Efetividade da lei de prioridade dos idosos nas demandas judiciais de saúde no Rio de Janeiro

Aldilene Abreu de Azevedo Vania Reis Girianelli Renato José Bonfatti Sobre os autores

RESUMO

O crescimento da população idosa é um evento mundial. No Brasil, esse processo tem ocorrido de forma mais acelerada. O estudo teve por objetivo avaliar a efetividade da lei de prioridade dos idosos quanto à tramitação processual das demandas judiciais de saúde na Comarca da Capital na 1ª Instância do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Foi realizado um estudo transversal descritivo dos processos distribuídos no período de 2018 a 2019. Um total de 1.040 processos foi identificado, mas apenas 240 elegíveis (23%). O serviço de assistência domiciliar foi a principal demanda (26,3%), em particular, para os idosos com 80 anos ou mais (54,7%). A efetividade jurídica da lei de prioridade para faixa etária de 60 a 79 anos foi 86%, e 97,3% para os demais idosos. O tempo de tramitação do processo, entretanto, foi menor para os adultos maduros do que para as pessoas idosas (p = 0,020) e similar entre idosos com 80 anos ou mais e demais idosos (p = 0,400). O acompanhamento da repercussão dessa lei na sociedade é fundamental, pois o idoso se encontra em uma fase da vida em que a questão temporal é essencial, principalmente quando a demanda está relacionada com a saúde.

PALAVRAS-CHAVE
Direitos dos idosos; Idoso de 80 anos ou mais; Legislação; Direitos humanos; Judicialização da saúde.

Introdução

O crescimento progressivo da população idosa é um evento mundial11 United Nations. Department of Economic and Social Affairs. Population Division. World Population Prospects 2019: Highlights (ST/ESA/SER.A/423). New York: DESA; 2019.. Em alguns países, como Brasil, China e Índia, tem ocorrido um processo de transição demográfica mais acelerado22 Organización Mundial de la Salud. Informe mundial sobre el envejecimiento y la salud. Ginebra: OMS; 2015.. No Brasil, a população idosa quase dobrou entre os últimos dois censos, mas com grandes diferenças regionais, sendo os estados do Rio de Janeiro (20,4%) e do Rio Grande do Sul (19,8%) os que apresentam a maior proporção de idosos do País33 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua. Características gerais dos domicílios e dos moradores 2019. [acesso em 2021 out 17]. Disponível em: https://sidra.ibge.gov.br/tabela/6407#resultado.
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. Antes da pandemia da Covid-19, estimava-se que os idosos corresponderiam a 29,4% da população em 205044 Simões CCS. Relações entre as alterações históricas na dinâmica demográfica brasileira e os impactos decorrentes do processo de envelhecimento da população. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2016..

A vulnerabilidade física, que decorre do processo natural de envelhecimento, leva os idosos a buscar mais assistência à saúde do que os demais grupos etários. Isso tem contribuído para um aumento de ações judiciais para garantir direitos a medicamentos, atendimentos e outras demandas55 Efing AC, organizador. Direitos dos idosos: tutela jurídica do idoso no Brasil. São Paulo: LTr; 2014.. Apesar de as legislações existentes garantirem os direitos fundamentais dos idosos, em particular, dos idosos com 80 anos ou mais66 Brasil. Lei nº 13.466, de 12 de julho de 2017. Altera os arts. 3º, 15 e 71 da Lei nº 10.741, de 1o de outubro de 2003, que dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências. Diário Oficial da União. 13 Jul 2017., nem sempre elas são efetivas, ou seja, são aplicadas como previstas.

O direito e a saúde pública estão intimamente ligados, moldando a forma como as pessoas interagem e vivenciam o mundo ao seu redor. As leis podem contribuir para a melhoria das comunidades, em especial, nas ações voltadas para a saúde da população, sendo fundamental compreender sua repercussão na coletividade77 Burris S, Ashe M, Levin D, et al. A Transdisciplinary Approach to Public Health Law: The Emerging Practice of Legal Epidemiology. Annu Rev Public Health. 2016; (37):135-48..

Desse modo, o objetivo deste artigo é avaliar a efetividade da lei de prioridade dos idosos quanto à tramitação processual das demandas judiciais de saúde na Comarca da Capital na 1ª Instância do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ).

Metodologia

Trata-se de um estudo observacional, do tipo transversal descritivo, sobre as demandas judiciais de saúde que tramitaram na 1ª Instância da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro. Os processos foram extraídos do sítio eletrônico do TJRJ, com distribuição no período de 2018 a 2019. Os processos foram acessados pelo nome da parte ré, sendo considerados os dois planos de saúde com maior número de beneficiários (Amil e Unimed) com vigência no município do Rio de Janeiro88 Brasil. Agência Nacional de Saúde. Dados e Indicadores do Setor. Beneficiário por municípios. [acesso em 2020 jan 18]. Disponível em: http://www.ans.gov.br/perfil-do-setor/dados-e-indicadores-do-setor.
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, que tramitaram na competência Cível. Foram excluídos os processos cuja parte autora era menor de 40 anos e cujas demandas não estavam relacionadas com a assistência à saúde; bem como os processos que não foram digitalizados e que constam no sistema apenas como físico.

Em relação às características dos idosos, foram avaliadas as variáveis: grupo etário (40 a 59 anos, 60 a 79 anos e ≥ 80 anos), sexo (masculino e feminino), estado civil (casado ou união consensual, solteiro, viúvo, divorciado, ignorado), nacionalidade, aposentado, município de residência (capital e demais municípios). No que se refere às características do processo, foram avaliadas as variáveis: preposto (advogado, defensor público); réu (Amil, Unimed); distribuição da ação em plantão judiciário; tipo de ação (inicial ou tutela de urgência antecipada, pedido que ocorre antes da propositura da ação); vara de distribuição do processo; liminar, ou seja, pedido urgente e fundamentado, apreciado pelo juiz no início do processo, sem ouvir a parte contrária, (deferida e cumprida, deferida e não cumprida, indeferida, não solicitada), causa do óbito relacionada com o pedido, desfecho do processo (deferido, indeferido, processo não julgado ou mérito não julgado), causa do mérito não julgado (acordo entre as partes, resolvido administrativamente, desistência, abandono, óbito, erro processual), tipo de erro processual (declínio de competência, com remessa ao juízo competente; não pagamento das custas; ausência de pressuposto processual, ou seja, sem requisitos jurídicos necessários para propositura da ação). Quanto ao tipo de demanda, foram incluídas aquelas relacionadas com a assistência à saúde: internação hospitalar; fornecimento de medicamentos; realização de exames; fornecimento de insumos de saúde; realização de cirurgia; internação ou assistência domiciliar, entre outros. Os medicamentos solicitados também foram classificados quando à existência de registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), no rol da Agência Nacional de Saúde (ANS) e se para uso off label (tratamento de doenças não registradas na bula do medicamento).

Foi calculado o percentual de cada categoria das variáveis estudadas, estratificando por grupo etário; sendo comparados os adultos maduros (40 a 59 anos) com os idosos (≥ 60 anos), e pessoas com 80 anos ou mais com os demais idosos (60 a 79 anos). O teste qui-quadrado de Pearson foi calculado para avaliar a existência de diferença estatisticamente significativa (p ≤ 0,05) entre os estratos, com correção de Yates quando necessário.

Adicionalmente, foi calculado o tempo mediano de tramitação do processo (entre distribuição e decisão judicial e entre decisão judicial e a publicação); utilizando o método de Kaplan Meier, estimação não paramétrica do tempo de ocorrência99 Carvalho MS, Andreozzi VL, Codeço CT, et al. Estimação não paramétrica: estimador de Kaplan-Meier. In: Carvalho MS, Andreozzi VL, Codeço CT, editores. Análise de Sobrevida: teoria e aplicações em saúde. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz; 2005. p. 93-152.. Nessa análise, foram excluídos os erros processuais (produção de documento feita de maneira diferente do solicitado, troca do nome do autor na sentença etc.). Os desfechos de interesse foram a decisão judicial e a publicação da decisão judicial, sendo censurados os processos na data em que ocorreu o acordo entre as partes (acordo consensual com posterior homologação do juiz), resolução administrativa (autor teve pedido atendido na esfera administrativa), desistência (informada formalmente no processo judicial), abandono da ação, ou óbito anterior à decisão judicial. Os processos não julgados foram censurados em 31de dezembro de 2020. Foram construídas curvas do tempo de tramitação do processo, estratificadas por grupo etário. O teste Log-rank foi calculado para comparar as curvas de tempo, sendo consideradas diferentes quando o respectivo valor de p foi ≤ 0,0599 Carvalho MS, Andreozzi VL, Codeço CT, et al. Estimação não paramétrica: estimador de Kaplan-Meier. In: Carvalho MS, Andreozzi VL, Codeço CT, editores. Análise de Sobrevida: teoria e aplicações em saúde. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz; 2005. p. 93-152..

A lei foi classificada em efetividade jurídica quando houve pedido do preposto de celeridade do processo em função da lei, ou se foi considerado pelo juiz de ofício mesmo sem o preposto solicitar. Também foi classificada como efetividade social, ou seja, impacto da lei na sociedade, se o tempo de tramitação dos processos foi menor para as pessoas de 80 anos ou mais do que para os demais idosos (60 a 79 anos); e para as pessoas idosas (≥ 60 anos) do que para os adultos maduros (40 a 59 anos).

Os dados foram armazenados no programa Excel®, versão 2013, e analisados no programa estatístico R versão 3.4.3.

A interpretação dos resultados, relacionada com as decisões judiciais, foi fundamentada nas normas da Lei dos Planos de Saúde, nas resoluções normativas e atribuições da ANS, na relação de consumo à luz do Código de Defesa do Consumidor, nos direitos fundamentais previstos na Constituição e nas decisões dos Tribunais brasileiros sobre ações em face dos planos de saúde, bem como súmulas e jurisprudências.

O estudo obteve dispensa de análise ética do Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca/Fundação Oswaldo Cruz (CEP/Ensp/Fiocruz), número 04/2020.

Resultados

Foram identificados 1.044 processos judiciais (figura 1). Desses, apenas 240 processos (23%) foram elegíveis para o estudo. Os autores idosos (≥ 60 anos) foram 196 (81,7%), sendo 75 (31,3%) com 80 anos ou mais (tabela 1). Entre as pessoas idosas, houve um maior percentual de viúvos, aposentados e brasileiros em relação aos adultos maduros (p ≤ 0,045), com destaque para os com 80 anos ou mais que apresentaram percentual ainda maior de viúvos e aposentados do que as demais pessoas idosas (p ≤ 0,008).

Tabela 1
Distribuição das características sociodemográficas por grupo etário dos autores dos processos ajuizados na 1ª Instância do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, no período de 2018 a 2019

Figura 1
Diagrama do procedimento para identificação dos processos judiciais relacionados com a saúde dos adultos maduros e pessoas idosas na 1ª Instância do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, no período de 2018 a 2019

Os adultos maduros ajuizaram um percentual maior de ações contra a Amil do que as pessoas idosas (p = 0,049) (tabela 2). Apenas 17,5% dos processos foram propostos pela defensoria pública. O plantão judiciário, que atende às demandas urgentes e fora do horário de expediente, recebeu 35,8% das postulações judiciais. A peça processual mais utilizada para instauração processual foi a Petição Inicial (96,7%). A maioria dos processos foi deferida (45,4%), mas a proporção de acordo ou resolução administrativa foi maior entre os adultos maduros (18,2%) do que entre as pessoas idosas (6,6%), enquanto os processos não julgados (23%) e os óbitos antes da decisão judicial (12,8%) foram proporcionalmente maiores entre as pessoas idosas do que entre os adultos maduros (13,6% e 4,5% respectivamente), mas não foi estatisticamente significativo (p = 0,118), provavelmente pelo pequeno tamanho da amostra em algumas categorias. Ademais, o óbito antes do julgamento foi proporcionalmente maior entre as pessoas de 80 anos ou mais (20%) do que entre os demais idosos (8,3%), embora também não estatisticamente significativo (p = 0,134).

Tabela 2
Distribuição das características dos processos por grupo etário dos autores ajuizados na 1ª Instância do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, no período de 2018 a 2019

Um autor de 75 anos não solicitou o pedido de liminar, pois obteve acordo administrativo para realização da cirurgia. Também ocorreram duas desistências da ação antes da decisão da liminar entre os adultos maduros: uma referia-se à solicitação de transferência hospitalar, e a outra, à realização de exames. Duas liminares de autores idosos foram suspensas: em uma, o autor cometia crime de fraude contra a instituição, sendo indiciado criminalmente; e a outra, devido ao laudo pericial judicial comprovar que não havia necessidade da oferta do serviço domiciliar. Adicionalmente, ocorreram três óbitos em pessoas idosas antes da decisão da liminar, mas que não estavam relacionadas com as demandas processuais.

Entre as 232 liminares que foram avaliadas, a maioria foi deferida e cumprida (66,8%), e não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos etários (p ≥ 0,583). Das liminares deferidas e não cumpridas, as demandas referiam-se principalmente a internação ou assistência domiciliar (38,9%); e as indeferidas, a cirurgia (24,9%) e internação ou assistência domiciliar (24,9%).

Das 191 liminares que foram deferidas, os planos de saúde recorreram de 79 (41,4%), enquanto das 41 liminares indeferidas, os autores recorreram de 20 ações (48,8%); interpondo recurso processual denominado agravo de instrumento, que é utilizado para alegação de improcedência de liminar.

A principal demanda foi o serviço de internação ou assistência domiciliar (26,3%), seguida pela solicitação de cirurgia (19,2%) e medicamento (17,5%) (tabela 3). Entre os adultos maduros, foram a solicitação de medicamento (25%) e a cirurgia (15,9%); entre as pessoas idosas de 80 anos ou mais, predominou a solicitação de serviço de internação ou assistência domiciliar (54,7%); e entre os demais idosos, medicamento (23,1%) e cirurgia (21,5%).

Tabela 3
Distribuição das demandas de saúde por grupo etário dos autores ajuizadas na 1ª Instância do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, no período de 2018 a 2019

A maioria das demandas foi deferida (45,4%) ou ainda não foi julgada (21,3%). Das nove ações indeferidas, três eram solicitações de serviço de internação ou assistência domiciliar para idosos de 80 anos ou mais, duas para tratamento de eletroconvulsoterapia e fisioterapia, uma para cirurgia eletiva de reconstrução de mama e exérese de lesão de mama guiada por marcação estereotáxica, e uma para medicamento não registrado na Anvisa.

Em relação à cirurgia, 56,5% foram deferidas, e 13%, atendidas por meio de acordo entre as partes ou resolução administrativa com a própria operadora de saúde, mas 17,4% ainda aguardavam decisão judicial. Nenhuma das nove solicitações de transplante foi indeferida, embora três óbitos tenham ocorrido antes do julgamento e dois ainda aguardavam a decisão judicial.

Dos 42 medicamentos solicitados, 10 (22,8%) tinham registro na Anvisa e pertenciam ao rol da ANS, sendo que 1 era para uso off label e foi obtido por acordo com o plano de saúde. Não pertenciam ao rol da ANS 26 medicamentos (61,9%), sendo 5 para uso off label em que 4 foram deferidos e 1 o autor faleceu antes da decisão judicial. Não tinham registro na Anvisa 6 (14,3%), mas 3 foram deferidos.

Dos 21 medicamentos com registro na Anvisa, mas ainda não listados no rol da ANS, a maioria refere-se a novos medicamentos indicados para tratamento de câncer, como o Ibrance® (Palbociclibe) utilizado para câncer de mama avançado ou metastático, o alectinibe (Alecensa®) e o pemetrexede (Alimta®) para câncer de pulmão, e o regorafenibe (Stivarga®) para tumores estromais gastrintestinais (GIST) metastáticos ou não ressecáveis, carcinoma hepatocelular (CHC) e câncer colorretal (CCR) metastático.

A efetividade jurídica da lei de prioridade para pessoas idosas foi alta, sendo 86% para a faixa etária de 60 a 79 anos e 97,3% para a prioridade especial daqueles com 80 anos e mais. Além disso, em seis processos em que o advogado não solicitou prioridade, o juiz deu de ofício, sendo cinco na faixa etária de 60 a 79 anos e um de 95 anos, aumentando a efetividade para 90,1% e 98,7% respectivamente.

Em relação ao tempo de tramitação do processo, a mediana foi de 13 meses entre a distribuição e a decisão judicial, sendo menor para os adultos maduros do que para as pessoas idosas (p = 0,020), mas não houve diferença estatisticamente significativa entre as pessoas com 80 anos ou mais e demais idosos (p = 0,400) (figura 2a).

Figura 2
Curvas de tempo entre a distribuição do processo e a decisão judicial (a e b) e entre a decisão judicial e a publicação (c e d) por grupo etário na 1ª Instância do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, no período de 2018 a 2019

Das 118 decisões judiciais ocorridas no período, a maioria foi publicada no mesmo dia (86,4%). O tempo para publicação, no entanto, foi maior entre os idosos do que os adultos maduros (p = 0,500) e entre as pessoas de 80 anos e mais do que os demais idosos (p = 0,700), embora as diferenças não tenham sido estatisticamente significativas, provavelmente devido ao pequeno tamanho da amostra (figura 2b). Não houve diferença estatisticamente significativa em relação ao tempo entre a distribuição do processo e a decisão da liminar, tanto para adultos maduros e pessoas idosas (p = 0,200) quanto entre as pessoas de 80 anos e mais do que os demais idosos (p = 0,600).

Discussão

O presente estudo identificou 1.044 processos judiciais na 1ª Instância do TJRJ, mas apenas 240 foram elegíveis (23%). O procedimento de identificação impossibilita restrições de características e a exclusão de aspectos sem interesse para pesquisa, tornando o processo mais complexo e moroso. As pessoas idosas constituíram 81,7% dos autores, mas não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos etários para as características processuais e socioeconômicas estudadas, exceto as relacionadas com a idade, como aposentadoria, viuvez e óbito durante o processo.

O estudo constatou que houve efetividade da lei de prioridade para as pessoas idosas (90,1%), bem como da lei de prioridade especial para os idosos com 80 anos ou mais (98,7%), mas não houve efetividade social. Os operadores do direito cumpriram a norma jurídica, contudo, o objetivo da norma, que é dar prioridade processual aos idosos, tornando-a mais célere, não foi alcançado. Neste estudo, os adultos maduros apresentaram um tempo de tramitação processual mais célere do que os idosos. Em estudo anterior1010 Azevedo AA, Girianelli VR, Bonfatti RJ. A efetividade da lei de prioridade especial quanto às demandas judiciais de saúde na 2ª. Instância do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. 2020; 23(4):e200212., com base dos processos da 2ª Instância, foi observado que não houve nem efetividade jurídica nem efetividade social na lei de prioridade especial para os idosos com 80 anos ou mais. Os autores ressaltaram que o resultado encontrado provavelmente ocorreu devido ao pouco tempo que a lei se encontrava em vigor e pelo fato de o sistema do TJRJ, no período da pesquisa, disponibilizar apenas a alternativa de prioridade para idoso durante protocolo de uma ação, sem fazer distinção entre as faixas etárias dos idosos.

O direito à prioridade dos idosos com 80 anos ou mais encontra-se bem delimitado no Estatuto do Idoso66 Brasil. Lei nº 13.466, de 12 de julho de 2017. Altera os arts. 3º, 15 e 71 da Lei nº 10.741, de 1o de outubro de 2003, que dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências. Diário Oficial da União. 13 Jul 2017.,1111 Brasil. Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências. Diário Oficial da União. 3 Out 2003., mas a forma que ele deve ser exercido encontra-se no Código do Processo Civil1212 Brasil. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Diário Oficial da União. 17 Mar 2015., e este apresenta interpretações distintas. Para alguns juristas1313 Neves DAA. Novo Código de Processo Civil: comentado artigo por artigo. Salvador: JusPodivm; 2016., deve ser interpretado de forma simples, ou seja, basta que seja anexado um documento que comprove a idade do autor para que este obtenha de forma automática o direito à prioridade. Para outros, o direito à prioridade deve ser solicitado pelo preposto e concedido pelo magistrado após a comprovação de que faz jus a tal benefício. Na prática, a maioria dos prepostos costuma solicitar no corpo de suas ações iniciais o pedido de prioridade de tramitação processual de forma fundamentada.

Além dessa fundamentação, também é muito comum encontrar no início da ação a sinalização desse direito. Logo, pode-se supor que, se o direito à prioridade fosse determinado apenas pelo simples anexo do documento do autor, não haveria essa insistência dos prepostos que tanto almejam conseguir a prioridade para os idosos. Tal comportamento não é exclusivo dos advogados, também é encontrado nas peças processuais da Defensoria Pública com o mesmo formato de solicitação. Atualmente, o sistema do TJRJ já possibilita a solicitação de prioridade durante o protocolo da ação processual por meio do preenchimento apenas da data de nascimento, além do anexo de documentos de requisitos obrigatórios para propositura da ação. Não apresenta, no entanto, nenhuma transparência em relação de como se procede à tramitação processual dos idosos e se a prioridade realmente está sendo exercida.

A efetividade da lei de prioridade, conhecida como superprioridade, suscitada nas demandas judiciais de saúde, mostrou-se totalmente artificial, pois não apresentou materialidade na sociedade; apesar de existir e ser válida, não atingiu a finalidade social para a qual foi produzida. O direito deve ser criado à imagem de sua sociedade, revelando seus valores e anseios1414 Venosa SS. Introdução ao estudo do direito. 6. ed. São Paulo: Atlas; 2019., logo, a criação de uma norma, que teve respeitado seu período de adaptação social e mesmo assim não consegue corresponder ao seu objetivo, demonstra ser uma mera criação teórica e abstrata1515 Nader P. Introdução ao estudo do Direito. 36. rev. ed. Rio de Janeiro: Forense; 2014., necessitando de acompanhamento da sociedade para pressionar a sua efetivação.

Uma limitação do estudo foi a impossibilidade de realização de estratificação do tempo de tramitação por tipo de demanda, desfechos processuais e situações de urgência e emergência, (apesar de apreciadas nas liminares) devido ao insuficiente tamanho da amostra. Um maior percentual de acordo entre as partes ou resolução administrativa foi realizado pelos adultos maduros do que pelas pessoas idosas, o que, de certa forma, reduz o tempo do trâmite processual.

O serviço de internação ou assistência domiciliar foi a principal demanda (26,3%), sendo maior entre as pessoas idosas com 80 anos ou mais (54,7%). Talvez essa demanda seja mais evidente entre usuários de planos de saúde, pois a lei que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde1616 Brasil. Lei nº 9.656, de 03 de junho de 1998. Dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde. Diário Oficial da União. 4 Jun 1998. não inclui a assistência à saúde no ambiente domiciliar entre as coberturas obrigatórias, apenas garantindo o fornecimento de alguns serviços, produtos e medicamento específico. Os pacientes que necessitam desse serviço ainda encontram o entrave de não haver previsão no rol de coberturas obrigatórias da ANS, como também alguns planos de saúde o excluem das cláusulas contratuais o direito a cobertura de tal procedimento. A ANS regulamentou esse serviço determinando que, caso a operadora de saúde ofereça a internação domiciliar em substituição à internação hospitalar, com ou sem previsão contratual, deverá obedecer às exigências da Anvisa1717 Brasil. Agência Nacional de Saúde. Parecer Técnico nº 05/GEAS/GGRAS/DIPRO/2021. Cobertura: Assistência domiciliar (home care, assistência domiciliar, internação domiciliar, assistência farmacêutica domiciliar). [acesso em 2021 out 18]. Disponível em: https://www.gov.br/ans/pt-br/arquivos/acesso-a-informacao/transparencia-institucional/pareceres-tecnicos-da-ans/2020/parecer_tecnico_no_05_2021_atencao_domiciliar_-_home_care.pdf.
https://www.gov.br/ans/pt-br/arquivos/ac...
e ao previsto na Lei dos Planos de Saúde1616 Brasil. Lei nº 9.656, de 03 de junho de 1998. Dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde. Diário Oficial da União. 4 Jun 1998.. Ademais, quando ocorre o pedido direto de assistência domiciliar sem que seja em substituição à internação hospitalar, tal assistência deverá obedecer à previsão contratual ou à negociação entre as partes.

Apesar desses obstáculos, as ações judiciais propostas com essa demanda têm obtido êxito em sua maioria quando há indicação expressa do médico assistente. Neste estudo, apenas três foram indeferidas. Os tribunais, geralmente, tendem a seguir o pedido do médico em relação à negativa do plano de saúde em fornecer o serviço. Adicionalmente, o Tribunal de Justiça de São Paulo tem sido referência para todos os outros tribunais do País para fundamentar o pedido1818 São Paulo. Tribunal de Justiça do estado de São Paulo. Súmulas. 2021. [acesso em 2021 jan 18]. Disponível em: https://www.tjsp.jus.br/Download/Portal/Biblioteca/Biblioteca/Legislacao/SumulasTJSP.pdf.
https://www.tjsp.jus.br/Download/Portal/...
. Os prepostos também têm utilizado o argumento financeiro, ou seja, os custos de manutenção de um paciente internado em seu domicílio são consideravelmente inferiores aos de uma internação hospitalar, demonstrando que é mais vantajosa economicamente para o próprio plano de saúde.

A segunda demanda mais frequente foi a cirurgia (19,2%). Um dos aspectos a ser considerado é o tempo de carência estipulado no contrato, pois, normalmente, cada procedimento cirúrgico tem um tempo mínimo estabelecido para sua realização, usualmente, cirurgias eletivas podem ser realizadas após 180 dias da assinatura do contrato. Se a cirurgia for de urgência ou emergência, normalmente o prazo é de 24 horas ou imediato, quando há risco de morte1616 Brasil. Lei nº 9.656, de 03 de junho de 1998. Dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde. Diário Oficial da União. 4 Jun 1998., mas esses são prazos máximos, podendo a operadora de saúde reduzi-los ou extingui-los como lhes convier, o que normalmente é usado como estratégia de mercado1919 Brasil. Agência Nacional de Saúde. Carência: período para começar a usar o plano. 2021. [acesso em 2021 out 18]. Disponível em: https://www.ans.gov.br/planos-de-saude-e-operadoras/espaco-do-consumidor/carencia.
https://www.ans.gov.br/planos-de-saude-e...
. A súmula 597 do Superior Tribunal de Justiça (STJ)2020 Brasil. Supremo Tribunal de Justiça. Súmulas Anotadas. Súmula 597. Diário da Justiça Eletrônico. 20 Nov 2017. também considera abusivos os contratos que ultrapassam 24 horas para ter direito à assistência nos casos de emergência ou urgência. Atualmente, contudo, encontram-se em tramitação na Câmara dos Deputados alguns projetos de lei que buscam alterar a Lei dos Planos de Saúde com o objetivo de isentar o beneficiário do cumprimento de períodos de carência nos casos de urgência e emergência e para reduzir para 120 dias o período de carência nas internações hospitalares2121 Brasil. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 3.657/2019. Altera a Lei nº 9.656, de 03 de junho de 1998 (Lei dos Planos de Saúde), para isentar o beneficiário do cumprimento de períodos de carência nos casos de urgência e emergência e para reduzir para cento e vinte dias o período de carência nas internações hospitalares. [acesso em 2021 out 18]. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2208826.
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb...
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Já as cirurgias solicitadas em decorrências de lesões e/ou doenças preexistentes seguem outro critério, pois atualmente o plano de saúde realiza uma avaliação médica antes para o preenchimento de formulário sobre saúde, como também é dever do contratante informar se tem alguma doença ou lesão preexistente; isso não inviabiliza pedidos de cirurgias, mas o prazo para sua realização será maior, em geral, 24 meses. Contudo, há cirurgias que não possuem coberturas, como cirurgias meramente estéticas, experimentais, tratamentos e intervenções, invasivas ou não, sem comprovação científica.

Em relação ao transplante, a ANS determina a cobertura de alguns tipos (rim, córnea e medula) para os planos que oferecem assistência hospitalar, que também são obrigados a cobrir todas as despesas relacionadas2222 Brasil. Agência Nacional de Saúde. Resolução normativa nº 428, de 07 de novembro de 2017. Atualiza o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, que constitui a referência básica para cobertura assistencial mínima nos planos privados de assistência à saúde, contratados a partir de 1º de janeiro de 1999; fixa as diretrizes de atenção à saúde; e revoga as Resoluções Normativas nº 387, de 28 de outubro de 2015, e RN nº 407, de 3 de junho de 2016. Diário Oficial da União. 8 Nov 2017., que vão muito além do próprio ato cirúrgico. Além disso, o paciente candidato ao transplante de rim ou córnea proveniente de doador cadáver deverá, obrigatoriamente, estar inscrito em uma das Centrais de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos (CNCDO), integrando a fila única nacional, coordenada pelo Sistema Nacional de Transplante (SNT)2323 Brasil. Ministério da Saúde. Decreto nº 9.175, de 18 de outubro de 2017. Regulamenta a Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, para tratar da disposição de órgãos, tecidos, células e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento. Diário Oficial da União. 19 Out 2017..

A demanda por medicamentos correspondeu a 17,5% das solicitações. A obrigatoriedade do fornecimento de medicamentos pelos planos de saúde ainda é muito discutida pelos estudiosos, principalmente medicamentos que não fazem parte do rol da ANS e para uso off label. No Brasil, todo medicamento, para ser fabricado e vendido, deve ter registro na Anvisa, e para ser aprovado, são realizados testes e análises que demonstrem sua qualidade, eficácia e segurança garantindo que o tratamento tenha um impacto positivo na saúde da população2424 Brasil. Lei nº 6.360, de 23 de setembro de 1976. Dispõe sobre a Vigilância Sanitária a que ficam sujeitos os Medicamentos, as Drogas, os Insumos Farmacêuticos e Correlatos, Cosméticos, Saneantes e Outros Produtos, e dá outras Providências. Diário Oficial da União. 24 Set 1976.. A ANS apresenta um rol de procedimentos e eventos em saúde, atualizado a cada dois anos, com a lista obrigatória de consultas, exames, cirurgias e outros procedimentos que devem ser oferecidos aos beneficiários. Esse rol é destinado aos contratantes de planos novos, ou seja, contratados a partir de 1º de janeiro de 1999 ou adaptados à lei; caso contrário, a cobertura será a que estiver determinada em seu contrato, podendo o beneficiário adaptar ou migrar para outro plano a qualquer momento, passando a ser considerado integrante dos planos novos1919 Brasil. Agência Nacional de Saúde. Carência: período para começar a usar o plano. 2021. [acesso em 2021 out 18]. Disponível em: https://www.ans.gov.br/planos-de-saude-e-operadoras/espaco-do-consumidor/carencia.
https://www.ans.gov.br/planos-de-saude-e...
. No último rol publicado2222 Brasil. Agência Nacional de Saúde. Resolução normativa nº 428, de 07 de novembro de 2017. Atualiza o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, que constitui a referência básica para cobertura assistencial mínima nos planos privados de assistência à saúde, contratados a partir de 1º de janeiro de 1999; fixa as diretrizes de atenção à saúde; e revoga as Resoluções Normativas nº 387, de 28 de outubro de 2015, e RN nº 407, de 3 de junho de 2016. Diário Oficial da União. 8 Nov 2017., ocorreram importantes incorporações, como, por exemplo, oito medicamentos orais para o tratamento de câncer.

A discussão sobre o uso de medicamentos off label tem sido tema de relevância tanto para saúde pública quanto para suplementar. Medicamentos off label têm predominância em determinadas situações clínicas, como a oncologia e em determinadas faixas etárias, tais como idosos, gestantes e crianças, devido à dificuldade e/ou impossibilidade da realização de ensaios clínicos entre esses grupos2525 Brasil. Ministério da Saúde. Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Uso off label: erro ou necessidade?. Rev. Saúde Pública. 2012; 46(2):395-397.. A questão, contudo, é quando o pedido de medicamento é negado pelo plano de saúde, pois apresenta graus de complexidades distintos entre esses tipos de demandas. O medicamento que tem registro na Anvisa com cobertura no rol da ANS não terá a mesma dificuldade do que os demais para ser obtido, visto que se enquadra nos critérios legais estabelecidos para sua solicitação. Desse tipo de medicamento solicitado, não houve nenhum indeferimento. O medicamento que tem registro na Anvisa sem cobertura no rol da ANS poderia ser interpretado como uma demanda com maior grau de dificuldade para sua obtenção, mas, sobre essa questão, encontramos distintos entendimentos nos tribunais.

Alguns entendem que o plano de saúde tem o dever jurídico de tratar as enfermidades previstas no contrato, mesmo sem reconhecimento da ANS ou Anvisa. Outros, por sua vez, entendem que rol da ANS é meramente exemplificativo, e não taxativo, não constituindo motivo idôneo para a negativa de sua cobertura. Na tentativa de pacificar a matéria, a quarta turma do STJ adotou o entendimento de que o rol da ANS não é meramente exemplificativo, tratando-se de um mínimo obrigatório para as operadoras de planos de saúde2626 Brasil. Supremo Tribunal de Justiça. REsp 1733013/PR. Relator Min. Marco Aurélio Belize. Quarta Turma. Diário da Justiça Eletrônico. 20 Fev 2020.. Apesar da terceira turma do mesmo Tribunal apresentar entendimento em sentido contrário, ou seja, de que a lista da ANS seria meramente exemplificativa, o fato de um procedimento não constar da lista não desobriga o plano de custeá-lo caso seja indicado pelo médico para tratar doença prevista no contrato.

No que se refere propriamente à juridicidade da prática médica consistente na prescrição off label, não existe nenhuma norma de natureza legislativa ou deontológica que autorize ou vede expressamente as referidas práticas no contexto nacional2727 Sá MFF, Ferreira PHM. A prescrição off label de medicamentos: análise do entendimento do Superior Tribunal de Justiça por ocasião do julgamento dos recursos especiais nº 1.721.705/SP e nº 1.729.566/SP. Rev Bras. Direito Civil. 2019; (21):147-161.. A própria Anvisa apresenta um posicionamento relativizado em relação à prescrição off label quando informa que seu uso é de responsabilidade do médico que prescreve, e que pode incorrer eventualmente em um erro médico, mas reconhece que há prescrições off label essencialmente corretas, que apenas ainda não foram devidamente aprovadas. Ainda acrescenta, em seu entendimento, a importância dessas prescrições em doenças raras, pois possivelmente nunca haverá indicações dessas doenças na bula do medicamento, uma vez que jamais serão estudadas por ensaios clínicos1717 Brasil. Agência Nacional de Saúde. Parecer Técnico nº 05/GEAS/GGRAS/DIPRO/2021. Cobertura: Assistência domiciliar (home care, assistência domiciliar, internação domiciliar, assistência farmacêutica domiciliar). [acesso em 2021 out 18]. Disponível em: https://www.gov.br/ans/pt-br/arquivos/acesso-a-informacao/transparencia-institucional/pareceres-tecnicos-da-ans/2020/parecer_tecnico_no_05_2021_atencao_domiciliar_-_home_care.pdf.
https://www.gov.br/ans/pt-br/arquivos/ac...
,2222 Brasil. Agência Nacional de Saúde. Resolução normativa nº 428, de 07 de novembro de 2017. Atualiza o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, que constitui a referência básica para cobertura assistencial mínima nos planos privados de assistência à saúde, contratados a partir de 1º de janeiro de 1999; fixa as diretrizes de atenção à saúde; e revoga as Resoluções Normativas nº 387, de 28 de outubro de 2015, e RN nº 407, de 3 de junho de 2016. Diário Oficial da União. 8 Nov 2017.
devido ao tamanho de amostra ser insuficiente para ter poder para realização do estudo.

A quarta turma do STJ decidiu que os planos têm de cobrir uso off label de medicamentos com registro na Anvisa2828 Brasil. Supremo Tribunal de Justiça. REsp nº 1729566 SP 2017/ 0333668-7. Relator Min. Luis Felipe Salomão. Quarta Turma. Diário da Justiça Eletrônico. 30 Out 2018. [acesso em 2022 nov 5]. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stj/643679514/inteiro-teor-643679519.
https://www.jusbrasil.com.br/jurispruden...
. Essa decisão unifica o entendimento do tribunal sobre a questão, já que a terceira turma havia se posicionado no mesmo sentido, ou seja, falta de indicação específica na bula não é motivo para a negativa de cobertura do tratamento. Os ministros entenderam que

off label corresponde ao uso essencialmente correto de medicamento aprovada em ensaios clínicos e produzida sob controle estatal, apenas ainda não aprovado para determinada terapêutica2828 Brasil. Supremo Tribunal de Justiça. REsp nº 1729566 SP 2017/ 0333668-7. Relator Min. Luis Felipe Salomão. Quarta Turma. Diário da Justiça Eletrônico. 30 Out 2018. [acesso em 2022 nov 5]. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stj/643679514/inteiro-teor-643679519.
https://www.jusbrasil.com.br/jurispruden...
.

Sobre o profissional responsável pela prescrição do uso off label, o Ministro relator Luis Felipe Salomão ratificou que a competência para editar normas que definem quando se trata de caráter experimental de um tratamento médico é privativa do Conselho Federal de Medicina, razão pela qual não pode a ANS nem as operadoras de planos de saúde pretenderem tomar para si a referida atribuição. Deve-se ressaltar, no entanto, que medicamentos para uso experimental têm que estar inserido em uma pesquisa, com aprovação do CEP, e todos os insumos são de responsabilidade do patrocinador do estudo.

No caso de medicamentos sem registro na Anvisa, as controvérsias se acentuam. O estudo identificou seis pedidos, um deferido, um indeferido e os demais ainda não haviam sido julgados. De forma geral, nem o Estado nem as operadoras de saúde são obrigados a fornecer medicamentos não registrados na Anvisa, pois seu registro constitui proteção à saúde pública, atestando a eficácia, a segurança e a qualidade dos fármacos comercializados no País. Tal registro sanitário não pode ser considerado um procedimento meramente burocrático e dispensável, mas processo essencial para a tutela do direito à saúde de toda a coletividade. Para o Ministro Barroso, as decisões judiciais que determinam o fornecimento de fármacos sem o devido registro sanitário, especialmente quando estes não foram submetidos aos testes e critérios técnicos mínimos exigidos, representam grave risco para a saúde pública2929 Brasil. Supremo Tribunal Federal. AgR RE 657718 /MG. Relator do Acórdão Min. Roberto Barroso. Diário da Justiça Eletrônico. 25 Out 2019.. Diante da ausência de informações e conhecimentos científicos acerca de eventuais efeitos adversos de uma substância e da inexistência de atestação da segurança e eficácia de um fármaco pela Anvisa, a decisão judicial nunca deverá ser pela liberação de seu consumo3030 Barroso AS, Hoyos A, Silva HS, et al, organizadores. Diálogos Interdisciplinares do Envelhecimento. São Paulo: Edições Hipótese; 2019.. Concessão excepcional foi decidida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) com maioria dos votos na situação de demora da Anvisa em apreciar o pedido, prazo superior ao previsto em lei2929 Brasil. Supremo Tribunal Federal. AgR RE 657718 /MG. Relator do Acórdão Min. Roberto Barroso. Diário da Justiça Eletrônico. 25 Out 2019., quando há registro em agências renomadas no exterior, e inexistência de substituto no Brasil2929 Brasil. Supremo Tribunal Federal. AgR RE 657718 /MG. Relator do Acórdão Min. Roberto Barroso. Diário da Justiça Eletrônico. 25 Out 2019.. Em contrapartida, o STJ definiu que as operadoras de planos de saúde não são obrigadas a fornecer medicamentos não registrados pela Anvisa3131 Brasil. Supremo Tribunal de Justiça. REsp nº 1726563 / SP (2017/0120185-3). Relator Min. Moura Ribeiro. Segunda Seção. Diário da Justiça Eletrônico. 19 Mar 2018.,3232 Brasil. Supremo Tribunal de Justiça. REsp nº 1712163 / SP (2017/0182916-7). Relator Min. Moura Ribeiro. Segunda Seção. Diário da Justiça Eletrônico. 26 Nov 2018..

Adicionalmente, entre as diversas práticas mercantilistas que a indústria farmacêutica utiliza para obter lucro, sem dúvida, a utilização do profissional médico é o principal instrumento para o sucesso, particularmente porque no Brasil não é permitida a divulgação de fármacos de forma livre ao público leigo. É evidente, portanto, que esse grupo profissional acaba por alavancar, de forma direta ou indireta, o crescimento financeiro desse mercado, já que eles detêm o poder de prescrever medicamentos. Logo, a indústria farmacêutica assedia o profissional médico para persuadi-lo a prescrever um determinado medicamento, e, em contrapartida, pode oferecer algumas vantagens. Obviamente, podem-se encontrar profissionais que sucumbem a essas vantagens e, assim, passam a prescrever medicamentos mesmo tendo alternativas de uso ou de efeito similar ou de custo apropriado3333 Gøtzsche PC. Medicamentos mortais e crime organizado: como a indústria farmacêutica corrompeu a assistência médica. Porto Alegre: Bookman; 2016.,3434 Peres G, Job JRPP. Médicos e indústria farmacêutica: percepções éticas de estudantes de medicina. Rev. Bras. Educ. Méd. 2010; 34(4):515-524..

Considerações finais

O Brasil é um país considerado jovem, mas tem uma significativa população em processo de envelhecimento acelerado. Esse envelhecimento populacional traz consigo algumas implicações nas esferas socioeconômica do País, principalmente no sistema de saúde, tanto público quanto privado, pois apesar do envelhecimento não ser sinônimo de adoecimento, tal processo pode ocasionar algumas fragilidades e doenças. Para tanto, a importância na construção de leis que consigam efetivamente corresponder o real anseio da sociedade, visto que a lei que é mera criação teórica não irá corresponder à vontade social.

As legislações voltadas para as pessoas idosas, em especial, a de prioridade, têm extrema relevância, não podendo ser apenas uma lei fantasia, mas instrumento de proteção voltado para esse contingente populacional. A pessoa idosa necessita da garantia ao direito à prioridade que foi consagrada legalmente, pois se encontra em uma fase da vida em que a questão temporal tem um peso fundamental, que se agrava ainda mais quando apresento algum problema relacionado com a saúde. Com o advento de leis que trazem direitos específicos, pode-se buscar equalizar as desigualdades sociais tão comuns na sociedade, por isso a importância de sua efetividade jurídica e social ser devidamente concretizada.

Apesar das limitações citadas, o estudo contribuiu para a maior compreensão da efetividade da lei, porque são raras as pesquisas que realizam esse tipo de avaliação tão relevante para a sociedade. A academia pode cumprir esse papel social e, de certa forma, divulgar o comportamento da lei na sociedade; e, assim, contribuir para seu aperfeiçoamento e sua aplicabilidade. Por ora, os resultados desta pesquisa reforçam a necessidade de maiores análises que compreendam o efeito produzido pelas normas, pois apesar de a lei de prioridade ser uma importante vitória na luta pelos direitos da pessoa idosa, em uma sociedade dominada pela ideologia ageista e preconceituosa, ainda há equívocos no entendimento do tema.

  • Suporte financeiro: o presente artigo foi realizado com apoio financeiro do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Saúde Pública PPG-SP/Ensp/Fiocruz na tradução de idioma da língua portuguesa para a língua inglesa

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    Dez 2022

Histórico

  • Recebido
    26 Out 2021
  • Aceito
    20 Set 2022
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde RJ - Brazil
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