conselheiros titulares e suplentes. Conta ainda com uma Secretaria Executiva que presta assessoramento administrativo e operacional ao Conselho.

O plenário do CMS-M reúne-se mensalmente, ordinária ou extraordinariamente, por convocação do presidente ou por um terço dos conselheiros. Em março de 2020, foi decretada, pelo prefeito, a suspensão das reuniões presenciais diante da necessidade de isolamento social em decorrência da pandemia do novo coronavírus.

Dos 126 pontos de pauta discutidos em 25 reuniões plenárias no período evidenciados na tabela 1, predomina o tema ‘funcionamento do CMS-M’ com o total de 81 proposições, sendo 17 em 2018, 47 em 2019 e 17 em 2020, demonstrando que o Conselho está voltado para si próprio, centrado em questões internas à sua administração.

O ‘funcionamento do SUS’, tema intrínseco à função estratégica do Conselho, foi discutido em 25 pontos de pauta (4 em 2018, 17 em 2019 e 4 em 2020), voltados principalmente para funcionamento e gestão de Unidades de Saúde (estruturas e corpo técnico). Observa-se forte tendência de privatização dos serviços de saúde em que o subtema ‘Terceirização dos Serviços’ demandou 10 proposições.

Os que menos aparecem no debate do Conselho são os temas relacionados com as demandas vinculadas a críticas e denúncias da população (20 pontos de pauta). As denúncias estão mais ligadas a falhas em procedimentos médicos; acesso aos serviços de saúde e falta de estrutura das unidades de saúde; o que sugere precariedade no sistema, principalmente na média e alta complexidade.

No processo deliberativo, dos 126 pontos de pauta demonstrados na tabela 1, 54 produziram debates entre os conselheiros descritos na tabela 2 e quadro 2, evidenciando a reprodução das alianças entre os segmentos e como são travados os debates no CMS-M. O quadro 2 esclarece que os 54 pontos de pauta foram apresentados pelos representantes dos segmentos: ‘Gestores’ (G1) – 20 propostas; MD – 12; ‘Usuários’ (U7) – 3, (U8) – 3, (U9) – 3, (U4) – 2, (U1) – 1, (U6) – 1; ‘Trabalhadores’ (T1) – 4, (T2) – 2, (T3) – 2 e (T4) – 1. Não apresentaram pontos de pauta: (G2), (U2), (U3), (U5) e (U10).

Das 20 propostas dos gestores (G1), 17 foram aprovadas, e 3, rejeitadas. As propostas não aprovadas foram a 7, a 11 e a 18. Dessas 20, 18 são relativas ao funcionamento do SUS, 2 sobre o funcionamento do Conselho; e nenhuma sobre as denúncias da população foram aprovadas. Das 20 propostas, 6 foram sem divergências e todas aprovadas, e 14 com divergências; dessas 14, 11 foram aprovadas, e 3, não aprovadas. A proposta 7 não aprovada teve divergência dos usuários U4, U5, U6, U8 e U9 e dos trabalhadores T2, T3 e T4); a 11, somente divergentes pelos usuários U4, U5, U8 e U9, e a 18, dos trabalhadores T1 e T2.

O quadro 2 mostra que, das 20 propostas, houve 39 convergências contra 27 divergências. Das convergências, 3 dos gestores, 28 dos usuários, somente U1 e U6 não tiveram convergências, e 8 dos trabalhadores. Das 37 divergências, 14 foram dos usuários, e 23, dos trabalhadores.

Dos 12 pontos de pauta da MD, 8 foram aprovados e 4 não (44, 49, 51, 52). Dessas 12, 9 se referem ao tema ‘Funcionamento do CMS-M’, e 3, a ‘Denúncias da população’; nenhuma foi aprovada. Das 12 pautas, 8 foram sem divergências, e 6, aprovadas; e 4 com divergências – dessas, 3 foram aprovadas, e 1, não aprovada. As propostas 44, 51 e 52 tratando de denúncias, mesmo sem divergências dos segmentos, não foram aprovadas; a 49 teve divergências dos usuários U8 e U9, dos trabalhadores T1 e T4, e do gestor G1.

Das 12, houve 15 convergências e 11 divergências. Das convergências, 8 foram do segmento dos usuários; 6 dos trabalhadores e 1 dos gestores. Dentre as 11 divergências, 5 foram dos usuários, 5 dos trabalhadores e 1 da gestão.

Os 13 pontos dos usuários em 8 foram aprovados, e 5, não aprovados. Destes 13, 1 do ‘Funcionamento do SUS’, 8 do ‘Funcionamento do CMS-M’ e 4 de denúncias. Do total, 7 foram sem divergências com 4 aprovações e 3 reprovações; 6 com divergências, sendo 4 aprovados e 2 não. Para os pontos não aprovados 31, 36 e 42 não houve manifestações, o 32 foram convergentes os trabalhadores T2, T3 e T4, e divergentes usuários e gestores U2, U8 e G1; a 37, somente convergentes T2 e T4.

Das 13, houve 15 convergências e 14 divergências. Das convergências, 7 dos usuários; 7 dos trabalhadores e 1 dos gestores. Entre as 14 divergências, 8 dos usuários, 2 dos trabalhadores e 4 da gestão.

O quadro 2 mostra que os trabalhadores apresentaram 9 propostas, sendo 6 aprovadas e 3 não. Das 9, 7 foram sem divergências com 6 aprovações e 1 não aprovada, 2 com divergências e reprovadas. Das 9, houve 13 convergências e 5 divergências. As convergências – usuários (4); trabalhadores (7); gestores (2). Das 14 divergências, 2 dos usuários, 2 dos trabalhadores e 1 da gestão.

Nas propostas da gestão, as discussões apontam para alinhamento com os usuários, e rejeição por parte dos trabalhadores, principalmente nas propostas que cerceiam direitos trabalhistas e as de terceirização dos serviços (1, 2, 10, 12, 13, 17). Pautas dos usuários apoiadas pelos trabalhadores e resistências do próprio segmento com 8 divergências; já os trabalhadores firmaram alianças com os usuários.

Os resultados sinalizam que a gestão e a ‘MD’ exercem forte influência no processo deliberativo do CMS-M, apresentando 60% das pautas aprovando 81% de suas propostas. Os usuários com 24% das propostas e 61% de aprovação, e os trabalhadores apresentaram 16% dos pontos e êxito em 66% nas deliberações.

Apesar de os prestadores privados não participarem do processo deliberativo, a gestão apresentou 10 propostas de terceirização de serviços de saúde; mesmo com a contestação dos trabalhadores, 6 foram aprovadas, e 3, homologadas, o que comprova a força política dos gestores privados nas negociações com o poder público.

A tabela 3 comprova baixa efetividade no atendimento das demandas por parte da gestão homologando somente 16 propostas das 54 discutidas. Das 16 homologadas, 8 foram do tema ‘Funcionamento do SUS’. Verifica-se a ausência de agenda deliberativa para tratar dos principais agravos de saúde enfrentados pela população, e causas mortis ocorridas nos anos de 2018-2019 apontadas pelo DataSUS (http://www2.datasus.gov.br) e do enfrentamento da pandemia da Covid 19, prescindindo assim da participação do CMS-M na busca de soluções e no planejamento das ações.

No tema ‘Funcionamento do CMS -M’, foram homologadas 8 deliberações e nenhuma das ‘Denúncias da População’, o que evidencia a dificuldade de acesso da sociedade nos debates e na solução de suas demandas, tanto pela gestão municipal da saúde como no ambiente interno do CMS-M, que, regimentalmente, é restritivo ao prever que, para o usuário ser ouvido em suas demandas, é necessária a prévia aprovação do plenário para conceder/ou não ‘o direito de fala’.

Considerações finais

Os resultados encontrados apontam baixa presença espontânea de cidadãos/usuários nas reuniões do CMS-M, restringindo assim o seu potencial inclusivo na formulação de proposições que vocalize as expressões da sociedade no atendimento de suas demandas e a consequente construção de pautas significativas das políticas públicas de saúde.

Análises do processo decisório do CMS-M indicam ampla inserção de temas internos vinculados ao funcionamento do Conselho, o que evidencia tendência de atuação a partir de uma agenda endógena. Esse elemento fortalece a ideia de limites de atuação do Conselho ante a agenda da sociedade.

A isso, somam-se os entraves ao processo deliberativo e discursos assimétricos, com forte influência da gestão municipal no processo decisório e baixa resposta no cumprimento das deliberações produzidas, o que pode incorrer em riscos de legitimação do Conselho como espaço democrático de gestão da saúde pública.

A atuação dos representantes dos usuários no processo participativo, representativo e deliberativo mostrou-se convergente com as pautas de defesa do SUS, monitoramento dos principais agravos de saúde no município e nos investimentos na rede assistencial de saúde; e divergente nas propostas que limitavam o alcance das políticas públicas de saúde demandadas pela sociedade. Já os trabalhadores foram convergentes em diversas pautas apresentadas pelos usuários e naquelas referentes às garantias de direitos trabalhistas; e divergentes em proposições de privatização dos serviços de saúde e retiradas de benefícios conquistados pela classe.

As limitações enfrentadas referem-se ao período da pandemia da Covid-19, provocando o cancelamento das reuniões do CMS-M por um período significativo em 2020, quer sejam presenciais, quer virtuais, dificultando aos pesquisadores a adoção de outras técnicas de pesquisa para aprimoramento do método.

  • Suporte fnanceiro: não houve

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    Nov 2022

Histórico

  • Recebido
    28 Jul 2021
  • Aceito
    04 Out 2021
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