Refazendo a prevenção ao HIV na 5ª década da epidemia: lições da história social da Aids

Remaking HIV prevention in the 5th decade of the epidemic: lessons from the social history of AIDS

Gabriela Junqueira Calazans Richard Parker Veriano Terto JuniorSobre os autores

RESUMO

A chegada da 5ª década da epidemia de Aids sob o impacto da pandemia da Covid-19 trouxe importantes desafios para a prevenção do HIV/Aids. Este ensaio buscou sistematizar as reflexões produzidas em projeto desenvolvido pela Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids que conjugou debates sobre o momento presente das respostas à epidemia com o resgate da história social da Aids e da prevenção. Trata-se da história social da epidemia de Aids nos seus 40 anos e abordaram-se lições no campo da prevenção relevantes para repensar a prevenção na 5ª década. Apresentam-se princípios ético-políticos que fundamentaram respostas bem-sucedidas à Aids no Brasil, bem como apontam-se caminhos futuros, recomendando abordagens a serem adotadas e um pacote mínimo de recursos preventivos de acesso universal. Para evitar o desperdício da rica experiência acumulada ao longo da história social da Aids, propõe-se valorizar e recuperar lições aprendidas ao longo da história da prevenção, como a articulação de estratégias culturais e estruturais – fundamentadas em direitos e mobilização social – às estratégias de prevenção biomédicas e comportamentais e a combinação dos conceitos de vulnerabilidade e de direitos humanos, instrumentais para analisar os determinantes da epidemia e propor intervenções social e culturalmente apropriadas.

PALAVRAS-CHAVE
HIV; Síndrome da Imunodeficiência Adquirida; Prevenção de doenças; Ciências sociais; História

ABSTRACT

The arrival of the 5th decade of the AIDS epidemic under the impact of the COVID-19 pandemic has brought important challenges for HIV/AIDS prevention. This essay sought to systematize the reflections produced in a project developed by the Brazilian Interdisciplinary AIDS Association that combined current debates on the responses to the epidemic with the rescue of the social history of AIDS and prevention. We deal with the social history of the AIDS epidemic in its 40 years and address lessons in the field of prevention that are relevant to rethinking prevention in the 5th decade. We present ethical-political principles that underpin successful responses to AIDS in Brazil, as well as point out future paths, recommending approaches to be adopted and a minimum package of preventive resources for universal access. To avoid wasting the rich experience accumulated throughout the social history of AIDS, we propose to value and recover lessons learned throughout the history of prevention, such as the articulation of cultural and structural strategies – based on rights and social mobilization – with biomedical and behavioral prevention strategies and the combination of the concepts of vulnerability and human rights, instrumental in analyzing the determinants of the epidemic and proposing socially and culturally appropriate interventions.

KEYWORDS
HIV; Acquired Immunodeficiency Syndrome; Disease prevention; Social sciences; History

Introdução

A chegada da 5ª década da epidemia de Aids sob o impacto da pandemia da Covid-19 trouxe importantes desafios para a prevenção do HIV/ Aids. Na última década, fomos impactados por promessas frequentes do fim da epidemia de Aids11 Parker R. O fim da AIDS? Rio de Janeiro: ABIA; 2015. [acesso em 2022 maio 9]. Disponível em: https://abiaids.org.br/o-fim-da-aids-2/28751.
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. Contraditoriamente, no entanto, observamos incrementos na prevalência de HIV, especialmente entre jovens, e na mortalidade por Aids22 Grangeiro A, Castanheira ER, Nemes MIB. A re-emergência da epidemia de aids no Brasil: desafios e perspectivas para o seu enfrentamento. Interface comun. saúde educ. 2015 [acesso em 2022 maio 9]; 19(52):5-8. Disponível em: https://www.scielo.br/j/icse/a/k6ZmQqMcsjKQSptWwkb7Zvm/?lang=pt.
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. A mobilização de tais expectativas sobre o fim da epidemia relaciona-se, pelo menos parcialmente, com outra marca importante da última década: a existência crescente de um conjunto de recursos tecnológicos para prevenção do HIV e tratamento da Aids. Não obstante, o acesso a tais recursos permanece extremamente desigual, ocasionando uma distribuição díspar de infecções, adoecimento e mortes.

A excessiva ênfase nos recursos tecnológicos da prevenção tem mobilizado enfoque predominantemente prescritivo e normativo, fundado no discurso técnico, esvaziado de sentidos práticos e das inexoráveis conexões com a vida daqueles mais afetados pelo HIV/Aids.

Vivemos, nos últimos dois anos, sob o impacto da pandemia da Covid-19, que difere da Aids nas formas de infecção e adoecimento, mas que compartilha inúmeras condições de vulnerabilidade para infecções, adoecimentos e mortes, além do caráter pandêmico, como epidemia global. A pandemia da Covid-19 repercutiu negativamente nos cuidados em saúde em geral, não sendo diferente no que tange ao HIV, ocasionando prejuízos no acesso das pessoas a prevenção, testes diagnósticos e serviços de saúde, como apontaram Mário Scheffer e Caio Rosenthal33 Scheffer M, Rosenthal C. Não se esqueçam do HIV. A Folha de São Paulo. 2020 nov 30. [acesso em 2022 maio 10]. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2020/11/nao-se-esquecam-do-hiv.shtml.
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,44 Scheffer M, Rosenthal C. O cancelamento da prevenção à Aids. A Folha de São Paulo. 2021 nov 30. [acesso em 2022 maio 10]. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2021/11/o-cancelamento-da-prevencao-a-aids.shtml.
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em artigos opinativos na ‘Folha de S. Paulo’.

Nossa experiência com a pandemia da Covid-19 expôs incontáveis perdas e danos compartilhados, reiterando nosso saber sobre a dimensão coletiva das pandemias, tão caro ao campo da Aids. Concomitantemente, explicitou o quão desigualmente distribuídos tais perdas e danos se dão em nossa coletividade. Entretanto, a despeito do caráter social das doenças e epidemias, chama a atenção como os discursos públicos sobre elas, cada vez mais, exacerbam a responsabilização individual diante da prevenção e do cuidado.

Nesse contexto crítico, impactado por retrocessos e distintas disputas discursivas no campo da Aids, é urgente discutir os caminhos que a prevenção deve tomar nesta 5ª década. Diante desse desafio, a Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia) desenvolveu o projeto ‘Combinando a Prevenção’, no qual buscamos conjugar debates sobre o momento presente das respostas à epidemia com o resgate histórico da prevenção. Tivemos, assim, como premissa o entendimento de que resgatar a história da epidemia é uma forma de conhecê-la, resguardar sua memória e aprender com as lições do passado para que possamos aprimorar o presente e ter melhores perspectivas no futuro. Partimos do reconhecimento de que as grandes conquistas da resposta brasileira à epidemia foram a ousadia e o sucesso da resposta social e política à Aids55 Berkman A, Garcia J, Munoz-Laboy M, et al. A critical analysis of the Brazilian response to HIV/AIDS: lessons learned for controlling and mitigating the epidemic in developing countries. Am J Public Health. 2005 [acesso em 2022 maio 9]; 95(7):1162-72. Disponível em: https://ajph.aphapublications.org/doi/10.2105/AJPH.2004.054593.
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e que essa resposta, na atualidade, não deve desperdiçar os aprendizados de quatro décadas de experiência com a epidemia de Aids66 Seffner F, Parker R. Desperdício da experiência e precarização da vida: momento político contemporâneo da resposta brasileira à aids. Interface - comun. saúde educ. 2016 [acesso em 2022 maio 9]; 20(57):293-304. Disponível em: https://www.scielo.br/j/icse/a/MTZ5T7N97xXVjcGX5qxWsPh/?lang=pt.
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. Compreendemos, dessa forma, que momentos críticos também se configuram como oportunidades para a reflexão crítica e a construção de novos caminhos.

Buscamos sistematizar, neste ensaio, as reflexões produzidas ao longo deste projeto. Na primeira parte, procedemos a uma recuperação da história social da Aids, identificando os principais desafios das quatro décadas da epidemia de Aids e as lições aprendidas sobre prevenção. Na segunda parte, fazemos recomendações para a prevenção do HIV e da Aids na 5ª década da epidemia.

Percurso metodológico

O projeto ‘Combinando a Prevenção’, desenvolvido pela Abia ao longo de 2021, envolveu a realização de dois seminários nos quais foram feitas apresentações que revisitaram diferentes aspectos das respostas à epidemia de Aids no Brasil. Também foi apresentada uma sistematização da experiência da Abia com a pedagogia da prevenção, que reuniu importantes aprendizados das trocas com os participantes de inúmeros eventos e atividades realizados pela Abia. Tendo partido, ainda, da perspectiva de que o campo da Aids integra as respostas coletivas produzidas, articuladamente com as comunidades, por ativistas, pesquisadores, profissionais e gestores, realizamos encontros com esses atores para ouvir lições da sua experiência. A partir das contribuições dessas diferentes experiências, foi elaborado um documento de sistematização com recomendações para a prevenção na 5ª década da epidemia de HIV/Aids77 Calazans G, Parker R, Terto Junior V. Refazendo a prevenção do HIV na 5ª década da epidemia de HIV e AIDS. Rio de Janeiro: ABIA; 2021. [acesso em 2022 maio 9]. Disponível em: https://abiaids.org.br/refa-zendo-a-prevencao-do-hiv-na-5a-decada-da-epidemia-de-hiv-e-aids/35273.
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História social da epidemia de Aids

Nesta seção, tratamos da história social da epidemia de Aids, enfocando os diferentes momentos da epidemia, desafios e respostas ante a Aids nos seus 40 anos. Em seguida, partimos desse pano de fundo histórico mais geral para abordar lições especificamente no campo da prevenção, que nos dão pistas para pensar prioridades para a prevenção na 5ª década que está se iniciando.

Queremos, inicialmente, enfatizar alguns aspectos importantes em relação à linguagem. Quando falamos, neste artigo, em epidemia, estamos nos referindo a um evento social, e não simplesmente viral ou epidemiológico. Uma das primeiras lições de Betinho, um dos fundadores da Abia, na década de 1980, é que uma epidemia é um evento social, um processo que cria respostas sociais88 Souza H. A Cura Da AIDS/The Cure of AIDS. Rio de Janeiro: Relume-Dumará; 1994.. Em cada contexto, a sociedade conceitua o que é uma epidemia, lançando respostas de diferentes tipos. Devemos, portanto, atentar a essa resposta social para entender uma epidemia. A epidemia de que a epidemiologia trata pode restringir-se mais aos modos de transmissão, aos modos virais e sua distribuição, tendendo a dar menor ênfase às questões sociais. Mesmo no caso da epidemiologia social latino-americana, tradição que aborda mais fortemente as questões sociais, isso se dá por meio dos determinantes sociais da vulnerabilidade perante o HIV/Aids. Neste ensaio, procuramos examinar uma dimensão complementar, mas distinta: as diversas maneiras em que a sociedade brasileira se mobilizou e se organizou para enfrentar a epidemia. São os processos sociais e políticos desencadeados pela chegada do HIV/Aids, construídos ao longo das mais de quatro décadas da epidemia no País, que nos interessam.

O segundo termo que queremos precisar é o de ‘ondas’. Tratamos de ondas, aqui, no sentido de Betinho: as ondas da resposta social99 Parker R. Grassroots activism, civil society mobilization, and the politics of the global HIV/AIDS epidemic. Brown J. World Aff. 2011 [acesso em 2022 maio 9]; 17(2):21-37. Disponível em: https://journals.lww.com/jaids/Fulltext/2009/11011/Civil_Society,_Political_Mobilization,_and_the.14.aspx.
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. Diante da Aids como evento social, como a sociedade se organiza, a cultura conceitua e a política define estratégias para seu enfrentamento? Argumentamos, assim, que podemos identificar em cada uma das quatro décadas dos 40 anos de Aids um período distinto de respostas sociais à epidemia. Nomeamos esses períodos como ondas, pois, como uma onda, é difícil precisar exatamente quando uma começa e outra termina1010 Parker R. Reading the waves: notes on history, politics and pandemics. In: Imagining the Epidemic: The Politics of AIDS and the Invention of Global Health. Rio de Janeiro: ABIA/GAPW/SPW. 2023 (Forthcoming)..

Tais ondas têm características demarcadoras e, apesar de considerarmos períodos aproximados, há acontecimentos que as delimitam, como indicado a seguir. De 1981, quando o primeiro caso de Aids foi diagnosticado pela medicina, até aproximadamente 1991, temos uma primeira onda que pode ser descrita como ‘anos de crise’; marcada também por grande resistência por parte das comunidades e populações mais afetadas, que tinham que resistir não somente ao vírus, mas também ao estigma e à discriminação, bem como às políticas nem sempre adequadamente delineadas ou efetivadas. Definimos o começo da segunda onda em torno de 1991, culminando em 2001 com a ‘Sessão Especial da Assembleia Geral das Nações Unidas sobre HIV/AIDS’ (Ungass) e a Declaração de Doha. Esse período foi marcado pelos esforços para constituir um movimento global contra a Aids. No meio dessa onda, houve o surgimento de tratamentos eficazes, em 1996, quando se iniciou uma batalha para assegurar acesso aos medicamentos para todos que precisavam, principalmente em países mais pobres, mas também em comunidades pobres em países ricos. A terceira onda ocorreu entre 2001 e 2011, nomeada de período de ampliação de escala (scale-up), começando com a Ungass e o estabelecimento da declaração de compromisso dos países em enfrentar a epidemia e tornar os tratamentos acessíveis em escala mundial. Ao longo dessa década, várias ações foram articuladas e construídas, proporcionando gradualmente uma rebiomedicalização da epidemia, com fortes consequências até hoje. Por fim, temos, de 2011 a 2020, a quarta onda, quando autoridades e instituições passaram a prometer o possível ‘fim da Aids’. Não obstante, tal narrativa tenha sido repetida inúmeras vezes, não estamos mais perto do final da epidemia ao término desta onda1010 Parker R. Reading the waves: notes on history, politics and pandemics. In: Imagining the Epidemic: The Politics of AIDS and the Invention of Global Health. Rio de Janeiro: ABIA/GAPW/SPW. 2023 (Forthcoming)..

Nesse sentido, os 40 anos de Aids se encerram com uma decepção entre o que se pensou como possível e o que de fato se alcançou. Mobilizam, assim, interrogações sobre a quinta onda, que se iniciou em 2020, tendo como marco a chegada da Covid-19. Se nossa experiência com a Aids pode ser compreendida em ondas, a Covid-19 chegou como um tsunami pela rapidez e violência com que se impôs, derrubando tudo à sua frente; levantando muitas dúvidas sobre as respostas futuras no campo da Aids e sobre a possibilidade do tão prometido ‘fim da Aids’. Vamos caracterizar mais densamente essas ondas para situarmos o debate e, posteriormente, apontarmos lições aprendidas sobre prevenção ao longo desta história.

A primeira onda: inventando a epidemia nos anos 1980

Na primeira onda, a Aids teve que ser inventada. Foi preciso entender o que era esse vírus, desenvolver políticas para lidar com ele em contextos extremamente diversos: nos países industrializados da América do Norte e Europa Ocidental e em diversos países em desenvolvimento econômico e social da América Latina, Ásia e África subsaariana.

Em muitos países, incluindo o Brasil, essa experiência configurou-se como uma crise profunda, especialmente em comunidades gays, mas também em outras populações marginalizadas e estigmatizadas, que foram rapidamente afetadas pela nova epidemia, como usuários de drogas e trabalhadoras sexuais. Tratando-se de grupos marginalizados e destituídos de poder social, foram vistos como populações parcialmente ‘dispensáveis’ ou sem importância, o que gerou atrasos, restrições e inadequações nas respostas.

Houve, assim, uma ousada crítica à falta de ação por parte do poder público em quase todas as sociedades, bem como forte resistência, proveniente desses grupos, ao estigma e à discriminação associados à Aids e à sexualidade, de forma que se constituíram respostas sociais e políticas no âmbito dessas comunidades mais afetadas, fundadas na resistência, na arte de cuidar e na prática da solidariedade. Foi nesse contexto que se deram a invenção do sexo seguro e as experiências de ativismo cultural.

Aos poucos, também, já na segunda metade dessa década, começa alguma inovação institucional, com a criação, no âmbito da sociedade civil, das primeiras Organizações Não Governamentais de Aids (ONG/Aids) e, nos espaços governamentais e intergovernamentais, do primeiro Programa Global de Aids da Organização Mundial da Saúde (OMS), de alguns programas estaduais brasileiros1111 Parker R. AIDS crisis and Brazil. Oxford: Oxford University Press; 2020. [acesso em 2022 maio 9]. Disponível em: https://oxfordre.com/latinamericanhistory/view/10.1093/acrefore/9780199366439.001.0001/acrefore-9780199366439-e-865?print=pdf.
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,1212 Galvão J. AIDS no Brasil: a agenda de construção de uma epidemia. São Paulo: 34; Rio de Janeiro: ABIA; 2000.,1313 Teixeira PR. Políticas públicas em AIDS. In: Parker R, organizador. Políticas, Instituições e AIDS: enfrentando a epidemia no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; ABIA; 1997. p. 43-68., em 1985, seguidos do programa nacional brasileiro, em 1986/1987. No final dos anos 1980 no Brasil, deu-se início à criação e à implantação do Sistema Único de Saúde (SUS), construindo um contexto institucional fundamental para a consolidação do enfrentamento da epidemia55 Berkman A, Garcia J, Munoz-Laboy M, et al. A critical analysis of the Brazilian response to HIV/AIDS: lessons learned for controlling and mitigating the epidemic in developing countries. Am J Public Health. 2005 [acesso em 2022 maio 9]; 95(7):1162-72. Disponível em: https://ajph.aphapublications.org/doi/10.2105/AJPH.2004.054593.
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,1111 Parker R. AIDS crisis and Brazil. Oxford: Oxford University Press; 2020. [acesso em 2022 maio 9]. Disponível em: https://oxfordre.com/latinamericanhistory/view/10.1093/acrefore/9780199366439.001.0001/acrefore-9780199366439-e-865?print=pdf.
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A segunda onda: construindo um movimento global nos anos 1990

Coincidindo com o término da primeira onda e o início desse segundo momento da história da Aids, ocorreram importantes acontecimentos no cenário global, como a queda do muro de Berlim e a reestruturação mundial pós-Guerra Fria, com menor militarização e maior desenvolvimento humano. Dessa forma, os anos 1990 configuraram-se como um período de inovações.

No Brasil, aconteceu a primeira eleição direta para presidente, após o período de redemocratização, com inúmeras mudanças políticas e sociais1010 Parker R. Reading the waves: notes on history, politics and pandemics. In: Imagining the Epidemic: The Politics of AIDS and the Invention of Global Health. Rio de Janeiro: ABIA/GAPW/SPW. 2023 (Forthcoming).,1111 Parker R. AIDS crisis and Brazil. Oxford: Oxford University Press; 2020. [acesso em 2022 maio 9]. Disponível em: https://oxfordre.com/latinamericanhistory/view/10.1093/acrefore/9780199366439.001.0001/acrefore-9780199366439-e-865?print=pdf.
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. Ao longo dos anos 1990, o movimento global de Aids foi construído e consolidado. Houve a criação de instituições e respostas, tanto em nível nacional quanto internacional. Em 1996, foi criado o ‘Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids’ (Unaids) como uma nova organização multilateral, que reuniu mais de dez agências da Organização das Nações Unidas (ONU) para responder conjuntamente à Aids em nível global. O Programa Nacional tornou-se mais robusto, a partir de 1994, com os primeiros empréstimos do Banco Mundial negociados pelo governo brasileiro, ampliando massivamente a resposta ante a epidemia no Brasil. Houve também importante incremento no número de ONG/Aids em função do financiamento governamental para apoiar ações da sociedade civil, passando de algumas dezenas para mais de 400 organizações nessa década1111 Parker R. AIDS crisis and Brazil. Oxford: Oxford University Press; 2020. [acesso em 2022 maio 9]. Disponível em: https://oxfordre.com/latinamericanhistory/view/10.1093/acrefore/9780199366439.001.0001/acrefore-9780199366439-e-865?print=pdf.
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,1212 Galvão J. AIDS no Brasil: a agenda de construção de uma epidemia. São Paulo: 34; Rio de Janeiro: ABIA; 2000.,1414 Parker R. Construindo os alicerces para a resposta ao HIV/AIDS no Brasil: o desenvolvimento de políticas sobre o HIV/AIDS, 1982-1996. Divulg. saúde debate. 2003 [acesso em 2022 maio 9]; 1(27):8-49. Disponível em: https://abiaids.org.br/wp-content/uploads/2019/03/4-Construindo-os-alicerces-para-a-resposta-ao-HIV_AIDS-no-Brasil-o-desenvolvimen-to-de-poli%CC%81ticas-sobre-o-HIV_AIDS-1982-%E2%80%93-1996-2.pdf.
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Em 1996, durante a Conferência Internacional de Aids, realizada em Vancouver, foi anunciado o sucesso de pesquisas com novos medicamentos antirretrovirais usados em combinação, vindo a permitir o tratamento eficaz para a Aids. Contudo, em função dos altos preços dos medicamentos, abriu-se um grande dilema para o mundo, pois o tratamento só estaria disponível para pessoas ricas em países ricos se não fossem criadas políticas para garantir o acesso99 Parker R. Grassroots activism, civil society mobilization, and the politics of the global HIV/AIDS epidemic. Brown J. World Aff. 2011 [acesso em 2022 maio 9]; 17(2):21-37. Disponível em: https://journals.lww.com/jaids/Fulltext/2009/11011/Civil_Society,_Political_Mobilization,_and_the.14.aspx.
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O movimento global para o acesso ao tratamento iniciou-se em 1996. O Brasil foi o primeiro país a disponibilizá-lo de forma universal, conseguindo, em menos de seis meses após o anúncio em Vancouver, aprovar a Lei nº 9.3131111 Parker R. AIDS crisis and Brazil. Oxford: Oxford University Press; 2020. [acesso em 2022 maio 9]. Disponível em: https://oxfordre.com/latinamericanhistory/view/10.1093/acrefore/9780199366439.001.0001/acrefore-9780199366439-e-865?print=pdf.
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,1212 Galvão J. AIDS no Brasil: a agenda de construção de uma epidemia. São Paulo: 34; Rio de Janeiro: ABIA; 2000.,1515 Brasil. Lei nº 9.313, de 13 de novembro de 1996. Dispõe sobre a distribuição gratuita de medicamentos aos portadores do HIV e doentes de AIDS. Diário Oficial da União. 14 Nov 1996., que garantiu o acesso a todos os cidadãos que precisavam desses medicamentos. Essa conquista impulsionou o movimento global para que outros países pudessem seguir o mesmo caminho. Foi crucial nesse processo a inclusão dos princípios dos direitos humanos como norte, compreendendo o acesso ao tratamento como intrínseco ao direito fundamental à saúde88 Souza H. A Cura Da AIDS/The Cure of AIDS. Rio de Janeiro: Relume-Dumará; 1994.,1111 Parker R. AIDS crisis and Brazil. Oxford: Oxford University Press; 2020. [acesso em 2022 maio 9]. Disponível em: https://oxfordre.com/latinamericanhistory/view/10.1093/acrefore/9780199366439.001.0001/acrefore-9780199366439-e-865?print=pdf.
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,1212 Galvão J. AIDS no Brasil: a agenda de construção de uma epidemia. São Paulo: 34; Rio de Janeiro: ABIA; 2000.,1616 Rich JA. Ativismo patrocinado pelo Estado: burocratas e movimentos sociais no Brasil democrático. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2021..

A terceira onda: aumento da escala da resposta global ante a epidemia nos anos 2000

O evento que marcou o início dessa onda foi a Ungass, primeira vez em que a Assembleia Geral da ONU organizou uma sessão especial sobre uma questão de saúde, resultando na Declaração de Compromisso, por meio da qual os 189 países signatários se comprometeram em enfrentar a Aids. Poucos meses depois, foi assinada a Declaração de Doha – ‘Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio’ (Acordo Trips e Saúde Pública) –, estabelecida no âmbito da Organização Mundial do Comércio, abrindo exceções às regras de propriedade intelectual em casos de emergência de saúde pública (como na Aids). O Brasil teve um papel diplomático muito importante nas negociações que resultaram nessas declarações1717 Amorim C. Breves narrativas diplomáticas. São Paulo: Saraiva; 2017..

No curto espaço de tempo entre a assinatura dessas duas declarações, em 11 de setembro de 2001, houve o ataque às Torres Gêmeas nos Estados Unidos, acontecimento social que marcou uma nova fase de remilitarização das relações internacionais, encerrando o enfoque dado ao desenvolvimento nos anos 1990. Ainda assim, o mundo caminhou para o aumento da escala global da resposta ante a epidemia, buscando ampliar o acesso ao tratamento, por meio de grandes iniciativas de saúde global, como o Fundo Global de Luta contra a Aids, Tuberculose e Malária, o Plano de Emergência do Presidente dos Estados Unidos para o Alívio da Aids (PEPFAR), entre outros99 Parker R. Grassroots activism, civil society mobilization, and the politics of the global HIV/AIDS epidemic. Brown J. World Aff. 2011 [acesso em 2022 maio 9]; 17(2):21-37. Disponível em: https://journals.lww.com/jaids/Fulltext/2009/11011/Civil_Society,_Political_Mobilization,_and_the.14.aspx.
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Ao longo desse período, também houve a consolidação e a descentralização do chamado ‘modelo brasileiro’, caracterizado pelo acesso universal ao tratamento, a fundamentação nos princípios dos direitos humanos e a incorporação da prevenção do HIV ao SUS55 Berkman A, Garcia J, Munoz-Laboy M, et al. A critical analysis of the Brazilian response to HIV/AIDS: lessons learned for controlling and mitigating the epidemic in developing countries. Am J Public Health. 2005 [acesso em 2022 maio 9]; 95(7):1162-72. Disponível em: https://ajph.aphapublications.org/doi/10.2105/AJPH.2004.054593.
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,1111 Parker R. AIDS crisis and Brazil. Oxford: Oxford University Press; 2020. [acesso em 2022 maio 9]. Disponível em: https://oxfordre.com/latinamericanhistory/view/10.1093/acrefore/9780199366439.001.0001/acrefore-9780199366439-e-865?print=pdf.
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. Isso trouxe um grande sucesso ao Brasil no enfrentamento da epidemia, que já contava com o acesso ao tratamento. A descentralização e a integração de diversas ações ao SUS configuraram-se como grandes conquistas nesse período, valorizando de forma ímpar o princípio da integralidade como um critério essencial para a operacionalização do SUS1818 Mattos RA. Os sentidos da integralidade: algumas reflexões acerca de valores que merecem ser defendidos. In: Pinheiro R, Mattos RA, organizadores. Os sentidos da integralidade na atenção e no cuidado à saúde. Rio de Janeiro: Uerj; Abrasco; 2001. p. 39-66.. Durante essa década, começou a surgir uma certa rebiomedicalização das respostas diante da epidemia. Com o sucesso do tratamento, pela primeira vez, foi possível imaginar uma resposta biomédica efetiva ante a Aids, o que se aprofundou de diferentes maneiras com a onda que estava se iniciando99 Parker R. Grassroots activism, civil society mobilization, and the politics of the global HIV/AIDS epidemic. Brown J. World Aff. 2011 [acesso em 2022 maio 9]; 17(2):21-37. Disponível em: https://journals.lww.com/jaids/Fulltext/2009/11011/Civil_Society,_Political_Mobilization,_and_the.14.aspx.
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A quarta onda: prometendo o fim da Aids nos anos 2010

A nova onda, no começo dos anos 2010, foi marcada pela promessa do ‘fim da Aids’ e a mobilização de muita esperança. Esse discurso foi articulado pelas lideranças e instituições responsáveis por coordenar a resposta global ante a epidemia e adotado como meta alcançável pela ONU até 2016; tendo sido importante para inspirar diversas organizações multilaterais, mas também iniciativas bilaterais, como o PEPFAR estadunidense sob o mote de uma ‘geração livre da AIDS’. Contudo, ativistas e pesquisadores começaram a questionar esse otimismo11 Parker R. O fim da AIDS? Rio de Janeiro: ABIA; 2015. [acesso em 2022 maio 9]. Disponível em: https://abiaids.org.br/o-fim-da-aids-2/28751.
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,1919 Kenworthy N, Thomann M, Parker R. Critical perspectives on the ‘end of AIDS’. Glob. public health. 2018 [acesso em 2022 maio 9]; 13(8):957-959. Disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/17441692.2018.1464589.
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,2020 Kenworthy N, Thomann M, Parker R. From a global crisis to the ‘end of AIDS’: New epidemics of signification. Glob. public health. 2018 [acesso em 2022 maio 9]; 13(8):960-971. Disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/17441692.2017.1365373.
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.

Segundo esses críticos11 Parker R. O fim da AIDS? Rio de Janeiro: ABIA; 2015. [acesso em 2022 maio 9]. Disponível em: https://abiaids.org.br/o-fim-da-aids-2/28751.
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,1919 Kenworthy N, Thomann M, Parker R. Critical perspectives on the ‘end of AIDS’. Glob. public health. 2018 [acesso em 2022 maio 9]; 13(8):957-959. Disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/17441692.2018.1464589.
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,2020 Kenworthy N, Thomann M, Parker R. From a global crisis to the ‘end of AIDS’: New epidemics of signification. Glob. public health. 2018 [acesso em 2022 maio 9]; 13(8):960-971. Disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/17441692.2017.1365373.
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, o discurso do ‘fim da Aids’ encobriu uma realidade dura e difícil. Em meados da década de 2010, pouco mais de metade das Pessoas Vivendo com HIV/Aids (PVHA) tinham acesso aos medicamentos. Outra parcela significativa de PVHA, especialmente de países mais pobres, só tinham acesso a ‘medicamentos de segunda classe’, ou seja, antirretrovirais mais antigos e mais baratos, mas que têm efeitos colaterais mais numerosos e mais sérios do que as novas gerações de medicamentos. Mesmo países com suposto acesso universal aos medicamentos, como o Brasil, tinham altas taxas de mortalidade nessa década22 Grangeiro A, Castanheira ER, Nemes MIB. A re-emergência da epidemia de aids no Brasil: desafios e perspectivas para o seu enfrentamento. Interface comun. saúde educ. 2015 [acesso em 2022 maio 9]; 19(52):5-8. Disponível em: https://www.scielo.br/j/icse/a/k6ZmQqMcsjKQSptWwkb7Zvm/?lang=pt.
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. Além disso, havia falta de acesso à prevenção em todos os países, pelo menos se considerada como um direito de todos, e não privilégio de alguns1212 Galvão J. AIDS no Brasil: a agenda de construção de uma epidemia. São Paulo: 34; Rio de Janeiro: ABIA; 2000.. Insumos como a Profilaxia Pré-Exposição (PrEP), que surgiu nessa década, têm acesso restrito a alguns segmentos populacionais, sendo bastante limitado mesmo no conjunto desses grupos2020 Kenworthy N, Thomann M, Parker R. From a global crisis to the ‘end of AIDS’: New epidemics of signification. Glob. public health. 2018 [acesso em 2022 maio 9]; 13(8):960-971. Disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/17441692.2017.1365373.
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No Brasil, essas tendências globais conviveram com dificuldades políticas e ideológicas adicionais: o surgimento de forte movimento conservador ao longo dos anos 2010, articulado ao fortalecimento de políticas de austeridade e de retirada de direitos sociais, com o consequente desmonte de muitos componentes dos programas governamentais66 Seffner F, Parker R. Desperdício da experiência e precarização da vida: momento político contemporâneo da resposta brasileira à aids. Interface - comun. saúde educ. 2016 [acesso em 2022 maio 9]; 20(57):293-304. Disponível em: https://www.scielo.br/j/icse/a/MTZ5T7N97xXVjcGX5qxWsPh/?lang=pt.
https://www.scielo.br/j/icse/a/MTZ5T7N97...
,1111 Parker R. AIDS crisis and Brazil. Oxford: Oxford University Press; 2020. [acesso em 2022 maio 9]. Disponível em: https://oxfordre.com/latinamericanhistory/view/10.1093/acrefore/9780199366439.001.0001/acrefore-9780199366439-e-865?print=pdf.
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. Enfrentamos significativa redução do financiamento para as ONG/Aids nesse período, também marcado por certa fragmentação do consenso sobre o ‘modelo brasileiro’1111 Parker R. AIDS crisis and Brazil. Oxford: Oxford University Press; 2020. [acesso em 2022 maio 9]. Disponível em: https://oxfordre.com/latinamericanhistory/view/10.1093/acrefore/9780199366439.001.0001/acrefore-9780199366439-e-865?print=pdf.
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. Houve, além disso, forte ênfase às respostas biomédicas marcadas por uma perspectiva individualizante2020 Kenworthy N, Thomann M, Parker R. From a global crisis to the ‘end of AIDS’: New epidemics of signification. Glob. public health. 2018 [acesso em 2022 maio 9]; 13(8):960-971. Disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/17441692.2017.1365373.
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, em que a prevenção é conceituada e construída menos como uma prática comunitária ou coletiva do que uma prática individual do paciente sob orientação médica, o que pode ter sido reforçado no contexto de crescimento do conservadorismo no País. Ao final dessa década, a chegada da nova pandemia da Covid-19, em 2020, já encontrou um contexto fragilizado de respostas à Aids e teve grande impacto flagrante sobre ele.

A quinta onda: a Aids nos anos 2020 depois do tsunami da Covid-19

A partir de 2020, com a chegada da Covid-19, a Aids perdeu a sua prioridade como a epidemia global (ou pandemia, na linguagem que a OMS usou para descrever a Covid-19) mais importante do século XXI, o que mobiliza nossa reflexão. Significou, também de certa forma, o término da narrativa do ‘fim da Aids’. O Unaids ainda manteve, parcialmente, essa narrativa em seu lema para as celebrações do Dia Mundial de Luta contra a Aids de 2021: ‘Acabar com as desigualdades. Acabar com a AIDS. Acabar com as pandemias’. Porém, de alguma forma, reconheceu que não se trata de um fim facilmente atingível como prometido ao longo da década anterior. Há inúmeras dificuldades para a resposta global, e os recursos anteriormente existentes para a Aids já não estão mais garantidos.

Concorrentemente, a Covid-19 reforçou as apostas sociais na biomedicina como fonte de respostas efetivas a epidemias, com o desenvolvimento de vacinas em velocidade impensável quando comparado ao insucesso das vacinas contra o HIV após 40 anos de epidemia. Por outro lado, o negacionismo do conhecimento científico básico (especialmente por parte de muitos líderes políticos) teve impactos profundos em diferentes contextos da Covid-19 ao mesmo tempo que a dura realidade da epidemia de Aids, já experimentada na década passada, continuou a se agravar.

Mapeando a prevenção do HIV na história social da epidemia de Aids

Tendo como pano de fundo essa história social da epidemia de Aids, apontamos algumas lições aprendidas sobre a prevenção do HIV/ Aids, relevantes para pensarmos sobre a 5ª década da epidemia.

A primeira característica demarcadora da prevenção na primeira onda da epidemia, nos anos 1980, é que as primeiras iniciativas bem-sucedidas de prevenção quase sempre se constituíram como respostas comunitárias, sobretudo daqueles grupos mais afetados pela epidemia, como gays, pessoas usuárias de drogas injetáveis e trabalhadoras sexuais.

Um segundo aspecto importante a ser reconhecido é o caráter cultural das abordagens bem-sucedidas de prevenção, fortemente enraizadas nas realidades das comunidades mais afetadas. A invenção do sexo mais seguro – a promoção de práticas sexuais que minimizam os riscos de transmissão do HIV, o que, além da camisinha, inclui estratégias como o sexo sem penetração, a masturbação compartilhada, a adoção do sexo oral ao invés do sexo anal ou vaginal, a tomada de decisões sobre posições (ativo/passivo) e as práticas com base no status sorológico para HIV e outras formas de segurança negociada – se deu inicialmente em diferentes comunidades homossexuais ao redor do mundo. Posteriormente, quando se identificou a relevância da transmissão heterossexual na África, as comunidades locais também responderam com seus programas de sexo mais seguro ancorados culturalmente. Da mesma forma, a redução de danos foi um conceito elaborado pelos usuários de drogas e pelas pessoas envolvidas em fornecer serviços de saúde para eles em um nível comunitário. Esses conceitos não foram inventados por especialistas em universidades ou Ministérios da Saúde, mas nas comunidades afetadas em profunda articulação com seus valores e realidades culturais; e somente depois, aos poucos, outras instâncias começaram a se envolver. Um dos primeiros cartazes de que se tem conhecimento no Brasil, por iniciativa do Grupo de Apoio à Prevenção da Aids (Gapa-SP), intitulado ‘Transe numa Boa’ (1985), foi criado por um artista da comunidade gay e usado para fazer a prevenção comunitária e a promoção de sexo mais seguro em nível comunitário2121 Bernays S, Bourne A, Kippax S, et al., editores. Remaking HIV Prevention in the 21st Century. [S.l.]: Springer Nature; 2021..

As primeiras campanhas de mobilização social e política para a prevenção surgiram na segunda metade dos anos 1980. Um exemplo que merece destaque é a campanha pelo controle do sangue, cujo lema foi ‘Salve o Sangue do Povo Brasileiro’, na qual a Abia esteve muito envolvida por causa de Betinho e de seus irmãos, dado o grande impacto dos bancos clandestinos de sangue, não fiscalizados, para as pessoas vivendo com hemofilia. Tratouse de uma grande mobilização que acabou resultando na proibição da comercialização de sangue e hemoderivados na Assembleia Constituinte, em 1988, bem como no estabelecimento do controle público sobre esse setor. Não obstante, essa campanha foi iniciada alguns anos antes e mobilizou inúmeras parcerias dos ativistas de Aids com os militantes da reforma sanitária, ensinando-nos sobre o caráter eminentemente político da prevenção, que só pode se efetivar com forte mobilização social e política. A disponibilidade de recursos técnicos, como o teste para detecção do HIV nos bancos de sangue, não era suficiente para assegurar o controle da transmissão sanguínea do vírus. Foi essencial intensa articulação política juntamente com vigorosa mobilização social para assegurar a tomada de decisão política sobre o necessário controle público desse setor. O controle do sangue configurou-se como uma das primeiras intervenções estruturais, que dependeu do estabelecimento de uma legislação e de uma série de políticas públicas, para assegurar o controle efetivo da transmissão da infecção do HIV por meio de transfusão de sangue e de outros hemoderivados1111 Parker R. AIDS crisis and Brazil. Oxford: Oxford University Press; 2020. [acesso em 2022 maio 9]. Disponível em: https://oxfordre.com/latinamericanhistory/view/10.1093/acrefore/9780199366439.001.0001/acrefore-9780199366439-e-865?print=pdf.
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,2222 Santos LAC, Moraes C, Coelho VSP. Os anos 80: a politização do sangue. Physis (Rio J.). 1992 [acesso em 2022 maio 9]; 2(1):107-149. Disponível em: https://www.scielo.br/j/physis/a/HLrkyKL54XHtSFRPKmWSvmC/?format=pdf&lang=pt.
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.

Na segunda década da epidemia, nos anos 1990, também surgiram novidades que valem a pena sinalizar. Pela primeira vez, intervenções comportamentais fundadas em teorias da psicologia foram articuladas para tentar ensinar como reduzir, ou melhor administrar, os riscos de infecção. O próprio conceito de risco foi questionado nessa década como fundamento para a prevenção. Nesta revisão crítica, o conceito de vulnerabilidade foi articulado como uma alternativa à ideia de risco individual, dando destaque às dimensões social e programática; e a noção de ‘grupos de risco’ foi criticada de forma contundente. A proposição do conceito de vulnerabilidade ocorreu no cenário internacional originalmente no livro ‘AIDS in the world’, publicado, em 1992, por iniciativa da Coalizão Global de Políticas contra a Aids e organizado por Jonathan Mann, Daniel Tarantola e Thomas Netter2323 Mann JM, Tarantola D, Netter TW, organizadores. AIDS in the world. Cambridge: Harvard University Press; 1992.. No Brasil, a Abia publicou uma tradução parcial no livro ‘A Aids no Mundo’, em 19932424 Mann JM, Tarantola D, Netter TW. A AIDS no mundo. Rio de Janeiro: Relume-Dumará; Abia; Uerj; 1993.. A noção de vulnerabilidade encontrou ampla receptividade por aqui, tanto pelo contexto social e político da redemocratização como pela ação e pelas reivindicações de distintos movimentos sociais em suas lutas por direitos2525 Calazans GJ. Políticas públicas de saúde e reconhecimento: um estudo sobre prevenção da infecção pelo HIV para homens que fazem sexo com homens. [tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2018.. Posteriormente, contribuições dos campos da medicina social e da saúde coletiva brasileiras possibilitaram seu adensamento conceitual, assegurando relevante centralidade, acadêmica e política ao conceito2525 Calazans GJ. Políticas públicas de saúde e reconhecimento: um estudo sobre prevenção da infecção pelo HIV para homens que fazem sexo com homens. [tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2018.. A Abia, por sua vez, desenvolveu reflexões e análises concebendo a vulnerabilidade social como uma forma de violência estrutural2626 Ayres JRCM, Paiva V, França Júnior I. Conceitos e práticas de prevenção: da história natural da doença ao quadro da vulnerabilidade e direitos humanos. In: Paiva V, Ayres JRCM, Buchalla C, organizadores. Vulnerabilidade e direitos humanos: prevenção e promoção da saúde: da doença à cidadania. Livro I. Curitiba: Juruá; 2012. p. 71-94..

Teve início, assim, a teorização do que se tinha aprendido com a campanha para o controle do sangue, compreendendo de que forma intervenções estruturais poderiam enfrentar os determinantes sociais da vulnerabilidade e da violência estrutural2727 Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids. Violência estrutural, desigualdade social e vulnerabilidade ao HIV/AIDS. Boletim Especial ABIA. 2020 [acesso em 2022 maio 9]; 44:1-14. Disponível em: https://abiaids.org.br/boletim-abia-44-janeiro-marco-2000-2/26441.
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com base no conceito e na prática dos direitos humanos. O desenvolvimento desse referencial teórico-conceitual na prevenção foi uma grande inovação conceitual, pois as concepções sobre epidemia e os seus motores são fundamentais para definir o que é necessário para confrontá-la.

A proposição da noção de intervenção estrutural contra a vulnerabilidade foi sendo arquitetada em meados da segunda década da epidemia, quando o acesso a medicamentos eficazes começou a surgir. Rapidamente, compreendeu-se que a existência dos medicamentos não teria significado e efetividade caso não houvesse acesso. Entretanto, para assegurá-lo, era necessário enfrentar a vulnerabilidade social e a violência estrutural, que impunham barreiras ancoradas em diferenças de geografia, realidade socioeconômica, entre outros marcadores sociais tornados em desigualdades. Assim, a luta pelo acesso universal ao tratamento antirretroviral foi concebida também como uma mobilização social para garantir, social e politicamente, o acesso como uma realidade no contexto dessa segunda onda da epidemia.

No início da terceira onda, houve gradual ampliação de escala do acesso ao tratamento como fruto da Declaração de Compromissos da Ungass. A criação das iniciativas globais, que contaram com milhões de dólares para fomentar o acesso aos medicamentos, foi uma grande conquista. O questionamento da propriedade intelectual e das leis que impunham barreiras em função das patentes foi também pauta importante no campo nessa terceira década. Houve muitos avanços na incorporação do princípio da universalidade do acesso no âmbito dos sistemas de saúde no Brasil e em países servidos por essas grandes iniciativas globais.

Esse período foi marcado ainda pelo surgimento das primeiras formas de prevenção biomédica. Entre aproximadamente 2005 e 2010/2011, a cada ano, novas ideias foram surgindo no campo biomédico, como a circuncisão masculina2828 Gray RH, Kigozi G, Serwadda D, et al. Male circumcision for HIV prevention in men in Rakai, Uganda: a randomised trial. Lancet. 2007 [acesso em 2022 maio 10]; 369:657-666. Disponível em: https://pub-med.ncbi.nlm.nih.gov/17321311/.
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, o Tratamento como Prevenção (TcP)2929 Cohen MS, Chen YQ, McCauley M, et al. Prevention of HIV-1 infection with early antiretroviral therapy. N. Engl. j. med. 2011 [acesso em 2022 maio 10]; 365(6):493-505. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/21767103/.
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/21767103...
, a Profilaxia Pós-Exposição (PEP)3030 Grangeiro A, Ferraz D, Calazans G, et al. O efeito dos métodos preventivos na redução do risco de infecção pelo HIV nas relações sexuais e seu potencial impacto em âmbito populacional: uma revisão da literatura. Rev. bras. epidemiol. 2015 [acesso em 2022 maio 9]; 18:43-62. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbepid/a/KbkrY7fVfY8GVVQF7wtNHNS/?format=pdf&lang=pt.
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, as primeiras pesquisas sobre microbicidas e a PrEP3131 Grant RM, Anderson PL, McMahan V, et al. Uptake of pre-exposure prophylaxis, sexual practices, and HIV incidence in men and transgender women who have sex with men: a cohort study. Lancet, Infect. dis. 2014 [acesso em 2022 maio 9]; 14(9): 820-829. Disponível em: https://www.thelancet.com/journals/laninf/article/PIIS1473-3099(14)70847-3/fulltext.
https://www.thelancet.com/journals/lanin...
. Até mesmo a camisinha, que nos anos 1980 tinha sido promovida pelas comunidades gays como uma maneira de sexo mais seguro – continuar fazendo sexo, sem perder o prazer ou se abster –, ou seja, como um dispositivo da prevenção comunitária, foi repensada e empacotada como uma barreira biomédica.

Chama a nossa atenção, no entanto, como, ao longo desse período, a redução de danos perdeu força no Brasil apesar de continuar sendo usada de forma muito efetiva em outros países. Vale a pena questionar por que saiu de nossa prioridade. Compreendemos que, no contexto da guerra contra as drogas no País, foi muito difícil manter essa política. Entendemos, no entanto, que suas lições continuam sendo importantes para refletirmos sobre a prevenção, já que os princípios da redução de danos – de ênfase nas pessoas e suas reais possibilidades de ação e contextos de vida, não julgamento e redução de danos e riscos –funcionam tão bem no campo sexual quanto no do uso de drogas.

Com essa crescente biomedicalização, no final da terceira onda, começou-se a observar gradual despolitização das campanhas de prevenção, o que mobilizou grande preocupação dos diferentes atores no campo da Aids3232 Hankins C, Zalduondo B. Combination prevention: a deeper understanding of effective HIV prevention, AIDS (Lond.). 2010 [acesso em 2022 maio 12]; 24:S70-S80. Disponível em: https://www.academia.edu/13253559/Combination_prevention_a_deeper_understanding_of_effective_HIV_prevention.
https://www.academia.edu/13253559/Combin...
e levou o Unaids3333 Unaids. Combination HIV prevention: tailoring and coordinating biomedical, behavioural and structural strategies to reduce new HIV infections. A Unaids Discussion Paper. Geneva: Unaids; 2010. [acesso em 2022 maio 9]. Disponível em: https://www.unaids.org/en/resources/documents/2010/20101006_JC2007_Combination_Prevention_paper.
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a desenvolver e publicar um dos primeiros textos sobre prevenção combinada. Dessa forma, a transição entre a terceira e a quarta onda se deu em meio à apreensão diante da ênfase dada à prevenção biomédica e ao reconhecimento da necessidade de frear esse processo para não perder a relevância das outras formas de prevenção. Sobretudo no âmbito da prevenção combinada, a prevenção comportamental e a prevenção estrutural foram vistas como alternativas importantes, que poderiam ser utilizadas juntamente com a biomedicina.

É importante destacar, entretanto, que a prevenção combinada, apesar de algumas vantagens, tem importantes limites, especialmente como foi articulada pelas instituições oficiais. Sua proposição configurou-se como uma tentativa de não restringir a prevenção somente às abordagens biomédicas, mostrando-se assim como um esforço de resgate das dimensões estruturais e comportamentais da prevenção. Contudo, as concepções vigentes da prevenção combinada nunca reconheceram as dimensões comunitárias e culturais da prevenção, desconsiderando importantes aprendizados da primeira década da epidemia como se pode observar nos documentos do Unaids3333 Unaids. Combination HIV prevention: tailoring and coordinating biomedical, behavioural and structural strategies to reduce new HIV infections. A Unaids Discussion Paper. Geneva: Unaids; 2010. [acesso em 2022 maio 9]. Disponível em: https://www.unaids.org/en/resources/documents/2010/20101006_JC2007_Combination_Prevention_paper.
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e na forma como tem se dado sua adoção3434 Brasil. Ministério da Saúde. Prevenção combinada do HIV. Bases conceituais para profissionais, trabalhadores(as) e gestores(as) de saúde. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2017.. O conceito de prevenção combinada também não conseguiu escapar a uma perspectiva técnica (ou até tecnicista) da prevenção, não valorizando sua dimensão política. A mobilização social e a política têm sido ignoradas como estratégias de prevenção, mas sabemos terem sido fundamentais em experiências anteriores3535 Parker R, Garcia J, Muñoz-Laboy M, et al. Community mobilization as an HIV prevention strategy. In: Crosby RA, DiClemente RJ, editores. Structural interventions for HIV prevention: optimizing strategies for reducing new infections and improving care. Oxford: Oxford University Press; 2018., como no controle do sangue e na garantia do acesso universal ao tratamento, de forma que não existiria TcP, um dos pilares da prevenção biomédica, se não tivesse ocorrido anteriormente a luta política travada por ativistas e aliados para garantir acesso como um princípio de direitos humanos para todos. Compreendemos, assim, que as dimensões cultural, comunitária, política e social precisam ser reenfatizadas no âmbito da prevenção combinada.

Por fim, a prevenção combinada não tem contemplado adequadamente as preocupações relacionadas com as metodologias de transmissão de conhecimentos sobre prevenção. Abordagens pedagógicas construcionistas, que possibilitem a construção conjunta de conhecimentos sobre prevenção, não têm integrado os modelos de como colocá-la em prática. Pelo contrário, a prevenção tem adotado pedagogias caracterizadas, pela educação popular brasileira e latino-americana, como ‘educação bancária’3636 Freire P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2021., tratando os destinatários das políticas de prevenção como contas bancárias vazias, nas quais os especialistas depositam os conhecimentos ‘corretos’. Nessa perspectiva, se as pessoas seguissem as orientações dos especialistas, tudo daria certo. Diferentemente do que se fez no âmbito do tratamento com as pedagogias de tratamento em discussão desde o começo das políticas de acesso, não tem havido esforços de criação de uma pedagogia adequada à prevenção, o que traz grandes dificuldades para que a prevenção combinada possa avançar3737 Gavigan K, Ramirez A, Milnor J, et al. Pedagogia da prevenção: reinventando a prevenção do HIV no século XXI. Rio de Janeiro: ABIA; 2015. [acesso em 2022 maio 9]. Disponível em: http://abiaids.org.br/wp-content/uploads/2015/11/PolicyBrief_portugues_jan2016.pdf.
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,3838 Parker RG, Perez‐Brumer A, Garcia J, et al. Prevention literacy: community‐based advocacy for access and ownership of the HIV prevention toolkit. J. int. aids soc. 2016 [acesso em 2022 maio 9]; 19(1):21092. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.7448/IAS.19.1.21092.
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.

Como podemos refazer e repensar a prevenção na quinta década da epidemia?

Há algumas lições que podem ser sinalizadas. A ideia de prevenção combinada continua oferecendo um quadro conceitual útil para pensar a 5ª década da epidemia, até porque já está explicitado que a Aids vai conviver com a prevenção de outras doenças e agravos de saúde, como Covid-19, monkeypox e uma série de outras condições crônicas e transmissíveis. Enfim, a prevenção combinada pode articular não só abordagens para enfrentar a Aids, mas – considerando o caráter sindêmico que combina vulnerabilidades igualmente à Covid-19, à tuberculose, ao HIV e a outras – também combinar a prevenção de outras condições de saúde. Nesse sentido, é um conceito que apresenta vantagens e não deve ser desprezado, mas é importante superar os limites das perspectivas vigentes e empobrecedoras da prevenção combinada3939 Ferraz DAS. Prevenção combinada baseada nos Direitos Humanos: por uma ampliação dos significados e da ação no Brasil. Boletim ABIA - Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids. Rio de Janeiro: ABIA; 2016. p. 9-12.. Para evitar o desperdício da rica experiência acumulada ao longo da história social da Aids, é preciso valorizar e recuperar as lições aprendidas ao longo da história da prevenção.

Recomendações para que possamos refazer a prevenção do HIV na 5ª década

Como produto deste projeto, foi elaborado um documento77 Calazans G, Parker R, Terto Junior V. Refazendo a prevenção do HIV na 5ª década da epidemia de HIV e AIDS. Rio de Janeiro: ABIA; 2021. [acesso em 2022 maio 9]. Disponível em: https://abiaids.org.br/refa-zendo-a-prevencao-do-hiv-na-5a-decada-da-epidemia-de-hiv-e-aids/35273.
https://abiaids.org.br/refa-zendo-a-prev...
para ampla disseminação, que sistematizou os aprendizados derivados da experiência compartilhada das respostas à Aids no Brasil e as recomendações para a prevenção na 5ª década. Nele, arrolamos os princípios éticos e políticos que fundamentam as experiências bem-sucedidas de políticas de Aids no País:

  • defesa dos direitos humanos;

  • reconhecimento da solidariedade como modo de compreensão e de enfrentamento dos determinantes da epidemia;

  • respeito à autonomia;

  • abordagem aberta, positiva e não repressiva da sexualidade e do uso de drogas;

  • reconhecimento da mediação pelos contextos sociais das práticas – sexuais, de uso de drogas, de prevenção e cuidado –, de forma que sua transformação dependa de ações integradas intersetoriais e interdisciplinares;

  • compreensão de que desigualdades, injustiças sociais e processos de estigmatização e discriminação configuram-se como relações de poder e devem ser enfrentados; e

  • gestão participativa que articula as próprias comunidades afetadas, ativistas, especialistas, gestores e pesquisadores na construção, desenvolvimento e controle das respostas político-institucionais ante a aids.

Para defrontar os desafios da 5ª década da epidemia de HIV/Aids, recomendamos submeter a linguagem e os conceitos que orientam as ações de prevenção à contínua reflexão crítica, buscando explicitar suas interfaces com as relações de poder3838 Parker RG, Perez‐Brumer A, Garcia J, et al. Prevention literacy: community‐based advocacy for access and ownership of the HIV prevention toolkit. J. int. aids soc. 2016 [acesso em 2022 maio 9]; 19(1):21092. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.7448/IAS.19.1.21092.
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. Nesse sentido, para superar os limites das concepções vigentes de prevenção combinada, é preciso articular estratégias culturais e estruturais – fundamentadas em direitos e na mobilização social – às, já convencionadas, estratégias de prevenção biomédicas e comportamentais. A combinação dos conceitos de vulnerabilidade e de direitos humanos tem se mostrado instrumento relevante para orientar análises sobre os determinantes da epidemia e a proposição de intervenções sociais, por meio da incorporação de abordagem interseccional, que articule gênero, raça, sexualidade, classe, território.

Diante dos esforços por imprimir maior precisão à linguagem que orienta a prevenção e não desperdiçar a experiência que constitui o sucesso da resposta brasileira, postulamos que as políticas de prevenção devem se ancorar em duas abordagens centrais:

  • a redução de riscos, que toma em conta o que é possível às pessoas em suas vidas; atentando aos seus diferentes momentos e relações; não enfatizando somente as dimensões normativas, mas o que as pessoas estão efetivamente fazendo, pensando e falando; valorizando a escuta sobre conhecimentos, sentidos e significados e práticas; reconhecendo a dimensão comunitária da prevenção; mobilizando redes de profissionais de saúde e de atores da sociedade civil; e

  • a redução de vulnerabilidades, que atribui centralidade à dimensão social, em seu caráter estrutural – como iniquidades, processos de discriminação e estigmatização –, bem como aos princípios de direitos humanos e justiça social buscando assegurar a reestruturação da prevenção combinada, sem abandonar as outras dimensões.

A adoção do referencial teórico da vulnerabilidade e dos direitos humanos provê meios para compreender os aspectos comportamentais da prevenção (dimensão individual), ancorados nas relações com os contextos materiais e culturais das pessoas e das comunidades afetadas (dimensão social) e com políticas, programas, serviços e recursos disponíveis nesses contextos (dimensão programática)4040 Ayres JRCM, Calazans GJ, Gianini RJ, et al. Testing, Inequities and Vulnerability of Adolescents to Sexually Transmitted Infections. J. community health. 2022 [acesso em 2022 maio 9]; 47(1):118-126. Disponível em: https://link.springer.com/article/10.1007/s10900-021-01028-6.
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.

Com tais fundamentos, compilamos o conjunto de recomendações articuladas no âmbito do projeto e as organizamos segundo as dimensões da vulnerabilidade – individual, social e programática2424 Mann JM, Tarantola D, Netter TW. A AIDS no mundo. Rio de Janeiro: Relume-Dumará; Abia; Uerj; 1993.,4141 Paiva V, Ayres JR, Buchalla CM, organizadores. Vulnerabilidade e direitos humanos: prevenção e promoção da saúde: da doença à cidadania. Livro I. Curitiba: Juruá; 2012.:

  1. Na dimensão individual, levando em conta as possibilidades de exposição ao HIV por meio das práticas sexuais e de uso de álcool e drogas, é premente:

    • assegurar maior grau e qualidade da informação, por meio de ações de comunicação em saúde em diferentes meios (impresso, rádio, internet e redes sociais), reconhecendo o acesso limitado à internet e, assim, a relevância dos meios tradicionais e daqueles disponíveis nos serviços de saúde;

    • considerar as diferentes capacidades de elaborar as informações disponíveis e as incorporar aos repertórios cotidianos de preocupações, bem como de transformá-las em práticas protegidas e protetoras;

    • reconhecer o aspecto relacional da comunicação, de forma a assegurar espaços de escuta e fala para pessoas e comunidades afetadas, sem discriminações.

  2. Na dimensão social, enfocamos aspectos sociais, políticos, econômicos e culturais que constrangem as práticas individuais e institucionais, sendo imprescindível:

    • construir alianças com diferentes movimentos e segmentos sociais para mobilizar contextos socioculturais abertos, positivos e não repressivos à sexualidade e ao uso de drogas;

    • promover mobilização comunitária e debate público sobre prevenção, sexo mais seguro e redução de danos;

    • salvaguardar marcos legais e políticas sociais que garantam o reconhecimento e os direitos das comunidades mais afetadas, combatam à discriminação e à intolerância e não criminalizem a transmissão do HIV;

    • fomentar estratégias de mobilização social, cultural e política para construir ambientes sociais e culturais livres de estigmas associados à sexualidade, ao uso de drogas, aos jovens e à soropositividade para HIV e outras condições.

  3. Na dimensão programática, compreendendo que a vida das pessoas é mediada por instituições sociais – como serviços de saúde, escolas, locais de trabalho, entre outras –, é importante que elas assegurem a oferta e o acesso a:

    • intervenções preventivas adequadas culturalmente e negociadas com as comunidades, que reconheçam a autonomia das pessoas para escolher de forma livre e cientificamente informada sua prevenção, conforme suas necessidades, situação afetiva, fase de vida e seus projetos de felicidade4242 Ayres JRCM. O cuidado, os modos de ser (do) humano e as práticas de saúde. Saúde soc. 2004 [acesso em 2022 maio 12]; 13(3):16-29. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sausoc/a/nvGMcCJJmpSSRjsGLh-H8fmh/abstract/?lang=pt.
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      ;

    • mensagens ousadas de prevenção, que explicitem a dimensão do desejo e do prazer;

    • espaços compartilhados e comunitários de escuta e diálogo sem julgamentos morais, para que as pessoas possam falar das suas dificuldades com a prevenção, trocar conhecimentos e construir juntas invenções comunitárias para superar tais dificuldades;

    • acolhimento e aconselhamento que proporcionem avaliação de risco e de vulnerabilidade nas práticas sexuais e de uso de álcool e drogas, para subsidiar as escolhas dos recursos preventivos e apoiar sua adesão a eles e ao seguimento clínico adequado e conveniente;

    • um pacote mínimo e universal de recursos preventivos para todas as pessoas que precisem e queiram, que disponha de: informações sobre sexo mais seguro, redução de danos e prevenção combinada; camisinhas (interna e externa); gel lubrificante; kit de redução de danos; testes para HIV e as demais Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST); PrEP (oral e injetável) e PEP; vacinas para hepatite B e HPV (Covid-19 e monkeypox); acesso ao diagnóstico oportuno e à terapia antirretroviral, assegurando o TcP e a prevenção da transmissão vertical;

    • ações de prevenção fundamentadas no princípio da equidade, que articulem ao menos sexualidade, gênero, raça, classe e território como marcadores importantes do acesso e da adesão aos recursos preventivos;

    • acolhimento para jovens em espaços amigáveis, que conjuguem o diagnóstico, a prevenção e o tratamento no mesmo momento, de forma a ampliar os cenários de acesso, por meio da adoção de estratégias de educação entre pares e articulação com a comunidade local;

    • PEP e PrEP, de forma simplificada e universal, distinta da prescrição de tratamento para HIV e disponível também na atenção básica;

    • redes de apoio social para aqueles a quem se dirigem as ações de prevenção, que confrontem o estigma – sobre os jovens, a sexualidade, o HIV, a Aids e outras condições – e mobilizem articulações intersetoriais.

Para reduzir vulnerabilidades e enfrentar os determinantes da violência estrutural, é preciso favorecer e mobilizar capacidades de respostas. Para isso, é necessário criar uma pedagogia da prevenção3737 Gavigan K, Ramirez A, Milnor J, et al. Pedagogia da prevenção: reinventando a prevenção do HIV no século XXI. Rio de Janeiro: ABIA; 2015. [acesso em 2022 maio 9]. Disponível em: http://abiaids.org.br/wp-content/uploads/2015/11/PolicyBrief_portugues_jan2016.pdf.
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,3838 Parker RG, Perez‐Brumer A, Garcia J, et al. Prevention literacy: community‐based advocacy for access and ownership of the HIV prevention toolkit. J. int. aids soc. 2016 [acesso em 2022 maio 9]; 19(1):21092. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.7448/IAS.19.1.21092.
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dialógica, fundada na educação popular e que disponha de metodologias que permitam construir conjuntamente – entre técnicos, pessoas e comunidades para quem se dirige a prevenção –, de forma a proporcionar autonomia e liberdade de escolha sobre os recursos preventivos mais convenientes a cada pessoa que deles precise4141 Paiva V, Ayres JR, Buchalla CM, organizadores. Vulnerabilidade e direitos humanos: prevenção e promoção da saúde: da doença à cidadania. Livro I. Curitiba: Juruá; 2012.,4343 Zucchi EM, Grangeiro A, Ferraz D, et al. Da evidência à ação: desafios do Sistema Único de Saúde para ofertar a profilaxia pré-exposição sexual (PrEP) ao HIV às pessoas em maior vulnerabilidade. Cad. Saúde Pública. 2018 [acesso em 2022 maio 9]; 34(7):e00206617. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csp/a/kxphH3MhNMCnNkXfzj3GNwK/?lang=pt.
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Considerações finais

Tomamos como inspiração, neste projeto, respostas culturais e sociais à epidemia de HIV/Aids que já mobilizaram transformações profundas na sociedade brasileira. Apostamos que as lições aprendidas com esta experiência acumulada podem contribuir para a reinvenção da prevenção no contexto crítico da 5ª década da epidemia, fortalecendo ações e políticas integradas ao SUS. Ao elaborarmos o documento de sistematização77 Calazans G, Parker R, Terto Junior V. Refazendo a prevenção do HIV na 5ª década da epidemia de HIV e AIDS. Rio de Janeiro: ABIA; 2021. [acesso em 2022 maio 9]. Disponível em: https://abiaids.org.br/refa-zendo-a-prevencao-do-hiv-na-5a-decada-da-epidemia-de-hiv-e-aids/35273.
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, esperamos que possa se constituir em uma ferramenta a ser utilizada por atores da sociedade civil e operadores locais da política de saúde e de outras políticas intersetoriais, espalhados pelo País para promover diálogos, reencantar a imaginação e favorecer a incidência política sobre planejamentos locais, municipais e estaduais.

Agradecimentos

Aos participantes de diversos grupos de discussão realizados para apoiar a construção deste texto: Alexandre Grangeiro, Carlos Duarte, Cláudia Santamarina, Cristina Pimenta, David Oliveira, Denize Lotufo, Inês Dourado, Jorge Beloqui, Juan Carlos Raxach, Marcelo Jardim, Márcia Lima, Maria Inês B. Nemes, Maria Letícia Ikeda, Nêmora Barcellos, Rafael Sann, Ronaldo Hallal, Sílvia Aloia, Simone Monteiro, Thiago Torres, Vagner de Almeida e Vera Paiva.

Aos membros da equipe da Abia pelas suas contribuições ao longo deste processo.

Aos participantes das atividades (rodas de conversa, capacitações e seminários) realizadas pela Abia com temáticas de relevância direta para o conteúdo deste documento.

  • Suporte financeiro: projeto desenvolvido com o apoio do Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis, do Ministério da Saúde (DCCI/MS)

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    Dez 2022

Histórico

  • Recebido
    11 Maio 2022
  • Aceito
    14 Set 2022
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde RJ - Brazil
E-mail: revista@saudeemdebate.org.br