Pandemia da Covid-19: variação no uso de internações hospitalares nos municípios g100

COVID-19 pandemic: hospitalization use variation in the g100 municipalities

Carolina de Campos Carvalho Mônica Martins Francisco Viacava Caio de Paula Peixoto Anselmo Rocha Romão Ricardo Antunes Dantas de Oliveira Sobre os autores

RESUMO

Este estudo objetivou analisar comparativamente o volume e os fluxos para internações hospitalares antes e durante o primeiro ano da pandemia da Covid-19 nos 112 municípios g100. Esses municípios caracterizam-se por ter mais de 80 mil habitantes, baixa renda e alta vulnerabilidade socioeconômica. Foram utilizados dados do Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde referentes ao período 2017-2020. Selecionaram-se as internações de adultos (idade ≥ 18 anos), que foram classificadas segundo tipo de admissão ou especialidade do tratamento nas seguintes categorias: eletivas ou urgência/ emergência; tratamento clínico, cirúrgico, obstétrico e oncológico. As internações eletivas apresentaram maior redução no volume em 2020 em relação ao ano anterior devido às medidas adotadas para minimizar os riscos de contágio e priorização do cuidado aos pacientes grave por Covid-19. Não foram observadas alterações significativas em relação ao local de realização das internações de residentes de municípios g100. Contudo, no g100, observou-se diferenciação entre localidades nas quais a regionalização em saúde funciona de forma mais adequada, e em outras onde há escassez de recursos ou necessidade de planejamento e gestão mais efetivos.

PALAVRAS-CHAVE
Covid-19; Serviços de saúde; Acesso aos serviços de saúde; Fatores socioeconômicos

ABSTRACT

This study aims to comparatively analyze the volume and flows for hospital admissions before and during the first year of the COVID-19 pandemic in 112 g100 municipalities, which are characterized by having more than 80,000 inhabitants, low income, and high socioeconomic vulnerability. Data from the SUS Hospital Information System regarding hospitalizations of adults (age ≥ 18 years) in the period 2017-2020. Hospitalizations were classified according to type of admission or specialty of treatment in the following categories: elective, urgency/emergency, clinical, surgical, obstetric, and oncological treatment. Elective hospitalizations showed a greater reduction in volume in 2020 compared to the previous year, probably due to the measures adopted to minimize the risks of contagion and prioritization of care to severe patients by COVID-19. Considering the place of hospitalization, no significant changes were observed in relation to the referral of residents of g100 municipalities to other municipalities. However, there was differentiation between localities in which regionalization in health works in a more appropriate way, and others where there is a scarcity of resources or need for more effective planning and management.

KEYWORDS
COVID-19; Health services; Access to health services; Socioeconomic factors

Introdução

A avaliação da utilização dos serviços de saúde tem sido essencial para o monitoramento do desempenho dos serviços de saúde e implementação de políticas de saúde, indicando para governos e sociedades a atuação do seu sistema de saúde e as mudanças necessárias para o alcance de melhores resultados11 García-Altés A, Zonco L, Borrell C, et al. Measuring the performance of health care services: a review of international experiences and their application to urban contexts. Gac Sanit. 2006; 20(4):316-24.. O padrão de uso expressa as características das necessidades de saúde, da oferta e do acesso aos serviços de saúde. O uso compreende o contato direto ou indireto com os serviços de saúde e pode ser uma medida de acesso resultante de variados fatores, inclusive individuais22 Travassos C, Martins M. Uma revisão sobre os conceitos de acesso e utilização de serviços de saúde. Cad. Saúde Pública. 2004; 20(supl2):S190-S198..

No âmbito do Projeto de Avaliação do Desempenho do Sistema de Saúde (Proadess)33 Fundação Oswaldo Cruz. Projeto Avaliação do Desempenho do Sistema de Saúde. [acesso em 2022 jul 18]. Disponível em: http://www.proadess.icict.fiocruz.br.
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, acesso é uma dimensão do desempenho dos serviços e sistemas de saúde. A partir da mensuração do uso efetivo44 Andersen RM. Revisiting the behavioral model and access to medical care: does it matter?. J. health soc. behav. 1995; 36(1):1-10., apreende-se (des) equilíbrio entre demanda e oferta mediado por aspectos do acesso e, consequentemente, identificam-se lacunas que podem direcionar melhorias na formulação de políticas de saúde55 Viacava F, Ugá MAD, Porto S, et al. Avaliação de Desempenho de Sistemas de Saúde: um modelo de análise. Ciênc. saúde coletiva. 2012; 17(4):921-934.,66 Assis MMA, Jesus WLA. Acesso aos serviços de saúde: abordagens, conceitos, políticas e modelo de análise. Ciênc. saúde coletiva. 2012; 17(11):2865-75.. Além da oferta, dentre os fatores limitantes ao acesso aos serviços de saúde, destacam-se: fragmentação e focalização do sistema; ausência de hierarquização, descentralização e regionalização da rede de assistência; inequidade em diversos níveis; questões de acolhimento e capacidade financeira, entre outros fatores66 Assis MMA, Jesus WLA. Acesso aos serviços de saúde: abordagens, conceitos, políticas e modelo de análise. Ciênc. saúde coletiva. 2012; 17(11):2865-75..

Estudos sobre desigualdades geográficas e sociais no acesso e uso dos serviços de saúde no Brasil indicam muitos desafios, marcadamente para a população das regiões e dos municípios socioeconomicamente mais vulneráveis77 Albuquerque MV, Viana AL, Lima LD, et al. Desigualdades regionais na saúde: mudanças observadas no Brasil de 2000 a 2016. Ciênc. saúde coletiva. 2017 [acesso em 2022 jul 18]; 22(4):1055-1064.,88 Viacava F, Oliveira RAD, Carvalho CC, et al. SUS: oferta, acesso e utilização de serviços de saúde nos últimos 30 anos. Ciênc. saúde coletiva. 2018; 23(6):1751-1762.. Com a pandemia da Covid-19, a situação tornou-se mais evidente, em virtude especialmente da sobrecarga dos serviços de saúde para atender aos casos da doença. Chamaram atenção desigualdades na oferta de tecnologias complexas e serviços hospitalares necessários ao cuidado, decorrentes, entre outras coisas, da histórica distribuição espacial insuficiente, do acesso segmentado e da forte interdependência entre setores público e privado99 Santos PPGV, Oliveira RAD, Albuquerque MV. Desigualdades da oferta hospitalar no contexto da pandemia da Covid-19 no Brasil: uma revisão integrativa. Saúde debate. 2022; 46(esp1):322-337..

Os sistemas de saúde de todo o mundo viram-se diante do ‘duplo desafio’ de gerenciar a pandemia e as demandas de saúde não relacionadas com a Covid-19, cujos efeitos, atrasos e interrupções ainda estão sendo sentidos1010 Van Ginneken E, Reed S, Siciliani L, et al. Addressing backlogs and managing waiting lists during and beyond the COVID-19 pandemic. POLICY BRIEF 47. [acesso em 2022 jul 18]. Disponível em: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/358832/Policy-brief-47-1997-8073-eng.pdf?sequence=1&isAllowed=y.
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. Nesse contexto, municípios socioeconomicamente mais vulneráveis foram, em geral, mais afetados, pois a oferta insuficiente de recursos físicos e/ou humanos em saúde impõe que seus residentes, para obter resposta às demandas por cuidado, desloquem-se para outros municípios.

Considerando esse cenário, pretendeu-se analisar comparativamente o volume e os fluxos de internações hospitalares para diferentes grupos de procedimentos antes e durante o primeiro ano da pandemia da Covid-19 em um grupo de municípios caracterizado por ter mais de 80 mil habitantes, baixa renda e alta vulnerabilidade socioeconômica, nomeado g100. Criado pela Frente Nacional de Prefeitos (FNP), o g100 é majoritariamente composto por unidades localizadas em regiões metropolitanas ao redor das capitais ou cidades-polo de regiões economicamente menos desenvolvidas1111 Frente Nacional de Prefeitos. g100 - Municípios Populosos com Baixa Receita per Capita e Alta Vulnerabilidade Social/Publicação da Frente Nacional de Prefeitos. Vitória: FNP; 2018. [acesso em 2022 jul 18]. Disponível em: https://www.fnp.org.br/publicacoes.
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Material e métodos

Trata-se de estudo descritivo que analisou as internações hospitalares no Sistema Único de Saúde (SUS) nos três anos prévios (2017-2019) e durante o primeiro ano da pandemia da Covid-19 (2020), de residentes dos 112 municípios que compõem a atual lista do g100; a qual foi criada, em 2010, pela FNP e passou a ser periodicamente atualizada. Em 2015, passou a vigorar uma regra de que deixam de pertencer à lista somente os municípios que não se classificam entre os 100 mais vulneráveis por duas listas consecutivas, o que justifica a flutuação no número de municípios a cada lista. Foi definido que a atualização da lista seria bienal, em anos ímpares; assim, em 2017, foi publicada uma nova relação. Embora fosse prevista uma classificação g100 em 2019, ela só ocorreu em dezembro de 20201212 Frente Nacional de Prefeitos. Nota Técnica 03/12/2020. g100 – um grupo formado pelas fragilidades do sistema federativo do Brasil. Vitória: Frente Nacional de Prefeitos; 2020. [acesso em 2022 jul 18]. Disponível em: https://multimidia.fnp.org.br/ biblioteca/documentos/item/899-g100-2020.
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Ao todo, 127 municípios brasileiros integraram o g100, e 84 mantiveram-se no grupo pelas quatro publicações (2013, 2015, 2017 e 2020). Os 112 municípios da lista de 2020 estão distribuídos em 21 Unidades da Federação (UF), e 4 apresentam apenas 1 município no grupo (Acre, Espírito Santo, Piauí e Rondônia). Do total, 53 municípios (47,3%) localizam-se na região Nordeste. Há duas capitais no grupo: Belém (PA) e Macapá (AP).

A caracterização do volume e do fluxo intermunicipal para o uso de internações hospitalares utilizou dados do Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIHSUS) disponibilizado pelo Departamento de Informática do SUS (DataSUS) do Ministério da Saúde1313 Brasil. Ministério da Saúde. DATASUS: Departamento de Informática do SUS. Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH-SUS). Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2021.. Do SIH, foram extraídos, em 20 de março de 2021, os arquivos mensais do tipo reduzido. O SIH consolida as internações hospitalares financiadas pelo SUS em unidades públicas ou privadas conveniadas; assim, exclui aquelas ocorridas no sistema de saúde suplementar pagas por planos e seguros de saúde ou pelo próprio paciente. Ademais, pode haver subnotificação de informações de internações ocorridas recentemente devido à rotina de envio destas para os gestores do SIH. Contudo, é a fonte de produção hospitalar disponível com maior cobertura e que dissemina agilmente grande volume de dados.

Com base na variável ‘município de residência’, foram selecionadas as internações realizadas por adultos (idade ≥ 18 anos) residentes nos 112 municípios g100 entre 2017 e 2020. Para descrever essas internações, foram utilizadas as seguintes variáveis do SIH: idade, município de residência, município de internação (local da internação), caráter de admissão (eletiva ou urgência) e procedimento realizado. Na classificação das internações por tipo de admissão, foi utilizada a variável caráter da internação (‘car_int’): urgência/emergência equivaleu às categorias do caráter da internação ≥ ‘02’; e as eletivas, à categoria caráter da internação = ‘01’. Para a classificação por tipo de tratamento e especialidade, utilizou-se a variável procedimento realizado, composta por 10 dígitos, dos quais os dois ou quatro primeiros informam tipo de tratamento (clínico ou cirúrgico) e especialidade médica selecionadas (obstétricas e oncológicas). A definição do agrupamento dos procedimentos realizados baseou-se na lista adotada pelo Projeto Brasil Saúde Amanhã1414 Viacava F, Xavier DR, Bellido JG, et al. Relatório de Pesquisa sobre internações na esfera municipal Projeto Brasil Saúde Amanhã. 2014. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde; Fiocruz; 2014. [acesso em 2022 jul 18]. Disponível em: https://saudeamanha.fiocruz.br/wp-content/uploads/2016/07/RP-02.pdf.
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. Assim, foram construídos os seguintes grupos e subgrupos:

  • Internações clínicas: grupo ‘03’ (procedimentos clínicos), excluídos procedimentos obstétricos e oncológicos; respectivamente, subgrupos ‘0310’ (parto e nascimento) e ‘0304’ (tratamento em oncologia).

  • Internações cirúrgicas: grupo ‘04’ (procedimentos cirúrgicos), excluídos procedimentos obstétricos e oncológicos; respectivamente, subgrupos ‘0411’ (cirurgia obstétrica) e ‘0416’ (cirurgia em oncologia).

  • Internações oncológicas: subgrupos ‘0304’ (tratamento em oncologia) e ‘0416’ (cirurgia em oncologia).

  • Internações obstétricas: subgrupos ‘0310’ (parto e nascimento) e ‘0411’ (cirurgia obstétrica). Este subgrupo inclui os seguintes procedimentos1515 Brasil. Ministério da Saúde. Datasus. SIGTAP. Sistema de Gerenciamento da Tabela de Procedimentos, Medicamentos e OPM do SUS. [acesso em 2022 jul 18]. Disponível em: http://sigtap.datasus.gov.br/tabela-unificada/app/sec/inicio.jsp.
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    : 04.11.01.002-6 – parto cesariano em gestação de alto risco; 04.11.01.003-4 – parto cesariano; 04.11.01.004-2 – parto cesariano com laqueadura tubária; 04.11.01.005-0 – redução manual de inversão uterina aguda pós-parto; 04.11.01.006-9 – ressutura de episiorrafia pós-parto; 04.11.01.008-5 – tratamento cirúrgico de inversão uterina aguda pós-parto.

Importa sublinhar que o cuidado obstétrico expressa um motivo de internação não postergável que requer acesso geográfico territorialmente próximo; e o cuidado oncológico exprime uma necessidade de saúde epidemiologicamente relevante que exige recursos custosos e tecnologicamente mais complexos para o cuidado adequado. Como foram comparadas as internações não decorrentes da Covid-19, excluíram-se dos grupos de procedimentos no ano de 2020 os registros com o código ‘03.03.01.022-3 – Tratamento de infecção para coronavírus – Covid-19’.

Posteriormente, a partir do cruzamento das variáveis ‘município de residência’ e ‘município de internação’, foram calculados os percentuais por local de realização de cada um dos tipos de internação no período 2017-2020, considerando as seguintes categorias:

  1. a. Internações hospitalares realizadas no município de residência;

  2. b. Internações hospitalares realizadas em outro município, dentro da mesma Região de Saúde (RS);

  3. c. Internações hospitalares realizadas em município de outra RS e dentro da mesma UF;

  4. d. Internações hospitalares realizadas em outra UF.

Ressalte-se que, em 2020, ocorreram alterações na composição das RS que não foram consideradas neste estudo para manter a comparabilidade com os anos anteriores; assim, foi utilizado o agrupamento de municípios em 438 RS1616 Brasil. Decreto Federal nº 7.508, de 28 de junho de 2011. Regulamenta a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a organização do Sistema Único de Saúde - SUS, o planejamento da saúde, a assistência à saúde e a articulação interfederativa, e dá outras. Diário Oficial da União. 28 Jun 2011..

Complementarmente, foi utilizado o indicador de leitos hospitalares disponíveis ao SUS por mil habitantes, disseminado pelo Proadess33 Fundação Oswaldo Cruz. Projeto Avaliação do Desempenho do Sistema de Saúde. [acesso em 2022 jul 18]. Disponível em: http://www.proadess.icict.fiocruz.br.
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, para descrever a oferta desses nos municípios g100 nos anos 2019 e 2020. Esse indicador tem como fonte de informação o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), utiliza julho como mês de referência e contabiliza os leitos cirúrgicos, clínicos (exceto de saúde mental), obstétricos e pediátricos. Em 2020, foram excluídos os leitos hospitalares criados especificamente para a Covid-19. Este artigo usou dados secundários públicos e anônimos, portanto, prescindiu de apreciação pelo Comitê de Ética em Pesquisa.

Resultados

Na análise do período 2017-2020, identificou-se que a frequência das internações hospitalares entre 2017 e 2019 nos municípios g100 foi semelhante e, em geral, com pequenos acréscimos ano a ano (gráfico 1), e com decréscimos relevantes em 2020. Os dados para o período 2017-2018 foram analisados com o intuito de observar possíveis flutuações no volume anual do conjunto de procedimentos e nos destinos para internações dos residentes de municípios g100 anteriores à pandemia da Covid-19.

Gráfico 1
Número de internações hospitalares de residentes de municípios g100 por tipo de admissão ou tratamento (2017-2020)

Quanto ao local de realização da internação, também não se observaram mudanças consideráveis nos percentuais de internações de residentes por tipo de admissão ou tratamento para o conjunto dos municípios g100 no período 2017-2019 (gráfico 2).

Gráfico 2
Percentual de internações hospitalares de residentes de municípios g100 por local de realização, por tipo de admissão ou tratamento (2017-2020)

Diante desses resultados, a seguir, apresenta-se detalhamento das situações de 2019 e 2020 para dimensionar as possíveis influências da pandemia da Covid-19 na realização das internações selecionadas.

Variação no uso de internações hospitalares entre 2019 e 2020

Na tabela 1, observa-se que as internações eletivas conformaram o grupo com maior redução percentual do volume de internações hospitalares em 2020 em relação a 2019 (33,1%, equivalente a 72.295 internações) nos municípios g100. Naqueles localizados em Mato Grosso, Amazonas, Espírito Santo e Rondônia, a redução do número de internações foi superior a 50%.

Tabela 1
Variação percentual do volume de internações em 2020 em relação a 2019 por tipos de admissão e tratamento, residentes de municípios g100 agrupados por Unidade da Federação (UF)

Em relação ao volume de internações de urgência/emergência, observou-se que, em 2020, ocorreu uma diminuição de 9,2% em relação ao ano anterior. Essa dinâmica foi observada na maioria dos estados, com exceção do Rio Grande do Norte e do Espírito Santo, que apresentaram um aumento de 3,2% e 2,8%, respectivamente, no número de internações entre 2019 e 2020 (tabela 1).

Nas internações cirúrgicas, houve redução de 21,4% no volume em 2020 em relação a 2019, variando de -9,6% no Rio Grande do Norte a -42,6%, em Rondônia. Outros dois estados da região Norte figuraram com maiores decréscimos na frequência desse tipo de internações: Amapá (-38,3%) e Amazonas (-37,0%). As internações clínicas tiveram um decréscimo de 14,8% em 2020 em relação a 2019, e apenas no Rio Grande do Norte observou-se um aumento na frequência desse grupo, de 6,4% (tabela 1).

Houve queda de 5,2% no total de internações obstétricas em 2020 comparado ao ano anterior para o conjunto do g100. Municípios localizados em seis estados exibiram um pequeno aumento nesse tipo de internação: Rio de Janeiro, Espírito Santo, Goiás, Paraná, Paraíba e Sergipe (tabela 1).

As internações oncológicas apresentaram o menor decréscimo para o g100, de -6% em 2020 em relação a 2019 (tabela 1). É preciso cautela em analisar esses percentuais em virtude da baixa frequência em alguns municípios. Em sete estados, houve um aumento da frequência dessas internações, mais evidente em Rondônia (33,5% – de 200 casos em 2019 para 267 em 2020). Os municípios g100 de Amazonas e Piauí, que tiveram as maiores quedas no volume de internações oncológicas, demonstraram, respectivamente, 100 e 192 internações oncológicas em 2020.

No conjunto dos municípios g100 localizados em Mato Grosso, Piauí, Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e São Paulo, ocorreram reduções no volume de internações para todos os tipos de admissão e de tratamento.

Fluxo de residentes de municípios g100 para internações hospitalares

Para analisar os fluxos para internações hospitalares de residentes de municípios g100, convém primeiramente apresentar os dados sobre a oferta de leitos hospitalares disponíveis ao SUS nesses municípios (figura 1).

Figura 1
Oferta de leitos disponíveis ao SUS nos municípios g100 - 2019 e 2020

Entre os 112 municípios g100, 60 exibiram uma oferta igual ou inferior a 1 leito SUS por mil habitantes, em 2020; e em 32, havia uma oferta igual ou menor a 0,5 leito SUS por mil habitantes. Em 2019, eram 66 e 38 municípios, respectivamente, com esses valores, o que aponta um ligeiro acréscimo do número de leitos em alguns municípios g100. Os municípios Paço do Lumiar (MA), Japeri (RJ), Almirante Tamandaré (PR) e Novo Gama (GO) não tinham leitos disponíveis ao SUS em 2020. Valparaíso de Goiás, que, em 2019, não tinha leitos SUS, passou a contar com apenas 0,2 leito SUS por mil habitantes (31 leitos), no ano seguinte.

Por outro lado, 17 municípios apresentavam uma oferta igual ou maior a 2 leitos SUS por mil habitantes em 2020. Serra Talhada mostrou o maior valor (3,2 leitos por mil hab.), enquanto no ano anterior contava com 1,4 leito SUS. Outros municípios expuseram um aumento relevante na oferta de leitos SUS em 2020 em relação ao ano anterior: Águas Lindas de Goiás (GO), de 0,2 para 1,1; Garanhuns (PE), de 1,4 para 2,2; Santa Cruz do Capibaribe (PE), de 0,5 para 1,1; Várzea Grande (MT), de 0,8 para 1,4; Abaetetuba (PA), de 0,9 para 1,5; e Cruzeiro do Sul (AC), de 1,7 para 2,3. Em 42 municípios g100, não houve diferença na disponibilidade de leitos SUS, e em apenas 8 ocorreram pequenas reduções, sendo que as maiores foram em Uruguaiana (RS) (de 1 para 0,7) e Patos (PB) (de 2,8 para 2,5).

Ressalte-se que o Ministério da Saúde1818 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Regulação, Avaliação e Controle de Sistemas Critérios e Parâmetros Assistenciais para o Planejamento e Programação de Ações e Serviços de Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2017. (Série Parâmetros SUS – Volume 1 – Caderno 1). estabeleceu que a determinação da quantidade de leitos hospitalares deve ser feita a partir da estimativa de leitos por especialidade, e inclui variáveis como tempo de permanência e taxa de ocupação esperada, entre outros; portanto, que não há um valor de referência a ser aplicado como parâmetro municipal ou RS.

O gráfico 3 mostra a distribuição dos municípios g100 conforme o percentual de realização da internação no município de residência ou em outros municípios da mesma RS para os anos 2019 e 2020. Em geral, houve pouca variação entre 2019 e 2020 em relação ao local de ocorrência das internações. Municípios com baixos percentuais de atendimento na RS, plotados nos pontos mais próximos ao eixo horizontal, apresentaram maiores percentuais de deslocamento da população para municípios de outras RS na mesma UF.

Gráfico 3
Distribuição de municípios g100 pelo percentual de realização das internações no município de residência ou em outros municípios da mesma Região de Saúde por tipo de admissão e tratamento, 2019 e 2020

Conforme visto no gráfico 2, em 2019/2020, 41,6% e 41,4%, respectivamente, das internações eletivas ocorreram no município de residência. A realização em outros municípios da mesma RS foi de 38,9-39%. No total, em 2020, 80,4% dos residentes de municípios g100 que necessitaram de internações eletivas foram atendidos no município ou RS de residência. Dos 112 municípios, 37 e 34 municípios, em 2020 e 2019, respectivamente, tiveram mais de 50% de seus residentes atendidos em outra RS da mesma UF (gráfico 3).

Contudo, nos municípios g100 do Acre, do Amazonas e de Rondônia, ocorreram decréscimos significativos na participação do município ou RS de residência enquanto locais de realização das internações eletivas com consequente aumento do fluxo para outras RS. No Acre, com apenas Cruzeiro do Sul no g100, 75% das internações eletivas ocorreram no município de residência em 2019; no entanto, esse valor reduziu para 59% em 2020. No Amazonas, os três municípios g100 – Itacoatiara, Manacapuru e Parintins – apresentaram redução da realização intramunicipal das internações, e não ocorreram fluxos para municípios da mesma RS. O município de Ji-Paraná (RO), que, em 2019, atendeu a 46% das internações eletivas no próprio município; em 2020, teve 81% de seus residentes atendidos em outra RS da mesma UF.

Várzea Grande (MT) também reduziu o percentual de internações no município, mas com aumento de fluxos de residentes para outros municípios da mesma RS (de 43% para 87%). Por outro lado, em Goiás, Aparecida de Goiânia passou de 36%, em 2019, para 64% de residentes atendidos no próprio município, o que justifica o aumento da participação do município de residência como local de realização (de 47% para 59%) verificado para o conjunto de Goiás. Em Mato Grosso, ao contrário, além da maior redução de internações em relação a 2019 (-64,9%, tabela 1), ocorreu também uma redução do percentual das eletivas realizadas no município de residência: de 61% para 26%.

As internações de urgência/emergência demonstraram percentuais por local de realização bastante distintos dos observados nas eletivas, por demandarem assistência rápida e no menor tempo possível. Não houve alterações significativas em relação ao local de realização dessas internações para o total de municípios g100 ou para a agregação por UF; e, em 2020, 58,8% das internações de urgência/emergência ocorreram no município de residência (gráfico 2). Em 2020, 52 municípios atenderam, no mínimo, 50% de seus residentes. Contudo, 44% dos residentes de municípios g100 de Sergipe, 26% do Ceará e 23% de Goiás deslocaram-se para outra RS. No caso de Goiás, 40% das internações de urgência/emergência de residentes de municípios g100 ocorreram fora do estado; além disso, houve um aumento dos fluxos para outra UF, marcadamente, para a capital federal.

Nas internações clínicas, no conjunto do g100, praticamente não houve alteração nos percentuais por local de realização, sendo, em 2020, 56,8% dos residentes atendidos no próprio município e 30% em outro município da mesma RS (gráfico 2). Por UF, observaram-se, também, pequenas diferenças nessa distribuição. Dos 122 municípios, 72 realizaram, ao menos, 50% das internações clínicas no próprio município. Ademais, 5 municípios nordestinos apresentaram mais de 50% de residentes atendidos em outras RS: Carpina (PE), Gravatá (PE), Caucaia (CE), Pacatuba (CE) e Nossa Senhora do Socorro (SE).

Assim como as internações clínicas, o grupo das cirúrgicas para o total de municípios g100 quase não exibiu mudanças em relação ao percentual por local de realização da internação entre 2019 e 2020. Em 2020, 48,3% das internações cirúrgicas ocorreram no município de residência, e 33,8%, na mesma RS (gráfico 2). Mais uma vez, Ji-Paraná (RO) destacou-se pela redução de 64,5% para 52,1% da participação intramunicipal.

Nas internações obstétricas, o percentual de realização no município de residência foi de 69,3% e 68,3%, respectivamente, em 2019 e 2020. Destaque-se que 57 municípios atenderam, pelo menos, 80% de seus residentes no primeiro ano da pandemia da Covid-19. Em Nossa Senhora do Socorro (SE) e em Coronel Fabriciano (MG), contudo, 76% e 71%, respectivamente, dos residentes realizaram as internações em outras RS da mesma UF.

As internações oncológicas são, entre os grupos analisados, as de maior complexidade, o que implica concentração geográfica dos recursos em saúde. Em relação ao local de internação, houve pouca variação ao longo do período analisado nesse grupo: em 2020, 23,6% dos residentes de municípios g100 foram atendidos no município, e 49,3%, na RS de residência (gráfico 2). Assim, para as internações oncológicas, emergiram maiores necessidades de deslocamento para outras RS: dos 112 municípios g100, 50 tiveram mais de 50% de seus residentes atendidos em outra RS, e 8 municípios apresentaram mais de 50% de fluxos para outra UF (7 municípios goianos e um paraense – Redenção).

Cabe ainda observar, em relação aos destinos dos residentes não internados no próprio município, os seguintes padrões antes e durante o primeiro ano da pandemia da Covid-19:

  1. a. Realização das internações, principalmente nas capitais estaduais: a capital foi o local de realização mais frequente para as internações e um dos únicos destinos relevantes para muitos municípios g100, sendo central para municípios do Nordeste (especialmente de PE, MA, BA, CE, RN e SE) e da região Norte (PA e AM), e parte dos localizados em Mato Grosso, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. A participação das capitais aumentou de acordo com a complexidade do procedimento, como esperado.

  2. b. Realização das internações nas capitais e em outros municípios próximos: alguns municípios apresentaram fluxos de pacientes relevantes não apenas para a capital como também para municípios vizinhos. Na Paraíba, Santa Rita destacou-se enquanto destino para internações eletivas e clínicas. No Pará, Ananindeua, também do g100, configurou-se como destino inclusive de residentes da capital. Em Rondônia, Cacoal recebeu, juntamente com a capital, parte dos residentes de Ji-Paraná para todos os grupos de internação. Na região Sudeste, os municípios de Nova Iguaçu e Duque de Caxias foram polos para outros municípios da Baixada Fluminense do estado do Rio de Janeiro. No estado de São Paulo, Mogi das Cruzes foi destino para internações oncológicas de parte dos residentes de municípios g100. No Espírito Santo, o município de Cariacica teve entre seus destinos a capital e os municípios de Vila Velha e Serra. No Paraná, Campo Largo e Campina Grande do Sul foram destinos relevantes para residentes de três dos seus quatro municípios g100.

  3. c. Realização das internações em outros municípios próximos, com pouco fluxo para a capital: embora menos frequentes, há municípios g100 mais distantes da capital estadual e que quase não demonstraram fluxo de residentes para ela. No Ceará, por exemplo, Barbalha apareceu como destino relevante para municípios da região do Cariri: Crato e, principalmente, Juazeiro do Norte. Em Minas Gerais, Ipatinga, pertencente à Região Metropolitana do Vale do Aço, atendeu a maior parte das internações oncológicas de Caratinga e Coronel Fabriciano. Sarandi (PR) teve quase todos os seus residentes atendidos em Maringá, na mesma RS.

  4. d. Realização da internação fora da UF de residência: para municípios localizados em áreas contiguas a outros estados, esses destinos representaram percentuais significativos de suas internações. Um exemplo particular são os municípios de Goiás localizados no Entorno do Distrito Federal: Novo Gama, Valparaíso de Goiás, Luziânia, Águas Lindas de Goiás e Planaltina tiveram os maiores percentuais de internações realizadas fora do estado para todos os tipos de internação, chegando a mais de 70% das internações de urgência; sendo que os dois primeiros foram os que apresentam maior dependência de serviços de saúde externos e tiveram 100% das internações obstétricas realizadas no Distrito Federal. Petrolina (PE) exibiu fluxos para Juazeiro (BA) em todos os tipos de tratamento analisados, chegando a quase 20% nas internações oncológicas. Timon (MA), por sua vez, expôs fluxos de residentes para Teresina (PI). Patos (PB), para procedimentos eletivos, apresentou mais de 20% de fluxos de pacientes para Alexandria (RN) e Recife (PE). Fluxos interestaduais para outras capitais aconteceram também em Santana (AP), que teve residentes atendidos em Porto Velho (RO).

Além disso, poucos municípios evidenciaram fluxos reduzidos para outras localidades, por atenderem a quase totalidade de seus residentes. Ilhéus e Vitória da Conquista (BA) realizaram mais de 80% das internações oncológicas nos próprios municípios em 2020. Belém (PA) respondeu com altos percentuais em todos os grupos de procedimentos; e Santarém sobressaiu-se nas internações oncológicas. Cruzeiro do Sul (AC) apresentou altos percentuais de realização de internações intramunicipal, com exceção das internações oncológicas, atendidas na capital. No Sudeste, destacou-se, principalmente, a capacidade de resposta às demandas de saúde em Montes Claros (MG).

Discussão

Em geral, não foram observadas alterações significativas nos padrões de fluxos de residentes para internações com a pandemia da Covid-19 em relação aos anos anteriores, com algumas poucas exceções. As internações eletivas foram o grupo com maior redução de volume em 2020 em relação ao ano anterior, achado esperado pelas medidas de suspensão desse tipo de tratamento adotadas para minimizar os riscos de contágio e priorizar o cuidado aos pacientes graves por Covid-19. Algumas localidades chamaram a atenção, a exemplo de Mato Grosso e Amazonas, onde, nas internações eletivas dos municípios g100, além de ocorrer decréscimo superior a 50% da frequência em 2020 em relação a 2019, houve reduções consideráveis nos percentuais de internações no município de residência. As internações clínicas e cirúrgicas nos municípios g100 também tiveram redução na frequência em 2020 em relação a 2019; e, nesses tipos de internação, mais de 80% dos residentes foram atendidos no município ou RS de residência.

Por sua vez, a atenção oncológica com maior grau de complexidade se caracteriza por expressar critérios de escala e escopo quanto à disponibilidade desses serviços. Por isso, a realização desse tipo de internação é espacialmente concentrada em comparação às demais analisadas. Entre aquelas com menor variação entre o ano inicial da pandemia da Covid-19 e o ano anterior, estiveram -6% no g100. Mesmo com a concentração espacial de recursos para atenção oncológica, em 2020, mais de 60% dos residentes de municípios g100 realizaram a internação no próprio município ou RS. Tal aspecto se explica pelo porte populacional e pela localização desses municípios, pois cerca de um terço está na mesma RS das capitais estaduais, que, em geral, detêm esses recursos.

Estudo sobre o acesso à assistência oncológica ambulatorial e hospitalar para câncer de mama verificou que, embora poucos municípios não estejam conectados a uma rede de serviços para prestação desse cuidado, há escassez de serviços, concentração em grandes cidades; e uma grande proporção de usuários necessita percorrer mais de 150 km para ter acesso ao serviço de saúde1919 Oliveira EXG, Melo ECP, Pinheiro RS, et al. Acesso à assistência oncológica: mapeamento dos fluxos origem-destino das internações e dos atendimentos ambulatoriais. O caso do câncer de mama. Cad. Saúde Pública. 2011; 27(2):317-326.. Nas internações oncológicas de residentes de municípios g100 no ano de 2018, verificou-se que, em média, os pacientes percorreram 101,8 km quando atendidos em outra RS2020 Viacava F, Oliveira RAD, Martins M. Boletim Informativo do Proadess, nº 7, out./2021 - Municípios g100: fluxos de residentes para internações hospitalares. Fundação Oswaldo Cruz, Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz; Icict; 2021. [acesso em 2022 jul 18]. Disponível em: https://www.proadess.icict.fiocruz.br/index.php?pag=boletins.
https://www.proadess.icict.fiocruz.br/in...
. Além disso, estudo sobre o impacto da Covid-19 no tratamento oncológico indicou que houve redução significativa, entre março e dezembro de 2020, na realização de procedimentos de rastreamento, diagnóstico e tratamento dos pacientes, comparando com o mesmo período de 20192121 Radar do câncer. Câncer em Números. [acesso em 2022 jul 18]. Disponível em: http://radardocancer.org.br/.
http://radardocancer.org.br/...
. Nascimento et al. sublinharam que a realocação dos recursos para o combate à pandemia e o receio de procurar atendimento e se expor ao vírus poderiam impactar nos diagnósticos e nos tratamentos oportunos2222 Nascimento CC, Silva PHS, Cirilo SSV, et al. Desafios e Recomendações à Atenção Oncológica durante a Pandemia da Covid-19. Rev. Bras. Cancerol. 2020 [acesso em 2022 jul 18]; 66(TemaAtual):e-1241. Disponível em: https://rbc.inca.gov.br/revista/index.php/revista/article/view/1241.
https://rbc.inca.gov.br/revista/index.ph...
. Embora os achados reportados sejam específicos do cuidado oncológico, essas ponderações podem afetar outros tipos de necessidade de saúde que não requerem cuidado imediato2323 Portela MC, Aguiar Pereira CC, Lima SM, et al. Patterns of hospital utilization in the Unified Health System in six Brazilian capitals: comparison between the year before and the first six first months of the COVID-19 pandemic. BMC health serv. res. 2021; 21(1):1-3..

Por fim, nos procedimentos obstétricos, observou-se uma diminuição de -5,2% no número de internações em 2020 em relação ao ano anterior. Possivelmente, no contexto pandêmico, pode ter havido partos fora do ambiente hospitalar e até mesmo preferência pela indicação de cesariana por fatores de risco da paciente, entre outras razões. Um aspecto interessante a ser explorado em estudos futuros diz respeito a possíveis mudanças na adequação da atenção hospitalar ao parto em virtude da pandemia, pois, na análise exploratória, verificaram-se, em alguns municípios, um aumento da frequência de cesáreas e uma redução do parto normal.

Considerações finais

Há uma agenda política por parte da FNP para que os municípios g100 tenham suas especificidades consideradas, e a listagem de municípios considerados mais vulneráveis teve repercussão nas políticas públicas, inclusive as de saúde. O grupo passou a ser considerado prioritário para iniciativas do governo federal, entre as quais, novos campi universitários e escolas técnicas; ampliação de creches e pré-escolas; ações do programa Brasil Sem Miséria e do Programa de Modernização da Administração Tributária e da Gestão dos Setores Sociais Básicos (PMAT) do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)2424 Frente Nacional de Prefeitos. g100 - Municípios Populosos com Baixa Receita per Capita e Alta Vulnerabilidade Social/Publicação da Frente Nacional de Prefeitos. Vitória: Aequus Consultoria; 2013. [acesso em 2022 jul 18]. Disponível em: https://www.fnp.org.br/publicacoes.
https://www.fnp.org.br/publicacoes...
. No Programa Mais Médicos (PMM), os municípios g100 estiveram entre as regiões com prioridade na alocação dos profissionais2525 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria Interministerial nº 1.369, de 8 de julho de 2013. Dispõe sobre a implementação do Projeto Mais Médicos para o Brasil. Diário Oficial da União. 8 Jul 2013.. Entre 2013 e 2014, 93 municípios do g100 participaram do PMM, e apenas 5 não se inscreveram ou cancelaram a inscrição2626 Oliveira RAD, Duarte CMR, Pavão ALB, et al. Barreiras de acesso aos serviços em cinco Regiões de Saúde do Brasil: percepção de gestores e profissionais do Sistema Único de Saúde. Cad. Saúde Pública. 2019; 35(11):e00120718.. Contudo, durante a pandemia da Covid-19, a FNP considerou que suas demandas em relação à reformulação de critérios para repasse de recursos financeiros da União não prosperaram como almejado2727 Warner M, Burn S, Stoye G, et al. Socioeconomic deprivation and ethnicity inequalities in disruption to NHS hospital admissions during the COVID-19 pandemic: a national observational study. BMJ Qual. Safet. 2022; (31):590-598..

No contexto do g100, vislumbrou-se nesta análise o papel da regionalização da rede de serviços de saúde na utilização da atenção hospitalar nesses municípios para os diversos grupos de internações. Embora se deva reconhecer o caráter descritivo das análises desenvolvidas, não foi observada uma alteração significativa nos padrões habituais de fluxos para utilização dos serviços hospitalares do SUS pela população dos municípios g100 com a chegada da Covid-19, talvez pelas barreiras de acesso preexistentes. Entretanto, as informações produzidas sugerem uma diferenciação entre localidades nas quais a regionalização dos serviços de saúde funciona de forma mais adequada; e outras, onde há escassez de recursos e necessidade de planejamento e gestão mais efetivos.

As lógicas de concentração e desconcentração espacial dos serviços de saúde se articulam em distintos níveis de complexidade do cuidado e, por isso, não necessariamente devem estar disponíveis em todos os municípios. Deslocamentos regionais para demandas complexas podem melhorar a eficiência no uso dos recursos e a efetividade do cuidado; contudo, há que se garantir oferta suficiente, acesso geográfico oportuno, qualidade e coordenação do cuidado, e resposta a necessidades em saúde não atendidas.

É importante destacar que, indiretamente, foram abordadas algumas barreiras de acesso à atenção hospitalar; porém, distância percorrida, necessidades não atendidas e custos de deslocamento não foram dimensionados. Informações diretas sobre a busca e a não obtenção do cuidado dependeriam de inquéritos; contudo, a partir do sistema de informação utilizado, apesar de seus conhecidos limites, foi possível conhecer o padrão de uso de internação e obter indicativos sobre os desafios elencados e a diversidade observada na prestação de cuidado nos municípios do g100.

A queda na frequência de internações em alguns grupos, especialmente nas eletivas, necessita ser acompanhada pelos gestores das diferentes esferas, pois pode expressar demandas potencialmente represadas. Na Inglaterra, estudo mostrou que os impactos da Covid-19 na utilização de internações não ocorreram de maneira uniforme entre diferentes grupos populacionais, com maiores quedas nas internações eletivas em áreas com maiores níveis de privação socioeconômica ou maior percentual de populações de minorias étnicas2727 Warner M, Burn S, Stoye G, et al. Socioeconomic deprivation and ethnicity inequalities in disruption to NHS hospital admissions during the COVID-19 pandemic: a national observational study. BMJ Qual. Safet. 2022; (31):590-598.. Essas questões apontam a importância de os países lidarem com as pendências e atrasos nas respostas às necessidades de saúde negligenciadas ou postergadas durante a pandemia da Covid-19, a fim de manter os ganhos no estado de saúde antes alcançados e evitar o aumento na morbimortalidade por outras causas1010 Van Ginneken E, Reed S, Siciliani L, et al. Addressing backlogs and managing waiting lists during and beyond the COVID-19 pandemic. POLICY BRIEF 47. [acesso em 2022 jul 18]. Disponível em: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/358832/Policy-brief-47-1997-8073-eng.pdf?sequence=1&isAllowed=y.
https://apps.who.int/iris/bitstream/hand...
. Adverte-se, ainda, que ações e políticas que conjuguem busca por maior eficiência com qualidade e equidade, e que não aumentem as inequidades, são importantes.

No caso do Brasil, os impactos da pandemia da Covid-19 no sistema de saúde evidenciaram a histórica necessidade de aumentar o financiamento do SUS88 Viacava F, Oliveira RAD, Carvalho CC, et al. SUS: oferta, acesso e utilização de serviços de saúde nos últimos 30 anos. Ciênc. saúde coletiva. 2018; 23(6):1751-1762.,2828 Souza LEPF, Paim JS, Teixeira CF, et al. Os desafios atuais da luta pelo direito universal à saúde no Brasil. Ciênc. saúde coletiva. 2019; 24(8):2783-2792.,2929 Servo LMS, Santos MAB, Oliveira FS, et al. Financiamento do SUS e Covid-19: histórico, participações federativas e respostas à pandemia. Saúde debate. 2022; 44(esp4):114-29., além de expandir e redistribuir a oferta de recursos físicos e humanos em saúde. No tocante à atenção hospitalar, reforçou-se a relevância do debate também sobre a regulação assistencial, a relação público-privada e as desigualdades regionais3030 Canabrava CM. O acesso à atenção especializada hospitalar no SUS na pandemia de Covid-19: ampliação, insuficiências e iniquidade. In: Santos AO, Lopes LT, organizadores. Acesso e Cuidados Especializados. Coleção Covid-19. Brasília, DF: Conselho Nacional de Secretários de Saúde; 2021. p. 42-58. (volume 5). [acesso em 2022 jul 18]. Disponível em: https://www.resbr.net.br/wp-content/uploads/2021/01/covid19-volume5.pdf.
https://www.resbr.net.br/wp-content/uplo...
,3131 Chioro A. Decisões de gestão: organização da atenção hospitalar em rede na pandemia de Covid-19. In: Santos AO, Lopes LT, organizadores. Planejamento e gestão. Coleção Covid-19. Brasília, DF: Conselho Nacional de Secretários de Saúde; 2021. p. 174-198. (volume 2). [acesso em 2022 jul 18]. Disponível em: https://www.rets.epsjv.fiocruz.br/sites/default/files/arquivos/biblioteca/covid-19-volume2.pdf
https://www.rets.epsjv.fiocruz.br/sites/...
.

Assim, essas análises podem servir para os gestores avaliarem e (re)pensarem programas e políticas públicas de saúde em nível local e regional. Em síntese, procurou-se, produzir insumos para tomada de decisão e melhoria do desempenho dos serviços no âmbito municipal e regional, bem como auxiliar a proposição de soluções para os desafios relacionados com o deslocamento da população para internações hospitalares no SUS que, consequentemente, traduzam-se no melhor desempenho das redes assistenciais e da qualidade do cuidado prestado em todas as suas dimensões constitutivas.

  • apoio financeiro do programa Inova Fiocruz – Covid-19 Respostas Rápidas/Fundação Oswaldo Cruz ao projeto ‘Análise dos Fluxos para Internações da População Residente em Municípios Vulneráveis: padrões e consequências da pandemia’ coordenado por Ricardo A. D. Oliveira. Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) – bolsa de produtividade outorgada a MM (PQ 306100/2019-3)

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    Dez 2022

Histórico

  • Recebido
    29 Jul 2022
  • Aceito
    20 Out 2022
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